Capítulo 3
— Tudo bem Julia. Vamos sair daqui!
Felipe encontrou uma dobra no forro que envolvia as paredes. Ele segurou firme e puxou. Os grampos que prendiam o tecido nos cantos do elevador, foram se soltando a medida que ele forçava o seu corpo em direção oposta. Nos lugares em que retirou o forro, uma fraca luz aparecia de maneira desfocada.
Havia um cheiro de queimado que começara a alguns minutos e agora se intensificava. Julia evitava o corpo de Paulo no chão e procurava controlar os soluços para que Felipe não a ouvisse chorando. Suas pernas estavam tremulas e seu estômago embrulhado. Ela tentou imitar o que ele estava fazendo, mas descobriu que estava sem forças.
— Viu só? — disse Felipe deslisando os dedos na parede em que removera o forro — é vidro com um adesivo colado.
Júlia encontrou uma ponta no adesivo e a puxou. Os dois repetiram o mesmo em todas as paredes de modo a revelar o lugar em que estavam.
Não fosse pela fumaça e pela falta de iluminação, daria para ver quase todo o aeroporto. As filas de check-in e despacho estavam desfeitas. A maioria das pessoas que, minutos atrás, lotavam o local, haviam desaparecido. As poucas que restaram, olhavam em direção a pista de pouso, hipnotizadas por algum evento que não dava para ver do elevador. Júlia pensou que, seja lá o que fosse, deveria ser a causa de toda essa confusão.
— Socorro! Aqui em cima, socorro!
— Acho que não estão ouvindo a gente — Felipe estava ofegante e com o nível de adrenalina muito elevado.
Júlia começou a balançar as mãos e a gritar. As pessoas no aeroporto não pareciam a ouvir. Felipe começou a chutar o vidro do elevador. Nada adiantava.
— Olha! — gritou Júlia.
Dois homens usando uniforme vermelho haviam surgido no salão do aeroporto. Depois surgiram mais dois e mais quatro. Eles carregavam extintores e mangueiras e corriam em direção a fumaça.
Júlia e Felipe se uniram em acenos e gritos. Um dos bombeiros estava discutindo com um homem que se recusava a deixar o local, de modo que seu corpo ficou virado para o elevador panorâmico em que estavam presos.
— Ele viu a gente? — Perguntou Felipe.
— Viu! Ele nos viu! — confirmou Júlia. — Graças a Deus, estamos salvos!
Passaram-se cinco intermináveis minutos até que Júlia e Felipe ouvissem a voz do bombeiro.
— Podem me ouvir?
— Por favor nos ajude! — Gritou Júlia.
Os dois ouviram choques pesados de metal com metal, até que um pé-de-cabra surgiu entre as duas portas, próximo ao teto. O bombeiro criou uma passagem de mais ou menos cinquenta centímetros entre uma porta e outra. Agachado, olhou para o espetacular confinamento. Viu uma mulher com uma mistura de lágrimas e maquiagem nos olhos, um homem deitado no chão, talvez inconsciente, e outro que, devido a expressão e ao estado físico, parecia ter participado de uma maratona. Além disso havia um tecido acolchoado no chão e sangue por todos os lados.
— Me ajude a passar Paulo pela fenda — disse Felipe para Júlia colocando os braços embaixo das axilas de Paulo.
Os dois ergueram o pesado homem até os braços do Bombeiro. Depois Felipe ajudou Júlia a subir até a abertura das portas. Por fim, Felipe saiu do elevador.
— O que houve com ele? — Perguntou o bombeiro examinando a testa de Paulo.
Júlia parecia estar em transe. Ela olhava para o corpo de Paulo como se não pudesse distinguir se já havia acordado ou se ainda estava dentro de um pesadelo. Felipe se afastou para vomitar. Ainda havia muita fumaça no local e o cheiro de plástico queimado estava se tornando insuportável.
O bombeiro limpou o ferimento de Paulo com tiras da própria camisa e com dificuldade colocou-o sobre as costas.
— Vamos. Temos que sair daqui.
Júlia e Felipe o seguiram até a saída de emergência. O cenário havia mudado completamente. As escadas rolantes haviam parado de funcionar e os painéis que indicavam horários de vôos estavam apagados. As portas de vidro por onde saíram haviam sido depredadas e os estilhaços se estendiam por vários metros. Haviam algumas malas deixadas pelo caminho e até mesmo as lojas pareciam ter sido abandonadas. Por todos os lados haviam sinais de que uma multidão deixara o local com certa urgência. Lá fora, haviam táxis e outros carros deixados no meio da rua. Próximo ao estacionamento do aeroporto, um grande número de pessoas se concentrava.
Havia uma ambulância, pouco antes da portaria do estacionamento. O bombeiro parou ofegante e Felipe se ofereceu para levar Paulo. O socorrista o entregou, disse para Felipe levá-lo até a unidade de saúde móvel e voltou correndo para o lugar de onde haviam acabado de sair. Felipe obedeceu e Júlia foi atrás dele sem saber ao certo se ainda deveria segui-lo.
Três pessoas estavam sendo atendidas pelo único enfermeiro presente na ambulância. Os três pacientes estavam sentados no chão mas nenhum parecia estar no estado de Paulo. Felipe procurou um lugar para colocá-lo mas descobriu que não havia nada em que pudesse deitar o corpo do homem ferido.
— Coloque ele no chão — disse o enfermeiro — ele estava no avião?
— Não — respondeu Felipe — ele se atirou contra as portas do elevador em que ficamos presos.
— O pulso dele está bom... Mas essa ferida tá bem feia. Levaram quase tudo mas posso me virar. — O enfermeiro apontou o dedo para o teto da ambulância — pegue a maleta de gases que esta na parte de cima.
Felipe encontrou a maleta com facilidade pois era a única coisa que havia dentro da ambulância.
— O que aconteceu aqui? — Júlia perguntou se surpreendendo com o tremor na própria voz.
— Como assim? — Disse um homem que havia acabado de receber uma costura na perna — Além do avião que caiu?
Júlia e Felipe se viraram para o aeroporto e viram um enorme caminho de fumaça subindo até se misturar com as núvens no céu.
— Por que não levaram a ambulância até lá? — Felipe perguntou para o enfermeiro ignorando as pessoas que estavam sendo atendidas por ele — pode ter sobrevivido alguém.
— A equipe esta lá, com os bombeiros, levaram tudo o que puderam menos a ambulância porque... Ao que parece também foi afetada.
Felipe ficou sem entender o que ele quis dizer com "também foi afetada" mas pensou ser o único a ter perdido alguma parte da explicação, já que ninguém se demonstrou surpreso. Alguns bombeiros surgiram na entrada do aeroporto. Eles carregavam outras pessoas que certamente estavam com ferimentos. Felipe depositou a maleta no lugar em que a encontrou e correu em direção a eles, provavelmente para oferecer ajuda.
— Alguém poderia me emprestar o telefone? — Perguntou Júlia se dirigindo ao enfermeiro ou a qualquer um dos pacientes.
O enfermeiro, concentrado no ferimento de Paulo, se limitou a fazer que não com a cabeça. A senhora que parecia estar a um ponto de desmaiar também não respondeu.
— O celular da minha vó não ta ligando — disse o menino que acompanhava a senhora.
— Eu também não to conseguindo usar o meu — respondeu o homem com o corte na perna — se encontrar um telefone, por favor me avise. Tenho que falar pro meu filho que vou me atrasar pro casamento dele.
Júlia caminhou até o centro do estacionamento onde se concentrava a maioria das pessoas que estavam no aeroporto. Ela ouviu conversas assustadas e o choro de quem acreditava possuir conhecidos no avião que caiu. Muitas pessoas se dirigiram a Júlia pedindo o celular emprestado, o que para a surpresa dela, significava que mais pessoas estavam passando por aquele problema. Ela se dirigiu para a guarita do estacionamento onde algumas pessoas conversavam com funcionários do aeroporto.
— Quanto tempo será que vai levar para resolverem essa situação? — Perguntou uma mulher de meia idade que carregava duas enormes malas e estava acompanhada por duas crianças cada uma carregando uma mochila praticamente do mesmo tamanho que elas.
— Não sabemos senhora. Nunca aconteceu um acidente como esse antes nesse aeroporto. Com certeza as equipes já estão trabalhando para reparar os danos, mas infelizmente acredito que não será tão rápido quanto todos gostaríamos.
A mulher continuou dizendo que achava um absurdo uma coisa dessas acontecer e que tomaria todas as providencias para que o aeroporto respondesse legalmente pelo prejuízo que causara. Júlia esperou pacientemente até que a mulher terminasse de se queixar para conversar com o homem.
— As pessoas não percebem o quanto são inconvenientes — comentou ela com o funcionário que assentiu desinteressado — o senhor sabe me dizer qual é o outro aeroporto mais próximo daqui?
— Acho que o Aeroporto do Bacacheri. Mas se você pretende trocar as suas passagens daqui para lá acho que não vai conseguir.
— Tudo bem, mas será que eu consigo uma passagem pra São Paulo ainda hoje?
— Não sei dizer senhora, mas acho que não. Que eu saiba o único aeroporto de Curitiba com vôos frequentes assim é aqui. Recomendo que vá até a rodoviária e pegue um ônibus. Serão umas nove horas de viagem, mas pelo menos no mais tardar amanhã você estará lá.
Após avaliar que não havia alternativa melhor, Júlia decidiu seguir o conselho de pegar um ônibus. Quanto antes o fizesse, mais rápido deixaria essa situação. No momento, sua maior preocupação era que ainda não pudera avisar ninguém de que estava bem e que iria chegar mais tarde do que o esperado. Ela temia que, ao assistir ao noticiário as crianças pensassem que sua mãe poderia ter se ferido no acidente.
Enquanto se dirigia para o ponto de táxi, se perguntava porque em um aeroporto todas as coisas precisam ser tão distantes uma da outra e se deu conta de que estava cansada e com dores nos pés. Quando viu os primeiros carros brancos com a placa de táxi, ficou surpresa como muitos taxistas, preferiram abandonar os seus veículos do mesmo modo em que estavam, quando provavelmente ouviram o avião cair. Ela caminhou por entre os carros parados até que, em um deles encontrou o motorista sentado e com os pés no painel.
— Com licença — disse Júlia se inclinando pela janela do carro — será que você consegue desviar desses carros e me levar até a rodoviária?
O taxista tirou os pés do painel e analisou Júlia por alguns segundos antes de responder.
— Se a única coisa a me impedir fossem esses carros aí parados, certamente daria um jeito.
Júlia ficou imóvel, como se aguardasse que o taxista explicasse melhor o que acabara de dizer.
— Então não consegue?
— Olha moça — o taxista saiu do carro e encarou Júlia — eu não sei onde você esteve nessas últimas duas horas, mas estamos passando por algum tipo de fenômeno aqui.
— Desculpe? — Júlia estava a um passo de virar as costas e deixar o homem falando coisas sem sentido apenas para si mesmo.
— Me diga uma coisa, a senhora tentou usar o seu celular recentemente?
— Sim, mas não...
— Não está funcionando — interrompeu o taxista — pois é. Acho que a mesma coisa que fez o seu celular pifar, também fez com que o meu táxi, e todos esses aí parados, também pifassem.
— Como isso poderia ser possível? Quer dizer, você acha que quando aquele avião caiu, de alguma forma erradiou uma espécie de onda que desativou o meu celular e o seu carro?
— Pode ser. Mas para mim parece mais o oposto. Acho que, a mesma coisa que fez o seu celular parar de funcionar, levou o avião a cair.
Júlia soltou um riso forçado. Que espécie de "fenômeno" poderia causar uma pane em equipamentos a vários metros de distância? Júlia ficou pensativa por um momento. Os olhos dela se voltaram assutados aos do taxista quando se recordou que, no momento em que ouvira a explosão que provavelmente foi resultado da queda do avião, o elevador já estava parado a alguns minutos.
— Mas o que poderia causar uma coisa dessas?
— Sei lá... Aí não é comigo.
— E por que os outros taxistas abandonaram os seus carros? — perguntou Júlia ainda relutante em acreditar na constatação que acabara de chegar.
— Duvido que tenham abandonado — respondeu o taxista voltando a se sentar na poltrona do carro — alguns foram atrás da direção do aeroporto para tentar entender o que está acontecendo. Outros foram apé buscar um mecânico. Eu fiquei porque estou cansado e cedo ou tarde, algum deles voltará com a explicação disso tudo e com alguém pra dar um jeito nos nossos carros.
Júlia voltou para o estacionamento. Embora a maioria das pessoas já tivessem se dissipado, ainda haviam muitas que provavelmente assim como ela, não tinham como ir para lugar algum e permaneceram ali. Na ambulância, Paulo continuava deitado no chão, desacordado. A senhora que antes estava pálida, agora tinha uma aparência um pouco melhor e o menino que a acompanhava também parecia mais tranquilo. Também haviam dois novos pacientes que tiveram seus ferimentos tratados. Júlia não avistou Felipe e nem o enfermeiro.
Ventos de fim de tarde ajudaram a soprar o cheiro de fumaça para longe. O céu que se manteve nublado a maior parte do dia, dava sinais de que uma nova etapa da chuva chegaria antes que o dia terminasse.
— É estranho não acha vó? — disse o menino.
— O que? — perguntou a senhora.
— Até agora nenhum caminhão de bombeiro veio apagar o fogo do avião que caiu. E ninguém da TV veio filmar a gente e perguntar o que aconteceu.
A princípio Júlia considerou que os bombeiros e as equipes de TV não conseguiram chegar até o aeroporto devido aos carros que, como vira, pararam de funcionar e por isso, provavelmente trancaram o caminho até ali. Mas depois começou a imaginar qual seria o raio afetado pelo "fenômeno" e até que parte da cidade estaria sofrendo com essa pane elétrica.
— Eles não vieram porque não sabem o que aconteceu aqui — disse um homem com ferimentos nos dois braços.
Todos ficaram em silêncio como se tentassem encontrar justificativas para essa hipótese.
— Como estamos sem energia desde que o avião caiu — continuou o homem — ninguém conseguiu ligar para os bombeiros ou postar no Facebook que quase morremos. Isso explica porque ainda não chegaram. Mas certamente a companhia de eletricidade e as operadoras de celular logo notarão que estamos sem energia. Então, fique tranquilo, cedo ou tarde os repórteres virão filmar você.
— Esperamos que sim — pensou Júlia.
Muito obrigado por ler até aqui. Eu gostaria de saber o que você está achando. Escreve um comentário?
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