Para muitos a vida parece injusta, mas para um casal apaixonado tudo é perfeito até que da perfeição surge o sofrimento e com ele, o luto...

Se eles soubessem o que iria acontecer durante aquele dia, talvez ambos resolvessem se atrasar para o trabalho e só assim conseguiriam aproveitar o máximo do tempo que os restavam. Eles podiam ter adiantado sua viagem, já que tinham o direito a alguns dias de folga nos quais cairiam muito bem naquele feriado prolongado. Ou, simplesmente, parariam apenas para se entreolharem por alguns segundos, possibilitando a Luís o tempo suficiente de gravar em sua memória cada traço do rosto de sua amada, cada curva de seu corpo, o som de sua voz calma e de sua gargalhada que às vezes se assemelhava ao riso de uma hiena.

Entretanto...

... não foi isso que aconteceu.

A correria do dia a dia nos faz esquecer que devemos apreciar cada pequenino momento que nos é dado, seja ele horas, minutos ou segundos. Em apenas um piscar de olhos, tudo pode acontecer e sua vida, antes brilhante e cheia de cor, vira uma neblina sem fim, onde você acaba desejando que um buraco negro o engula por completo.

Esse não é o final de nossa história e sim como tudo aconteceu, como caminhos se entrelaçam de uma forma inexplicável. Como duas pessoas diferentes se conheceram em um momento em que tudo assemelhava estar perdido, só que antes disso, precisamos entender o que realmente aconteceu naquele fatídico dia.

Dia 06 de setembro de 2017, horário 6:00 — Botucatu, São Paulo.

Um despertador apita mostrando que está na hora deles levantarem ou então se atrasarão para seus respectivos empregos. Não é do feitio de ambos chegarem atrasados, sempre foram corretos em tudo e, aquele dia não será diferente. Por mais que os dias fossem corridos e muitas vezes cansativo, Karen e Luís amavam o que faziam, e o que é apenas algumas horas, quando eles poderão aproveitar quatro longos dias em sua viagem e conhecer os paraísos da Cidade do Sol. O Forte dos Reis Magos, as Dunas de Genipabu e as praias.

O passeio foi escolhido ao dedo pelo casal. Karen sempre desejou conhecer o estado do Rio Grande do Norte, e Luís lhe proporcionou esse presente. Naquele final de semana completaria um ano de casados, um relacionamento que começou na juventude, atravessou as dificuldades da universidade e se concretizou na vida adulta. E é claro, já estava no momento exato de dar o próximo passo.

A mulher de estatura mediana e olhos cor de azeitona é farmacêutica, seu sonho desde pequena sempre foi seguir o mesmo ramo de seu avô, ela ficava fascinada com a maestria do mais velho ao explicar as maravilhas que os medicamentos faziam às pessoas que sofriam de certos maus. Quando tinha 7 anos, Karen, sentada em uma banqueta, se apoiou no balcão da farmácia que não passava de um corredor pequeno com várias prateleiras contendo frascos e caixas. A menina pegou um saco de papel e com a caneta começou a fazer alguns rabiscos, desenhando como seria a farmácia dos sonhos, Antenor olhava os contornos com uma alegria profunda. Ele guardou o desenho em sua gaveta e alguns anos depois, Lidia, a esposa do falecido, o achou em uma gasta Bíblia.

O projeto de uma criança se desenvolveu com a ajuda de sua avó e seu pai, e conforme o tempo passava, Karen tinha mais certeza de qual era sua vocação. A pequena loja na frente da casa Riviera se tornou depois uma farmácia de prestígio no bairro. A farmacêutica que foi morar um tempo em Araraquara depois que ganhou uma bolsa de estudo na UNESP de lá realizou seu sonho com a parceria de uma amiga que conheceu na universidade. Ambas juntaram dinheiro, fizeram empréstimos e compraram o terreno, acompanharam todo o processo de construção, o acabamento, decoração, entrevistas de funcionários...

Já o homem alto de olhos acastanhados havia seguido o mesmo ramo de seus pais e após oito anos de longos estudos e noites mal dormidas, ele finalmente recebeu seu diploma de Medicina e se tornou residente no hospital mais prestigiado da região, a Universidade Estadual Paulista — UNESP, um campus de docência, pesquisa e extensão de serviços a comunidade. O casal possuía uma carreira brilhante pela frente e tempo suficiente para curtir cada momento.

Tempo, uma palavra tão pequena, com um sentido tão... grande.

As horas se passaram, o almoço foi tranquilo e o finalzinho da tarde chega atingindo rapidamente a cidade com seu valor histórico. Carros passam pela avenida, alunos indo para as escolas em grupos, os assobios e brincadeiras na calçada em comemoração ao que viria. O feriado estava chegando e com o ponto facultativo decretado pela prefeitura tudo ficava ainda melhor. Todos tão alheios aos acontecimentos ao redor. Um jovem de aparência entristecida desce de um ônibus e se dirige ao seu local de destino. Suas intenções não são tão ruins, o problema é seu método completamente questionáveis.

O expediente havia acabado, os funcionários arrumando todas as coisas para deixarem o local de trabalho e partirem para seus lares. Novamente um dia normal se encerrava, foi assim que todos pensavam naquela quarta-feira às 18h45. Alguns ali trabalhavam meio período, outros optaram pela carga horária completa, o que lhes permitia tirar dias de folga ou receber um extra no final do mês, contudo Karen e Bárbara tinham o dever de cuidar daquilo que construíram juntas, elas não eram apenas sócias, e sim grandes amigas. As duas vinham planejando tornar o estabelecimento aberto 24 horas e isso iria requerer mais funcionários.

O relógio marcava 18h55 e a ansiedade para dar o dia como encerrado apoderava de cada um daqueles que estavam na loja. Quem trabalha nesse ramo sabe o quanto é cansativo correr de um lado para outro o dia todo para dar conta da fila que parece que nunca diminui. O que era bem verdade, a Farmácia Riviera — sobrenome do falecido avô de Karen — ficou conhecida na região por possuir os melhores preços em medicamentos, como também em manipulações de comprimidos. Sendo assim, clientes nunca faltam.

Um apito ecoou pelo local quase fechado anunciando que um cliente havia acabado de entrar, os funcionários se entreolham já cansados e desanimados, eles estavam a um passo do feriado prolongado. Durante esses períodos os clientes resolviam comprar seus remédios com medo de acabar e ter que enfrentar o ônibus circular até o centro da cidade para chegar nas farmácias abertas 24 horas. Estabelecimentos de pequeno porte fecham suas portas — não sendo o caso totalmente daquela —, mas o hábito de algumas pessoas não mudava, aliás, evoluía em uma família, o que é bom para os negócios. A Farmácia Riviera tinha clientes da época da administração de Antenor que frequentavam o lugar mesmo após ter mudado de localização, alguns ali eram clientes desde 82, outros diziam ser de 79. A confiança e carinho conquistou essas pessoas e seus familiares.

O jovem caminha até o balcão e apresenta um papel sujo e gasto contendo a receita de um medicamento quase imperceptível aos olhares do funcionário que já estava ali desde as 7:00 da manhã. Rafael, mesmo usando seus óculos, pouco enxergava as letras apagadas no receituário e, para não cometer o erro de vender o medicamento errado, o rapaz pediu auxílio à companheira ao lado.

Outros funcionários, ao dar seu horário, simplesmente vão deixando seus postos e rumando até a porta. Alheios aos dois companheiros de trabalho que atendiam o jovem que vestia uma blusa escura amarrotada e com um boné gasto.

Pouco tempo se passa e vozes ecoam pelo local, o fármaco não se tratava de um simples xarope para tosse ou um comprimido para dores de cabeça. O princípio ativo sendo de alto custo e com retenção de receita, tendo um valor nada agradável ao bolso, porém necessário para o paciente que o consome diariamente.

O jovem se descontrola ao perceber que não receberá o medicamento, que sua receita além de vencida ainda é a segunda via e mesmo que o recebesse, o dinheiro em seu bolso não é suficiente, isso ele estava ciente desde o início, essa não é a primeira vez que se viu obrigado a comprá-lo, só que, dessa vez, foi diferente.

Uma terceira pessoa aparece próxima ao balcão ao se dar conta da discussão. Talvez o correto fosse ligar para a polícia, ao invés disso, ao perceber o transtorno do jovem, apenas resolveu lhe entregar o que tanto pedia, isso encerrava a confusão e também um possível assalto.

Entretanto, sem saber como reagir ao novo integrante, o jovem assustado desliza o dedo pelo gatilho da arma escondida no bolso de sua blusa. A bala segue o percurso atingindo o peito da mulher que tão prestativa o ajudava sem questionar.

O corpo desfalecendo vai ao encontro do chão, e os gritos ecoam pela loja farmacêutica.

Desespero... foi o que atingiu cada um presente no momento exato em que Karen sofre o ferimento fatal. O agressor sofrerá a pena pela morte de uma pessoa inocente e com isso jamais conseguirá entregar o fármaco a tempo. Não que ele soubesse que iria sair impune ou que receberia o medicamento apenas contando sua história, não, ele tinha um plano e se tudo desse errado, seu último pedido estava no receituário.

O fim de sua vida foi a tentativa falha de salvar a pequenina criança que morava no endereço escrito atrás da folha gasta.

— Eu não queria isso!!! Por favor, ajudem, minha irmãzinha!!! — súplica com lágrimas nos olhos ao virar o receituário e puxar novamente o gatilho.

Outro tiro, outra vida perdida...

Três mortes ceifadas no último batimento de seus corações que clamavam por socorro. Sonhos destruídos e famílias devastadas pela tragédia inconsequente de se tentar adquirir uma embalagem com comprimidos, os quais salvariam a vida de uma garotinha que agora podia estar condenada à morte também.

Momentos trágicos marcam a vida de cada um, e, esse em questão, marcou profundamente a vida de um casal que não terá outra oportunidade de se encontrar. Não haverá tempo para declarações e nem beijos apaixonados, restando apenas dor e as lembranças de um passado feliz, e um futuro que jamais irá acontecer.

Foi assim que essa história começou, não com sorrisos ou promessas de amor verdadeiro, e sim com dores e traumas ocasionados pelos momentos perturbadores de pessoas distintas.

"A vida é cheia de surpresas, nada está perdido, apenas adormecido."

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O que achou do íncio dessa história? 

Segura o coração que lá vem fortes emoções 😉💕