QUINZE - CALLIE
Desperto alguns segundos antes do alarme do meu celular tocar. Rolo até o criado mudo e desligo-o. Procuro coragem para levantar da cama, ainda há um pouco de cansaço em minhas pálpebras. Meus irmãos estão gritando no quarto ao lado e eu penso se existe despertador pior.
Sento na beirada da cama, espreguiço-me e vou até o banheiro. Rio ao ver meu cabelo mais bagunçado que o de Noah num dia normal e entro debaixo do chuveiro o mais rápido que consigo. Uma ducha de água gelada me ajuda a acordar.
Desço com a roupa que eu vou usar para sair, bolsa no ombro e celular carregado. Meus pais ainda estão de pijama, minha avó está na sala de estar lendo o jornal.
– Bom dia! – passo por ela e abro um sorriso.
– Você já está pronta? – ela se surpreende.
– Claro.
– Bom, são quase nove horas e eu ainda vou me arrumar – ela se levanta do sofá com certa pressa. – Vai tomar café em casa ou prefere comer algo na rua?
– Eu acho que vou descer e ir à cafeteria aqui em frente.
– Então eu te encontro lá. Andrea, vocês vão ficar o dia todo nesse apartamento?
Minha mãe não parece muito bem humorada quando aparece na sala.
– Bom, se as crianças cooperarem, vamos andar um pouco por aí. Arthur vai trabalhar hoje e nós vamos ficar com o carro dele.
– Se precisar de qualquer coisa, me ligue – minha avó sai da sala e me deixa com a minha mãe.
– Sério que você vai sair com a sua avó usando isso? – ela me olha de cima abaixo com reprovação.
– O que há de errado com jeans, camiseta e tênis?
– Sua avó é uma pessoa de classe e...
– Mãe, eu odeio viver de aparências – afasto-me dela. – Nós só vamos ir fazer compras.
– Leve um casaco, sua avó gosta de ficar na rua até tarde.
– Ok.
Faço o que ela pede e espero por minha avó na porta. Ela desce vestida com mais classe do que eu jamais terei em toda a minha vida – ela pode se vestir assim porque se sente bem e tem poder para tal, eu não ligo para marcas.
– Achei que você não fosse me esperar – ela sorri e abre a porta. – Depois do café, você quer ir para o Central Park?
– Bom, eu combinei nove horas com o Noah – pegamos o elevador juntas e ela confere se está bem no espelho.
– Temos tempo de sobra – ela checa o relógio.
– Nove horas daqui, vó.
– Eu sempre esqueço do fuso horário – ela ri. – Você tem fotos do Noah? Eu não me lembro de como ele é.
– Te mostro depois que eu tomar café.
– Pode ser – ela me abraça e nós deixamos o prédio.
Atravessamos a rua e entramos no café que eu escolhi. Sentamos na mesa do lado de fora e somos atendidas por umas garçonete simpática. Eu peço cappuccino de chocolate e pães recheados, minha avó solicita uma água com gás.
– Sua mãe estava me falando que você quer ir para Harvard.
– Isso. Direito, mas talvez psicologia.
– Boston é bem perto daqui, quatro horas de carro – ela pensa um pouco sobre o assunto. – Mas seu avô e eu mal ficamos em casa.
– Viajar ao redor do mundo é legal, vó?
– Ah, Callie, é ótimo, ainda mais quando quem você ama está ao seu lado. Posso fazer uma pergunta sobre você e o Noah?
– Claro.
– Ele é só uma paixão adolescente para você ou há algo mais quando vocês se encontram?
Eu respiro fundo e fujo do olhar da minha avó. Ela dá uma risada quando me vê envergonhada, mas eu não ligo.
– Eu acho que posso dizer que há algo mais – brinco com as flores no centro da mesa. – Ele faz eu me sentir especial e me dá um propósito para encarar mais um dia.
– Own – ela apoia o queixo nas mãos. – Ele te dá flores? Te leva de carro para a escola?
– Não, nada disso – um sorriso toma conta de mim. – Eu não gosto de flores, mas ele me dá balões. E nós vamos andando juntos para a escola, ele mora bem perto.
– Você é uma garota de sorte! Não se acham mais garotos como o Noah.
– O que você sabe sobre isso, vó? – eu não consigo não rir.
– O que? Só porque eu sou velha não significa que eu não sei como anda juventude.
A garçonete deixa nossos pedidos e eu devoro os pães.
– Mostre-me fotos do Noah, por favor – minha avó pega meu celular da mesa e tenta desbloqueá-lo.
– Você não sabe minha senha.
– Pra que colocar senha no celular? – ela me devolve. – Na minha época, nós mandávamos cartas e meus pais sempre abriam para espiar o conteúdo.
– Meu celular, vó!
– Só me mostre uma foto dele ou eu juro que vou atrapalhar o momento de vocês lá no Central Park!
– Só um minuto – termino de tomar meu café e abro a galeria de fotos. Troco de lugar e fico do lado da minha avó. – Essa daqui foi no show de talentos que nós ganhamos.
– Você participou de um show de talentos? – ela ergue a sobrancelha.
– Sim. A irmã do Noah que me convenceu de cantar com ele. Noah é um ótimo cantor – passo para o próximo e encontro um vídeo nosso ensaiando a música. – Você pode ouvir um pouco.
Deixo tocar e a observo atentamente. Minha atenção recai sobre o vídeo. Eu estava com o meu celular no início da gravação, mas Amy o tomou de mim e eu me juntei a Noah. Nós não procuramos o apoio do outro pois sabemos que o teremos se precisarmos. Eu estava deitada na grama em frente a ele e a sombra da árvore no quintal da minha casa deixa o vídeo com cara de cena de filme romântico.
– Ficou bom? – eu me apoiei sobre os cotovelos no vídeo e me virei para Amy.
– Está perfeito! – ela se empolgou tanto que a câmera tremeu.
– Graças ao Noah.
Ele colocou o violão de lado e deslizou suas mãos pela minha cintura – e eu quase posso senti-las elas aqui agora. Eu o puxei para mim e nossos lábios rapidamente se encontraram. Sinto Amy fazendo aquela cara de nojo por atrás da câmera e o vídeo acaba.
– Vocês são tão lindos juntos! – minha avó me abraça e eu continuo mostrando fotos para ela.
Algumas são com nossos amigos – eu aponto cada um deles para ela – e outras somos só nós dois – ou só Noah, quando eu registro-o sem seu consentimento. Eu peço para que ela pare na minha foto predileta. Noah me abraçando de lado e olhando para a câmera, enquanto eu estou com a cabeça erguida em sua direção. Annie transformou essa foto em uma piada interna "Namore alguém que olhe para você como a Callie olha para o Noah".
– Eu não vejo a hora de conhecê-lo – ela me devolve o celular e eu sorrio.
– Talvez, se nossos pais deixarem e você estiver pela cidade, será que eu e Noah poderíamos passar as férias de inverno aqui?
– Por mim, tudo bem. É só me falar a data para eu limpar a agenda e comprar as passagens de vocês. – Ela deixa dinheiro suficiente para pagar a conta e a gorjeta.
– Você sabe que eu te amo, não sabe, vó? – levanto-me e a abraço.
– Vamos pegar o meu carro na garagem porque o Central Park nos espera!
Estamos dez minutos atrasadas quando minha avó para o carro no Central Park para eu descer. Ela diz que me encontra e que não preciso de pressa pois temos o dia todo. Atravesso a rua e sou recebida pelo canto de pássaros logo na calçada.
Divido minha atenção entre correr até o lugar mais bonito que eu encontrar no parque e colocar os fones de ouvido. Noah deve estar se perguntando porque eu ainda não liguei. Mando uma mensagem avisando-o do meu atraso.
Acho uma sombra debaixo de uma árvore de folhas verdes com algumas flores rosas abrindo. Ligo para Noah e ele me atende rapidamente. Ele aparece na minha tela e parece ter acabado de acordar.
– Bom dia. – Ajeito o meu celular para que a câmera pegue mais do parque ao meu redor. – Você consegue me ouvir?
– Sim, claramente.
– Tudo bem aí?
– Tudo. Acabei de acordar. E aí? Como está?
– Quente, mas divertido. – Olho para o outro lado do parque e esqueço o que ia dizer. – Que silêncio constrangedor.
– Me fale mais. Está sozinha aí?
– Minha avó está estacionando o carro e já deve chegar. Ela está ansiosa para te ver.
– Mesmo? Ah, eu também quero conhecê-la.
– Sim, ela me fez mostrar as nossas fotos porque ela queria muito saber quem trata a neta dela assim tão bem.
– Eu tento fazer o meu melhor.
– Eu sei. – Deito na grama verde e fecho meus olhos.
– Achei que você fosse me apresentar um pouco de Nova Iorque – eu quase me esqueço que estou com Noah.
– Desculpa, eu me esqueci disso – rio com a minha estupidez e troco para exibir as imagens da câmera traseira. – Noah, Central Park. Central Park, Noah. – Mostro um pouco para ele, mas quase não há pessoas ao meu redor.
– Você não me fez acordar cedo para isso.
– Calma, eu só preciso esperar a minha avó me encontrar porque eu não quero ficar perdida nessa cidade! – volto a mostrar meu rosto.
– Não, tudo bem então.
– A apresentação no Seaside está chegando, já preparou a lista de músicas para o show?
– Mais ou menos. Hoje à noite talvez eu termine.
– Eu esperava algo como "Já acabei, quer ver quais músicas eu escolhi?", mas uma quase lista serve.
– Eu também esperava ter terminado, mas tenho acordado tarde e chego exausto do hotel. Mal tenho tempo. – Ele diz mal humorado.
– Desculpa pela pergunta, esqueça que eu te perguntei isso. – Ele quase se desculpa pelo seu tom de voz, mas eu faço sinal para que ele me deixe falar. – Eu sei que você vai se sair bem cantando qualquer música.
– Obrigado. Tenho certeza que termino hoje e te mando a lista, se quiser.
– É claro que eu quero!
– Você quer o que? – minha avó deita ao meu lado e eu ajeito para que ela apareça para Noah.
– Vó, pega um fone.
Ela o faz enquanto Noah observa com certa vergonha.
– Vó, esse é o Noah. E Noah, minha avó, Florence.
– Oi! É um prazer conhecer a senhora.
– Então você é o famoso Noah – ela diz. – O prazer é meu te conhecer e poder dizer que você vai ser muito bem vindo para passar férias em Nova Iorque.
– Quem sabe num futuro próximo. – Ele responde sem graça.
– Eu vou deixar você dois passearem um pouco pelo parque – ela me devolve o fone e se despede, dizendo que vai ficar num dos bancos próximo.
Eu fico de pé e me ajeito. Noah gasta esse meio tempo assoviando.
– Pronto para conhecer o Central Park? – digo empolgada.
– Sim!
– Bom – troco a câmera e começo a caminhar –, o parque é enorme e essa parte parece bem comum.
Ele não diz nada, então eu continuo.
Passo por uma família fazendo um piquenique. Eu não tenho muito a dizer sobre o parque, também é a minha primeira vez aqui. Tudo tão novo e fresco, o contraste perfeito entre a cidade de concreto mais movimentada do país.
– Pare aí – Noah pede.
– Tudo bem.
– Olhe ali, o Museu Americano de História Natural.
– Sério, Noah?
– É um ótimo museu – ele revira os olhos. – Esqueci que você não é fã de história.
– Nós íamos visitá-lo se você estivesse aqui – desanimo de tudo aquilo por instantes. Nos faríamos tantas coisas se você estivesse aqui, Noah, penso.
– Callie, nós vamos viajar juntos, nada de ficar se remoendo. Eu só não sabia que o museu era assim tão perto.
– Se eu não me engano, tem um museu naquela direção – aponto para o nordeste. – Eu sou uma péssima guia – deixo-me cair num banco.
– Não fale assim, Callie, você está tentando – sua tentativa de consolar não ajuda, só atrapalha.
Eu quero Noah ao meu lado. Quero seus lábios nos meus. Como eu realmente quero isso a ponto de comprar uma passagem para Santa Mônica agora. O celular escorrega da minha mão e Noah pergunta o que está acontecendo.
– Não aconteceu nada.
– Callie. – Seus olhos fixos sobre mim tem o mesmo efeito a milhares de quilômetros. Eu quero dizer para ele que está sendo uma tortura sem ele aqui.
– Eu deveria desligar – sinto as lágrimas nos meus olhos.
– Callie, eu quero te ver.
Ligo a câmera frontal e mordo meus lábios. Meu cabelo está uma bagunça, minha roupa tem grama nela e eu estou vermelha.
– Divirta-se por mim, por favor.
– Eu vou – digo sem convicção.
– Vai passar tão rápido que, quando você piscar, eu vou estar te abraçando.
– Callie! – minha avó grita a vários metros de mim e eu aceno para ela.
– Melhor eu ir – digo.
– Bem, nos falamos mais tarde – ele tenta disfarçar a decepção.
Estou quase desligando quando ele diz "Eu te amo" com pressa e eu não me toco que é para mim. Não consigo voltar para dizer o mesmo porque minha avó já está ao meu lado e ela não parece muito contente.
– Desculpa interromper, mas nós precisamos ir – ela aponta para o celular.
– Eu já desliguei – balanço a cabeça. Que estúpida, Callie, você pode levar Noah para onde quiser. Minhas emoções brigando dentro do meu coração e o apertam até que as lágrimas peçam para correr pelo meu rosto, mas eu as agarro e tento sorrir.
– Então vamos. Temos muitas lojas para visitar!
Deixamos o parque para trás e vamos para o carro. Minha avó dá a partida e dirige por ruas que eu desconheço. Pessoas já caminham com sacolas, bolsas, crianças e animais por perto e eu me deixo imaginar como são suas vidas.
E se um dia eu vou ter uma vida assim. Independente e com quem eu amo. Com Noah, completo a minha mente e sorrio. Eu ainda não consigo explicar porque ele me faz tão bem só quando eu penso em seu nome.
– Callie! – minha avó chama a minha atenção. – Desça do carro, já chegamos.
Faço o que ela pede e só a sigo loja adentro. Olho para trás por um instante e noto que estamos próxima da Times Square pelo barulho e os outdoors que os prédios não escondem.
– Maggie, querida! – minha avó abraça uma mulher com a mesma idade que ela e beija seu rosto. – Como foram as férias nos Marrocos?
– Divinas! Conseguiu aquele projeto?
– Sim, sim. Jantar de comemoração lá em casa segunda-feira.
Estou andando pela grande loja com móveis clássicos e muitas peças de roupas expostas.
– Do que você precisa hoje? – Maggie passa por mim e abre os braços como se apontasse para todas as opções.
– Bom, eu vou dar uma olhada, mas talvez minha neta, Charlotte, possa precisar de algo.
Maggie me olha de cima abaixo. Eu deveria ter ouvido a minha mãe e colocado algo menos casual.
– Ela é sua neta? – aperto a mão estendida de Maggie. – Prazer em conhecê-la, Charlotte.
– Por favor, me chame de Callie.
– Tudo bem, Callie. Quer começar olhando que tipo de vestido? Tenho muitas opções para você, algo aqui vai lhe agradar. – Ela se empolga e começa a tirar várias peças das araras e jogá-las na mesa de vidro.
– Vó, eu acho que não preciso disso. – Giro sobre meus pés para encará-la. Eu trouxe uma roupa bonita para o jantar daqui alguns dias.
– Que bobagem, Callie! Deixe-me comprar algo para você. – Ela está distraída com uma prateleira de bolsas de festa.
Dou de ombros e sigo Maggie pela loja. Ela tira diversos vestidos que acha que eu vou me interessar e me entrega só aqueles que eu pareço mais disposta a provar. Minha avó também pega alguns modelos para mim e eu finalmente vou para o provador com uns quinzes vestidos para dar uma chance.
Descarto logo aqueles que não quero – os com decotes muito chamativos e com pedras demais – e fico com seis vestidos. O primeiro que provo, um lilás de alcinha e solto, é tão sem sal que Maggie e Florence torcem o nariz para ele assim que saio do provador.
Ótimo, duas velhas chatas com gostos chiques demais para mim, bufo e pego outro vestido no cabide.
O segundo já as agrada mais. Azul claro com recortes na minha cintura, elas elogiam e dizem que eu fico mais magra com ele. Até oferecem sapatos e uma bolsa, mas afirmo que estou bem e passo para o próximo.
Quando eu saio vestindo o cinza justo e com pedras nos ombros, elas mandam eu dar meia volta e pegar algo mais bonito. Mas esse é o vestido que eu mais gosto. É simples, mas nem tanto, essas pedras não me agradam só que elas dão uma cara de chique para a peça. Se eu fizesse isso com um pijama qualquer, minha avó aceitaria. Porque brilho é essencial para ela.
Experimento um verde e um estampado. Ambos eu detesto.
Esse é o último, Charlotte. É só vestir, sair e ouvir o que elas tem a dizer, repito isso na minha cabeça para não desistir da ideia. Eu achei que fosse ficar vendo a minha avó comprar, não eu sendo obrigada a achar algo para mim.
Então eu fecho o zíper lateral do último vestido. Vermelho como o pôr do sol na praia, o decote quadrado que expõe minhas clavículas altas e de tiras vermelhas medianas. Vai até metade da minha coxa e só parece justo, mas é bem confortável.
– Uau! – Maggie e minha avó exclamam juntas.
– Eu gostei desse.
– Então já temos um vencedor – Maggie bate palmas e vai até o balcão. – Tenho o sapato perfeito para esse vestido, quer ver?
– Aham.
Ela me entrega um par de salto alto preto com a sola vermelha. Eu o calço e ando de um lado para o outro. Minha avó bate palmas e eu rio porque me sinto uma modelo.
– Vamos levar esse! – ela diz e vem me abraçar. – Você está belíssima.
– Obrigada, vó. – Aperto-a mais forte.
– Não tem que, minha querida. Agora tire-o! Ainda temos mais lojas para ir!
Não vamos só a lojas de roupas, minha avó me carregou para que eu ajudasse nos preparativos da festa de segunda-feira. Os garçons que vão servir os convidados, o chefe que vai preparar o buffet, outro para as sobremesas, um barman para as bebidas, decoração e afins. Eu estou exausta quando paramos numa cafeteria. E a minha avó continua a falar no celular, como fez o dia todo.
Um alerta me avisa das mensagens de Noah.
Noah: Eu fiz uma playlist para você com as músicas que tocarei.
Noah: Algumas você já me ouviu cantar, outras são novas.
Noah: Só queria que você estivesse aqui para ouvi-las ao vivo.
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