6 • Cigarette Daydreams
n/a: vocês devem ouvir a música da mídia - Cigarette daydreams do Cage The Elephant.
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Cigarrette daydreams
Seul, 13 de junho de 2013.
Às vezes nos acostumamos com o fracasso e o aceitamos, pois, de certa forma, acreditamos que é aquilo que merecemos.
Sobre coisas que acreditamos. Eu sempre achei que tivesse tido uma infância normal. Eu não tinha muitos parâmetros, então ter minha mãe como família, sem pai ou irmãos, me parecia normal. Eu achava normal morar nos fundos de uma loja, ser acordada antes do sol nascer com o barulho das grades sendo abertas e ganhar todo o meu material escolar e brinquedos dos "adultos bonzinhos", que hoje sei que eram patrões da minha mãe e que de bonzinhos não tinham nada. Afinal, seus atos de caridade não compensavam as horas extras não pagas e os outros direitos trabalhistas que minha mãe nunca teve acesso.
Eu era uma criança sozinha, não podia comparecer às festas de aniversário das outras crianças, pois minha mãe nunca podia me levar, muito menos comprar o presente. Assim, meu convívio acabou sendo, naturalmente, isolado das outras crianças. Naquela época isso também não me causava nenhuma estranheza, para mim, era uma espécie de punição quando não se é tão legal e não tem brinquedos interessantes para dividir ou quando se é uma criança preguiçosa que cochila nas aulas, o que eu sempre fazia devido ao meu sono desregulado pelo horário que minha mãe abria e fechava a loja.
Eu sempre achei que merecesse estar sozinha e que aquilo era absolutamente normal.
A adolescência, contudo, me mostrou da forma mais dura que, na verdade, eu não estava no jogo social. Eu não integrava nenhum dos grupinhos e, por isso, nunca seria convidada para nenhuma festa badalada ou baile de debutante, muito menos para dançar com um dos garotos bonitinhos da sala. Eu era estranha, tanto pelo meu jeito desleixado de me vestir, com certeza devido às roupas de segunda mão doadas por outras pessoas, quanto pelo meu jeito extremamente calado e, ao mesmo tempo, difícil. Eu raramente abria a boca para interagir com os meus colegas. Mas sempre que o fazia, eu respondia de forma grosseira, como se fosse uma resposta ao universo por ter me "punido" durante todos esses anos. Eu era calada até que fosse provocada a falar e, quando isso acontecia, eu escolhia bem as minhas palavras.
Uma ressalva. Pode parecer e minha trajetória talvez justificasse, mas eu nunca fui uma adolescente rebelde. Eu não me comportava mal, não dava trabalho para minha mãe, não bebia, não me envolvia com caras mais velhos e sem tatuagens para a conta. E, ao mesmo tempo, também não era um doce de menina, tímida e delicada. Eu era bem "normal", se tirasse todo o plano de fundo da minha "estrutura" familiar a la Torre de Pisa e minha condição financeira falida, é claro. Afinal, quem via a minha cara de paisagem não poderia dizer quantos conflitos internos aquela cabecinha adolescente vivia.
Quando eu notei que todas as minhas perspectivas resumiam-se a continuar no mesmo lugar, assistindo minha mãe trabalhar da mesma forma precária, recebendo a mesma miséria, sem que eu nada pudesse fazer, decidi que me mudaria para Seul. Eu passaria no exame para alguma universidade pública e começaria a trabalhar, abandonando a conjuntura fracassada que eu gostava de culpar o vilarejo de Taebaek.
A minha esperança, além de poder ajudar minha mãe, era de que em um lugar novo, cercada de pessoas novas, talvez eu pudesse me descolar daquela história fracassada e escrever capítulos mais interessantes.
Ledo engano. Eu continuei sendo a estranha no cursinho, a que chegava atrasada e com cheiro de frango xadrez e fritura impregnado no moletom. Minha esperança de fazer muitos amigos esvaiu-se mais rápido do que as economias da minha mãe, forçando que eu dobrasse o turno no restaurante e, consequentemente, reduzisse pela metade as horas de sono para conseguir conciliar os estudos e o trabalho. Afinal, era muito mais caro respirar em Seul do que em minha cidade natal.
Naquela época eu fumava muito. Por algumas razões que não justificam o hábito horrível, mas que são compreensíveis. Eu precisava conter a minha ansiedade para os exames, precisava ficar acordada para estudar e, por último, usava o cigarro para inibir a fome que eu sentia de madrugada, já que gastava todo o dinheiro no aluguel e no cursinho, não sobrava muito mais para comprar frutas, legumes e, carne, só nos meus sonhos.
Bem, e sobre fracasso. Pouca coisa mudou desde a infância, a diferença era que agora eu tinha plena consciência da minha condição deplorável.
Eu estava destruindo minha saúde: comia mal; dormia precariamente e fumava um maço por dia, mas era por um "bem maior". Eu achava que aquilo iria passar, a faculdade faria tudo valer a pena, mesmo que parecesse um sonho quase impossível, pois só alunos muito bem colocados conseguiam bolsas de estudos e eu estava longe de ser uma das melhores da turma do cursinho.
Sem contar que eu já havia falhado nos primeiros exames. Eu arrastava o fracasso como se ele fosse uma pedra pesada, muito pesada, que eu tivesse obrigação de carregar. E, mesmo que eu estivesse me destruindo (e eu tinha plena consciência disso), de certa forma, eu achava que eu merecia.
Que fim do poço, Miyoung, foi o que pensei enquanto preparava um café solúvel, depois de tomar um banho rápido. Afinal, toda aquela matéria acumulada não se estudaria sozinha. Comi um pouco do arroz frito* que trouxera do restaurante e, enquanto isso, assistia qualquer coisa que passava na televisão, fingindo que não estava a par da programação de hoje, mas os meus hábitos sabiam que não era bem assim.
Enquanto o café esfriava, acendi mais um cigarro e conferi novamente as mensagens de Yoongi naquele celular velho enorme: "FINALMENTE VAMOS DEBUTAR". E sim, a transmissão do debut estava agendado para hoje.
Quando eu li pela primeira vez aquela mensagem um frio subiu pelo meu estômago e não era fome. Eu estava, ao mesmo tempo, feliz e apreensiva. Afinal, já não era a primeira vez que a empresa prometia o tão aguardado debut e, dias depois que os meninos já tinham se matado de ensaiar (mais do que já faziam, se é que era humanamente possível), eles avisavam que teriam que adiar por questões "alheias a vontade do Bang PD-Nim", o CEO da BigHit.
Lembro-me, em uma dessas minhas idas escondidas e bem arriscadas ao dormitório, de encontrar aqueles garotos a um passo de um colapso. Tudo bem que eu não tinha muita moral para falar de hábitos saudáveis, mas Hoseok não parava de fazer agachamentos na frente da TV, Yoongi não dormia há dias, junto com Namjoon, produzindo as músicas para serem lançadas no debut, Jin e Taehyung cantarolavam sem parar, Jungkook andava jogando um boné pra cima. E Jimin... Bem, eu já vou falar sobre ele. Tudo isso acontecendo naquele apartamento minúsculo.
Era um surto coletivo.
—Noona, eu estou bonito? — lembro do garoto de olheiras fundas levantar a camisa (tomando um belo esporro de Yoongi por estar se "exibindo" pra mim), mostrando um abdômen bem definido e costelas expostas, contando orgulhoso como estava com "muita fome", mas que daqui a pouco ele "esquecia", pois era "pelo Bangtan".
Aquilo foi a gota d'água. Lembro de puxar Yoongi pelo braço, ganhando um olhar bem reprovador de Namjoon que já tinha me avisado que eu não deveria vir ao dormitório, sempre um querido, esse Kim. Quem, aliás, era o torcedor número 1 do fã club do término do nosso relacionamento.
— Você não pode permitir isso, vocês são mais velhos que eles. Isso é insano, Yoongi. Vocês todos enlouqueceram.
Tivemos uma discussão horrível dentro do banheiro, já que o apartamento era tão pequeno, que não havia um espaço sequer para que conversássemos a sós sem que nos ouvissem, mas tenho certeza que meu tom acalorado estava bem audível para todos que estavam na sala. — Eles jogam vocês aqui nesse apartamento minúsculo, sem nenhum suporte, sem ninguém pra impedir essas irresponsabilidades, enquanto vocês acabam com a saúde de vocês... Isso é loucura, o Jimin acabou de dizer que ele é um porco, você tem ideia do quão doentio isso é?
— Não é como se eu tivesse controle sobre todos os membros, cada um sabe o que faz. — sua voz monótona fez o meu sangue esquentar. Eu quis bater nele, sério, mas só apertei uma mão na outra atrás do corpo tentando me acalmar, sem sucesso.
— Não acredito que você acha mesmo que...— eu podia contar nos dedos quantas vezes já tinha gritado com alguém e sim, eu estava gritando. Vi suas bochechas ficarem coradas e ele me interrompeu com a voz firme de quem tinha plena consciência de tudo que estava acontecendo.
— Todos estamos fazendo sacrifícios... Essa pode ser nossa única chance, você tem noção disso? — pensei que tinha até mais noção do que gostaria, afinal, a cada prova que fazia, eu sentia como se o relógio estivesse retrocedendo, a areia se esvaindo na ampulheta e cada grão a menos eram uma metáfora bonita para dizer que "suas chances estão acabando, Miyoung." — E também não é como se você estivesse bem pra falar da gente... Acha que não notei como você está inquieta? Você está aqui há menos de uma hora e já precisa fumar de novo? Sério? Quantos maços você tem fumado por dia, Myoung? — ele desencostou da pia pequena e deu um passo encerrando toda a distância entre nós, fazendo com que eu sentisse sua respiração próxima a minha boca. Seu polegar tocou delicadamente minha bochecha. — Queria poder cuidar de você... Não gosto de ter ver assim.
Suas palavras me desarmaram. Eu estava a um passo de desmontar ali mesmo. Já tinha tanto tempo que eu não chorava que eu sequer me lembrava do quão incômodo eram o nó na garganta e a ardência no nariz, mas eu não podia.
— Eu queria que você parasse de fumar, se alimentasse melhor... Suas bochechas sumiram, você está magra... Você continua bonita, não é isso... Mas eu sei que você não está bem... — seus braços me cercaram em um abraço e eu respirei fundo, me concentrando para que não deixasse nenhuma lágrima escapar, mas, para tal, eu precisava sair dali. O abraço do Yoongi era um lugar confortável, confortável até demais. Eu me sentia tão segura ali que abaixava toda a minha guarda, com ele eu estava sem defesa. E eu não podia me dar ao luxo de me agarrar a uma falsa segurança.
— Eu não sou o tópico dessa conversa! — disse me desvencilhando abruptamente. A forma que você apertou os olhos devagar e que seus lábios entreabriram-se, eu soube que você estava magoado. — Vocês todos enlouqueceram... Eu vou embora. Por favor, seja mais responsável.
Lembro dos olhares arregalados dos meninos que estavam na sala quando sai do banheiro. Meu coração doía quase tanto quanto a minha cabeça, sinais de quem sabia que estava errada. Contudo, eu só pretendia me defender do indefensável: meus sentimentos em relação ao Yoongi. Estava cedo para deixar que eu desarmasse minhas defesas e que ele pudesse mesmo entrar.
—Jimin, você não é um porco. Cuida da sua saúde. Você precisava estar vivo para debutar, ok?— Apertei os ombros do garoto a minha frente que só assentiu com a cabeça. — Isso vale para todos.
Aquela foi a última coisa que disse antes de colocar meu capuz e sair do dormitório, mesmo que não tivesse nenhuma esperança de que eles fossem, realmente, me ouvir. No fundo, eles não eram muito diferentes de mim. Estavam tão cegos naquele objetivo distante que mal se importavam de estar corroendo a si mesmos.
Ao menos, os objetivos deles estavam mais próximo e mais visíveis, literalmente, do que os meus, já que a Mnet acabara de anunciar o próximo "hot debut": Bangtan Sonyeondan.
Desde aquele dia, eu não voltei a "House of Bangtan", como eles chamavam o próprio dormitório. Não só porque os managers começaram a ficar mais em cima dos garotos, mas também porque eu não queria voltar. Afinal, a minha atmosfera tóxica já me fazia mal o suficiente. E, mesmo que o meu coração doesse, eu sabia que eu não era o que Yoongi precisava e que ele também não poderia ser para mim.
Não era incomum que eu começasse a suspirar fundo e caçasse um cigarro, como uma atitude inócua para aceitar que cada vez se tornava mais irreal e remoto sermos namorados comuns que se viam regularmente, passeavam pelo parque, almoçavam juntos, dividiam uma cama apertadinha e faziam elogios um paro o outro.
Os comerciais terminaram e a chamada do "hot debut" passou a piscar na televisão pequena. Minhas mãos começaram a ficar geladas e nem as tragadas rápidas eram capazes de acalmar o meu coração. A música era uma espécie de hip hop que não me agradava muito, mas o ritmo era legal. Eu nunca tinha os visto usando uma maquiagem tão carregada, aquelas roupas combinadas, correntes pesadas e anéis, mas isso era só um detalhe visual, pois eu estava hipnotizada com aquelas imagens, sequer parecia real.
Era mesmo oficial, eles estavam debutando, depois de mais de três anos.
A coreografia era incrível, incrivelmente difícil. Eu tomei um susto quando todos levantaram a camisa, cheguei a queimar meu dedo com a ponta do cigarro, o que me obrigou, por segurança, apagá-lo no cinzeiro que ficava ao lado dos caderno que eu deixara de lado quando a primeira música começou a tocar.
Eu não vou mentir, fingir que assisti até o final tranquila. Eu até tentei, eu juro, mas quando Yoongi apareceu pela segunda vez no centro eu estava com os olhos inundados, a minha garganta estava seca e não havia nada ou ninguém que me impedisse de chorar e foi o que eu fiz, copiosamente. Eu chorei muito, parecia que eu era quem estava debutando. Era uma mistura de orgulho, alegria, frustração, arrependimento e saudade.
Eu estava orgulhosa de que eles haviam, finalmente, conseguido e, ao mesmo tempo, estava desapontada. Desapontada comigo por estar me destruindo e não chegar a lugar nenhum. Eu ainda me sentia sozinha e fracassada, nada havia mudado. Eu ouvia meus soluços audíveis ecoando pelo cômodo do que eu chamava de "casa", mas era onde eu nunca me senti acolhida e também onde todos os meus medos afloravam.
A apresentação acabou e eu desliguei a TV. Passei a andar de um lado para o outro, tentando administrar a minha respiração. Eu cheguei a pensar em pegar mais um cigarro, contudo, em um acesso de raiva joguei todos os meus cadernos no chão, junto com o maço, o isqueiro e os demais objetos que estavam sobre a mesa. Chega, chega. Chega de me apagar.
Alguma hora eu ia surtar, eu sabia. Sentei no chão e abracei os meus joelhos, desintegrando em meio ao caos. Por um momento, eu achei que minha vida fosse acabar ali e eu realmente quis, eu queria desaparecer e apagar todos os rastros dessa minha trajetória, aos meus olhos, inútil.
Mas eu não tive muito tempo para pensar em formas de desaparecer, porque o meu telefone tocou, me lembrando que eu ainda estava ligada ao universo e a alguém.
— Alô? — sua voz grave procurou por mim em meio ao silêncio e eu engoli todas as lágrimas que voltaram a querer cair.
— Oi... — foi o que consegui dizer, quando um milhão de coisas passavam pela minha mente, enquanto encarava a bagunça que eu mesma tinha feito no chão da sala.
— Eu liguei num momento ruim? Você não quer conversar? — Yoongi se adiantou do outro lado da linha, a voz um pouco trêmula, mostrando sua insegurança em estabelecer algum contato depois de quase um mês sem nos falarmos.
— Não, não é isso... — respirei fundo, segurando o choro. — Me desculpa por aquele dia, eu não queria ter sido tão dura... Eu assisti e vocês foram incríveis... Eu estou super orgulhosa... De verdade. — parecia como voltar a respirar depois de ser sufocada, eu estava aliviada.
— Você gostou mesmo? — sua voz mudou em instantes e, e pela entonação, sabia que ele sorria, em meio ao caos, eu sorri também.
— Sim, vocês foram incríveis! Gostei muito do seu rap... Eu tenho um namorado muito talentoso! — antes de ter coragem de dizer aquela palavra, senti uma ansiedade que, depois, se esvaiu com todas aquelas lágrimas.
— Então, estamos bem? Eu fiquei com medo de... — o tom carregado em sua voz voltou. — Eu não queria te magoar aquele dia, eu sei que não tem sido fácil, mas... Fique bem, as coisas vão melhorar...E, por favor, para de fumar. Isso não está te fazendo bem, jagiya...
— Nós estamos bem... E... Eu vou ficar bem, prometo. — olhei para a bagunça aos meus pés, respirei fundo e tive coragem de levantar do chão. A primeira providência foi colocar os cadernos de volta na mesa e juntar os cigarros, o isqueiro e o cinzeiros e jogá-los na lixeira.
— Senti a sua falta, Miyoung... Por favor, não suma mais. — cada palavra saiu de forma arrastada, aquele seu jeito único de pronunciar as palavras, um dos poucos sons capazes de me acalmar.
— Só se você não sumir também... Promete?
— Prometo.
Eu poderia ser uma fracassada, por ora, mas eu não estava sozinha, não mais.
☕️
*Taebaek: cidade localizada na província de Gangwon, ao nordeste da Coreia do Sul. É a cidade com maior altitude (600 a 750 m) do país. A população em 2015 era de 46.715 habitantes (Fonte; Wikipedia)
* arroz frito: é um prato de arroz cozido que foi frito em uma wok ou uma frigideira e geralmente é misturado com outros ingredientes, como ovos, legumes, frutos do mar ou carne. Muitas vezes é comido por si só ou como acompanhamento para outro prato.
* jagiya: pronome de tratamento coreano usado entre casais que pode ser traduzido como "querido/querida".
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Hello, meus amores!
O capítulo foi meio triste, né? haha Mas acho que era importante mostrar mais da personalidade da Miyoung pra vocês! Ah, e sobre o debut do BTS, essa é uma visão minha, pessoal (e FICTÍCIA), sobre aquela fase que eu coletei de alguns logs antigos, vídeos, entrevistas, etc!
Espero que tenham gostado e continuem atentos nas datas dos capítulos, ok? ❤️
Deixem o seu amor aqui em forma de votos e comentários, to precisando! Prometo que eu devolvo em dobro!
beijos da Maria ❤️
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