Capítulo XLIX - Passado & Sanidade
Arregalando meus olhos eu me lembrei, o relógio de bolso antigo que estava fazendo tanto barulho na outra dimensão em que estávamos antes, era o mesmo relógio de bolso que o Bang me deu quando ele me soltou na cidade depois de tantas semanas de tortura, sim eu me lembro! Aquele era o mesmo relógio que o Bang me falou pra não perder, mas se eu conhecia aquele relógio, porque eu não conhecia a dimensão? Ah lembrei! O Vlad tinha dito que aquela era uma lembrança dele, por isso eu não conhecia e não entendia. E eu sei onde estamos agora! É... Não é um lugar muito bom...
- Vlad eu sei onde estamos - Contei e os olhos azuis de Vlad me cercaram em curiosidade, o corte que havia em sua testa havia cicatrizado e parado de sangrar, mas mesmo assim, ele ainda parecia cansado - Quando eu era pequena meu pai disse que ia me dar uma biblioteca enorme bem bonita - Eu ri enquanto dizia, lembrando da figura do meu pobre e bondozo pai, me pegando no colo e contanto maravilhas pra mim, eu me lembrava com clareza de como o cabelo dele ficava arrepiado com qualquer brisa que o vento fazia, eu sempre ria, daí como vingança ele bagunçava o meu - Ele dizia que eu ia poder ter todos os livros de histórias fantásticas que eu gostava de ler, todos disponíveis pra mim, ele disse para imaginar a biblioteca do jeito que eu sempre quis e ele me daria ela quando eu fizesse 15 anos - Me lembrei dos desenhos rabiscados e esgarranchados que eu fazia na época pra esboçar a minha biblioteca dos sonhos, eu já podia sentir meus olhos começarem a encher de água, mesmo assim continuei - Seria o meu presente de aniversário. - Suspirei fazendo uma pausa, as lembranças pareciam tão frescas que eu sentia como se tivesse sido ontem - Infelizmente, duas semanas depois ele foi convocado pra guerra e morreu em batalha seis semanas depois, numa emboscada dos inimigos - Falei amargamente me lembrando do quanto eu tinha ficado desolada - Eu ainda tinha dez anos quando isso aconteceu. - Relatei baixando os olhos enquanto as lembranças daquele dia florido invadiam a minha mente, a minha biblioteca dos sonhos se tornou um pesadelo de lágrimas e tristeza depois. Senti meus olhos ficarem úmidos e em seguida eu ser puxada para um abraço.
- Está tudo bem...? - Perguntou Vlad limpando as minhas lágrimas que já rolavam pelo meu rosto, eu abri um sorriso pra disfarçar o choro, mas não deu muito certo, eu não conseguia fingir que aquilo não doia, doia demais na verdade. Aceitei o abraço dele. Me perdendo naquele ato de afeto tão simples, mas que era tão acolhedor. Eu queria que meu pai tivesse sobrevivido, não pelo presente, eu não ligava pra isso, eu só queria que ele estivesse comigo enquanto eu crescia, pra me ensinar a andar de bicicleta, me proteger de namorados espertinhos, me ajudar a levantar quando cair no chão. Mas eu perdi tudo isso.
- Eu só queria que ele estivesse aqui... - Funguei apertando mais o abraço, eu sentia tanta falta dele, meu coração tinha ficado triste. Senti os braços de Vlad me apertarem mais e a vontade de chorar aumentou.
De repente, algo trombou em mim e em Vlad, quase nos derrubando no chão, eu tomei um susto e quase bati em Vlad achando que tinha sido ele, até que então escutei uma risada familiar. No mesmo instante nos afatamos e nos voltamos para a pequena criatura que aparecerá pra nós. Era uma menina. Uma pequena menininha de olhos claros e cabelos castanhos. Ela usava um vestido branco e segurava um coelhinho também branco nas mãos. Tão branquinho que parecia até neve.
A menina gargalhou alegremente e então desviou eu e Vlad que estávamos em seu caminho e correu saltitando até o final do corredor, que agora não estava tão claro a ponto de não permitir que eu enxerga-se o que havia no final do mesmo. Não tinham portas, não tinha parece, estava aberto para o céu. Dava para ver diversas nuvens e um céu azul que parecia ter sido colorido com giz de cera. Parecia surreal demais para ser verdade. A menina deu uma risada gostosa enquanto acariciava o pelo do coelho e depois olhou pra mim, e quando nossos olhares se cruzaram os olhos dela brilharam e aquele sorriso radiante que aparecia em seu rosto sumiu, ela ficou triste. Eu sabia quem ela era.
- Quem ela é? - Escutei Vlad perguntar e meus olhos se encheram de lágrimas de novo.
- Sou eu. Com dez anos. - Eu já sentia o nó se formar na minha garganta de novo. A menina se sentou no chão, abraçando o coelhinho e começou a soluçar, as lágrimas escorriam de seus olhos tristes e ela lamentava a perda de um pai. Se sentindo tão sozinha e desamparada. Quando o meu pai morreu eu rasguei todos os meus desenhos. Triste porque meu pai nunca mais ia poder ler livros pra mim dormir.
O chão começou a tremer, eu me levantei no mesmo instante que Vlad o fez.
- E agora? O que vai acontecer? - Perguntou ele e em seguida teve de desviar de um livro que quase atingiu sua cabeça.
- Agora tudo desmorona, que nem o coração dela. - Apontei pra criança, meu coração se retorcia por dentro. Me lembrar do funeral do meu pai era doloroso. A menina então se levantou do chão, limpando as lágrimas e tentando segurar o choro, algo que não estava dando tão certo. Ela segurou o coelho pela pele atrás do pescoço do pequeno animal e tirando uma faca do laço do vestido, ela olhou pra mim, com os olhos inchados de chorar, e então rasgou o pescoço do coelho, gritando histéricamente de tristeza, ela não parava de soluçar, o pelo branco do coelhinho agora estava manchado de sangue. Eu queria gritar e não conseguia. Meus corpo inteiro estava rígido. E eu podia perceber o desconforto de Vlad ao meu lado. A menina olhou para a beirada do abismo que havia fora daquela biblioteca tão iluminada e jogou naquele lugar esquecido o corpo sem vida do bichinho. Que caiu com tanta leveza quanto uma pena.
- Por que ela matou o coelho? - Indagou Vlad indignado e então me chaqualhou pelos ombros - Por que? - Seus olhos estavam se enchendo d'água já, por mais que ele tentasse segurar o choro.
- Não foi ela quem matou. - Funguei - Foi o que ela entendeu que fizeram com o pai dela. O pai dela era o coelho. - Relatei e Vlad pareceu confuso, tentando entender o que exatamente estava se passando pela minha cabeça, mas se nem eu sabia... Quanto mais ele. Eu ia dizer mais alguma coisa, mas então o corpo da menina se incendiou, mas ela não sentia dor. Aquela chama era pra limpar o sangue que manchou seu vestido branco. A dor de uma alma solitária. E com mais alguns segundos a criança foi convertida em uma flor de fogo, uma rosa que mesmo sendo tocada pelo fogo, não era consumida. O chão tremia ainda mais e o teto começou a ceder, derrubando todos os seus livros. Meus pés não pareciam mais tão firmes sob aquele chão. Tudo tornaria-se ruínas... Vlad me pegou pela mão e então apontou para o final do corredor, onde antes estava a menina.
- O que a gente faz pra sair daqui antes que tudo caía nas nossas cabeças? - Ele perguntou preocupado, eu apertei sua mão na minha e enxuguei minhas lágrimas.
- Não tem o que fazer, tudo vai cair e eu não sei como sair daqui. - Falei, eu não conseguia sentir toda aquela preocupação que Vlad estava. O chão cedeu e tudo começou a pegar fogo, tudo or causa da menina que se tornou flor, a chama que havia na flor se alastrou e tomou tudo, as estantes, os livros, tudo, até o chão se abrir e nós cairmos no abismo.
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