8 • The last
A música do capítulo está na mídia e na playlist da história (link na minha bio) - The Last, Agust D.
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The last
"Por trás de todo rapper famoso há um lado fraco, um pouco perigoso..."
("The last", Agust D)
Hong Kong, MAMA, 2014
30 minutos. A contagem regressiva preencheu o camarim apertado já impregnado com cheiro de suor, laquê e nervosismo. Senti meu estômago embrulhar e foi involuntário amaldiçoar a última vez que tinha comido. Não me lembrava exatamente quando ou o que foi, mas, provavelmente, tinha sido um sanduíche, ou algo que foi compartilhado de mãos e mãos. Com certeza quem segurava era Taehyung, distribuindo mordidas, e Jungkook ficava encarando-o com olhos pidões, mesmo que, não raramente, se arrependesse de comer, encarando as bochechas redondas no espelho. As inseguranças costumeiras que, às vezes, nos distraiam das inseguranças de verdade.
Era provavelmente uma delas que torcia meu estômago naquele momento, e não as poucas mordidas no sanduíche ou os goles no chá diurético que Hoseok bebia e, não raramente, eu provava. Ainda que eu sempre fizesse uma careta quando bebia o líquido amargo, sabia que os fins justificavam os meios, ao menos no k-pop. Um rosto menos inchado para as câmeras, um maxilar delineado como as fãs gostavam. Nada disso embrulhava meu estômago, eu já estava mais que acostumado com essas futilidades. O que me afligia era um medo mais sério e irracional, o que pode parecer uma redundância, mas não. Se eu comesse pouco, me exercitasse e tomasse o chá diurético, como tenho feito, eu emagreceria. Essas condutas seriam precedidas e movidas por um medo racional, afinal, se eu não as fizesse, não sairia bem nas câmeras. Existia um padrão para isso e, dentro dos limites humanos, eu era capaz de atendê-los. Era algo que eu tinha controle.
Por outro lado, o que as pessoas, milhares de pares de olhos sobre mim, observando, adorando, odiando, principalmente, me julgando. O que eles achariam de mim, do meu rap, dos meus talentos limitados para dança, da minha performance como um todo? Eu jamais seria capaz de controlar a sua reação, ainda que a minha execução fosse perfeita. Era isso que me apavorava. O medo que me congelava naquela cadeira de plástico como se estivesse preso por correntes.
Estar cercado de pessoas que esperavam de mim alguma coisa me aterrorizava. A questão não era a quantidade de pessoas, ou estar na platéia, eu não tinha problemas com aglomerações simplesmente. Eu tinha medo de estar no centro delas. De ser o centro. Alguém como eu já mereceu estar no centro, por acaso?
Sequer me lembro de quando isso passou a me atormentar. Eu queria ser famoso, ganhar dinheiro com música e estava pronto para a exposição que isto me traria. Ao menos, era o que achava. E eu me preparei muito para esse momento nos últimos anos. Desde 2010 eu estive juntando forças para quando o grande momento chegasse, mas ele nunca chegava. Todos sendo frustrados aos poucos.
Nosso debut foi adiado muitas vezes. Os primeiros shows e reuniões com fãs levaram poucas pessoas ao nosso encontro. E, no meio de todas essas rupturas drásticas de expectativas, eu desenvolvi isso. Esse medo que embrulhava o meu estômago e me congelava no lugar, todas as vezes que eu sabia que enfrentaríamos um público, de fato, grande. Esse medo que fazia com que eu me odiasse por nunca ser o suficiente.
E agora eu estava diante de um desses momentos: nossa primeira apresentação em uma premiação de destaque, finalmente. E ainda que durante boa parte da apresentação fôssemos dividir o palco com outro grupo, este estaria cercado por quase quinze mil pessoas. Eu não era capaz de processar esse número e, quando me avisaram que desde o início da contagem regressiva já haviam se passado mais quinze minutos, eu descompensei, por dentro, é claro.
Me levantei rápido, pedindo licença à staff que retocava minha maquiagem, e minha visão foi turvada por alguns pontos escuros e senti que minha pressão caíra, ainda que paradoxalmente, meu coração parecesse estar prestes a explodir. Se eu não soubesse do que se tratava, poderia acreditar que era alguma vertigem por ter me levantado rápido. Antes fosse.
Meus olhos vacilantes procuraram pela porta do banheiro e, antes de me trancar lá dentro, peguei meu celular na bancada de frente para o espelho, discando o único número que me lembrava, a única pessoa que sabia o que eu passava dentro dos camarins apertados, banheiros compartilhados.
Meu corpo estava dormente e já não conseguia focar muito bem em qualquer ponto do sanitário pequeno, sentindo minha respiração ficar pesada, como se puxar o ar para os meus pulmões fosse um tarefa complexa e, um segundo antes que eu deixasse meu corpo cair até o chão do banheiro, a voz de Myoung invade meus ouvidos.
— Yoongi-ah?! — seu tom era de surpresa, ainda que ela parecesse animada em ouvir minha voz. Apoiei meu braço sobre a pequena bancada e abrir a torneira, prestes a lavar meu rosto com água, quando me lembro da maquiagem. Droga.
— Jagiya... — disse me esforçando para continuar puxando o ar e quando apertei os punhos, sinto minhas mãos geladas e suadas. Fecho a torneira abandonando a ideia de lavar o rosto e me sento na privada, tentando elaborar alguma coisa, qualquer coisa para dizer a Myoung.
Eu vou estragar tudo. Eu vou estragar tudo, droga. Minha cabeça insistia em repetir, enquanto sentia a confusão de sintomas que indicavam que eu estava tendo mais uma crise deflagrada pela contagem regressiva para entrar no palco. Eu não consigo. Eu não vou.
— Yoongi, você está bem? Não está se preparando para a apresentação? — a voz dela irrompe entre as minhas vozes internas e ela soa preocupada, é possível ouvir um suspiro fundo do outro lado da linha. Ela sabia o que estava acontecendo. Afinal, não era a primeira vez que eu recorria a ela nesses momentos.
Eu preciso ir. Eu não consigo ir.
— Eu...eu estou bem, só queria conversar... — minto, tentando disfarçar algo que ela já havia notado. — Vamos entrar no palco agora e...
Minha voz é interrompida por um forte embrulho no estômago que me obrigou a largar o telefone sobre a pia e rapidamente ir até a privada, vomitando qualquer coisa que havia ingerido durante as últimas horas. Levanto de volta com dificuldade só quando sinto o telefone vibrar sobre a bancada. E depois de lavar minha boca, coloco de volta o aparelho no ouvido.
Sinto vergonha, mas ainda assim atendo à ligação, tentando ouví-la em meio à minha confusão mental, à um impulso dizer a mim mesmo que agora é o momento de desistir. Como existe um rapper que tem medo de pisar no palco? Um idol com medo de público?
Min Yoongi você é uma piada.
— Olha, vai ficar tudo bem... Você vomitou? — respondi que sim, fechando a tampa da privada para que conseguisse me sentar, sentindo minhas pernas trêmulas. — Lembra que combinamos de respirar? Bem fundo, bem devagar, e repetir que o Yoongi-ah é muito talentoso e ensaiou o suficiente... E não tem nenhum motivo para você se preocupar... Está respirando? — ela quis se certificar, com a voz firme, como se quisesse me levantar, mesmo que de tão longe...
Eu deveria desistir.
— Sim... — fechei os olhos, negando encarar o meu reflexo no espelho, me concentrando em inspirar o ar devagar e em suas palavras, só nelas. Mas minha cabeça não para, não silencia.
Eu não posso estragar tudo, eles estão contando comigo. Eu preciso ir. As vozes voltam a tomar corpo e eu aperto os olhos com força.
— Yoongi-ah, você é suficiente, estou torcendo por você... Mas você precisa fazer isso também, torcer por você... — ela estava certa. Suas palavras doces fizeram com que o incômodo em minha garganta se transformasse em lágrimas quentes, desesperadas escorrendo por minhas bochechas, quando escuto em sua voz uma melodia já conhecida. — Arirang, Arirang, Arariyo...Arirang gogaero neomeoganda. Nareul beorigo gasineun nimeun. Simnido motgaseo balbbyeongnanda*
Eu respiro fundo.
Sua voz era tímida e discretamente desafinada, mas, sobretudo, doce. Como se no tom soubesse o que eu precisava ouvir, fazendo de forma inigualável e impossível o papel de me acalmar com aquela cantiga passada por entre nossos antepassados, conhecida desde antes que eu me lembre, antes na voz da minha mãe, agora na sua.
E sim, eu respirava.
Talvez eu seja... suficiente?
Mas como?
— Eu te amo, jagiya... — as palavras escaparam, transpassando meus pensamentos amedrontados, como um feixe de luz refratado por um vidro que ilumina um cômodo escuro. Verbalizei pela primeira vez.
Talvez eu não estivesse pensando direito. Eu com certeza eu não estava, mas jamais poderia ter sido mais sincero. Foi em meio ao desespero, é verdade, procurando algo em que pudesse me agarrar, mas não como se procurasse por qualquer coisa. Pois eu sabia que Park Myoung me escolhera apesar do caos, para além do desespero que descrevíamos com nossa própria existência: confusos, angustiados e perdidos, mas juntos. Escolhemos um ao outro apesar de tudo.
Ainda era confuso para mim como amar outra pessoa era capaz de fazer crescer a minha própria estima, mas era o que estava acontecendo. Agora diante do espelho, me sentia menos desconfortável, aceitando o reflexo das roupas exageradas, o penteado estranho, o lenço amarrado na cabeça e a maquiagem forte que, por pouco, não borrei. O meu reflexo. E, ainda que estivesse afundando em inseguranças, eu tinha em quem segurar. Em meio a toda a rotina caótica, quando nos falávamos, eu podia respirar.
— Eu também te amo e muito. — se Myoung podia me amar, eu também podia me amar. Eu era capaz de me reconhecer nesse reflexo no espelho, eu não precisava me odiar?
Era isso, então?
Aos poucos minha respiração normalizou e já escutei meu nome ser chamado do outro lado da porta, um conjunto de vozes preocupadas me procurando. 5 minutos, droga.
— Já vou! — bradei de dentro do banheiro. — Obrigado, jagiya.
— Torcendo por você daqui, minha TV já está até ligada para ver o Bangtan Sonyeondan. Fighting, Suga! — conseguia ver um sorriso desenhado nos lábios finos da minha garota, ainda que estivéssemos a muitos quilômetros de distância, há quase dois meses sem nos ver.
— Não vou te desapontar jagiya. — disse ajeitando a roupa pela última vez e destranquei a porta.
— Nunca, mas faça isso por você. — eu sabia que ela diria isso, pois já havia afirmado com as mesmas palavras outras vezes, ela sempre dizia "faça por você e por ninguém mais." — E me prometa que vai procurar um psicólogo...
— Eu já tenho você... — encostei na maçaneta, encontrando uma forma de trancar o medo e as vozes dentro do banheiro quando saísse.
— Eu não sou psicóloga, ainda estou no segundo período, você sabe... Por favor, converse com Namjoon, ele vai te entender. Eu quero te ver bem... Promete?
— Eu prometo. — disse firme escancarando a porta, tratando de esconder o celular atrás das costas, já sendo cercada por uma maquiadora e os olhos bravos e, ao mesmo tempo, apavorados de Namjoon. Balancei a cabeça em um pedido silencioso de desculpas e, antes de fazermos o nosso cumprimeto para subirmos no palco, prometi que o explicaria mais tarde o que se passara. Eu iria cumprir a promessa que fizera a Myoung e a mim mesmo.
Eu vou ficar bem.
Naquela noite eu subi no palco como Suga e fiz isso por Min Yoongi.
☕️
Notas
*"Arirang, Arirang, Arariyo...Arirang gogaero neomeoganda. Nareul beorigo gasineun nimeun. Simnido motgaseo balbbyeongnanda - Arirang, Arirang, arariyo/ Atravessando o passe de Arirang/ Aquele que me abandonou/ Não deve andar nem quatro quilômetros antes de seus pés começarem a doer".
Arirang é uma canção folclórica da Coreia, considerada hino não oficial da nação coreana por representar, de forma romantizada, aspetos da cultura tradicional. É tão inserida na cultura que não se sabe exatamente quando ou quem a compôs, sendo passada de geração em geração. À princípio, a música era cantada pelos povos que moravam nas montanhas para aqueles que precisavam fazer uma longa viagem e atravessar uma montanha chamada "Arirang". Contudo, a letra não resume o significado da música, representando até hoje uma canção de superação para momentos difíceis do povo coreano.
A canção foi considerada pela UNESCO Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade (2012). Vários artistas já gravaram, como, por exemplo a IU e o BTS, mas vou deixar aqui um vídeo com uma versão instrumental belíssima para vocês (fonte: Wikipedia).
[There should be a GIF or video here. Update the app now to see it.]
☕️
Hello amores!
Esse capítulo é um pouco mais pesado do que eu costumo escrever, então quero MUITO saber o que acharam!
Sigam atentas às datas. Alguém aí já sabe qual o ano do próximo capítulo?
Estou muito feliz com o amor que vocês tem dado a Café com Suga!
Prometo ser mais rápida e mais trazer capítulos pra vocês!
Aguardo os comentários e votos! ☕️
Beijos da Maria ❤️
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