Capítulo 23.
Virgínia ainda dormia e, nervosa Jessica andava de um lado para o outro quando ele abriu a porta.
- Graças a Deus! – chorando exclamou a moça se jogando nos braços do patrão.
- Tudo bem, não era o Caetano. – respondeu gentilmente sem saber o que fazer, não estava acostumado com as pessoas demonstrando sentimentos tão genuinamente.
- Desculpe-me seu Héctor. – disse se afastando. – Mas eu estava muito nervosa. – ainda mais nervosa limpou o rosto.
- Tudo bem. – respondeu apertando seu ombro. – E como ela está? – perguntou mudando de assunto.
- Não acordou, - respondeu visivelmente aliviada – mas está muito agitada e chamando o tempo todo pelo senhor e uma Dália. Ele sentiu o aperto no coração ao ouvir o nome da filha.
- Você pode continuar aqui com ela, enquanto eu falo com a polícia?
- Sim senhor. – respondeu mais tranquila.
Ele deu todo o espaço que a filha precisa e queria ao retornar a sala, nem mesmo dirigindo a palavra a ela, mantendo o foco no delegado que já começara com as perguntas, depois de Fernando levado a prisão e Luan ao hospital, ele decidiu liberar Jessica da incumbência de cuidar de Virgínia viu Cintia adentrar esbaforida, intrigado franziu a testa.
- Olá, Héctor. – cumprimentou friamente.
- Olá, Cintia. — respondeu no mesmo tom. – O que faz aqui?
- Soube pelo Luciano o que estava acontecendo e vim para acompanhar a prisão dele, ele pode estar louco, mas não muda o fato de ser meu marido, assim como também não muda o que fez. — disse estranhamente aflita.
- Você o ama tanto assim, a ponto de perdoa-lo? – perguntou simplesmente curioso.
- Quem disse que eu o perdoei?
- Você o aceitou de volta.
- Sinceramente? Eu não sei por que o aceitei de volta, minha intenção era me vingar dele, mas ficou apenas na intenção.
- E o que vai fazer agora?
- Nada! – respondeu aliviada.
- Você é estranha e contraditória.
- Eu sei. – respondeu com um sorriso, que quase o fez ver a garota que conhecera há muito tempo, e que já não existia mais. – E você o que vai fazer?
- Viver um dia por vez, não há muito que fazer no momento. Cintia eu gostaria de te pedir um favor. – disse a encarando, ela franziu o cenho.
- O que você quiser, se eu puder fazer!
- Eu não quero ninguém do grupinho de vocês na minha casa, e muito menos rondando a minha filha, eu sei que alguns andaram procurando por ela.
- Eu também soube, mas infelizmente não sei se poderei ajudar, depois do aparecimento dela parece que todos eles ficaram desnorteados.
- Não sei por que isso, ela não desconfia de vocês, desconfia de mim. – ela sorriu.
- Você não sabe? Ela desconfia de todos nós que estávamos lá naquela noite, o idiota do Fernando fez a gentileza de levantar essa desconfiança, não se preocupe, que não nada pessoal a desconfiança dela, mas imagino que eles estejam temerosos de que ela descubra quem a matou.
- É isso que eu não entendo, foi apenas um que a matou ou foi todos vocês como no 'expresso do oriente'? – Ela sacudiu a cabeça sorrindo.
- Isso você terá que esperar a polícia ou sua filha descobrir.
- Na verdade, não me importo se um de vocês ou se em conjunto mataram aquela, apenas diga a todos que estarão arranjando problemas comigo se tocarem na minha filha. – disse ameaçadoramente, mas ela nem piscou.
- Incrível! Como você ainda consegue amar, apesar das adversidades e infortúnios.
- Minhas filhas são os meus bens mais preciosos. E ninguém toca.
- Filhas?
- Você quer mais alguma coisa? – perguntou irritado, não queria falar sobre seu carinho por Samara, menos ainda com Cintia.
- Não deixe ninguém tirar o amor que você sente pela sua filha, é isso que te torna humano e diferente daqueles que te geraram, além disso, ter por quem lutar nos faz sentir vivos. – uma lágrima desceu por seu rosto, ele abaixou a cabeça, sabia o motivo, e aquilo o entristecia. - Um dia, não sei quando nem como, mas tenho certeza de que ela vai reconhecer o homem incrível que é o pai dela, e você vai ter tudo que merece.
- Mais uma vez você está sendo estranha e contraditória. – disse olhando a hora estava muito tarde. – Se não se importa...
- Desculpe-me! A gente se vê por aí, - disse sorrindo – ou não. Adeus Héctor.
- Adeus Cintia. – respondeu intrigado, afinal o que aquela desorientada estava aprontando? Ela perdera toda a jovialidade e alegria desde que o irmão mais novo fora assassinado, sacudindo a cabeça correu ao quarto de Virgínia.
- Vou perder nosso café da manhã. — disse Luan grogue, Eric não conteve o riso ao lado de Açucena.
- Você está nesse estado lastimável e está preocupado com um café da manhã menino? — perguntou Açucena, rindo em meio às lágrimas.
- Prioridades, 'Çu'! — o pequeno sorriso foi seguido por um gemido de dor.
- Não sei como te agradecer por ter tentado me salvar, mas confesso, estou com medo de te perder! — ele estava sendo conduzido à ambulância, ela segurando sua mão.
- Eu vou viver, prometo! Agora é melhor você ir para casa, precisa descansar.
- Como se fosse fácil descansar depois de tudo que aconteceu! Eu vou acompanhar você ao hospital. – respondeu teimosa.
- Não, Açucena! Eu vou ficar bem estou em ótimas mãos.
- Verdade. Vou cuidar pessoalmente dele. – respondeu Eric ajudando a coloca-lo na ambulância.
- Quem disse que eu falava de você? – perguntou fechando os olhos de dor.
- Não? E que era então? – perguntou Eric sorrindo.
- De Deus cara pálida.
- Olha quem fala de cara pálida. – brincou Eric pegando na mão de Açucena.
- Querida agora precisamos avaliar a gravidade do corte, tudo indica que não afetou nenhum órgão vital, ainda assim precisamos ter certeza, e você não vai poder vê-lo provavelmente até amanhã de manhã, logo, não vai adiantar ir ao hospital, sem contar que você também precisa descansar. – disse Eric carinhosamente. – Nós vamos cuidar bem dele, e como ele disse, ele está nas mãos do Melhor. – ambos sorriram. Ela assentiu soltando a mão do amigo.
- Eu vou para lá assim que o dia amanhecer. – disse beijando sua mão.
- Peça ao Héctor para dormir aqui, eu sei que é complicado, mas você não tem condições de pegar o carro e sair dirigindo, e menos ainda de ficar sozinha no apartamento. — Luan disse fraco.
- Açucena para ele ficar tranquilo, faça o que ele pediu, agora temos que ir. – disse Eric.
- Eu vou pensar. – era o máximo que ela podia prometer no momento.
E sem chance de Luan retrucar, a ambulância movimentou-se desaparecendo diante dos olhos de Açucena, as lágrimas que até então ela mantinha em controle romperam descontroladamente.
Açucena ficou ali abandonada no meio da rua, a polícia também já estava saindo e ela não sabia o que fazer, pegar seu carro e ir embora, ou procurar o homem que estava disposto a ajuda-la apesar de sua implicância com ele? Obviamente que ela tinha razão por implicar com ele, afinal, ele a deixara órfã e isso era lastimável, olhando para o nada uma forma se formou à sua frente Samara estava vindo em sua direção, assim como ela ainda com o vestido que usara no congresso, não sabia quem a chamara, mas estava feliz por vê-la.
- Ah, 'Çu'! — Samara abraçou a amiga, que a apertou chorando.
- Foi horrível Samara, horrível! O Luan tentou me ajudar e levou uma facada!
- Acalme-se maninha! Vai ficar tudo bem.
Naquele momento Açucena não parecia a mulher forte que Samara conhecera, estava arrasada e cansada, e incrivelmente não se sentia envergonhada por se mostrar verdadeiramente para a outra, foram muitas emoções naquele dia, e em seu coração ela sabia que a enfermeira compreenderia, gentilmente afastou-se do abraço da outra.
- O Luan pediu para eu falar com o Héctor para ficar aqui esse resto de noite, e a verdade é que eu não quero voltar para casa, você me ajuda a falar com ele para eu dormir aqui? Se não for pedir demais será que você pode ficar comigo?
- Eu posso sim falar com ele e ficar com você, mas por que você mesma não fala com ele? – perguntou gentilmente, fazendo Açucena chorar ainda mais, ela estava muito fragilizada.
- Eu não consigo falar com ele! - Respondeu envergonhada, você sabe o quanto essa situação é difícil para mim.
- Eu sei o quanto tudo isso é difícil para você, mas diga-me irmãzinha por que você não consegue falar com ele normalmente sem uma discussão? Por orgulho?
- Não, por vergonha! Eu declarei guerra a ele desde que cheguei aqui, e isso talvez nunca mude, mesmo se você e o Luan estiverem certos e ele não seja o assassino da minha mãe e eu encontre o verdadeiro assassino nada disso muda o fato de que ele foi um péssimo marido e continua a difamar a esposa mesmo depois de morta. O que aconteceu hoje me deixou muito confusa. - Disse Açucena chorando. - Eu não esperava que ele agisse daquela maneira por mim, eu não sei o que fazer talvez eu devesse fazer o que os meus pais disseram e ir embora.
- Talvez você devesse tentar se colocar um pouquinho no lugar dele.
Se fosse a outro momento Açucena teria feito um comentário sarcástico qualquer, mas não naquele em que Luan estava hospitalizado e o homem que lhe gerou lá dentro, provavelmente preocupado com os dois, ele demonstrou que se preocupa, pelo menos um pouco, afinal que culpa tinha ela se ele não sabia se expressar e nem respondia verdadeiramente as perguntas dela?
- Não dá! Eu sei que ele fez muito por mim hoje, mas em nenhum momento ele demonstrou qualquer sentimento, nem mesmo quando o Fernando disse que eu não queria saber dele, meu Deus! Que tipo de pessoa eu também sou? Ele me dá guarita hoje e amanhã eu simplesmente vou embora e ignoro tudo que ele fez por mim e pelo Luan? Isso também não é justo!
- Ainda bem que você sabe disso, né?
- Será que a nossa semelhança não é apenas física? Eu não quero ser igual a ele. – perguntou preocupada, imaginando que se tornaria alguém tão frio e insensível quanto Héctor.
- E eu não quero discutir com você nessa noite, então vamos falar com o seu pai, eu tenho certeza que ele não vai te negar isso, e assim você já vai treinando para quando descobrir que errou com ele esse tempo todo não errar a estrada para cá.
Açucena mostrou a língua para ela, e abraçadas as duas dirigiram-se para a casa.
- E cadê o seu príncipe encantado vulgo, Rafael?
- Engraçadinha! – disse a empurrando de leve. – Trabalhando. – respondeu sorrindo.
Tímida Açucena grudou no braço de Samara, quando as duas adentraram a sala, o odor de água sanitária invadiu suas narinas, Jessica limpava o sangue de Luan espalhado pela sala.
- Oi Jessica. – cumprimentou Samara naturalmente.
- Oi Samara, vocês querem falar com o seu Héctor? – perguntou endireitando-se.
- Sim, por favor!
- Eu vou chama-lo, fique à vontade. – disse correndo escada acima.
Açucena observou Samara tão a vontade na casa do homem que era seu pai biológico, mas totalmente estranho para ela, por mais que tentasse não conseguia compreender o carinho e a amizade que ela e Luan sentiam pelo Héctor.
- Açucena! Pensei que você tivesse ido com o Luan. – disse Héctor descendo as escadas. - E você Samara, o que faz aqui? Não era para ter ficado sabendo disso. — resmungou ainda.
- Beleza, quando acontecer alguma coisa comigo eu também não vou querer que você saiba está bem assim? — retrucou no mesmo tom dele.
Açucena franziu o cenho, ainda não tinha visto os dois interagindo, pareciam que se conhecia de uma vida inteira, sentiu um aperto no coração ao perceber que os dois pareciam ela e Jefferson, abaixou a cabeça temerosa pela amiga, se elas descobrissem que de fato fora ele a matar Olivia, nervosa e preocupada com a amiga arrependera-se de sugerir que dormissem ali, abriu a boca para chama-la para ir embora, mas Samara fora mais rápido.
- Ela está precisando de um abrigo hoje, e não quer pedir, então, será que você pode emprestar um quarto para ela e outro para mim por hoje?
Samara tinha uma forma estranha de provocar os mesmos sentimentos nos dois, ambos a amavam e fariam o possível para fazê-la feliz, e naquele momento Açucena percebeu que estar ali com eles era o que a deixava feliz.
Héctor observou o olhar brilhante de Samara e sentiu seu coração refrigerar, ela era um balsamo para sua alma ferida, e naquele momento compreendeu que ela era tão preciosa para a filha como era para ele, e por ela ambos dariam uma trégua em seus próprios ressentimentos e dores, por ela nem dos dois ousariam maltratar o outro.
- A casa é de vocês duas. — retrucou dividido entre o desejo de abraçar as duas e de pô-las porta afora, antes que demonstrasse mais do que gostaria, virou-se para as escadas, parando bruscamente ao ouvir as palavras de Samara.
- Como é que você responde seu pai Açucena? — perguntou Samara tão inocentemente, que se Héctor já não a conhecesse acreditaria.
Ele sabia que o desejo dela era junta-los, assim como ela também sabia que por mais que ele estivesse agindo tão naturalmente, esperara muito para ter a filha por perto, sorrindo interiormente ele se virou para a filha que estava vermelha.
- Obrigada. – sussurrou, ele quase não a ouviu, mas ouviu e para ele era o suficiente, obviamente que para Samara não era.
- Menina, eu acho que seu pai ouviu, por que ele tem um ouvido de tuberculoso. – pai e filha caíram na risada.
- Jesus! De onde ela tira essas expressões? – perguntou Açucena diretamente para o pai.
- Não faço ideia, imaginei que você soubesse. – respondeu sem caber em si de alegria.
- Pois bem, já que eu divirto vocês dois que tal você agradecer ao seu pai decentemente?
- Pare de ser infantil, Samara! Como você mesma disse ele ouviu o que eu disse, não ouviu? – perguntou novamente diretamente a ele.
- Sim eu ouvi, e estou feliz por ter as duas aqui, mas tenho coisa para fazer e vocês estão atrapalhando a Jessica, por isso. – concluiu indicando a escada. – A Jessica vai leva-las ao quarto, por essa noite imagino que vocês queiram ficar no mesmo quarto, certo?
- Sim, por favor! – respondeu Açucena, Jessica que aparecera naquele momento como se estivesse apenas esperando o momento seguiu na frente.
- Obrigada. – disse Samara piscando ao passar por ele, ele apenas sorriu sacudindo a cabeça.
- "Não menti quando disse à Cintia que elas são meus bens mais preciosos, e amaria tê-las aqui todos os dias". – Pensou se jogando no sofá.
- Meu Deus! Para que esse tanto de quartos? – perguntou Açucena enquanto Jessica as levava ao quarto. – Essa casa é muito grande.
- Essa casa foi construída num tempo em que as famílias viviam todas juntas, era comum aqui na cidade, e acredito que em muitos outros lugares também, por isso é enorme. Para você ter noção, eu e meu irmão ocupamos um apartamento que fica atrás da casa, que não é nem um pouco pequeno. O terceiro e o mais isolado e o menor, o patrão o ocupa, só tem três portas, do quarto dele, do laboratório e do escritório onde também ficam os monitores das câmeras. - Jessica explicou.
- E você tem permissão para subir lá caso aconteça alguma coisa? — Açucena perguntou um pouco mais ácida do que gostaria. Era a primeira vez que realmente tinha uma noção do quanto dinheiro o pai tinha e a dimensão de como era a vida dele.
- Não exatamente, eu só posso levar comida, afinal de contas ele passa o dia inteiro lá, se eu levar ele passa o dia inteiro sem comer nada.
- Quem cuida do local? – perguntou curiosa.
- Ele. – respondeu mostrando uma porta. – Aqui o quarto de vocês.
- Obrigada. – responderam as duas, inconscientemente Açucena tocou no sangue seco de Luan em seu vestido, evitando chorar.
- Se vocês não se importarem, eu coloquei uma roupa no quarto para vocês, é roupa simples, mas esses vestidos não são confortáveis para dormir, além disso, o seu está sujo, mais tarde eu passo aqui para pega-lo e por para lavar.
- Não se preocupe com isso, só me diz onde fica a máquina que eu coloco. – disse Açucena constrangida, apesar dos pais viverem bem ela nunca teve ninguém fazendo as coisas para ela.
- Nem pensar, apenas descanse. – disse sorrindo.
- Obrigada Jessica. – agradeceu Samara.
- Obrigada. – imitou Açucena ainda constrangida.
Açucena despertou na manhã seguinte, sentindo-se descansada e estranhamente bem disposta, Samara dormia na cama ao lado, por alguns minutos ficou a observa-la, ela tinha o estranho poder de tirar dela seu melhor e pior, franziu a testa, se tivesse uma irmã gostaria que fosse como ela.
- Por que está me olhando como se eu fosse sua arque inimiga? – perguntou Samara sorrindo, ainda de olhos fechados.
- Como você sabe que eu estou te olhando? – perguntou também sorrindo.
- Sei lá, eu só sei. – respondeu abrindo os olhos. – Quando se vive escondida, a gente fica com certas neuroses. – disse sentando-se na cama. – Como você está? Dormiu bem?
- Dormi, bem até demais. – respondeu irritada.
- Algum problema? Notícias do Luan?
- Não, nenhum problema e também não tenho notícias do Luan. – respondeu abaixando a cabeça.
- Então qual é o problema? O que está te incomodando? – perguntou preocupada.
- Eu nunca pensei que dormiria aqui, e menos ainda que eu dormisse tão bem. – respondeu constrangida. - Mas estava morta de cansaço, - disse a encarando - não tinha como não apagar, não é mesmo? — perguntou levantando-se esticando o lençol da cama, Samara a imitou.
- Se você está dizendo mana. – respondeu simplesmente. – Pessoalmente eu confesso que por mais que ame muito a casa do Eric, me senti em casa aqui, sabe aquela sensação de pertencimento? – perguntou com os olhos brilhando e mais uma vez Açucena se preocupou com a amiga, por sua relação com Héctor.
- Eu sei que você é doida de pensar assim, é isso que eu sei. – respondeu irritada. - O que você vai fazer com todo esse carinho paterno quando descobrirmos que ele de fato matou minha mãe? — replicou precisava tirar a amiga dessa bolha que ela criara.
- E quando você descobrir que esteve errada por todo esse tempo? Eu também fico me perguntando em como você vai reagir. O que vai fazer com todo esse orgulho? — replicou gentilmente passando as mãos na cabeça. – Eu sei que você está preocupada comigo, todos estão, mas acredite-me ele é um bom homem, mas por enquanto, continuamos com o nosso voto de silêncio em relação a esse assunto, não quero brigar contigo. – disse apaziguadora.
- Eu também não quero brigar contigo. – concordou contrariada.
- Graças a Deus! Eu te amo e não quero que fiquemos o tempo todo discutindo. – disse a puxando para um abraço.
- Eu também te amo. – disse emocionada. – Samara, o que você sabe sobre o camaleão? – perguntou se afastando. Açucena percebeu o olhar confuso de Samara.
- O camaleão é um animal que se camufla, muda conforme o ambiente para se proteger, aparentemente, reexiste a qualquer predador. – começou timidamente. – Eu estive pensando nesse bicho enquanto pensava na minha própria história, você pode até pensar que é falsidade, mas não é não, é apenas autoproteção! Eu tenho medo Samara! Estou me protegendo de algo que sim, pode ser verdade, e estou me protegendo da dor de descobrir que minha mãe é uma psicopata, então prefiro bancar a orgulhosa e fingir que não sou afetada, odiar um homem que claramente me deixa confusa e tem motivos para ter me tirado a mãe, é muito mais fácil, do que pensar que a mulher que eu amei e protegi no meu coração por todos esses anos seja uma maníaca psicopata. Você pensa que não vai me machucar saber que ele a matou? Que eu tenho água no lugar do sangue? Que eu não tenho vontade de descobrir que ele é inocente para eu ter um pai? Eu amo muito meu pai adotivo, mas gostaria de me dar bem com o meu pai biológico e Samara, entre ele e ela, por mais monstruosa que eu pareça, ainda escolho acreditar na inocência da minha mãe. Eu não acreditarei nele, até ouvir uma confissão dela, o que claramente é impossível. Obviamente que muita coisa já mudou graças a Deus, e me arrependo muito de ter desejado a morte dele, ainda que por uma pequena fração de segundo, naquele incêndio do hospital. — Samara arregalou os olhos, e Açucena arrependeu-se da confissão, o olhar reprovador da outra era destruidor.
- Você foi capaz de... – obviamente não conseguiu terminar a frase.
- Sim, e não vou me justificar, eu errei e pronto. – disse arrogantemente. - O que eu quero que você entenda é que não se trata de maldade, estou me apegando ao que eu tive e estou evitando me machucar. – concluiu mais branda.
- Sou sua amiga, certo? – Açucena assentiu. - Sou como uma irmã para ti, não é mesmo? — perguntou Samara deixando uma pequena lágrima escapar.
- Sim. — respondeu igualmente emocionada, passando as mãos pelo vestido de malha de Jessica.
- Por favor! Não me proíba de valorizar o que você tem e não quer, algo pelo qual eu chorei pedindo a Deus muitas vezes, espero sinceramente, que você não deixe para dar valor quando e se um dia esse seu desejo se concretizar.
- Por favor! – pediu com água nos olhos também. – Eu disse que apenas pensei muito rapidamente, graças a Deus que não aconteceu nada com nenhum de vocês. – disse engasgada.
- Você é uma mulher inteligente, e sabe que ao contrário do camaleão, não vai poder se camuflar durante a vida toda, sabe que vai ter que encarar a verdade um dia, que a vida do cristão deve ser baseada na verdade e não na mentira. – disse pesarosamente.
- Samara, você é uma das pessoas mais incríveis que eu já conheci, e jamais vou te proibir de fazer o que seu coração manda, só tome cuidado com as suas escolhas, elas terão consequências, assim como as minhas se você estiver certa.
- Eu vou ter cuidado, assim como espero que você também tenha.
Elas terminavam de arrumar a cama quando Jessica bateu na porta.
- Entre! – disseram juntas sorrindo.
- Aqui estão os vestidos de vocês, mas se vocês não se importarem com minhas roupas simples, podem me devolver depois. – disse colocando os vestidos na cama de suas respectivas donas.
- Se você não se importar eu gostaria de te devolver depois, esse vestido não combina com o dia. – disse Açucena sorrindo.
- Eu também. – concordou Samara.
Jessica saiu deixando as duas, que deixaram o quarto depois de usar o banheiro, Jessica havia providenciado escova de dente e cabelo para elas na noite anterior. Ao descerem para a cozinha surpreenderam com a voz de censura de Jessica.
- Muito bonito né Patrick? Eu no meio do caos ontem e o 'princeso' por aí tranquilamente. – dizia Jessica.
- Mais maninha! Você me liberou para ir ao congresso.
- Sim, ao congresso! Que horas terminou o congresso? Nada justifica. Você e a dona Celina me largaram sozinha, me abandonaram com toda aquela confusão!
- Perdão maninha! Eu não imaginava nada assim, aliás, como eu poderia imaginar que um lunático teria coragem de invadir a casa do seu Héctor?
- Isso é bem verdade. – respondeu mais mansa.
- Graças a Deus que era você aqui, afinal é a mais forte de nós três, maninha! – disse o rapaz, Açucena limpou a garganta e as duas se aproximaram, chamando a atenção de ambos.
- Vocês dois são irmãos? – perguntou Açucena, olhando de um para o outro.
- Infelizmente, eu tenho que ficar suportando essa criatura. – disse batendo na cabeça dele.
- Ai! Perdeu a noção do perigo! – disse levantando, ele era enorme, Açucena olhou assustada para Samara que assim como ela parecia assustada.
- Senta logo, que você está assustando as visitas. – disse voltando a bater na cabeça dele. – Meninas não ligam para ele não, o tempo vivendo na rua afetou a cabeça dele.
Açucena achou estranhamente familiar o olhar que ele lhe dirigiu, constrangida sentou ao lado de Samara, Jessica lhes serviu o café com leite e bolo e frutas ainda que elas insistissem que não estavam com fome.
- Sem querer ser intrometida, mas já sendo, por que vocês foram parar na rua? – perguntou Açucena, ainda intrigada com a familiaridade que os dois lhe remetiam.
- Nós nascemos aqui, sou mais velha que ele apenas um ano, dá até vergonha de dizer, mas nós dois fomos a família secundária do nosso pai, quando a mamãe descobriu isso, infelizmente descobriu também que ele tinha espancado a esposa até a morte deixando um bebê órfão, ela se desesperou e fugiu com a gente para outra cidade. Graças a Deus ela casou de novo e nosso pai adotivo era maravilhoso, a nossa mãe surtou depois e ele que teve que cuidar de nós dois. Infelizmente depois que ele morreu nossa vida desmoronou. — Jessica comentou triste.
- Nosso pai, porque é o único pai que a gente conhece, deixou uma casa relativamente grande daquelas casas que os pais faziam para receber os filhos nos fins de semanas? Pois é, a nossa casa era assim, então, quando nós éramos adolescentes, mamãe abriu um prostíbulo, tentou vender a Jessie, não sei o que deu em mim, mas banquei o doido e fugi com ela, moramos na rua até o senhor Héctor nos receber. — o café desceu rasgando a garganta de Açucena ao ouvir o relato dos irmãos. Só Deus podia explicar a razão de serem tão alegres, após tudo que viveram!
- O Héctor soube disso antes de contratar vocês? — perguntou Açucena horrorizada pelo que eles haviam passado.
- Lógico! Eu não tenho do que me envergonhar então contei mesmo, e talvez tenha sido por isso que conseguimos um emprego, não dá para saber se aquele homem teve dó da gente, só sei que mesmo sabendo de tudo isso nos recebeu, nos deu dignidade, está pagando a faculdade do meu irmão e não está fazendo isso por mim porque eu não pedi nada, ainda estou pensando no que eu quero realmente. Mais sabe o que melhor em ter uma casa e roupa limpa? – as duas entreolharam-se confusas. - É você não ter mais vergonha de entrar na igreja, porque está sujo e cheira mal. — Jessica disse sorrindo.
- Mais a igreja não se importa com isso, ela deve oferecer ajuda. – disse Samara tensa.
- Nós tentamos entrar uma vez na igreja, e o porteiro nos expulsou dizendo que estávamos fedendo e iriamos afastar a todos, depois disso achamos melhor não ir mais. — finalizou Patrick. Mais uma vez as duas entreolharam-se dessa vez de olhos arregalados.
- Eu tenho certeza que o pastor jamais permitiria isso. — comentou Açucena ultrajada.
- Agora que eu conheço o pastor e sua esposa, também tenho certeza disso, mas já passou, achamos melhor não acusar ninguém. — explicou Jessica.
- E vocês não pensam em procurar o pai biológico de vocês? — perguntou Açucena. – "Qual o problema com os pais dessa cidade?" – perguntou intrigada.
- Para nós, nosso pai morreu quando éramos crianças, não nos interessa o Ciro Teixeira, ele é apenas o só ser repugnante que destruiu a vida de duas mulheres e contrapartida dos próprios filhos. — disse Patrick.
- O que você está estudando? – perguntou Samara, Açucena abaixou a cabeça fitando os ovos fritos que Jessica colocava à sua frente, imaginava que 'pai' não fosse o assunto preferido da amiga.
- Direito, mas quero mesmo é ingressar na polícia. – respondeu empolgado.
- Já imaginou? Esse cérebro de girino segurando uma arma? –a irmã o provocou, e as moças riram do carinho evidente entre os dois.
- Só não te respondo como você merece por respeito às visitas e por medo do nosso querido patrão descer aquelas escadinhas ali e me pegar te tratando da forma que você merece. Sua grossa insensível! — resmungou triste.
Açucena os encarou pensando que a irmã o estivesse ofendido realmente, mas o sorriso era óbvio no rosto dos dois, ela sorriu triste por ser filha única, se lembrava de quando criança pedir para os pais adotarem um irmãozinho, pedido esse que nunca foi atendido, ficava imaginando por que eles não atendiam ao seu pedido, agora compreendia que ela própria só fora adotada por força das circunstâncias.
- Eu já te disse que ele não morde. – disse Jéssica gargalhando. - Ele tem medo do seu Héctor! — a risada de Jessica era contagiante.
- Não é medo não ô nanica, é respeito! Você sabe o que significa respeito? Não, você não sabe né? Então não fala comigo! – respondeu virando as costas para ela.
- Vocês dois ficam brincando assim perto dele? – perguntou Açucena, desde que Fernando a obrigara a entrar ali, vira um homem que jamais imaginou, e com certeza um ser tolerante não combina com a imagem que ela faz dele.
- Lógico que não! Na cabeça dele nós somos um lorde e uma lady, um exemplo de bom comportamento e amor entre irmãos que nunca brigam, apenas quando entramos no nosso apartamento que nos mostramos verdadeiramente, e aí é tiro porrada e bomba, mas aqui nós somos pessoas normais e civilizadas. — Jessica se controlava para rir baixinho.
- E vocês acreditam mesmo nisso? – perguntou Samara, em um tom que deixou Açucena intrigada. – Que não sabe o que vocês fazem quando ele não está por perto? – perguntou ainda contendo o riso.
- Qual o seu problema? Você vai assusta-los. – sussurrou Açucena entredentes.
- Não vamos nos assustar não dona Açucena, na verdade, nós não acreditamos nisso, mas como ele ainda não nos mandou embora, nós gostamos de fingir que ele não sabe que somos dois louquinhos da silva. – disse Patrick naturalmente.
Ela arqueou a sobrancelha, será que ela era a única pessoa na face da terra que não acreditava no altruísmo do pai? Olhou de soslaio para Samara que sorria brilhantemente, ela amava quando encontrava alguém que bajulava o Héctor.
- Falando nele, ele já acordou? – perguntou tirando o foco da humanidade do pai. – Você disse que ele fica o tempo todo no terceiro andar, mas imagino que hoje ele faça uma exceção, não falo por mim, mas por Samara que se tornou uma fã de carteirinha dele.
- Não sou uma fã de carteirinha, sou a presidente do clube que faz as carteirinhas. – disse empurrando-a de leve com o ombro, Açucena apenas revirou os olhos, enquanto os irmãos sorriam.
- Sim, ele já acordou. – respondeu Patrick sorrindo. - Ele iria tomar o café aqui embaixo, mas não sei o que aconteceu, ele passou no segundo andar, para verificar como estava dona Virgínia, e voltou aqui apenas para dizer que não queria mais tomar café. — Jessica lançou um olhar reprovador ao irmão. — O que foi? Eu não sabia que não era para falar!
- Virginia? – perguntou Açucena vendo os piscas-alertas em sua mente piscarem freneticamente, olhou Samara interrogativamente.
- Sim, é a sua tia, depois eu te explico com calma o que aconteceu. – respondeu com a boca cheia de ovos.
- Não fale com a boca cheia Samara. – censurou Héctor da porta perfeitamente impecável como sempre.
- Bom dia. – cumprimentou sorrindo ainda com a boca cheia.
- Bom dia. – respondeu sorrindo.
- Bom dia senhor. – disse Açucena sem o encarar.
- Bom dia, você conseguiu dormir? – perguntou contido, Açucena apertou os punhos no colo.
- Sim senhor. Obrigada pela hospedagem.
- Aqui seu Héctor. – disse Jessica colocando uma xícara para ele.
- Obrigado Jessica, mas não quero nada agora. Eu só dizer que o doutro Eric entrou em contato para avisar que o corte na barriga do Luan foi superficial, perdeu muito sangue, mas felizmente uma transfusão foi realizada e ele está bem.
Héctor conteve-se para não encher o coração de esperança ao vê o olhar de Açucena na sua direção, afinal ele sabia que aquele brilho de alegria e alívio não era para ele.
- Graças a Deus! – suspirou Açucena aliviada, naquele momento desejou abraçar o homem que lhe dava boas notícias.
- Samara o doutor Eric disse para você atender ao telefone. – disse virando-se para sair.
- Eu deixei lá em cima junto com meu vestido. – lembrou.
- E o Fernando? – perguntou Açucena fazendo com que Héctor parasse e se virasse para ela.
- Vai continuar preso, tentou sair por fiança, mas não vai conseguir tão cedo. – era aquele tipo de tom que a fazia ter certeza de que ele era perfeitamente capaz de matar.
- Espero que fique preso mesmo e, não saía impune na próxima semana, como acontece geralmente nesse País com quem tem dinheiro. — disse sem pensar, gemeu quando sentiu o beliscão de Samara na perna, a intenção dela não foi ofendê-lo, mas também não pediria desculpas.
- Pode confiar, ele não vai sair. – disse Héctor sem nenhuma emoção.
- "Não sei por que a Samara fica preocupada com os sentimentos dele, ele não tem nenhum" – pensou irritada. - Samara eu vou passar em casa, antes de visitar o Luan. – disse se levantando. – Você quer carona? — perguntou evitando o contato visual com Héctor que continuava parado na porta. – "Não estava de saída, por que ainda está aí parado?" – pensou encarando Samara.
- Não, eu vim de carro. – respondeu sorrindo. - Obrigada. Diga ao Luan que eu mandei um cheiro, e que eu estou esperando por ele para certo café da manhã que fomos convidados.
- Eu digo sim. – disse sorrindo. – Você não vai agora? – perguntou ficando séria.
- Não. Eu vou fazer uma visita a sua tia.
- Tudo bem, e agradeço a você por ter ficado comigo. — olhou para o pai. — Obrigada pela acolhida e também o cuidado que você deu ao Luan.
- Não foi nada. — respondeu friamente, como sempre.
- Jessica, obrigada pelo delicioso café da manhã, eu mando sua roupa pela Samara.
- Tudo bem.
Jessica a acompanhou até a garagem onde Héctor colocara seu carro na noite anterior, enquanto saía ela sentia o olhar de Héctor seguindo-a, despediu-se da moça quase correndo para o carro, precisa da normalidade de lugar confortável longe do homem que odiava por ter matado sua mãe depois de tê-la feito sofrer, por causa dele ficara órfã de pai e mãe, quando ligou o carro lembrou-se do vestido que esquecera na cama, frustrada bateu várias vezes no volante, e só então pegou o celular e escreveu uma mensagem para Samara, e finalmente dirigiu para casa.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro