07. Odes ao poeta grego, parte 03.
07. Odes ao poeta grego, parte 03.
"Vamos comprar um ônibus e viajar Brasil afora, A Estereótipo de Gênio fará história", rimava Mateo, depois de uma pequena apresentação no ICMC. A boa recepção dos estudantes de lá (e as moedas jogadas por eles) elevaram o estado de espírito do vocalista da banda ainda amadora. Mateo sonhava alto e continuaria sonhando se não fosse pela chegada de Cecília Pasternak no apartamento do trio. Cecília era dois anos mais nova que Matheus e era uma canceriana de 14 de julho, com ascendente em Libra, lembrava Martina. Usava aparelhos auditivos em ambos os ouvidos. Fora Matheus que, quando a irmã tinha apenas três anos, percebera a deficiência da mesma. Depois disso, na Grécia, pegava a mão da irmã e fazia esta sentir o som da sua harpa.
– O que foi, Ceci? – Indagou o ariano de ascendente em Sagitário.
– A mamãe está com uma febre terrível e não quer morrer sem te ver. – Despejou a caçula dos Pasternak.
E Matheus retornara ao lar, com o drama típico de seu sol na quinta casa astrológica. Levou um gato para a mãe, nomeado Carrapato de Padre e apresentou o neto à avó. A mãe, mais dramática que o filho cantor, não tinha febre, não tinha nada. Ali começava a hipocondria que Helena Pasternak carregaria por muito tempo (e a sucessão de gatos chamados Carrapatos de Padre).
– Querido, eu só partirei em paz se você me prometer deixar essa banda e concluir seu curso de Arquitetura e ser um bom arquiteto. – Ameaçou a senhora.
– Eu só prometo concluir se eles não fecharem as portas. Eu e Marcilla somos cobaias de um curso que nem foi fundado oficialmente... – Observou Mateo de Ophiuchus. – Agora, um bom arquiteto eu nunca vou ser. Mãe, a música é como o sangue que escorre em minhas veias: eu não posso viver sem ela!
E, com essas palavras, Mateo partira de vez da casa dos pais. Voltava, às vezes, apenas para mimar Carrapato de Padre. Apesar da indigestão dos genitores de sua vida anterior, Martina sabia que, quando era o estudante de Arquitetura, não era uma pessoa de fácil convivência. Por exemplo, comprara um trailer (que também era usado para shows) e posicionou-o em frente ao apartamento dos colegas de banda.
– É um ótimo lugar para transar e fumar drogas, Kayros. – Observou Mateo. – Se quiser eu empresto para você e a Marcilla. O Pablito ainda não superou a virgindade dele, então não pega bem vocês fazerem sexo no apartamento.
Os anos de 78, 79 e 80 passaram-se sem muitas novidades na vida de Mateo, lembrava Martina. Porém, 1981, na contramão dos anos anteriores fora inimigo da inércia. Encontravam-se Mateo, Kayros e Pablito lanchando antes de mais uma apresentação com poucos espectadores. Era o dia de Reis daquele ano.
– Vocês sabiam que os Reis Magos eram astrólogos? A Estrela de Belém era uma conjunção de Saturno com Júpiter. – Olha ali a Marcilla. Vou tomar uma vodca com ela.
– Bonito o amor deles, não é? Sinto até inveja, às vezes ... – Mencionou Pablito.
– Você também considera bonito um amor entre homens? – Indagou o ariano. – Sério, Pablito, não é por nada. Faz mais de três anos que tocamos juntos e eu nunca te fiz essa pergunta. Não fique com essa cara emburrada.
– Acho válido, Mateo. Nunca joguei nenhuma maçã em você, como alguns dos nossos mais odiosos fãs fazem, por exemplo. Só não concordo com essa tua forma de tentar ser feliz com qualquer um...
– Ainda bem que você acha válido. Já me é muito simpático que meu pai. – Observou. – Sabe, o Gabriel, o primo que beijei aos nove anos? Foi morto. Ele e o namorado. E adivinha o porquê? Porque eram "viados".
– Sinto muito.
– Eu sinto mais ainda, mas, por agora, precisamos lembrar ao Kayros que nosso show é daqui a dez minutos.
E fizeram o show e, por algum milagre dos Reis Magos, Mateo de Ophiuchus não recebeu nenhuma maçã. O segundo milagre veio através de Bidu, ex-paixão do cantor.
– Falei bem de vocês para ele e eles quis conhecê-los pessoalmente. – Disse Bidu. – Camilo, o senhor das frutas.
– Olá, rapazes. – Cumprimentou Camilo. – Desde que perdi minha esposa procuro algo que me faça recuperar o brilho nos olhos.
– Meus pêsames, senhor. A morte não é o fim, é só a próxima etapa. – Discursou Kayros.
– Não, ele não perdeu a esposa para a morte, mas sim para minha mãe. As duas fugiram e ninguém sabe o paradeiro. – Interferiu Bidu.
– Que emocionante! – Sentenciou Mateo.
– Senhor Camilo, não entendo como uma simples apresentação de três músicos semiamadores poderia fazer o senhor recuperar o brilho nos olhos...
– Ah, meu querido rapaz... Sou dono de uma rede de hortifruti e quero investir meu dinheiro e meu tempo. Eu quero patrocinar a banda de vocês. Não só isso. Eu vou conseguir uma gravadora.
Dito isso e superado o espanto, os "Gênios" começaram a se reunir na casa de Camilo para discutir o projeto. Camilo tinha uma bela filha e, segundo informações de Bidu, a garota e Bento chegaram muito perto de iniciar um namoro (a ideia foi descartada após a fuga entre as duas mães). O nome dela era Cíntia e Pablito achou-a muito bonitinha. Mateo só conseguia ver nela uma criança que nem tinha feito 15 anos ainda... Bem, naquele momento, o importante era o pai da garota.
Camilo levou o dono de uma produtora musical independente, a "Solares" para conhecer o trio. O ricaço ficou espantado com a proposta de lançamento de 17 músicas, sendo que uma (vide "A Penúltima Odisseia") tinha mais de dez minutos de duração.
– Não, garotos, vocês estão achando que estou falando grego, mas vocês só podem gravar umas sete ou oito dessas músicas, se escolherem continuar com a "Odisseia". – Disse.
– Pois eu falo grego. – Respondeu Mateo. – "Eímaste" of idiofyïes kai an thélete bonó na sas tragoudíso sta elliniká. – Martina soube, automaticamente, que aquilo significava "Nós somos os 'Gênios' e se quiser eu posso cantar em grego para você".
O empresário, encantado com a fluência de Mateo, não só concordou com o projeto do trio, como exigiu que todos estivessem de roupas gregas na gravação de cada canção. Então, meses depois, o trio gravou o primeiro disco vestidos de gregos traídos.
Porém, antes da gravação de "Os Poetas Gregos", Mateo, Kayros e Pablito tiveram muitas aventuras. Matheus, lembrando de parte delas, sorriu no bote em que lhe levaria à morte. A primeira gaitada surgiu ao lembrar que a Rádio São Carlos os recebou com cordialidade para falar do disco que seria gravado em setembro daquele ano. A própria rádio, em 1977, havia noticiado com espanto o mal uso do "Clube da Igreja".
– O público quer saber a sua intenção, Mateo de Ophiuchus, ao escrever a letra de "Primeiro, mulher". – Noticiou o radialista.
– Além de provocar a Igreja Católica? – Debochou o cantor. – Bem, eu preciso contar para vocês sobre o mito de Hermafrodito...
A segunda risada lhe doeu, um pouquinho, o coração. Era 24 de junho de 1981, Martina lembrava. O Ophiuchus, mais bêbado do que o normal, se aproximou de Pablito de Tebas e lhe deu um costumeiro tapinha na bunda.
– Pablito, eles já estavam falando da gente de novo na Rádio São Carlos. – Conversou. – Somos a maior banda de rock do interior de São Paulo segundo eles. Eu não tenho dúvidas disso.
– E o que o Kayo, digo, Kayros acha disso? – Indagou.
– Ele disse que nós três fomos predestinados ao encontro e ao sucesso. – Repassou. – João Paulo, se eu puder te chamar pelo teu nome, eu pensei no que você disse no dia em que conhecemos o Camilo e... eu não quero mais ficar com um e com outro, eu... – Completaria, mas a vontade de dar um beijo na sua paixão fora mais forte e assim o fizera. – Eu te amo. – Finalizou.
– Matheus, eu, eu... eu e a Cíntia estamos namorando. Eu vou pedir ela em namoro oficialmente no próximo encontro na casa do pai dela.
E, com esse amargor na boca, Matheus, que estava destinado a sofrer por amor até o fim de sua vida, seguiu em frente. Gravou "Os Poetas Gregos" vestido de Afrodite. Fora a melhor maneira de debochar de sua própria cara. O poeta passou os anos seguintes, Martina sabia, de festa em festa, se drogando e transando com caras cujos os nomes nunca soube.
As lembranças pularam para 1986. Kayo estava para casar com Maria Márcia dali a oito dias. A amiga de Matheus já estava no sétimo mês de gestação. Tudo transcorreria bem até o casório se não fosse pela notícia que Bento entregaria. O ex-parceiro de clube de Matheus chorava copiosamente ao telefone.
– Espera um pouco. – Disse Mateo para seu novo amante, o chefe de restaurante Ricardo Lemos, mais conhecido como Rico. – É um amigo meu. Faz anos que a gente não se fala.
Após a ligação, o próprio Matheus não conseguiu segurar o choro. Rico perguntou o porquê.
– Meu ex-namorado Bidu morreu de aids. – Revelou.
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