DOIS - NOAH
Confiro meus bolsos mais uma vez. Está tudo aqui. Chaves, celular, carteira. Meu violão nas minhas costas. Está tudo certo.
Da calçada, vejo Amy apertar a campainha pela segunda vez.
– O que será que ela está fazendo? – ela me pergunta pulando os degraus da varanda e vindo até mim.
– Deve estar terminando de se arrumar. – Respondo com a minha atenção cravada na porta.
– Você não está atrasado?
– Não, não estou. Estamos na hora, Amy. – Sorrio para ela.
Amy cruza os braços e revira os olhos. Ela não é do tipo que gosta muito de esperar. Sendo namorado de Callie, já estou acostumado.
– Vou lá de...
Antes que ela termine a frase, a porta se abre. Callie sai de lá acompanhada por Annie. Aceno para elas e Callie logo abre um sorriso. Sorrio de volta.
Ela está simples – de camiseta preta, jeans e tênis – e linda. E eu estou usando minha jaqueta com capuz de sempre e calça jeans. Acho que a nossa simplicidade combina muito bem – ou talvez queremos sempre estar prontos para nos camuflarmos no ambiente.
– Oi, Amy! – Callie dá um abraço rápido em minha irmã e logo vem em minha direção. – Oi!
– Oi! Está mesmo melhor?
– Eu acho que sim. Como você mesmo disse, ensaiamos várias vezes. Não tem como dar errado, tem? – ela encolhe os ombros e inclina a cabeça, um meio sorriso toma seu rosto e esse é o máximo de confiança que conseguirei de Callie por agora.
– Essa é a minha garota. – Dou um selinho nela.
– Noah, vamos logo. Vamos ficar sem lugares. – Amy puxa minha mão.
– Vai ter lugar para todo mundo. – Annie diz rindo. – Você é uma graça.
Amy apenas olha para ela e não responde. Sorrio aliviado, pois pensei que ela fosse dar alguma resposta dura para Annie e a princesa de cristal não aguentaria a verdade da minha irmã.
– Vamos logo antes que Amy nos mate! – diz Callie brincando e passando o braço no meu.
Ela me empurra em direção ao carro parado na rua. Só então percebo que é o carro de Annie.
– Podemos ir andando. – Sugiro meio sem jeito.
Não sei muito bem porque, mas não me sinto muito confortável com Annie. Vê-la na escola, cumprimentá-la e sorrir para ela são uma coisa, entrar no carro dela é outra. É estranho.
– Deixe de bobagem, Noah Young! – Annie diz já entrando em seu carro.
Callie levanta os ombros para mim e entra no carro para se sentar no banco da frente. Olho para Amy que ainda segura minha mão.
– A gente pode entrar no carro logo?
Nunca vi alguém tão ansiosa para assistir um show de talentos como essa menina.
Beijo o alto de sua cabeça e abro a porta do carro para ela entrar. Tiro meu violão das costas e entrego a ela para segurar para mim. Annie buzina para eu ser mais rápido, então dou a volta depressa no carro para entrar pelo outro lado.
– É, podemos ir. – Digo depois de checar se Amy está com o cinto de segurança.
Para a felicidade de minha irmãzinha, ainda havia lugares na primeira fileira do auditório. Então ela chegou e ocupou quase toda fileira com seu casaco e sua bolsa, guardando lugar para a família de Callie.
– Eu vou ficar lá atrás resolvendo as coisas. – Explico a ela pela terceira vez. – Fique quietinha aí até o senhor e a senhora Lewis chegarem, tudo bem?
– Eu já sei, Noah. Você já me disse isso um milhão de vezes.
– Só checando.
– Não vou sair daqui. Não quero perder meu lugar. Já tenho dez anos, não precisa ficar checando um milhão de vezes.
Sorrio e faço uma careta para ela que logo começa a rir.
– Ok, Amy de dez anos, eu irei lá para trás. Nos vemos daqui a pouco.
– Está esquecendo uma coisa – ela diz quando me viro.
– Estou?
Amy ergue as sobrancelhas para mim como se não precisasse responder. Até que me lembro. Bato na minha própria testa e me inclino até ela.
– O beijo da sorte. Como pude esquecer?
– Não faço ideia. – Ela tasca um beijo na minha bochecha e começa a rir. – Agora pode ir.
Aperto os olhos para ela, mas me afasto.
Encontro Callie com meu violão na sala de música – onde todos que irão se apresentar estão usando como se fosse uma espécie de camarim só por ser a sala mais próxima do auditório.
– Ela está guardando os lugares? – ela pergunta me entregando meu violão e passando os braços no meu pescoço.
– Sim. – Respondo e sorrio.
– Estou começando a sentir um frio na barriga, Noah. – Ela sussurra.
– Ei, está tudo bem. Isso é normal.
– Você está sentindo também?
– Não, exatamente. – Ela já faz cara feia para mim. – Mas sei que sentirei quando chamarem nossos nomes. É normal ficar nervoso, Callie. Rela...
– Não ouse dizer essa palavra para mim!
Solto uma risada e beijo seu rosto.
– Tudo bem, parei. – Inclino a cabeça. – Você vai se sair bem. Na verdade, vai arrasar! – imito a voz de Annie na última palavra e faço Callie rir. Acho que ganhei meu dia. – Sério. Todo aquele auditório irá te aplaudir de pé.
– Noah, se você falou com Amy para convencer todo mundo a nos aplaudir de pé... – Começo a rir. Eu nem pensei nisso, mas saber que ela acredita que eu faria algo assim me faz rir. – Eu juro, eu corto seu cabelo.
E lá se foi a vontade de rir.
– Meu cabelo, não, Callie. Maldade.
Ela força uma risada.
Meu ponto fraco é meu cabelo. Sei que não o penteio, – só acordo, passo a mão nele e saio de casa – mas ainda assim é meu cabelo. Ninguém pode mexer nele.
– Nada de planos com sua irmã, então. – Callie avisa.
Só porque foi Amy que a convenceu a cantar comigo aqui no show de talentos.
– Única coisa que pedi a Amy foi para guardar o lugar da sua família. Rela...
– De novo, não, Noah Young!
Rio e penso no que continuar dizendo para distrai-la do nervosismo, mas então Bella Summers e Mike Sloan param do nosso lado.
– Olá, casal! – Bella exclama se apoiando em seu namorado.
– Bella, Mike. – Dou um aceno com a cabeça. Callie se mantém calada ao meu lado. – Soube que se inscreveram...
– Sim, decisão de última hora. – Ela ri jogando seu cabelo loiro falso para trás dos ombros.
Sua risada soa totalmente falsa e irritante. Mas Mike ri junto. Eu me pergunto qual é a graça.
– Depois do que Callie disse na aula do Foster, eu estou muito curioso para saber o que irão cantar hoje. – Mike comenta com um sorrisinho besta.
Olho para Callie me perguntando o que ela pode ter dito.
– Vocês terão que esperar para ver. – Callie diz erguendo as sobrancelhas. – E vocês? Cantarão o que?
Bella e Mike se olham rapidamente.
– A gente prefere fazer surpresa. – Responde Bella voltando a olhar para nós. – Só passamos para desejar sorte a vocês.
– Sorte! – Mike dá um tapa forte em meu ombro e se afasta com sua namorada.
– Pra vocês também. Vão precisar! – falo um pouco alto para que me escutem, mas apenas Bella olha e acena com seu sorriso falso.
– Eles me tiram do sério. – Callie resmunga.
– É o que eles querem, não pode cair na deles.
Eles são bons no palco, tenho que confessar. Principalmente Bella. Ela pode ter uma voz completamente irritante falando, mas cantando é ótima.
Ainda assim, prefiro Callie. Não é porque ela é minha namorada nem nada, a voz dela é boa mesmo. Me lembro da primeira vez que a ouvi cantando. Ela estava tão envolvida com a música que ouvia em seu celular que nem notou que estava cantando em voz alta. Não apenas cantando, mas transmitindo a emoção da música. Acho que foi nesse momento que descobri que estava apaixonado por ela.
Não, espera. Apaixonado? Eu nunca sequer pensei nisso. Mas Callie... Ela me faz tão bem. Gosto de vê-la sorrir, de vê-la cantar. Odeio ficar muito tempo sem vê-la ou pelo menos sem ouvir sua voz. E me importo com ela mais do que me importo comigo mesmo. Não sou nenhum especialista no amor, mas é isso. Eu a amo.
– Por que está olhando para mim desse jeito? – ela pergunta franzindo a testa.
Não faço ideia de como estou, então apenas respiro fundo e beijo seu rosto.
– Não é nada.
Ela sorri e me abraça. Ainda está nervosa.
De longe, vejo Olivia Dunham chamar o primeiro grupo – os que vão apresentar truque de mágica, piadas, malabarismo e essas coisas – para se dirigirem ao auditório. Mais precisamente para a parte de trás do palco.
Fico fingindo estar dedilhando o violão quando Callie sai para falar com seus pais que ligaram avisando que chegaram. Repasso a música em minha cabeça com os olhos fechados. Quando os abro, Callie está de volta. Ela está com um sorriso enorme e seus olhos também sorriem. Eu poderia dizer tudo que estou sentindo para ela nesse momento.
– Adoro quando você fica tão envolvido aí, no seu mundinho. – Ela diz se aproximando e me beijando.
Sim, agora eu poderia colocar tudo para fora.
Mas Callie se afasta antes que eu possa organizar meus pensamentos.
– Os que vão apresentar algum número de dança, venham comigo. – Olivia quase grita da porta.
– A apresentação dos outros foi rápida. – Comento.
– Apenas seis apresentações. – Callie explica dando de ombros.
– Falou com seus pais sobre Amy?
– Sim. Minha mãe disse que ficará de olho nela por você.
Correndo até Olivia, vejo Tyler. Ele acena para mim e sai da sala. Provavelmente vai apresentar seu número de sapateado como faz todo ano. Callie e eu ficamos todo o tempo em silêncio. Apenas observando os outros conversando. Eu já estou ficando ansioso.
Quase meia hora depois, Olivia reaparece. Ela nem diz nada. Vamos todos até ela que já sai em direção ao auditório.
– Já fiz um sorteio para saber a ordem de apresentação. – Ela diz enquanto passamos pela lateral do palco em direção aos fundos.
– Que número nós seremos? – pergunto com a mão no ombro de Callie.
Olivia se vira para mim e checa o papel dobrado em sua mão.
– Você e Callie serão os sétimos a se apresentarem. Logo depois de Bella e Mike. – Ela faz uma cara estranha ao falar o nome daqueles dois. Nem ela gosta deles, pelo visto.
A parte de trás do palco não é o lugar mais limpo do mundo. Há vários objetos usados em algumas peças teatrais espalhados por aqui. Rapidamente encontro um banco e ofereço para Callie.
– Como está se sentindo agora? – pergunto.
– Prefiro nem responder.
Ela se agarra à minha mão e respira fundo.
Do palco, Olivia chama os primeiros para se apresentarem. Fico apenas focando minha atenção em Callie, em meu violão e na música em minha cabeça. Vai dar tudo certo, Noah!, repito essas palavras como um mantra.
– Eu quero ver a apresentação deles. – Callie se levanta e me puxa para o caminho de onde viemos.
– De quem?
– Bella e Mike.
Quanto tempo eu fiquei fora do ar? Nós já somos os próximos?
Do cantinho dá para vermos os dois no palco. Os dois com violões dividindo o único microfone no suporte que há no palco. Estão cantando um dueto meloso que tocou na rádio por semanas antes de ser substituído pelo próximo sucesso pop.
– Ainda bem que não escolhemos essa música. – Sussurro para Callie.
Bella e Mike não estão fazendo uma boa apresentação. Cantam e tocam bem, mas não há sintonia. Eles mal se olham.
Volto para trás do palco com Callie ao meu lado.
– Eles são ótimos. – Ela comenta mal-humorada. Pelo visto não percebeu as mesmas coisas que eu. – E nós somos os próximos.
– Não acho que eles são ótimos. Sozinhos, talvez. Juntos, nem pensar. Nós vamos fazer melhor.
– Como pode ter tanta certeza?
– Escolhemos a música certa para nós. Eu não irei competir para cantar mais que você e sei que você também não fará isso. Temos sintonia, é claro. Olhar para você não será um problema e – ela já está sorrindo, parecendo menos nervosa – eu sinto que devo ser positivo, já que você é a pessimista por aqui. – Ela sorri ainda mais. – E eu acho que estou apaixonado por você.
Os olhos de Callie se arregalam. Repasso na minha cabeça tudo que eu disse e então percebo que deixei escapar. Péssimo momento, Noah.
– Quer dizer, eu não acho. Eu tenho certeza. – Tento arrumar o que eu disse. Acho que pioro, porque os olhos de Callie se arregalam ainda mais. –Tudo bem, é isso. Sei que essa não é a melhor hora para dizer isso, mas é a verdade, é o que eu sinto. – Já vejo seu rosto se suavizar e com isso me sinto mais calmo. – Eu te amo, Charlotte Lewis.
Eu a beijo e ela corresponde, segurando meu rosto com delicadeza. Eu quase nem ouço a apresentação de Mike e Bella ou o falatório aqui atrás. Apenas Callie importa. Apenas isso.
– Estão nos chamando. – Callie diz sem se afastar.
Demoro a abrir os olhos, mas quando faço isso encaro os lindos olhos de Callie me encarando de volta. Sorrio para ela e entrelaço minha mão na sua.
– Está pronta?
Ela apenas balança a cabeça, afirmando.
Vamos em direção ao palco, pelo lado contrário ao que viemos. Apenas Olivia está lá, ela diz nossos nomes e a plateia aplaude.
– Boa sorte! – Olivia diz ao passar por nós e ficar em seu lugar, no canto do palco.
Agradeço com um aceno de cabeça e posiciono o microfone para a altura de Callie. Eu posso me inclinar.
– Boa noite – começo olhando aquelas várias pessoas na minha frente. – Eu sou o Noah, ela é a Callie e nós vamos cantar um dueto que gostamos muito. Espero que gostem.
Começo a tocar e olho para Callie que está com os olhos fechados. Toco os primeiros acordes, logo começamos a cantar juntos. Callie está tensa, sua voz não está tão macia como nos ensaios.
Eu continuo procurando seu olhar, mas ela está tão concentrada. Suas mãos seguram o suporte do microfone, ela está tremendo. Lentamente, ela vai ganhando confiança e se soltando.
Conto até três antes de começarmos o refrão e ela consegue abrir os olhos. Callie sorri quando nossas vozes se misturam. Ela encontra sua voz confiante e marcante. Seus olhos castanhos estão ligados a mim e esqueço que tem uma plateia me olhando.
Quero parar de tocar o violão para tocá-la, abraçá-la, beijá-la. As nossas vozes vão levando parte da plateia para outro mundo, alguns fecham os olhos, outros encaram seus parceiros.
Na cortina, os participantes que aguardam sua vez nos assistem. Olivia faz um positivo para mim e eu acho que vejo-a enxugar uma lágrima.
A apresentação corre quando se está começando a curtir. Acabamos e eu já estou sorrindo para Callie que sorri toda agitada.
– Conseguimos. – Ela murmura para mim.
A plateia aplaude. De pé, apenas a fileira em que minha irmã e a família de Callie estão. E juro que posso ouvir Amy gritando meu nome. Aceno para eles e abraço Callie.
– Conseguimos. – Afirmo.
– Eu também te amo, Noah Young. – Callie diz em meu ouvido.
Eu sinto meu peito se confortar no mesmo instante e a abraço ainda mais forte.
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