Capítulo 38 - O Fim...
E depois de me despedir dos meus irmãos de coração, viro-me e vejo o meu amor com a Mara e o Martim, numa mesa já com as Pizzas e os Sumos. Fico a olhar para os três durante o que me parece horas, como eu gostava de ter aquilo de novo: uma família. Mas por minha causa nunca mais teremos, nunca mais seremos completos. Porque sempre irá faltar uma parte do puzzle.
Levanto-me e caminho para eles, a Mara olha para mim com um olhar de quem não sabe se me arranca as orelhas ou me dá um abraço.
- Ficaram todos preocupados contigo...- diz abraçando-me...- os médicos tiveram que sedar o teu pai ele ficou muito agitado.
- Mas ele está bem?- pergunto largando-me do seu abraço...- Mara ele está bem?
- Sim. Ele está bem, apenas algo nervoso com o que se passou. Foi apenas para o acalmar.
- O meu avô?- ela olha para os meus olhos e...- Está furioso, não está?- ela assente...- Mara eu não podia ficar ali...não podia. Não depois do que descobri...do que me lembrei.
- Queres falar comigo sobre isso, sei que já falaste com o Diogo, mas eu sou mulher, talvez seja mais fácil desabafares comigo...- eu não digo nada, mas talvez seja mais fácil falar com ela do que com o Diogo...- Mas, primeiro vamos comer porque as pizzas estão arrefecer.
Ela abraça-me de novo e sentamo-nos na mesa cada uma ao lado do seu amor. O Diogo afaga-me as costas como que garantindo que tudo vai ficar bem, e eu acabo por relaxar encostando-me no seu peito. Peito esse que me traz abrigo e protecção. E realmente eu amo sentir isto, eu amo o meu Príncipe Sapo.
Enquanto almoçamos, nenhum dos três tocou no que me levou a fugir de novo. O que eu agradeci, não sei se estava preparada para falar sobre isso. Saber que alguém em quem eu confiava e gostava, teve a coragem de fazer o que ele fez, arrepia-me. Quando acabamos, Mara sugere aos rapazes que vão passear um pouco, deixando-me com ela para falar de coisas de mulheres. Eu sei o que ela quer falar comigo, porém como disse não sei se vou conseguir falar alguma coisa.
- E agora que estamos sozinhas, conta-me o que aconteceu, o que se passou dentro do quarto do teu pai?
- Eu lembrei-me...lembrei-me do que aconteceu na noite que os meus pais tiveram o acidente...
- Eu não sei o que aconteceu contigo lá em Lisboa. O que sei é que o teu pai veio transferido para cá em coma.
- Na noite em que os meus tiveram o acidente eu estava no hospital sedada por causa das dores. Quando acordei eu não me lembrava do que tinha acontecido, eu esqueci completamente daquele dia. Tive um...
- Tiveste um traumatismo craniano...
- Sim. Esqueci-me totalmente de tudo, quando acordei soube que os meus pais estavam também no hospital devido a um acidente, no inicio pensei que estivéssemos todos juntos no carro, mas aos poucos percebi que eles eram os únicos ocupantes.
- E o que é que te assustou tanto a ponto de entrares em pânico?-como é que ela percebeu que eu estava em pânico...- Percebi ao olhar para ti...eu sou médica Madalena, sei que naquele momento tu não eras completamente tu. E expliquei isso ao teu avô depois de sabermos pelo teu irmão o que se passou no quarto.
- Eu...naquela noite menti aos meus pais.- Mara fica à espera que eu continue...- O Ricardo, o meu namorado na altura convidou-me e aos nossos melhores amigos para sair naquela noite. Mas o Guga e a Magui já tinham feito planos com os pais dela então não aceitaram, eu ainda recusei, eu ia viajar no dia seguinte, íamos para Paris. Mas o Richi, ele pediu tanto...
- E tu acabaste por concordar certo?
- Sim, mas os meus pais não gostavam nada do Richi. Então eu menti, eu disse que ia dormir a casa da Magui. A noite começou bem, ele levou-me a um restaurante indiano o que para ele era algo quase improvável de acontecer. Passeámos, namorámos e quando chegou à hora fomos para a Discoteca. Ele encontrou uns amigos e eu encontrei uma amiga da escola, que fiquei a saber nesse dia que era prima do rapaz que povoava os meus sonhos...
- Era prima do teu namorado?
- Não, era e é prima do Diogo...quer dizer vossa prima. A Gabi foi minha colega na escola.
- A Gabriela foi tua colega!? O mundo é mesmo pequeno. E então o que aconteceu depois?
- Com a Gabi, estava o teu primo e o Diogo. Eu já o tinha visto algumas vezes, e até me meti com ele, tipo insinuei-me. Mas, disse-lhe que era mais velha, foi uma brincadeira entre amigos, que acabou por se tornar algo mais. No fim da noite dei-lhe o meu número e começamos a trocar algumas mensagens. Para mim ele era o meu servente, e eu era a sua Rainha da Noite.
- Eu não acredito, o Diogo falou-me tanto de ti, estava encantado contigo. Sofreu quando percebeu que eras menor, e que não podia ter nada contigo. Foi uma "brincadeira" bem cruel...
- Eu sei, mas nunca pensei que as coisas se tornassem tão...interessantes.
- Interessantes!? Eu diria fora de controle...
- Eu sei. Percebi no dia em que tudo aconteceu, que ele tinha descoberto tudo: que eu era da idade da Gabi. Porém, não consegui falar com ele. Sempre que tentava o Richi impedia-me. Até hoje eu nunca me tinha lembrado de nada sobre esse dia, até hoje eu não sabia o porquê de ter ido parar àquele hospital.
- E hoje lembraste-te?- Mara pergunta-me e eu aceno com a cabeça.
- Sim. O Ricardo passou-se e arrancou-me da pista de dança e levou-me para a rua. Tivemos uma discussão, depois dele dar de namorado traído, eu tentei ignorar e quis voltar para pista de dança, contudo o Richi não me deixou, agarrou em mim e levou-me para uma pequena ruela ao lado da discoteca...
- Ele bateu-te?
- Sim, mas se fosse só isso...acho que iria doer, pensar que eu nunca o conheci como pensei. Mas foi pior, bem pior...
- Madalena, diz-me que ele não fez o que estou a pensar? Ele...
- Eu tentei fugir, tentei gritar, mas ele era bem mais forte que eu. Ele bateu-me com tanta força que eu acabei por cair algumas vezes, de cada vez que ia ao chão ele dava-me pontapés, sempre a acusar-me de o estar a trair e que não iria admitir.
- Mas conseguiste chamar alguém? Gritar? Sei lá...
- Eu gritei, e muito. Mas todos os que eu conhecia estavam lá dentro e com a música eles nunca me iriam ouvir. E eu nem sabia se eles iriam dar por minha falta. As pessoas que passavam, não se queriam envolver. A certa altura eu já estava sem força para responder...e foi nessa altura que...
- Madalena...- eu não consegui acabar de falar, eu só chorava e acho que a Mara percebeu o que tinha acontecido...- Ele...
- Infelizmente não consegui chegar a tempo para impedir. E só não matei o desgraçado ali, porque o nosso primo me impediu. A Gabi já tinha chamado a ambulância e assim que olhei para a Madalena desmaiada, não pensei em mais nada, não te deixei sozinha até que os teus pais chegaram ao hospital. Contei-lhes o que tinha visto, os médicos conversaram com os teus pais, e confirmaram o que eu pensei que tivesse acontecido.
- Tu estiveste com os meus pais? Tu viste-os?
- Sim. O teu pai estava bem nervoso quando descobriu o que te aconteceu. Acho que no início estava furioso contigo por teres saído e mentido, mas depois a fúria passou para aquele desgraçado.
- Espera tu sempre soubeste o que me tinha acontecido? Tu nunca pensaste em me contar? Tu mentiste-me Diogo.
- Eu não te menti. No início, quando te encontrei naquela capela eu nem sabia quem eras. Depois lembrei-me da minha "Rainha da Noite", mas eu percebi que tu não sabias quem eu era. Depois quando finalmente me reconheceste eu falei com o teu irmão e soube que tu não te lembravas de nada daquela noite e que os médicos disseram a todos que ninguém te podia contar...que se um dia te lembrasses então...
- Mas tu...eu confiava em Ti.- as lágrimas começaram a escorrer-me pelos olhos. Eu confiava nele, de todos o Diogo era o único que não me podia ter escondido nada...
- Madalena, eu não consegui, tu já estavas a sofrer tanto por tudo o que te tinha acontecido.
- Eu estava a sofrer porque ninguém me contava o que raio se tinha passado, porque todos olhavam para mim como se eu tivesse a culpa de tudo e sabes que mais: EU TIVE CULPA. EU MATEI A MINHA MÃE. EU COLOQUEI O MEU PAI NUMA CAMA DE HOSPITAL.
- Madalena, não é bem assim. Tu não pediste para que aquele animal fizesse o que fez contigo, a culpa não foi tua.- diz Mara tentando acalmar-nos aos dois.
- Foi Mara, porque a decisão de ir com o Ricardo naquela noite foi minha, de mais ninguém.- viro costas e afasto-me deles.
- Madalena, Madalena...- ouço o Diogo a chamar por mim, mas não quero ouvir mais nada, não quero sentir mais nada...- Onde é que vais?
- Quero ficar sozinha.- digo, e caminho até chegar ao pé do lago, no mesmo local onde beijei pela primeira vez o meu amor, o meu príncipe. No mesmo lugar onde eu e ele finalmente nos declarámos.
Sinto-me vazia, oca. Como se alguém me tivesse aberto o corpo até às entranhas e me tivesse retirado tudo cá de dentro. Ficou apenas a carcaça de mim mesma. Todos me mentiram, me omitiram, me esconderam o que aconteceu. Todos me magoam seja com gestos seja com palavras.
Relembro tudo o que passei desde que saí de Lisboa: os amigos que deixei, a família que fui obrigada a abandonar, os olhares e palavras do meu avô, as insinuações maldosas da Ana, o simples sorriso das minhas irmãs me corroí por dentro.
Saber que eu causei tudo isto, saber que por minha causa os meus irmãos ficaram sem a minha mãe...doí, doí demais. Quero acabar com esta dor, quero parar de sofrer, parar de fazer os outros sofrer. Porque a verdade é que eu vivo para fazer os outros sofrerem, então porque não acabar com o sofrimento de todos: o meu e o de quem me rodeia.
Olho para o lago. Levanto-me e caminho até à beira do mesmo. Respiro fundo. Olho para o céu. Caminho passo a passo, sentindo a água fria gelar-me os ossos, mas eu não paro, continuo. Já tenho água até à cintura, coloco-me de joelhos, e contando até três mergulho.
Sinto algo. Mas nem sei sequer o que sinto, deixo-me simplesmente ir e aos poucos a minha mente apaga e a paz chega. Estou livre, finalmente estou livre da dor.
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