Capítulo 5 - Pedro
Sou o Pedro. Tenho 18 anos e entrei este ano para a faculdade de Medicina. Sou irmão mais velho da Madalena, e sempre fomos cão e gato, porém também somos muito justiceiros em relação ao outro. Sempre que a Mada precisava eu estava lá, e vice -versa.
Desde que tudo aconteceu que ela mudou, ou será que fomos nós que mudamos em relação a ela? Sinceramente não sei. Tem sido complicado estes meses, até porque ninguém nos conta efectivamente o que aconteceu. Sei que a Madalena sofreu um assalto e que foi parar ao hospital e que os meus pais tiveram um acidente. Infelizmente a minha mãe morreu há um mês depois de um mês em coma, e o meu pai continua em coma.
Hoje temos a missa de um mês, e a Madalena continua a não facilitar a vida a ninguém. Primeiro fez birra por um vestido, depois desaparece da frente da Igreja para falar com a Magui, depois como se já não estivesse em maus lençóis com o avô Carlos começa a mexer no telemóvel. Lá lhe tiro aquilo antes que o avô lhe arranque algum membro.
De repente vejo-a levantar-se, por instinto agarro-lhe o pulso, mas ela com uma força que nem eu sabia que ela tinha consegue soltar-se e sai a correr pela Igreja. E se não lhe chegava tudo o que fez hoje, com esta...o avô está furioso, acho que nunca o vi assim, chega a assustar, até mesmo a mim. Tentei ir atrás dela, mas ele abanou a cabeça em sinal de a deixar estar, acho que quer ser ele a falar com ela, e talvez até seja bom desta forma pode ser que se acalmem os dois.
No final da missa saí antes de todos á espera de a ver sentada nas escadas com aquele ar de emburrada que ela põe sempre que alguma coisa não corre como quer. Chega até ser engraçada aquela cara de menininha com beicinho, quando ela está assim parece que retrocedo anos de vida e vejo a Madalena de 5 ou 6 anos a fazer birra. Contudo, quando chego lá fora não havia sinal dela.
Decido dar uma volta à Igreja, talvez estivesse nas traseiras, nem sinal. Vou ao jardim que existe em frente, ao café, ao supermercado e nada. Não a consigo encontrar em lado nenhum. Volto à Igreja, tenha que contar ao meu avô que a Madalena desapareceu. Eu estou meio que zangado com ela por todas as cenas que fez hoje, mas neste momento o meu medo é muito maior.
A Madalena não conhece a cidade, aliás nenhum de nós conhece. Se estivéssemos em Lisboa não estaria tão assustado, mas estamos em Coimbra. É certo que passávamos muitas vezes as férias aqui, contudo nessas alturas estávamos sempre com os nossos pais que conheciam a cidade como a palma das suas mãos. Ela está perdida algures por aí sem saber onde e sem saber voltar, pior está sem telemóvel porque eu é que o tenho.
Vejo o meu avô, com um olhar que transmitia toda a sua fúria, está com o meu Tio António que tentava acalmar os ânimos, a minha avó está um pouco atrás com a minha Tia Cátia e com o Padre Ricardo que tentava também tranquilizar a minha avó.
- Avô...- chego perto dos dois...- Acho...eu acho que...
- O que é que se passa Pedro? Sabes da tua irmã? Pensei que ela estivesse aqui por fora, mas não vi. Sabes onde é que ela está?
- Eu acho...que...eu não sei onde é que a Madalena está. Procurei-a aqui pelos arredores mas não a vejo por lado nenhum.
- Já tentaste ligar-lhe para o telemóvel, ela não larga aquela coisa.- Diz o meu avô, tiro-o do bolso do meu casaco e mostro.
- Eu tirei-lho lá dentro na Igreja, quando ela começou a mexer nele, está sem ele.
E mesmo tentando com todas as forças uma lágrima sai-me dos olhos. Eu sei que a Madalena tem feito cenas, "birras" que mais parece ter a idade da Clarinha, mas não deixa de ser minha irmã, estou mesmo preocupado. Pode estar a passar frio, pode mesmo estar a correr perigo, numa cidade que não conhece.
- Pedro tem calma, a tua irmã não pode estar longe, não se ia afastar muito já que nem conhece a cidade.- diz o meu tio.
- Por isso mesmo Tio, a Madalena não conhece nada disto, deve estar perdida, completamente desnorteada.
- Vamos ter calma. Primeiro vou pedir à tua Tia que leve a tua avó e as miúdas para casa. Tu vais com o teu primo a pé e eu e o teu avô vamos de carro.
- Tio e se nós não a encontrarmos...e se...
- Pedro, temos que manter a calma. Vou falar com a tua tia e com a tua avó e nós vamos encontrar a tua irmã.
O meu tio explicou o que se passava à minha tia que seguiu com minha avó e com as cinco meninas (as minhas três irmãs e as minhas duas primas) para casa. O Padre Ricardo também quis ajudar. Assim depois de se ter decidido para que lado cada grupo iria, partimos: o meu tio e o avô de carro, o Padre no carro dele e eu e o Afonso a pé.
Não percebo o que se passa com a Madalena, o que raio é que tem na cabeça? Fugir desta forma numa cidade que não conhece? Desde o acidente que ela está estranha, diferente. Contudo, ela não fala com ninguém, guarda tudo para dentro.
Tenho saudades da minha irmã de antes: risonha, brincalhona, sempre a dizer a sua piada, era amável, educada, cheia de vida, super carinhosa. A Clara era talvez a mais mimada pela Mada, nunca deixava os meus pais ralhar com a sua bonequinha. Fazia-lhe sempre as vontades, era talvez a única de nós que tinha sempre tempo para brincar com ela, fosse do que fosse. Era uma miúda impecável, em quem os meus pais confiavam plenamente.
Porém, ela mudou como a noite para o dia, da água para o azeite. É como se a Madalena que um dia conheci tivesse morrido naquele dia, e no seu lugar apareceu uma outra pessoa que não sei quem é. Esta Madalena é uma perfeita estranha. Será que algum dia tudo voltará a ser menos estranha? Será que a nossa Madalena algum dia vai voltar? Tenho saudades da minha irmã...
- Estás a pensar em quê? - pergunta-me o Afonso.
Enquanto estava a pensar nestas coisas todas já tínhamos andado um bom bocado à procura, mas nem sinal da Madalena. Sinceramente estava tão concentrado no que se passava dentro da minha cabeça, que mesmo que tivesse passado por ela não a viria, por isso espero que pelo menos o Afonso estivesse atento.
O Afonso é meu primo da parte do meu pai, e somos como irmãos. Temos apenas uns meses de diferença e sendo os primeiros netos dos meus avós paternos, fomos talvez um pouco mimados por eles, depois apareceram as duas meninas da família e o nosso reinado acabou. Mas fazíamos tudo em conjunto, se um fazia asneira o outro estava também metido nela, éramos inseparáveis.
A Madalena, por sua vez sempre foi muito mais ligada ao lado materno da família, aliás a relação dela com o Afonso e com a Ana nunca foi das melhores. A única por quem ela se derretia sempre foi a Catarina (ou Kati como carinhosamente a chamávamos...), é uma peste mas apesar disso a Madalena consegue tudo dela, basta pedir-lhe e aquela pestinha faz sem refilar uma única vez. A ligação daquelas duas é uma coisa que dá gosto ver porque não há igual.
- Então pode-se saber em que estavas a pensar? - Insiste o Afonso.
- Estava a pensar na Madalena. Acreditas que uma pessoa possa mudar assim de repente, tipo adormecer de uma forma e acordar o oposto?
- Mudar de personalidade? Não sei, talvez. Mas acho que se acontecesse a pessoa tinha que o fazer de propósito. Estás a falar da Madalena?
- Sim. Não sei o que pensar, a única coisa que sei é que a Mada não era assim, nunca teve atitudes destas.
- Pedro, a Madalena sempre foi senhora do seu nariz, sempre fez o que quis e o pior é que os teus pais sempre o permitiram e sabes bem disso.
- Sim, mas os meus pais sempre confiaram nela tínhamos regras. Ela nunca desapareceu assim, nunca sumiu desta forma.
- Até àquele dia...e hoje de novo. Adoro o tio, adorava a tia porém muita liberdade deu nisto.
- Eu nem sei o que aconteceu naquele dia, e a Mada mudou. Já nem é a mesma com a Clara ou com a tua irmã Catarina e sabes bem como a minha irmã gosta daquelas duas, são como mel e as abelhas, não se desgrudam nunca, e agora...
- Talvez, mas ela sempre foi algo imprevisível e rebelde.
- A Madalena nunca foi rebelde. Talvez um pouco "impulsiva" mas nunca rebelde, pelo menos não da forma como estás a insinuar.
- Tudo bem, já não digo mais nada. Quem sou eu para te contrariar.
- Estás a ser sarcástico, e sinceramente não gosto que fales dessa forma, porque apesar de todos os defeitos é minha irmã.
- Tudo bem, tens razão, desculpa. Vamos até ao Campus Universitário, sei que talvez seja pouco provável a Madalena ter ido para lá mas...
- Sim vamos. Estou preocupado, ainda por cima fiquei com o telemóvel dela.
- Tem calma, nós vamos encontrá-la, não pode ter ido para longe.
E assim fomos os dois até ao Campus Universitário de Coimbra, nem sei porquê é que o Afonso se lembrou daquele lugar, não era o género de lugar para onde a Madalena iria, mas já estava a ponto de a procurar por todo o lado, naquele momento apenas queria a minha irmã em casa sã e salva.
Acho que nem vou conseguir zangar-me, não sei neste momento só quero encontra-la. Quando chegámos ao Campus o meu telemóvel tocou, olho para o visor e vejo que é o meu avô. Será que a encontraram? Será que está bem?
- Avô, já a encontraram? A Madalena está bem? - Não diz nada, será que aconteceu alguma coisa. Não, não pode...- Avô por favor diz-me que a encontraste. Que a Madalena está bem?
- Não, não a encontrámos e já percebi que vocês também ainda não sabem dela. Ouve, voltem para casa, nós vamos à polícia agora é com eles.
- Não avô, não consigo ir para casa sem saber dela...
- Está a escurecer Pedro, não temos outra hipótese. Por favor, vai para casa, assim que pudermos, também vamos para casa.
- Avô, não quero, não posso...tenho que a encontrar, temos que a encontrar.
- Pedro faz o que te digo. Sei que estás preocupado, mas neste momento não podes fazer mais nada.
- Tudo bem avô, nós vamos para casa.
Desliguei e virei-me para a cidade de Coimbra, começava a ficar toda ela iluminada, era linda aquela cidade. Dali do campus tinha-se uma vista magnífica e algures naquela imensa cidade, algures no meio de uma daquelas ruas estava a minha irmã...
- O que é que o avô te disse?- perguntou o Afonso.
- Mandou-nos para casa, eles foram a polícia.- respondi-lhe sem desviar o olhar.
- O avô tem razão, daqui a pouco é de noite. A polícia agora deve tratar do assunto.
- Eu sei...- e olhei de novo para a cidade que estava por debaixo dos meus pés...
Era uma cidade enorme, não tão grande como Lisboa, mas tudo nos parece maior quando não conhecemos acho eu, tudo nos era estranho, nem sabíamos os nomes das ruas. Ela podia estar em qualquer canto, em qualquer "buraco", com fome, frio ou quem sabe podia estar em perigo.
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