CINCO - CALLIE
Noah ainda está com os braços ao meu redor. Acabamos de passar pela enfermaria e deixar Mike com sua cascata de sangue lá. Minha mão dói, mas eu mordo o lábio para suportar a dor. Droga, por que eu não peguei uma bolsa de gelo?, repreendo-me por ser tão teimosa.
– Por que você fez isso?
– Eu não sei – respondo. – O que ele disse me ofendeu.
– Eu não ouvi. Você pode repetir?
Eu tento dizer que não, mas suas palavras voltam rapidamente para a minha mente e eu nem consigo afastá-las.
– Não quero repetir – digo bem baixinho.
– A diretora vai querer saber, Callie. Rivers não tolera ofensas, muito menos agressões.
– Noah, eu te conto depois.
– Callie – ele segura meu braço e isso dói. – Por favor.
– Ele me chamou de vadia.
Ei, Callie, volta aqui, sua vadia! Posso ouvir sua voz na minha cabeça, ecoando pelo corredor, perseguindo-me como uma assombração. Não ligo muito para o que as pessoas falam de mim, mas me chamar de vadia é apelação.
– Você não precisava ter batido nele – Noah começa seu discurso que agressão só gera mais agressão, porém eu o ignoro.
Ando mais rápido e fujo dos braços de Noah. Eu não quero ouvir lição de moral agora. Eu queria não ter socado Mike, parece estupidez minha agora, mas eu estou me segurando faz dias.
Entro no banheiro e não ouço Noah chamar meu nome. Minha cabeça está pulsando e eu estou ficando tonta. Vou até a pia, faço uma concha com as minhas mãos, encho-a com água e jogo no meu rosto.
Encaro meu reflexo no espelho. Eu fui capaz de algo assim? De verdade? Não se parece comigo. Essa garota no reflexo, de olhos castanhos, cabelo loiro, corpo pequeno e frágil, onde será que está a parte dela que era calma? Para onde a levaram?
– Callie, vamos, por favor – Noah bate na porta do banheiro e eu retorno a realidade.
– Um minuto – passo a mão no rosto para retirar o excesso de água e saio.
Noah me encara confuso e decide não fazer perguntas agora.
Continuamos o caminho até a diretoria. Entramos na sala de espera decorada com fotos dos times da escola, troféus e livros sobre educação. A secretária pede para esperarmos alguns minutos que a diretora já vai nos chamar.
Dividimos o sofá. Noah folheia o jornal semanal da escola, seus olhos atentos as fotos e textos só para manter o cérebro distraído, e eu seguro o meu punho dolorido. Mike aparece e não se senta conosco, ficando do lado oposto da sala, segurando algodão e gelo no nariz.
– Meninos – a diretora Rivers só abre a porta o suficiente para ouvirmos sua voz.
Mike entra primeiro – Noah passa o braço na minha frente para que eu aguarde, ele tem medo do que eu posso fazer. Eu penso em pedir para que Noah fique do lado de fora, eu estou envolvida nisso, ele não, mas ele já entrou na sala e puxou uma cadeira para mim.
– Por favor, sentem-se. – Ela o faz, Mike a acompanha, logo eu também e Noah fica de pé, atrás da minha cadeira, com as mãos nos meus ombros.
Ela dá uma longa pausa para nos observar. Essa mulher é conhecida por ter olhos atentos e ser muito calma e racional. Nunca se ouviu falar em algum momento que ela perdeu a cabeça com um aluno. Seu cabelo bem preso e as roupas em perfeito estado entregam o quão perfeccionista ela é. A escola é mantida a rédeas curtas porque a diretora Rivers não tolera gracinhas.
– Quem vai começar falando primeiro? – seus olhos passam por nós três.
– Ela me agrediu – Mike logo dispara o que é óbvio. Ou não. Quem diria que eu socaria o nariz de um jogador de futebol americano?
– Posso ver isso. Mas qual foi o motivo? – ela cruza os braços e se inclina na nossa direção.
– Primeiro, Mike começou a empurrar o Noah e causar faltas no jogo de basquete. – Pronuncio-me.
– Não eram faltas ocorrentes? – ela indaga.
– Não, não eram, ele fazia de propósito. Então eles começaram a discutir no meio da quadra e eu fui até lá. Então, quando eu e Noah estávamos nos retirando, Mike me ofendeu.
– Não foi bem assim! – ele protesta e Rivers faz sinal para que ele fique quieto.
– E o que ele disse?
– Ele me chamou de vadia – digo envergonhada. – Ele falou "Ei, Callie, volta aqui, sua vadia!".
– E você o socou. Tudo bem. – Ela foca em Mike. – Qual a sua versão?
Mike me olha de canto do olho. Ele pode mentir, Noah pode ser dado como uma testemunha inválida, mas eu posso chamar mais pessoas para confirmarem o que eu disse.
– Não preciso contar se ela já disse tudo. – Ele admite com desgosto.
– Young, algo a acrescentar?
– Callie já esclareceu tudo.
– Ambas as partes estão erradas – ela declara. – Michael começou com Noah e depois atingiu Charlotte, que não se controlou e o agrediu. Parece justo, para mim, você dois levarem advertências. Charlotte você vai ter que ficar até depois do horário até o final dessa semana ajudando algum clube ou alunos com dificuldades. Michael, você está proibido de entrar em campo nos dois próximos jogos da temporada.
– O que? – Mike bate com a mão livre na mesa. – Diretora Rivers, eu não posso, não agora com o George lesionado, o time precisa de mim.
– O senhor deveria ter pensado nas consequências antes de provocar seus colegas.
– Tudo bem por mim. – Dou de ombros. Poderia ser uma punição pior.
– Vocês já podem se retirar – ela anota o que foi decidido em uma folha padrão para esses casos. – Espero que isso não se repita.
Mike deixa a sala sem olhar para trás. Noah puxa a cadeira para mim, seu rosto não carrega emoção alguma, e eu seguro a sua mão. No corredor, eu jogo o meu cabelo para trás e tento me sentir aliviada, porém aquela perturbação não vai embora.
– Você tem que esquecer isso – Noah diz.
– Esse não é o problema.
– Então qual é?
– Eu fui impulsiva demais socando Mike, eu estou arrependida disso.
– Não me diga que você quer pedir desculpas aquele babaca – Noah ri com a ideia. – Ele mereceu, você levou uma punição justa. Caras como ele merecem coisas bem piores.
Noah tem razão. Mike faz isso com muitas pessoas, eu fui a primeira a reagir. Quem sabe ele não tome consciência e pare com todo esse bullying.
Não consigo jogar na educação física. Mal consigo prestar atenção no que está acontecendo. Noah conversa com Tyler do outro lado do ginásio. Mike parece discutir com seu grupo de amigos.
Eu me retiro para o vestiário, tomo uma ducha e me troco. Eu tenho que cumprir meu castigo. Quais clubes se reúnem hoje? Annie deve saber. Aguardo por ela no final da aula e descubro. Clube de música, de xadrez e o grêmio estudantil da escola.
Dirijo-me a sala do clube de música porque é a que mais me atrai – além disso, Noah faz parte desse clube. Há a senhorita Martinez para guiar os encontros, mas, na maioria das vezes, os participantes fazem o que quiser.
Só que eu tive a sorte de estar presente no dia que eles vão discutir música clássica.
– Pessoal, essa é a Callie, ela está aqui para conhecer nosso grupo – a Srta. Martinez me apresenta para o grupo. – Seja bem vinda e espero que você participe com suas ideias nas nossas discussões.
– Obrigada – digo com um sorriso tímido.
Pego um lugar no fundo da sala, afastado de onde Noah está.
– A maioria dos jovens de hoje entende a música clássica como algo chato e entediante. Claro, agora nós temos ferramentas que nos proporcionam produzir músicas cada vez mais elaboradas. – Ela escreve "perfeccionismo" no quadro. – Esta é a palavra-chave. Beethoven, mesmo depois de surdo, compôs as melhores obras do período de transição entre o Classicismo e o Romantismo musical.
– O Romantismo está ligado a romance? – uma garota que eu desconheço pergunta.
– Não, está ligado ao heroísmo que tomava conta naquela época. Mozart foi um grande compositor clássico. Ele foi influenciado pela perfeição técnica vinda dos valores renascentistas. Alguém sabe tocar algo de Mozart?
Ninguém demonstra em primeiro momento. Muitos se olham. Eu reconheço, quem investiria tempo aprendendo a tocar algo que poucos apreciam? Noah levanta o braço e responde que sabe tocar um solo chamado Für Elise.
– Mostre-nos o que você sabe – ela aponta para o piano de cauda antigo no canto da sala. Ele está coberto por uma capa e Noah a retira rapidamente, levantando a poeira acumulada.
Ele se senta e toca uma nota. Não, ele ainda não começou. Todo mundo se inclina para frente, curiosos com o que Noah vai tocar. Eu sempre soube que ele tem talento musical de sobra, mas não tinha ideia que fosse isso tudo.
Seus dedos deslizam pelas teclas, ele demora no início, o ritmo vai evoluindo. Ele sente a música, seus olhos estão fechados e eu imagino que ele estava fingindo estar em um grande concerto com uma orquestra acompanhando. Há cadência e técnica em cada movimento, eu sinto seus colegas ficarem impressionados.
– Sintam como a música progride e despertam sentimentos em vocês. – A professora vaga pela sala ao ritmo da música.
Eu fecho meus olhos e me sinto calma. A música cresce, Noah passa para as teclas mais graves, mas sempre volta para as agudas.
A senhorita Martinez passa pela minha fileira e chama minha atenção para que eu abra os olhos.
– Sim? – pergunto.
– Você se importa de ir lá na secretária buscar o material que eu pedi para imprimirem? Eu sei que Noah é seu namorado e você gostaria muito de ouvi-lo tocar, mas bom, acho que você pode pedir isso para ele a qualquer momento.
– Sem problemas, eu busco sim. Mais alguma coisa?
– Não. Muito obrigada, Callie.
Deixo a sala, pego as impressões, volto e as distribuo. Noah continua a tocar. Agora a música está perdendo força, vai morrendo aos poucos, até que ele pressiona a última tecla e afasta as mãos. Ele recebe aplausos e volta para seu lugar.
– Vocês podem ler sobre Classicismo e Romantismo agora ou em casa. Devo admitir que nossos encontros rendem mais quando vocês tocam e depois veem com a teoria estudada para discutirmos. – Srta. Martinez para em frente a sala. – O que vocês estão esperando?
Os grupos se formam e a sala se enche de notas em violões, guitarras, baixos e instrumentos variados. Eu vou em alguns grupos tentar me enturmar e oferecer ajuda, algo como uma opinião construtiva. Não posso mentir, eles me recebem bem e até me deixam cantar com eles, jamais esperando uma opinião técnica que eu sei que não posso expressar.
Noah volta para o piano. Mal chega a tocar por longos períodos de tempo. Observo-o de longe. Eu vou falar com ele assim que isso acabar.
Quando dá a hora, eles vão embora, mas eu fico e ajudo a guardar os instrumentos. Eu e Roberta – que é o nome da Srta. Martinez – conversamos sobre a minha apresentação no show. Ela conta que foi uma das juradas e que teve muito trabalho para convencer os outros jurados que eu e Noah merecíamos ganhar.
– Você não pode contar isso para ninguém – ela ri e pega sua bolsa. – Sei que o ano já está acabando, mas você será muito bem vinda ao clube.
– Bom, vou decidir o que faço. Obrigada.
– Eu que agradeço – ela aponta para a porta. – Vejo que Noah está te esperando.
– É algo típico dele, nós andamos juntos para casa quando ele não tem que buscar a irmã.
– Ah, o amor jovem. Não parta o coração dele, ok? – ela brinca de me ameaçar, mas ri logo em seguida. Acompanho-a e percebo o quanto estou tensa com o episódio da última aula. – Boa semana.
– Para você também – pego minha bolsa e saio após ela.
Noah está apoiado na parede com cara de quem não via a hora de eu sair daquela sala. Eu respiro fundo e espero que ele fale alguma coisa.
– Já podemos ir?
Balanço a cabeça positivamente.
– Está se sentindo melhor?
– Sim. – Eu digo, mas nem eu me convenço.
– Não parece.
– Eu vou me sentir melhor quando chegar em casa e deitar um pouco.
– Estou me sentindo culpado. Você estava tão animada mais cedo e agora...
– Me desculpa. O que aconteceu mexeu comigo. Eu não sei, estou confusa. – Desvio meu olhar para o final do corredor. – Eu vou ficar bem, Noah, e nada disso é culpa sua.
– Nem sua, então não se desculpe. Vamos culpar apenas o Mike e ficaremos bem, ok?
– Não é assim que funciona comigo – eu junto as minhas mãos e aperto-as. – Não, não que a culpa não seja dele, mas Noah, aquela garota que bateu nele não é quem eu sou. Ela não me representa.
– Eu sei. Olha, eu conheço você. Sei que não faria aquilo se não estivesse no limite. Mike te provocou, você explodiu. Eu entendo. Isso não vai mudar quem você é.
Você não me entende, penso.
– Não quero começar uma discussão com você. – Desisto de tentar conversar com Noah sobre isso. O problema não é o que as pessoas pensam, não é a punição, é o que eu penso de mim. – Podemos ir embora?
Ainda estamos parados no corredor. A escola está quase vazia, os outros clubes estão terminando suas reuniões agora.
– Desculpa. Eu queria saber como te ajudar. – Ele respira fundo. – Mas vamos embora então.
– Noah? – chamo-o.
Ele se vira para mim
– O que foi?
Eu aproximo meu rosto do dele. Ele está com os olhos fechados porque já sabe o que eu vou fazer. Toco seu rosto com a ponta dos meus dedos e levo-os até seu pescoço. Ele me segura pela cintura e eu o beijo. Isso não me livra dos meus problemas, mas me acalma. Noah sempre consegue me ajudar com isso. Eu tenho medo de perdê-lo e não encontrar outro jeito de acalmar meus ânimos.
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