procura-se o gato de botas
Toda quinta-feira depois do recreio era momento de meninos e meninas formarem uma fila indiana e, guiados pela professora, seguirem até a biblioteca. Primeiramente devolvíamos à bibliotecária o título emprestado outrora, depois estávamos livres para procurar por nossa próxima aventura em alguma das prateleiras.
- Tem O Gato de Botas? - perguntei.
- Já está emprestado. - respondeu a bibliotecária e eu, desanimada que só, busquei outro título, esperando ter um pouquinho mais de sorte na semana seguinte.
Voltei na semana seguinte:
- A pessoa que está com ele pediu mais tempo pra ler. Na semana que vem, sem falta, eu vou ter pra você.
Voltei na semana seguinte, como havia sido o prometido, mas a bibliotecária, olhando-me por cima dos óculos não teve saída senão dar a notícia ruim:
- Está emprestado!
De tempos em tempos, a bibliotecária pedia-me para esperar "só mais uma semaninha" e logo O Gato de Botas estaria à minha inteira disposição. O discurso, entretanto, chegado o prazo, era outro.
- A pessoa que está com ele ainda não devolveu!
Quem não devolvia o livro no prazo, pagava multa de 25 centavos por semana.
- Se você tivesse vindo ontem, teria conseguido pegar.
Li vários títulos, mas aquela pontada de frustração persistia, toda semana era a mesma ladainha.
Pelo fato de O Gato de Botas estar sempre indisponível, a expectativa crescia, a disputa era acirrada, sem falar que a biblioteca não dispunha de um número considerável de títulos no acervo, nem mesmo o espaço destinado a ela era dos maiores. O colégio em si era relativamente pequeno, estava reformado, muitos anos antes era um casarão e o piso de tacos bem encerado recordava o passado não tão distante assim.
Haviam mesas quadradas com cadeirinhas e a professora sempre nos advertia para não fazer algazarra porque era terminantemente proibido falar alto, alimentar-se, beber e, claro, profanar os livros, eles deveriam ser manuseados com cuidado, entregues na data estipulada - podendo essa ser prorrogada se houvesse necessidade - e conservados do jeitinho que estavam.
Eis que um dia, daqueles sem grandes expectativas, a bibliotecária sorriu para mim por cima dos óculos e perguntou:
- E aí? Não vai perguntar sobre O Gato de Botas?
- Ele está aí?
Ela assentiu com a cabeça.
- Jura?
- Você está com sorte! - declarou a simpática senhora. - Até reservei para você!
Naquele instante em que a bibliotecária entregou-me o tão desejado livro, exultei. O sorriso teimou em não sair do meu rosto. Queria logo voltar para casa, abrir a mochila e contemplar o felino da capa e imaginar que aventuras eu teria na companhia dele.
Se não mais recordo-me da história, ao menos preservei na memória a longa espera até o dia em que pude, finalmente, lê-la.
Ter um livro em mãos, foi-nos ensinado desde muito cedo, era uma responsabilidade a ser honrada. Todas as quintas-feiras, entre passeios por corredores estreitos apinhados dos mais variados títulos à nossa inteira disposição, nosso caráter era testado e construído, o que fazíamos com os livros dizia muito a respeito dos adultos que um dia seríamos.
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