Capitulo 7 - Verdade ou Mentira
De repente ouve-se o som da chave na fechadura...abrem a porta: é o meu avô. Ele, o meu tio e o Padre Ricardo entram com um ar...nem sei se abatido, se frustrado.
E difícil decifrar o meu avô, a sério às vezes não sei o que se passa na cabeça dele. A minha mãe dizia que o meu pai e eu somos iguais a ele, nunca achei que fosse igual ao meu avô, agora o meu pai! Ele sim é igual, ambos colocam aquela cara indecifrável e ninguém consegue perceber o que eles estão verdadeiramente a pensar, era como se colocassem um escudo entre os seus sentimentos e o mundo ao seu redor.
- Por amor de Deus, Carlos diz alguma coisa? Onde está a Madalena?
- Não sei, achas que se eu soubesse ela já não estava aqui a levar um bom castigo...
- Foi por causa desse teu mau feitio que a Madalena sumiu...- nesta altura a minha avó já está a soluçar...- Ela perdeu a mãe, o nosso filho está naquela cama de hospital e tu a única coisa que sabes fazer é gritar com ela.
- Agora a culpa dela ter fugido é minha? Ela anda impossível desde que veio de Lisboa.
- E tu já tentaste perceber o porquê de ela estar tão afastada de nós, tão imprevisível?
- Porque está mal habituada, a culpa disso é do nosso filho e da Maria. Sim deram-lhe liberdade a mais. E foi nisto que deu...
- Não digas isso. A Madalena sempre foi responsável, nunca foi de se meter em problemas.
- Pois, viu-se no que deu. Ou vais dizer que a culpa do que aconteceu em Lisboa foi obra do diabo, que lhe passou uma coisa na cabeça e resolveu fazer o que fez...
- Chega Carlos, o Pedro e a Maria tiveram um acidente de carro. A Madalena já estava no hospital, ela não teve culpa. "Ninguém" sabe o que se passou naquele dia...
- Se ela não se tivesse saído de casa sem dizer nada a ninguém não se tinha metido em confusões, eles não teriam tido o acidente e estavam aqui connosco: os dois. Ela é que devia ter morrido...
- Eu não acredito no que estás a dizer. Tens noção do que estás a dizer? Na barbaridade que acabaste de dizer?
- Vamos todos ter calma...- o Padre Ricardo tenta acalmar os dois...- Estamos todos nervosos e a dizer o que não queremos.
- Se acontecer alguma coisa à nossa neta eu não te vou perdoar ouviste? Não te queixes se a perderes de vez com essa tua atitude. Vou-me deitar alguma notícia vão-me avisar.
- Eu vou contigo mamã, precisas de descansar um pouco. Meninos vão dormir também por favor.- diz a minha Tia Cátia.
Sinceramente nem sei o que pensar. O meu avô disse com todas as letras que culpava a Madalena pelo "acidente", que a preferia ver morta. Fui para o quarto com o Afonso, mas quem diz que eu conseguia pregar olho. Não consigo dormir, as palavras do meu avô não me saem da cabeça: "Se ela não se tivesse metido em confusões, eles não teriam tido o acidente...e estavam aqui connosco os dois...ela é que devia ter morrido...", será que ele pensava mesmo aquilo ou foi apenas do calor do momento.
- Pedro estás bem? Queres falar?- mantive-me calado, tenho tanta coisa na cabeça...
Apesar de achar a Madalena um pouco "rebelde" entre outras coisas, o Afonso sabia que toda aquela conversa entre os nossos avós me tinha afectado. Ela era minha irmã e por mais asneiras e parvoíces que ela fizesse eu adorava-a. Nunca, jamais eu desejaria a sua morte. Mas será que o que o avô disse era verdade? Será que a culpa foi mesmo da Madalena? Dei comigo a pensar em tudo o que aconteceu naquela noite...
A verdade é que nós nunca soubemos o que se passou. Naquela noite as meninas estavam já a dormir, eu estava no meu quarto a acabar de fazer as malas para a nossa viagem, quando de repente a minha mãe me veio avisar que ela e o meu pai iam buscar a Madalena, que supostamente ela estaria em casa da Magui, e saiu sem me dizer mais nada.
Passado umas horas os meus tios bateram à porta, e foi nessa altura que tudo mudou para sempre. Todavia, nunca nos contaram o que se tinha passado, apenas soubemos que a Madalena tinha sido assaltada, e que foi parar no hospital. E que os meus pais tiveram um acidente, nem sei se foi a caminho do hospital ou se a caminho de casa.
A minha mãe foi a que sofreu mais, ficou em coma um mês, mas acabou por ter morte cerebral. O meu pai está em coma, e não se sabe ainda se vai recuperar e caso acorde como estará. A Madalena, quando acordou foi diagnosticada com uma Amnésia Psicogénica, o que quer dizer que ela simplesmente bloqueou tudo o que tem ver com o acidente.
- Afonso, achas que a Madalena pode mesmo ter culpa no acidente? Achas que o avô tem razão?
- Não sei, a verdade é que ninguém sabe. Talvez sim, talvez não.
- Nunca pensei muito naquele dia, simplesmente ouvi e...
- Ouviste e calaste...
- Mais ou menos. Os meus pais saíram para ir buscar a Mada, que supostamente estava em casa da Magui...
- E...
- E o local onde tiveram o acidente foi na ponta oposta da casa dela. Será que o avô tem razão? Será que a Madalena teve alguma coisa a ver com o acidente?
O Afonso não me respondeu a verdade é que eu nunca tinha pensado em tudo isto. Precisava de saber, precisava de saber se o que eu estava a pensar era verdade, e se fosse o que é que eu ia fazer? Será que iria conseguir encarar a minha irmã depois de saber a verdade? Talvez fosse melhor não mexer em toda esta história, mas não conseguia deixar de pensar nisto...e assim adormeci.
No dia seguinte o ambiente era de cortar à faca. Tudo estava num silêncio aterrorizador, os meus avós simplesmente ignoravam-se um ao outro. Decidi conversar com o meu tio, talvez conseguisse explicar se o que o meu avô disse ontem tem algum fundo de verdade. Porém, ele também não me adiantou nada e desconversou dizendo que o meu avô estava nervoso com toda aquela situação. Das duas uma: ou não sabe mesmo nada sobre isso, ou está me a esconder a verdade.
Decidi falar com alguém que talvez me explicasse pelo menos uma parte da história: a Margarida. Fui para o meu quarto e fechei a porta, não queria ninguém a interromper esta conversa. Marquei o número da Magui...
- Estou?...- ela não reconheceu o meu número.
- Magui, é o Pedro, irmão da Madalena. Preciso de falar contigo...bem é mais fazer te uma pergunta?
- Ei!! Calma aí, onde está a Mada? Estou farta de lhe ligar e mandar mensagens e ela não me responde...o que raio é que se passa?
- A Madalena...ela...
- Nem me venhas dizer que ela está de castigo, que ficou sem o telemóvel e tal. Atée porque não é a primeira vez que ela ficou sem ele. E quando isso acontecia mandava uma mensagem do telemóvel da Lulu. Ela sabia que ficávamos danados se ela não nos respondia, então só para não nos ouvir ela pedia à Lulu, e desta vez...
- Margarida...deixas-me falar por favor. A situação é meio complicada de te explicar neste momento. Posso fazer-te a pergunta ou não?
- Poder, até podes, mas só não sei se te vou responder. Pelo menos enquanto não me disseres o que se passa com a Mada.
- Já percebi porque é que vocês se dão tão bem, credo. Tudo bem, eu conto. Mas primeiro podes responder a minha pergunta por favor?
- Com um por favor e tudo, algo se passa e deve ser grave, diz já me estás a deixar preocupada.
- No dia do acidente a Mada saiu de casa supostamente porque ia para tua casa. Magui, ela foi mesmo para tua casa?
- O quê? Estás a gozar certo? Achas mesmo que te vou dizer alguma coisa?
- Por favor Magui, eu preciso de saber, preciso de perceber...a Mada fugiu, não sabemos onde ela está desde ontem. O meu avô quando chegou disse umas cenas, e eu preciso de saber se são mesmo verdade. Ela esteve em tua casa nesse dia?
- Ela fugiu? Como assim? Ela não voltou para casa? Vocês não lhe ligaram para o Telemóvel? Espera nós ontem falámos com ela, foi estranho ela disse que não podia falar, mas...
- Não foi ela, fui eu. O telemóvel da Mada está comigo...
- Ai, meu Deus. E se lhe aconteceu alguma coisa...
- A polícia já foi acionada. Mas Margarida, responde-me pelo amor de Deus, eu preciso de saber. A Mada esteve mesmo na tua casa naquela noite?
- Pedro...eu...- e depois de algum silêncio...- Não, ela não esteve comigo. O que eu sei é que supostamente ela iria sair com o Ricardo antes de viajar.
- Com o Ricardo? Mas porque é que ela não disse que estava com ele? Porque é que ela mentiu?
- Não sei. Juro que não sei, eu nunca lhe perguntei nada sobre esse dia. Sempre achei que ela um dia falaria do que aconteceu, mas até hoje eu sei tanto como tu...
- Ela não se lembra desse dia, mesmo que quisesse não conseguiria contar...
- Pedro achas que lhe aconteceu alguma coisa, achas que ela se lembrou e...
- Não sei. Quando tiver novidades dela eu aviso. Obrigada Magui.
- Espera, vocês não iam começar a escola hoje? Talvez...talvez ela estivesse nervosa e...
- Talvez. Mando-te mensagem quando ela aparecer...- E desligo o telefone.
Eu precisava de tirar esta história a limpo, precisava de saber. E se tudo o que o avô disse for verdade, e se a culpa do acidente for mesmo da Madalena? O que é que eu faço? Ahhh! Estou a dar em doido com isto, quem me dera que ela nunca tivesse desaparecido, quem me dera que o avô nunca tivesse tido nada do que disse.
Ouço a voz da Luísa, não posso estar neste estado. Tento acalmar-me, conto até dez...1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10...e abro a porta.
- Pedro, o que é que se passa com o avô e com a avó? E porque é que está cá a polícia? Aconteceu alguma coisa à Madalena?
- A polícia está cá? - Ela acena com a cabeça...- Não deve ser nada, ontem o avô foi com o tio e com o Padre Ricardo à polícia para pedir ajuda para procurar a Mada, anda vamos podem ter notícias.
- Não dá, eles foram todos para o escritório: o avô, a avó, o Tio e o Padre Ricardo. Os avós estão zangados um com o outro?
- São coisas deles Lu. Nós estamos todos stressados com o desaparecimento da Mada é só isso, não te preocupes.
- Não me estás a mentir pois não? Porque se estiveres sou eu que me vou zangar contigo...
- Não. Não te estou a mentir. Vamos, eu quero ver se percebo se eles já têm notícias.
A Lu era demais, só mesmo ela para me fazer rir numa altura destas. O pior é que eu estava a mentir-lhe sim. Mas eu não lhe podia dizer nada, não podia dizer que tudo o que tinha acontecido tinha sido culpa da...
Não nem eu consigo dizê-lo...não posso sequer estar a pensar nessa possibilidade...não...não posso simplesmente, não pode ser verdade. Onde será que ela está? Como estará? Ah, Madalena porque é que fugiste...
Não sinto nada, não sinto as mãos, os braços, as pernas, os pés. Não sinto o meu corpo. Será que apenas vive a minha alma? Será que morri? Tento abrir os olhos, não consigo, não tenho força, não consigo mexer nem um músculo. Acho que morri mesmo e apenas a minha alma anda por aqui. Madalena, acho que estás a sonhar ainda...
Começo a pensar onde poderei estar, o dia de ontem vem me à cabeça: o Pedro a acordar-me, a cena do vestido, o telefonema da Magui (como tenho saudades daquela miúda...), a missa, o Pedro a tirar-me o telemóvel, a homilia do Padre Ricardo...eu a fugir.
Fugi. Vim parar num jardim, estava perdida sem ideia onde estava e sem telemóvel, nem dinheiro.
Ouço alguém aproximar-se, tento abrir de novo os olhos mas por muito que me esforce eles não abrem. Sinto-me sem força e sinceramente sem vontade de os abrir. Sinto-me como se fosse uma onda que vai e vem. Que vem até à margem para ser recebida mas que depressa volta para trás para o profundo e imenso mar.
Alguém tenta falar comigo, ouço longe a sua voz...bem longe como se estivesse do outro lado do mundo...
- Ei...estás bem? Estás a ouvir-me? Consegues abrir os olhos?
Não consigo, simplesmente não tenho forças. Percebo que alguém me pega ao colo, que corre. Sinto-me bem como se estivesse protegida, de novo sinto-me como uma onda que vai e vem. Será que me deixo ir de vez?
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro