TRINTA E QUATRO - NOAH
Desço do ônibus e estico a mão para Callie. Finalmente podemos esticar as pernas – ficar sentado por horas não é mesmo comigo – e sentir o ar agradável em nossos rostos.
– San Diego! – anuncio sorrindo para Callie.
Ela apenas sorri esfregando as costas das mãos nos olhos.
Embarcamos no ônibus bem cedo com o intuito de aproveitarmos a manhã pela cidade antes de encontrar com Chloe Simmons, empresária da gravadora. Ouvimos música e conversamos durante a viagem, mas em algum momento Callie dormiu em meu ombro e só acordou agora quando chegamos.
Beijo sua testa.
– Quer procurar uma cafeteria? – pergunto.
– É, um cappuccino faria bem agora. – Ela sorri e entrelaça os dedos com os meus.
Não foi difícil encontrar uma cafeteria. Próximo a parada de ônibus nos deparamos com uma. Pedimos para levar, assim podemos tomar nossa bebida e andar pelas ruas de San Diego.
– Para onde vamos agora? – Callie passa o braço no meu.
– Eu não pensei muito, para ser sincero com você.
– O que vamos fazer até a hora do almoço?
– Eu pensei em apenas uma coisa, mas parece bobo. – Minha voz sai baixa.
– No que pensou?
– Esquece. Vamos só ver algumas lojas, Amy quer que eu leve algo para ela.
– Noah, agora eu quero saber no que pensou.
Coço a cabeça e olho para ela. Paramos no meio da calçada, alguém apressado passa por nós a cada segundo.
– Eu pensei no zoológico daqui. – Falo mais baixo que antes. – Mas é um passeio de criança.
Seria bom para ir com a Amy, não com minha namorada.
– Nada a ver isso, Noah. Eu quero ir. – Ela diz determinada.
– Sério?
– Sim. Algum problema?
– Não, tudo bem. – Pego meu celular para ver se estamos longe. – Estamos a duas quadras do parque. Lá teremos que andar um pouco mais até o zoológico.
– Tudo bem. – Ela se estica e beija meu rosto.
O parque está cheio – imagino que a grande maioria seja turista – e é enorme, muito maior que eu poderia imaginar. Passamos por museus e dezenas de jardins. Cogito a ideia de visitarmos pelo menos um museu, mas isso tomaria tempo. O zoológico é o suficiente.
A fila pode ser vista de longe. Solto um suspiro, mas Callie me puxa pela mão para irmos mais rápido.
– Não pensei que estivesse tão ansiosa assim. – Comento.
– Não é que eu esteja ansiosa, mas você não parecia com muita vontade de vir para a fila. Só te apressei antes que sugerisse que fôssemos a algum museu.
– O que você tem contra museus? – ela apenas sorri para mim. – A gente ia ver um monte de coisa legal.
– No zoológico também.
– Por que eu falei nele quando perguntou o que iríamos fazer até a hora do almoço?
– Está vendo? Culpa sua. – Ela aponta para a entrada. – A fila não está tão grande.
Sim, a fila está grande, mas está andando depressa.
Callie fica na minha frente e eu aproveito para abraçá-la. Não dura muito, pois Callie se vira para mim e fica na ponta dos pés. Nos beijamos. O beijo é lento e apaixonado. Não ligo se estamos em uma fila com várias pessoas ao nosso redor. Tenho absoluta certeza de que nunca me cansarei de estar assim com Callie. Nos beijamos e ficamos bem. Não há preocupações, apenas o que sentimos um pelo outro.
Alguém atrás de nós faz um barulho chato com a garganta e sou obrigado a interromper o beijo.
– A fila! – indicam.
A fila andou e não percebemos. Peço desculpas às pessoas atrás de mim e acompanho o fluxo ainda com Callie presa em meus braços.
Finalmente chega nossa vez. Entramos no ônibus interno que ajuda os visitantes a conhecerem o lugar que é imenso.
Escolhemos os últimos bancos na parte superior. Coloco meu violão na nossa frente, apoiado contra o encosto do banco da frente.
– Foi mesmo necessário trazê-lo? – Callie indaga com a mão em meu braço.
– Eu não viria sem ele. – Dou de ombros. – É como sair sem celular.
Callie ri e deita a cabeça em meu ombro.
– Você acha que eles gostaram das músicas? – a pergunta simplesmente sai. Eu nem sabia que estava intrigado com isso até agora.
Mandei a demo para a gravadora há três dias. Essa reunião com Chloe já estava marcada antes. Então eu não sei o que esperar.
Callie levanta a cabeça para me olhar.
– Por que não gostariam?
– Não sei. – Sacudo a cabeça. – Posso não ser o que eles estejam procurando.
– Essa empresária que te viu tocar no Seaside disse que gostou de você.
– Da minha voz. – Corrijo. – Isso não significa que gostaram do que escrevi e tal. – Pela primeira vez no dia, talvez na semana, me sinto nervoso.
Todos param para ouvir a motorista do ônibus se apresentar. Eu não consigo ouvir uma palavra que sai da caixa de som, apenas sinto o ônibus começar a se mover.
– Eu acho que ela teria te ligado e dito "Olha, desculpe-me, mas você não é exatamente o que queremos. Tudo bem em cancelarmos nossa reunião?" – Callie segura meu rosto para ela. – Ela não faria você vir em vão, Noah.
Respiro fundo e aconchego o rosto na sua mão quente e macia. É como se esse fosse um super poder de Callie, só precisa tocar em mim e eu volto a me sentir bem. Beijo a palma de sua outra mão.
– Tem razão.
Ela sorri para mim e eu penso em beijá-la novamente, isso até notar que seus olhos não estão em mim. Reparo que todos estão na beirada tirando fotos e falando. Sigo o olhar de Callie e dos outros e vejo os coalas. É, aceito perder a atenção de Callie para os coalas. É um pouco justo.
Temos uma visão privilegiada de vários animais, inclusive o urso polar que é o que eu mais queria ver.
Divirto-me com as girafas, como elas nos encaram enquanto passamos. O rinoceronte se exibe andando de um lado para o outro, me fazendo rir um pouco. Escondido na sombra da árvore vemos o urso panda dormindo, deixando Callie um pouco chateada.
Infelizmente o passeio de ônibus termina e temos que descer.
Decido com Callie por onde começar nosso passeio a pé. Vamos à área dos elefantes, das capivaras e dos camelos e seguimos para o urso polar. Vê-lo tão de perto é simplesmente incrível. Callie aperta meu braço, parecendo assustada.
Deixo-a escolher o próximo destino e ela me leva para ver o tigre. Ele fica apenas deitado, nos olhando. Dá mais medo que o urso polar, mas Callie parece gostar.
Vemos os gorilas, os flamingos, as zebras, o leopardo e novamente os coalas, que estão na mesma posição que estavam quando vimos do ônibus. E então resolvemos almoçar.
Encontramos um restaurante no parque mesmo. Sentamos em uma das mesas na varanda. Pedimos hambúrguer com fritas e refrigerante de limão. Não falo nada, foco toda minha atenção no meu hambúrguer. Faz tempo que comi alguma coisa, não sei como eu estava andando sem reclamar.
Levanto os olhos e encontro Callie rindo.
– Você vai comê-lo ou pediu só para observar? – ela aponta para o meu hambúrguer.
– Precisa ser admirado primeiro. – Respondo antes de dar a primeira mordida.
– Qual é a graça de admirar algo que você vai comer logo em seguida?
– Você não entenderia. – Dou um gole em meu refrigerante. – Você não me disse de qual animal gostou mais.
– Bom – ela morde o lábio e olha para o lado –, eu sempre quis ver um panda, mas ver um urso polar foi meio aterrorizante, me fez lembrar daqueles documentários que eles atacam os animais. – Ela balança a cabeça para espantar essa imagem.
– Eu achei demais. – Roubo uma batata do prato dela. – O tigre que parecia querer nos matar.
– Não achei. Eu queria poder fazer carinho nele, sabe.
– O que? – espanto-me. – Está falando sério?
– Nunca falei mais sério em toda minha vida. – Pela sua expressão posso ver que é sério mesmo.
– Deve ter algo errado com seu refrigerante então.
– Eu não estou bêbada, eu só sou mais corajosa que você.
– Você viu os olhos dele? Viu o olhar sanguinário?
– Eu vi, Noah, mas você acha mesmo que eu faria carinho num tigre desses? Tipo, os que você pode entrar na jaula, são mais mansos que esse que nós vimos.
– Eu realmente achei.
– Você abraçaria o urso polar?
– Talvez. – Levanto os ombros e finjo estar cogitando a ideia. – Mas ele com certeza não me abraçaria.
– Ele te esmagaria.
– Correto. – Termino meu hambúrguer e roubo novamente do prato de Callie mesmo que eu ainda tenha no meu.
– Você quer a minha batata? Porque eu não vou aguentar comer isso tudo. – Ela empurra o prato para mim.
– Eu nem acabei com as minhas ainda.
– Então porque está roubando das minhas?
– Não sei, parecem melhores que as minhas. – Sorrio.
– A grama do vizinho é sempre mais verde. Nesse caso, a batata é melhor.
– Aham, exatamente isso.
– Vamos fazer o seguinte então – ela puxa o meu prato e eu fico com o dela. – Pronto, quero ver roubar agora.
– Assim não tem mais graça.
Callie coloca uma batata em minha boca para que eu pare de falar. Ganho um pequeno sorriso dela que leva seu copo à boca.
Deixo de admirar o que está no meu prato para admirar a garota que está comigo. Callie aponta para o meu prato e eu volto a comer. Estou feliz que ela tenha aceitado vir comigo.
– Vai querer sobremesa? – pergunto assim que terminamos. O garçom que nos atendeu quando chegamos se aproxima da mesa.
– Não, estou satisfeita. – Responde Callie.
– Certo. – Olho para o garçom. – Vou querer a conta.
Depois de tudo resolvido, vamos para a rua esperar por algum táxi. Precisamos voltar para o Centro, onde fica a gravadora. O parque em si não fica longe do prédio, mas ele é enorme e estamos longe da saída. Não temos problema em andar, só não quero chegar atrasado.
Quando acordei essa manhã para vir para cá, eu planejava ter uma manhã agradável com Callie e tivemos. Até este momento está tudo ótimo, mas quando Callie se mantém calada, olhando para o nada, como está agora, é que eu me preocupo. Ela tem ficado assim algumas vezes e várias coisas passam pela minha cabeça. Penso se são as lembranças de Mike com ela que ainda assombram, ou se é o que aconteceu com a gente, ou as duas coisas.
Queria que ela desabafasse comigo, ou com outra pessoa. Acho que falar com alguém irá ajudá-la, mas não digo nada a ela.
Beijo o alto de sua cabeça.
– O que foi? – Callie estranha.
Esforço-me para sorrir, não é tão difícil porque seus olhos não parecem preocupados mais, vejo somente ternura neles.
– Obrigado por ter vindo comigo. – Murmuro mexendo no pingente de coruja dela. – Ver o tigre e o urso polar não seria a mesma coisa sem você.
Ela coloca a mão sobre a minha e dá um pequeno sorriso.
– Não tem que me agradecer por isso. – Ela me dá um beijo. – Estou feliz por ter vindo. Não seria legal ficar em casa mesmo.
Vejo um táxi vindo e eu o chamo.
Digo o endereço que Chloe me mandou por mensagem ao motorista assim que entro no carro. Durante todo percurso, não ficamos em silêncio. Comentamos dos outros animais que vimos e do que vemos pela janela do táxi. Mas sinto um pouco de nervosismo reaparecer conforme nos aproximamos de nosso destino.
O táxi para quando menos espero.
– Chegamos. – Diz o motorista. – O prédio é aquele ali. – Ele indica com a mão.
– Obrigado.
Alguns metros a nossa frente, eu vejo a construção de vidro espelhado que se ergue por vários andares e reflete boa parte dos prédios vizinhos e da rua.
Ele nos diz quanto deu a corrida. Pago, agradeço mais uma vez e desço. Seguro a porta para Callie sair e seguro sua mão.
Vamos direto para a recepção do prédio e pergunto sobre o andar da gravadora.
– Noah Young! – olho para trás e vejo Chloe Simmons saindo do elevador. – Que bom te ver!
– Olá, Chloe. Como está? – agradeço a recepcionista com um aceno e me aproximo de Chloe.
– Estou ótima. – Ela me cumprimenta e faz o mesmo com Callie. – Oi, sou Chloe.
– Sou Callie.
– Minha namorada. – Acrescento.
– Prazer, Callie. – Chloe sorri amigavelmente e volta os olhos para mim. – Seu empresário não veio?
– Não. Ele não pode vir. – Explico.
– Sem problemas. Agora acho que temos que conversar, Noah. Venham comigo. – Ela volta para o elevador e nós a seguimos.
Sinto meu nervosismo indo embora. A tranquilidade de Chloe faz com que eu me sinta mais calmo, isso sem contar a mão de Callie entrelaçada a minha.
Chegamos ao andar da gravadora e Chloe me apresenta a todos que ela vê pelo caminho. Não gravo o nome de ninguém, nem falo nada. Apenas cumprimento e sorrio.
Chloe nos leva até sua sala. As janelas atrás da mesa dela nos dão uma vista privilegiada da cidade. Os prédios desaparecem ao se aproximarem do oceano. Puxo uma cadeira para Callie e depois me sento ao seu lado.
– É uma vista muito bonita, tenho que concordar que fica difícil fazer reuniões aqui – ela percebe que eu estou vidrado nas janelas, mas seu tom leve não indica problemas.
– Acho que eu não conseguiria. – Confesso.
– Depois você se acostuma e até acha repetitivo. Mas, de qualquer modo, não estamos aqui pela vista. – Ela se aproxima da mesa e eu vejo que há uma pasta parda em suas mãos. – Eu não sei nem por onde começar – ela ri.
– Que tal pelo começo? – sugiro e acabamos todos rindo.
– É, pode ser. – Ela se senta e descansa as mãos sobre a mesa. – Minha equipe gostou muito do que ouviu, a sua voz fica melhor ainda em canções originais. Podíamos sentir as suas dores, felicidades, todas as emoções quando cantava pela sua voz. E isso é muito bom num mundo musical onde as canções estão perdendo o sentimento e sendo cantadas só por vendas. Você entende o que quero dizer?
– Acho que sim.
– Um dos nossos músicos ficou encantado com o seu trabalho, ele disse que você seria uma ótima aposta para a nossa gravadora. Mas decidir quem assina conosco não é fácil, recebemos mais três demos nessa semana e todas eram muito boas. Eu me reuni com os artistas e tentei entender qual era a mensagem deles como cantores e artistas. Não se entra nessa indústria só pelo dinheiro, você tem que fazer aquilo porque ama, o resto é consequência.
"Então eu resolvi te dar uma chance. Poderia ter discursado pelo celular, mas acho que não seria justo. Estou com a mesma equipe que ouviu a sua demo num estúdio ao lado, eles querem ouvir uma música ao vivo, somente isso. Alguns ainda estão em dúvida do seu talento, Noah. Mas não porque te acharam ruim, é porque nós trabalhamos com artistas de verdade, nada de playbacks ou tratamentos de voz, a música pura é o que procuramos.
Ela me encara.
– Bem, eu entendo. Não precisa ter dúvida de coisa alguma, eu amo isso.
– Então aceita tocar um pouco para os meus colegas? Vejo que você meio que se preparou para isso – aponta para o violão.
– Eu não esperava, mas sim, aceito.
– Callie pode vir conosco, se ela quiser – estende o convite para Callie.
– Vamos? – pergunto a Callie.
– Se não for incomodar. – Ela olha para mim.
– O que estamos esperando então? Acompanhem-me.
Saímos de sua sala e seguimos para o estúdio ao lado. Há cinco pessoas nos aguardando ali. Chloe aponta para a outra parte do estúdio e diz que eu posso levar tempo que precisar para me aquecer.
– Boa sorte – Callie me puxa e beija meu rosto.
– Você vem comigo.
– O que? – ela se afasta. – Não, Noah, eles querem te contratar, não eu.
– Preciso de você. Vou tocar aquela música em que cantou um trecho.
– Não, não posso fazer isso. Eu não consigo – eu abraço ela e percebo que estão nos assistindo.
– Você consegue, sim. Por favor, Callie. – Insisto. – Nem tem muita gente aqui.
– Eu vou precisar passar a música uma vez, mas sem ninguém ouvindo – ela olha por sobre o ombro para aqueles desconhecidos e eles desviam seus olhares.
– Tudo bem.
– Se vocês querem os microfone desligados, teremos microfones desligados. – Chloe anuncia e faz sinal para o cara que está na mesa de som. – Sintam-se à vontade no estúdio.
– Obrigado, Chloe. – Olho para Callie. – Tudo certo?
– Aham.
Callie e eu entramos na outra parte do estúdio e eu crio uma noção de tudo o que está em jogo. Estou cercado de ótimos equipamentos e instrumentos, adoraria passar horas aqui, gravando e compondo, porém tenho que provar para eles que posso me destacar.
Puxo dois banquinhos para nos sentarmos e vejo que Callie está realmente insegura e agitada com a ideia de cantar agora. Passo meus braços ao seu redor e encosto meus lábios em seu rosto.
– Não tem que fazer isso se não quiser. – Sussurro. – Eu quero que cante comigo, mas não quero que se sinta pressionada.
– E se eles acabarem não gostando? Eu posso estragar a sua chance e nunca me perdoaria por isso. – Seu corpo parece tremer em meus braços.
– Você não vai estragar nada. Tenho certeza disso.
– Eu não sei, Noah. Eu não sei, eu não sei.
– Acredite em mim, Callie.
Viro seu rosto para mim e fito seus olhos. Não sei mais o que dizer para que ela saiba que ficará tudo bem. Então escolho agir. Eu a beijo e meus movimentos são lentos. Quero que ela se sinta segura e que seu nervosismo desapareça.
Callie pressiona as mãos em meu peito antes de subi-las para meu pescoço. Ela não me deixa parar o beijo. Deslizo a mão pelo seu cabelo aprofundando mais aquilo, mas sei que devo parar. Seguro seu queixo e recuo milímetros de seus lábios. Descanso a testa contra a sua e tento encontrar seus olhos enquanto recupero o fôlego.
– Callie. – Sai quase como um suspiro. – Você aceita cantar apenas um trecho comigo?
Ela respira fundo e suas mãos apertam meu pescoço. Espero sua resposta sem desviar o olhar.
– Essa vai ser a primeira e a última vez, Noah Young. – Seu medo se dissolve quando ela sorri.
– Como quiser. – Libero-a de meu abraço e sorrio.
– Cante a música toda e indique quando eu tenho que entrar, pode ser? – ela se senta no banquinho e ajeita o microfone.
– Aham. – Sento-me também e pego meu violão.
Toco e canto a música pela milésima vez. Mas soa diferente. Porque eu estou num estúdio, não dentro do meu quarto, sentado na minha cama, quase dormindo. Os acordes soam mais claros, a minha voz agarra a letra com força e deixa que ela se vá suavemente, como uma brisa.
Aceno para Callie, que me olhou durante toda a música, e ela respira fundo. Sua voz doce e cheia de uma mistura de emoções junta-se a minha, encaixando-se perfeitamente. Eu sei que ninguém pode nos ouvir agora, mas bem que poderiam. Callie canta sem toda aquela insegurança.
Deixo a última nota soar e sorrio.
– Noah, não queria interromper – a voz de Chloe se projeta na sala –, mas será que já podemos ligar os microfones? Faça um positivo se sim.
Olho para Callie e ela confirma que está pronta. Dou o sinal e conecto o cabo ao violão. Sinto um pouco de nervosismo no fundo do estômago, mas ele vai embora assim que eu começo. Dedico-me para fazer uma apresentação melhor que a versão da música na demo.
Eu nem percebo quando Callie canta, ou muito menos quando a música acaba.
– Vamos conversar aqui rapidamente e já chamamos vocês. – Chloe anuncia e corta comunicações conosco.
Puxo uma respiração profunda e me viro para Callie.
– Obrigado. – Agradeço a ela.
– Nem sei porque você está me agradecendo. – Ela afasta o microfone de si e ajeita o cabelo.
– Você aceitou cantar comigo e foi ótima.
– Se eles não te aceitarem, você terá novas chances, e eles vão se arrepender de não ter o talento de Noah Young na gravadora.
– Sim. Essa é só a minha primeira oportunidade. Virão outras. – Tento soar confiante.
– Nenhum de nós está sendo otimista, o que aconteceu hoje? – ela ri ao tocar nesse detalhe.
– Não sei. Será que é a cidade? – Brinco.
– Noah, o que você comeu no café da manhã?
– Não quero me lembrar. Não é um bom momento para eu pensar em comida, Callie.
– Mas nós acabamos de almoçar!
– Eu sei, mas prefiro não pensar.
– Eu estava pensando se você não escreveu uma música sobre comida. – Ela me encara como se fosse uma ideia absurda. – Você não escreveu, não é?
Não me contenho e começo a rir.
– E se eu escrevi? – levanto as sobrancelhas.
– Você não fez uma coisa dessas.
– É, não fiz. Mas você me deu uma boa ideia.
– Se você fizer isso, acabou tudo entre a gente.
– Escrevi uma para você, por que não posso escrever uma sobre comida? – faço o possível para controlar a vontade de rir outra vez.
– Porque eu – ela se aproxima – sou uma fonte de inspiração que vale a pena ser homenageada numa canção. – Ela fica intimidante com esse tom de voz. – Se você quer escrever sobre comida, pode fazer jingles para restaurantes.
– Até que não seria ruim. – Balanço a cabeça. – Mas acho melhor continuar com minha fonte de inspiração.
– Por um acaso, essa é a minha música?
– Talvez sim, talvez não. – Continuo repetindo isso para Callie. Por mais que seja bem claro que a música é sobre nós, quero deixá-la mais curiosa.
– Vocês já podem vir para cá – Chloe diz.
Callie segura minha mão antes que eu me levante e juntos voltamos para a outra parte do estúdio. Sinto o olhar daquelas pessoas em mim e não sei o que esperar.
– Noah, você é realmente muito talentoso. Eu já sabia disso desde o dia que te ouvi naquele clube, meus amigos precisavam de uma prova e você deu isso a eles. Não podemos duvidar da sua paixão pela música, em como todos os detalhes são uma adição para suas canções.
"Eu entendo que você não espera uma carreira agora, ainda tem mais um ano da escola e depois uma faculdade. Mas nós queremos te oferecer uma oportunidade. Você pode assinar conosco e passar um ano trabalhando em mais canções, tudo isso em Los Angeles, para não afetar seus estudos e dificultar as coisas com seus pais. Então, assim que você estruturar um CD ou uma coletânea de músicas, podemos te lançar. Você seria o responsável pelo que vai criar, pode selecionar quem dizer para te ajudar, nós vamos te dar todo o suporte. Em troca, vamos acompanhar, sugerir melhorias, elogiar e te guiar para o que for melhor, tanto para você quanto para a sua carreira.
Não sei como reagir. Não sei o que dizer. Fico encarando Chloe, tentando assimilar tudo que ela disse.
– O que vai ser, Noah? – Chloe sorri. – Nós só precisamos da sua resposta, o contrato está pronto e eu posso voar para Santa Mônica hoje ainda para conversar com seus pais.
– Onde eu assino? – pergunto contendo a animação que surge de repente.
– Temos um sim! – ela bate palmas. – O contrato está na minha sala, você não precisa assiná-lo agora, pode voltar para casa, explicar para os seus pais e eu vou até você para resolvermos tudo.
– Certo. Eu nem sei como agradecer a vocês por isso. Pela chance que me deram.
– Não precisa agradecer agora, temos ainda um longo caminho a percorrer com você, meu querido. Bem-vindo ao time!
Deixo o prédio da gravadora com a ideia de que, em alguns dias, eu vou assinar um contrato importante, com uma gravadora importante. Callie está abraçada a mim e eu não sei quem carrega o maior sorriso, se sou eu ou ela.
– Ainda não parece real – comento.
– Eu sei. Será que essa sensação vai passar?
– Talvez quando eu assinar o contrato, não sei.
– Eu estou tão feliz por você, Noah.
– Posso ver no seu sorriso que está. – Beijo seu rosto. – Viu? Todas aquelas noites sem dormir valeram a pena.
– Você parece exausto, Noah. Deixe-me levar seu violão.
– O que? Não, não precisa. Estou bem, Callie.
– Noah, por favor – ela insiste.
– Por que você quer tanto carregar o meu violão?
– Você andou com ele o dia todo, deve estar cansado. – Paramos de andar e eu me viro para Callie.
– Promete cuidar bem dele enquanto meu bebê estiver nas suas costas? – falo com seriedade.
– Prometo. Quer que eu assine algum documento também?
– Não, só a sua palavra já basta.
Entrego-o e ela passa as alças pelo braço. Eu me sinto melhor quando tiro o peso do violão das minhas costas. Callie tinha razão, eu estou cansado.
– Viu? Não te matou – ela sorri e começa a andar na minha frente.
Eu a acompanho com passadas mais lentas. Quando olho para Callie, as luzes dos prédios e da rua, as pessoas, a realidade completa se desfoca e só aquela garota loira e sorridente é o que importa.
Ela olha para trás, diz alguma coisa, ri e volta a prestar atenção para não esbarrar nas pessoas. Eu não ouvi uma palavra do que ela disse, eu não sei porque ela riu, eu nem imagino o que vamos fazer agora.
Deixamos os prédios para trás e caminhamos pelo calçadão, olhamos algumas lojinhas e Callie me ajuda a escolher algo para Amy. Quando o sol está se pondo, nem podemos apreciar a vista, está na hora de embarcarmos no ônibus de volta para casa.
Compro algo para comer enquanto Callie diz que não quer nada. Entrego nossas passagens para ela e percebo sua agitação.
– Noah, nosso ônibus sai agora – aponta para o relógio na parede e me mostra as passagens.
– O que estamos esperando, então? – corremos até o ônibus e conseguimos embarcar.
Deixo Callie ficar na janela e ela me oferece um fone. Aceito e beijo seu rosto. Não chega a tocar três músicas e Callie já está dormindo com a cabeça em meu ombro.
Eu previa isso. Depois do dia que tivemos, surpreso eu estaria se ela não estivesse exausta. Também me sinto esgotado, mas não consigo dormir. Quero apenas observá-la. Inclino-me mais um pouco para que meu ombro fique mais confortável para ela.
Volto a pensar em tudo que Chloe me disse e quase não consigo acreditar ainda. Mal posso esperar para assinar esse contrato logo e trabalhar em novas músicas.
Passo todo o trajeto fazendo o possível para não me mexer. Ainda não sei como alguém consegue dormir sentado em um ônibus em movimento. E Callie parece tão confortável que não quero acordá-la. Mas a parada de Santa Mônica se aproxima.
Espero o ônibus parar e todos descerem dele. Coloco o violão nas minhas costas e observo Callie, ainda dormindo.
– Callie. – Ela nem se mexe. Afasto o cabelo de seu rosto. – Ei, chegamos. – Noto a dificuldade que ela tem para abrir os olhos. – Segure-se em mim.
Ajudo-a a colocar os braços ao redor de meu pescoço e a carrego para fora. Callie ainda está dormindo, é como se nem tivesse aberto os olhos antes.
Minha mãe nos espera do lado de fora de seu carro. Ela abre a porta de trás antes mesmo que eu chegue nela. Sorrio para ela e ajeito Callie ali banco, arranjando espaço para meu violão.
– Ela está bem? – minha mãe pergunta.
– Sim, só está cansada.
– E você?
– Cansado também, mas feliz.
Entramos no carro.
– Então deu tudo certo? – ela olha para mim antes de ligar o carro. Faço que sim e não disfarço o sorriso. – Como foi lá? Me conte tudo, Noah.
Verifico Callie rapidamente, para ver como ela está e começo a contar o que aconteceu a minha mãe. Explico os termos de Chloe e em como ela se preocupou em estruturar um contrato que não atrapalhe meus estudos ou me deixe longe da minha família e amigos.
– Noah, isso é ótimo! – ela sorri, mas contém seus olhos no trânsito. – Então ela vem aqui para conversar conosco e você assinar o contrato?
– Aham. Ela virá para resolvermos tudo.
– Essa notícia me deu forças para aguentar meu plantão. – Ela aumenta o volume da música, mas torna a abaixá-lo quando se lembra de Callie dormindo no banco de trás.
– Prometo não decepcionar vocês.
– Por que você nos decepcionaria, filho?
– Eu não sei. – Sorrio para ela. – Obrigado pelo apoio, mãe. Sério.
– Chegamos – ela aponta para a casa de Callie. – Precisa de ajuda?
– Sim, acho que não terei mãos para apertar a campainha. – Desço do carro.
Pego Callie em meus braços – ela se agarra a mim como antes, braços ao redor do meu pescoço – e a levo até a porta de sua casa. Minha mãe faz o que pedi e somos recebidos pela senhora Lewis.
– Eu não esperava vocês! – ela nos encara e depois algo na sua expressão muda. – Aconteceu alguma coisa com Callie?
– Ela está bem. Dormiu no ônibus e eu não quis acordá-la. – Explico.
– Leve-a lá para cima – sugere e depois abraça a minha mãe. – Quanto tempo que a gente não se vê. Como estão as coisas?
Nem ouço a resposta da minha mãe. Subo as escadas com cuidado e vou para o quarto de Callie. Coloco-a em sua cama, dando um beijo em sua testa, mas quando penso em me afastar, não consigo. Callie mantém os braços firmes ao meu redor.
– Callie, eu preciso ir – sussurro mesmo que eu tenho quase certeza que ela continua a dormir.
Ela nem se move ou reage. Eu solto seus braços de mim com bastante calma e tiro seus sapatos. Pego o cobertor e cubro-a. Callie se mexe na cama e seus olhos se abrem levemente.
– Tchau, Noah – sua voz é doce e tirada de um sonho.
– Até amanhã.
Vendo que ela não precisa de mais nada, beijo sua testa novamente e vou embora.
Callie: Descobri que tenho um super poder de dormir em qualquer lugar e acordar na minha cama.
Noah: Não queria estragar sua felicidade, não, mas quem te carregou até a sua cama fui eu.
Callie: Não lembro. Você tem provas disso?
Noah: Tenho a sua mãe e a minha como testemunhas.
Callie: Eu não acredito. Estava tão animada com a ideia de ter um super poder...
Noah: Acho que você pode ter um, só não é esse.
Callie: E qual seria?
Noah: Você terá que descobrir sozinha. Sinto muito.
Callie: Como eu vou descobrir? Eu nem sei por onde começar
Noah: Você é esperta. Não terá dificuldades para descobrir.
Callie: Esse super poder afeta você?
Noah: Não sei como te responder sem contar qual é.
Callie: HA! Então afeta você... Mas é difícil porque eu não faço ideia do que seja :(
Noah: Tudo bem. Você quer mesmo que eu conte?
Callie: Não hoje, não por mensagem. Sábado, apareça aqui em casa, temos que conversar.
Callie: Isso não é um convite, é uma intimação.
Noah: Ok, então.
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