Capítulo 2 - Não julgue, para não ser julgado
As pessoas têm o péssimo hábito de julgar o próximo quando não sabem nem o que eles realmente passam, não conhecem suas dores, seus medos e nem o verdadeiro motivo por trás de seus sorrisos que podem muito bem disfarçar o que estão sentindo. A vida é passageira e o que fica são apenas as lembranças boas e também as ruins, disso não há como escapar.
Mais um dia se inicia com o brilhante do sol de verão, hoje será um daqueles dias quentes que dá vontade de ficar em uma piscina ou perto do ar condicionado e se não tem nenhum deles em casa eu te digo: sinto muito, você irá passar se morar no interior de São Paulo. Botucatu tem excelentes paisagens e uma cachoeira que dizem ser ótima, que se chama Cascata da Malta, só que eu não conheço. Na região tem o Rio Tietê e Parques Aquáticos, mas nada de praia. Pelo menos Luís Henrique mora em uma casa feita à medida pela Arquiteta Juliana Rodrigues, sua prima materna, e nela tem um amplo espaço para fazer churrasco e uma piscina confortável, pena que nosso médico perdeu o brilho para tais banalidades da vida.
Hoje não será diferente dos outros. Emergência atrás de emergência é tudo o que espera o nosso protagonista dentro do PSA lotado, o calor não fará nenhuma diferença, o hospital é arejado e isso facilita muito a vida dos funcionários e pacientes. Morar em uma cidade com 756m a 92m de altitude acima do nível do mar tem seus prazeres. Para a alegria de muitos, hoje é sexta-feira e o carnaval está se aproximando. Alguns médicos vão sair de férias, outros vão fazer hora extra e a maioria cumprir sua jornada de trabalho e só voltar na segunda-feira. Tem também as escalas de trabalho que possibilita passar dois ou mais dias com a família, e um que está nela é o Dr. Luís Henrique Oliveira Guimarães, é estranho chamar um homem de 29 anos de doutor, tão jovem, experiente e sofredor. Esclareçamos que Luís, assim como seu pai tem um alto QI, ele terminou o ensino médio aos 16 anos e fez a prova que mudou sua vida. Os cursinhos e o constante estudo em sua adolescência o ajudaram a passar na primeira chamada, tudo o que conseguiu foi por mérito seu e não da mãe que é Professora de Cardiologia e nem do Psiquiatra que negou várias vezes a sala de aula, preferindo atender os pacientes em vez de ensinar seu trabalho aos estudantes ansiosos e curiosos daquela instalação de estudo. Cada um tem seu dom. Digamos que tem, sim, aqueles que dizem que Luís chegou ali por influência dos pais, uma grande mentira, mas... muitos preferem julgar em vez de aceitar que o jovem tem uma mente brilhante que agora pretendia fazer uma pós-graduação em pediatria.
Uma mente brilhante, uma carreira de sucesso, estabilidade financeira e uma família que tinha tudo para ser perfeita. A vida costuma pregar peças para mostrar o quanto é importante valorizar os pequenos momentos.
Ao término do expediente se vê vários dos companheiros de trabalho pegando seus pertences e tirando jalecos, outros entrando e se arrumando para mais um turno, essa é a rotina de um PS. Pacientes entram e sai o tempo inteiro, são salas e salas de soro intravenoso e pessoas que esperam pelo remédio fazerem efeito e cortar a dor.
Após o término de seu expediente, o médico tinha mais um turno a cumprir e apressado entra no carro e dirige até Rubião, lá ele tem o dever de visitar pacientes esquecidos por seus familiares, algo que pegou como sua responsabilidade, levar alegria e amor por onde passar. Prezar a vida de todas as formas é sua prioridade.
— Como se sente hoje, Margarida? — pergunta o homem olhando para a prancheta da paciente. Por ser médico ele tinha suas regalias e como ajudava muito no dia-a-dia da Unesp, os professores lhe davam essa liberdade de entrar sem ser o horário de visitas.
— Estou cansada de ficar deitada, pode por favor ajustar essa cama? Faz horas que estou nessa posição desconfortável e começo a sentir os primeiros calos na minha bunda. Não que isso seja ruim — o clínico apenas abre um sorriso e balança um pouco a cabeça. A paciente em questão é uma das suas preferidas, ela reclama da vida e de todos ao redor, porém tem também os melhores conselhos. — Vai ficar só rindo da minha desgraça, ou vai ser um bom médico e ajudar essa pobre velhinha?
É por coisas como essa que Luís gosta tanto do que faz, auxiliar as pessoas como um dia fizeram com ele.
O médico apenas vai em direção a Margarida e puxa a trava que começa levantando a parte superior da cama de ferro, só para evitar que ela brigue com alguma enfermeira depois.
— Obrigada, meu jovem! Lutarei por mais médicos como você, se for preciso. Tem uns aqui que vivem de narizinho empinado achando que possui o rei na barriga, mas é só merda mesmo, que possivelmente subiu até o cérebro e corroeu todos os neurônios.
— Só estou fazendo meu trabalho, senhora.
— Seu trabalho é cuidar da minha saúde e não do meu bem-estar, porém agradeço de coração por ter você na minha vida. — Agradece à senhora de 65 anos que passou recentemente por uma cirurgia na perna depois de um tombo ao tentar fazer uma limpeza em sua casa.
Idosos tendem a achar que são jovens e que podem fazer as mesmas estripulias, como subir em cadeiras para limpar um armário de parede. Margarida aprendeu da pior forma que sua idade havia chegado e que trabalhos como aqueles devem ser feitos por alguém que não é ela. Uma sorte que o tombo não tenha causado outros danos, só ocasionando vários hematomas e uma perna quebrada. E se ela não fosse tão forte, talvez nem teria resistido a cirurgia, muitos entram diariamente dentro daquelas salas, e nem todos resistem aos pequenos procedimentos.
— Não me diga que vai me furar novamente? — A paciente pergunta com um sorriso sapeca.
— Se a senhora não tirar o cateter, não precisa levar outro furo — Luís responde sério.
— Esse negócio — ela levanta a borracha — fica coçando meu braço.
— Finja que ele não está aí. E como está sua alimentação? Se não comer, vão te enfiar uma sonda.
— A comida não tem sal, e vem muito pouco — ela resmunga irritada.
— Senhora Margarida, sua hipertensão a proíbe de comer alimentos com muito sal, e a quantidade de comida que vem é a correta para uma nutrição saudável. Não reclame do que as cozinheiras fazem com tanto amor e carinho para os pacientes.
— A única coisa boa aqui ainda é a sua presença — exclama rindo e tirando de Luís um sorriso. — Doutor, sabe quando terei alta?
— Apenas quando estiver completamente bem, então se alimente direito, não tire a sonda do braço e evite mexer a perna até iniciar a fisioterapia — fala analisando as marcações daquele dia na prancheta.
— Sabe, Doutor Luís Henrique — diz olhando para o relógio na sala — já se passam das 20h e você continua perambulando pelos corredores.
— Não posso ir embora sem ver minha melhor paciente — afirma com um sorriso que deixa a senhora tão feliz e com o sentimento de ser amada.
— Você vem aqui todos os dias, diferente dos meus filhos e netos. Não fui uma pessoa muito boa e afastei minha família e agora que preciso deles, nenhum vem me auxiliar.
— Acredito que ainda dá tempo de reparar os erros. — Luís fala ao se aproximar e conferir a pressão da paciente.
— Sim... ainda há tempo para nós dois — Margarida olha para o lado oposto, depois da janela de vidro tinha um jardim e uma capela.
— Você quer ir lá fora?
— Tenho vontade de rezar. Faz tanto tempo que não faço isso que acho que perdi a minha conexão com o ser divino.
Luís vai até a porta de entrada, olha para o corredor vazio e a fecha. Depois vai até o banheiro e pega a cadeira de rodas usada para o banho.
— Daremos uma volta. Nós dois precisamos desse momento com o Divino.
O médico a ajeita na cadeira de rodas, arrumando junto o tripé que carregava o soro fisiológico, os analgésicos e anti-inflamatórios. Deixa a prancheta sobre a cama e leva a paciente para o corredor tranquilo e vazio, dobra a direita e chega a porta que leva ao jardim e ali ambos passam um tempo juntos, visitam a capela e fazem suas preces. Luís Henrique sabia que sua atitude não era certa, primeiro ele devia pedir permissão ao professor de ortopedia antes de tirá-la do quarto e que sua atitude poderia impedi-lo de atuar como médico voluntário naquela sessão e nas outras do hospital. O caso é que Margarida é uma das pacientes que não recebia visitas familiares e ela não tinha ninguém para zelar por sua saúde a não ser eles, a equipe médica do HC.
Uma enfermeira entra no quarto para conferir o estado da paciente, e ao se aproximar da prancheta percebe o vulto dos dois do outro lado da janela, ela os observa conversando animadamente no jardim. O jantar logo seria servido e Margarida se divertia contando ao médico sobre suas filhas.
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Viva como se fosse o último dia!
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