VINTE E NOVE - CALLIE
Era a primeira semana de aula – não lembro o dia com exatidão, minha memória não é das melhores – quando minha atenção se desviou de um monólogo da Annie até Noah.
Primeiro sua voz roubou meus ouvidos. Eu não conseguia prestar atenção em outra coisa melhor que a combinação de sua voz e um violão. Deixei Annie de lado e me aproximei do pequeno grupo que assistia Noah tocar.
Eu me perguntei diversas vezes como não o tinha notado antes. Meu hábito de me cercar com os meus amigos e não conhecer novas pessoas deveria ser o culpado. Ao olhar para o seu cabelo bagunçado – que eu aprendi depois que não é bagunçado, é rebelde por natureza – eu o reconheci de duas aulas em comum.
Ele cantou o último verso da música e recebeu aplausos merecidos. Olhou para cada um que assistia com um sorriso tímido. Quando seus olhos chegaram em mim, eu mal pude esconder meu sorriso.
– É só isso por hoje, gente – ele deu de ombros e a plateia se dissipou.
Mas eu continuei ali.
– Você canta muito bem – eu disse.
– Obrigado – ele guardou o violão na capa. – Charlotte Lewis, não é?
– Ou só Callie – sorri. – Noah Young, nós estamos na mesma turma de biologia e educação física.
– Isso – ele coloca a alça da bolsa no ombro e o primeiro sinal toca. – A gente se fala mais tarde.
– Sim. Até mais.
E o mais tarde se tornou uma tarde inteira na biblioteca para, até então estudarmos, mas acabamos conversando e conhecendo um pouco mais sobre o outro. Que Noah sabia quem eu era pela peça do ano passado. Que a casa dele é próxima da minha e ele sempre me via sair de casa correndo. Que ele toca vários instrumentos enquanto eu mal sei cantar. Que eu sou ótima em química e ele uma negação.
Combinamos de irmos juntos para a escola. Ele tinha que aguentar os meus atrasos. E eu suas dúvidas sobre tudo e sobre si mesmo, principalmente sua voz. Não adiantava eu dizer milhares de vezes que ele estava cantando muito bem, ele se desacreditava.
– Callie, o que está rolando entre vocês? – Annie perguntou sobre nós quase um mês depois daquele dia.
– Nada, nós somos só amigos – eu olhei para o lado e encontrei Noah no corredor. Ele sorriu e acenou para mim.
– Aham, só amigos, sei – ela cruzou os braços. – Ele nem faz o seu tipo.
– Que tipo? Desde quando eu tenho um tipo? – fechei a porta do meu armário com força. – Não ouse...
– Não comentei nada. Ele parece ser um cara bem legal – Annie tentou consertar o que provocou.
– E ele é. Você deveria se juntar a nós no intervalo. O amigo dele, Tyler, é uma ótima pessoa.
– Passo. Até mais, loirinha – Annie desapareceu pelo corredor.
Por que as pessoas não acreditam que eu e Noah somos só amigos? Sempre tem que existir algo por trás das coisas, uma amizade sempre tem que esconder um namoro. Não no nosso caso. É simples e não consigo acreditar no que as pessoas pensam de nós.
De companhia pela manhã, passamos para colegas de estudo e amigos de desabafarmos tarde da noite. Annie aceitou a ideia de Noah andar comigo e nós acabamos formando um novo grupo: eu, Noah, Annie e Tyler. Jessica e Thomas foram uma adição após a festa de aniversário do Noah.
Mas eu sei os detalhes daquela tarde de outono no Santa Mônica Café como se fosse ontem. Noah e eu tínhamos marcado de começarmos a desenvolver um trabalho para a aula de biologia – não sei o que tínhamos nas nossas cabeças de que uma cafeteria seria o melhor lugar, mas não nos arrependemos.
Eu cheguei atrasada – como de costume, se não perder a hora, não sou eu – e me sentei com Noah em uma das mesas perto da janela. Ele colocou o violão de lado enquanto eu tirava meus livros da bolsa e tentava me organizar.
– Você quer alguma coisa? – ele me perguntou.
– Depois eu peço – me mantive atenta ao que estava fazendo.
– Callie.
Eu paro de abrir os livros nas marcações que fiz.
– Um cappuccino de chocolate – respondi e tirei dinheiro do meu bolso.
– Depois você me paga – ele foi ao balcão antes mesmo que eu pudesse protestar.
Deixe ele fazer alguma coisa por você, Callie. Não vai te matar, vai? Continuei me organizando, dispondo os livros na mesa e conferindo se aquilo era tudo o que precisaríamos para dar início ao trabalho. Liguei o meu notebook para usá-lo com mais uma fonte de pesquisa.
– Aqui – ele deixou a bebida perto da minha mão e voltou para o seu lugar. – Então, o que nós temos que fazer?
– O senhor Herman pediu um histórico sobre Mendel. Eu estava pesquisando – empurrei meu caderno com anotações para ele – e encontrei que ele é o pai da genética. Seus primeiros experimentos...
– Foram com ervilhas e ele criou duas leis em cima disso – ele me completou com um sorriso no rosto. – Eu sei disso. Nós só temos que explicar essas leis.
– Você diz como se fosse fácil – revirei os olhos. Eu detestava biologia tanto quanto detestava história. Se bem que isso não mudou. – Eu não entendi isso de combinações e genes.
– É por isso que é um trabalho em dupla – ele pegou o material de pesquisa e leu um pouco.
Eu tomei um pouco do meu café e tentei organizar meus pensamentos.
– Callie, posso usar seu notebook?
– Claro – empurrei-o na sua direção e desviei o olhar para a rua me perguntando se alguma daquelas pessoas também odiavam biologia no colégio.
Eu passei a acompanhar a dedicação de Noah. Ele parecia decidido a me ajudar a entender toda aquela parte da genética. Estava mordendo seu lábio inferior e anotando nas páginas dos livros e nas linhas do meu caderno. Eu me perdi ali mesmo. Quando ele sorria ao encontrar o que procurava ou segurava seu cabelo quando ficava aflito.
– Ok, acho que agora tenho tudo o que preciso para te fazer entender Mendel – ele me devolveu o notebook e deslizou os livros para mim. Trocou de lugar e se sentou no banco ao meu lado.
Eu me sentia nervosa. Nossos ombros estavam se tocando e Noah se dedicava ao máximo para me explicar. Ele apontava para umas imagens no notebook e desenhava tabelas no meu caderno. Suas palavras eram como música para os meus ouvidos e eu queria que ele falasse o dia todo.
– Callie? – estalou os dedos na frente do meu rosto. – Você está me ouvindo?
Eu me perdi no meio da explicação.
– Desculpa, eu viajei aqui – passei a mão pelo meu cabelo e virei meu rosto para ele. – O que você estava explicando?
Eu não sei até hoje quem começou o beijo. Foi como se nós dois quiséssemos aquilo e entramos num consenso só de nos olharmos. Seus lábios nos meus funcionaram quase como um remédio para a dor que eu estava terminando de curar – Mike era um passado distante, mas não totalmente superado. Até eu ter Noah.
O tempo parou durante o beijo. Eu não queria me afastar dele. Mesmo eu não me segurando nele, como ele fazia comigo, eu queria mais dele.
Então ele se afastou e sorriu.
– Noah, nós viemos aqui para estudar – reprimi a ação dele, mesmo tendo gostado.
– Se pensarmos em genética, hipoteticamente, se eu e você tivermos filhos, bom, a genética pode nos ajudar a descobrir se eles terão algum tipo de problema ou uma característica específica – ele sorriu envergonhado.
– A gente mal se beijou e você já está pensando nos filhos – nós rimos da situação.
– Hipoteticamente falando – ele puxou o capuz para tentar esconder o rosto.
– Parece que alguém ficou com vergonha – eu aproveitei para zoá-lo um pouco. – Mas não se preocupe, isso não vai para o relatório do trabalho.
– Ainda bem – ele suspirou aliviado. – Me desculpa por...
– Não me venha com desculpas. Você não fez nada de errado, ok?
– Ok. Só vamos voltar para Mendel.
– Sim. Aonde você parou mesmo?
Nós continuamos com nossos estudos. Eu não queria. Eu poderia fazê-lo parar de falar sobre aquelas regras de gene dominante e recessivo. Aquilo estava chato – mas eu estava entendendo agora. Só que eu queria saber mais sobre o Noah.
Permanecemos até o pôr do sol estudando. Ele me ajudou a guardar toda a bagunça que eu tinha feito com meu desespero de não entender nada e se ofereceu para me acompanhar até em casa.
Percorremos as ruas com uma conversa leve e amigável, como se nada tivesse acontecido. Mas claramente algo aconteceu.
Então um beijo se tornou vários outros beijos. E um primeiro encontro foi marcado. E nós deixamos de esconder o que sentíamos um pelo o outro lentamente e contamos para nossos amigos quando estávamos seguros daquilo.
Meus pais adoravam Noah. E os pais dele me adoravam. Não tínhamos problemas, discussões ou segredos. Eu deixei o meu passado em algum canto do esquecimento e me deixei criar o presente e o futuro com Noah.
Você pode esquecer o passado, mas ele nunca te esquece. Infelizmente.
Nós brigamos e seguimos caminhos diferentes. E nos tocamos de que talvez seguir uma estrada sem companhia não era o que queríamos.
Há sempre uma primeira vez para tudo. E milhares de outras chances para tentar de novo caso não desse certo. Mas ter chances novas não muda se ainda continuar errando. Então eu me pergunto: o que há de errado agora?
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