Capítulo 14: Um almoço e mistério, por favor
Charlene
— Que coisa boa te ver aqui!
Alane diz para mim e sorri. Eu vim almoçar no restaurante da pousada (que em breve será um Resort).
Bernardo veio para a inauguração. Flora e Erik decidiram que antes de inaugurarem, na próxima semana, eles irão receber os amigos para uma pré-inauguração. Flora diz que é apenas uma forma de comemorar, mas nada me tira da cabeça que ela tirou isso de Gilmore Girls.
— Obrigada, Alane, estou com saudades dos seus quitutes.
Alane é a dona do restaurante da pousada, ela também cuida da bomboniere do pequeno cinema que Flora construiu aqui.
— Mesa para quantos? Flora e Erik vão encontrar você?
— Para dois. Não, os dois foram para São Bento resolver coisas do casamento. Quem vai vir almoçar comigo é o Bernardo.
Bernardo é meu melhor amigo. Erik e eu nos damos bem, mas a proximidade que tenho com Bernardo é maior. Ele me ajudou muito quando meus pais morreram. Até morei na casa dele por um tempo. Meu luto foi muito mais suportável porque eu estava com ele. Ele também é o melhor amigo de Erik e é o grande responsável por termos reencontrado Ana Flora.
— Bernardo?
Ela pergunta e eu posso jurar que o tom de sua voz é estranho.
— Sim, vocês se conheceram certo?
— Sim, no baile. Não sabia que ele estava aqui. Essa mesa está boa?
Ela pergunta apressada, apontando para uma mesa no deck do lago. Eu sorrio porque adoro a paisagem.
— Está ótima.
Eu digo e me sento.
— Ele veio para a inauguração, vai ficar por um tempo.
— Claro, eu devia ter imaginado. Você já quer pedir?
— Não, vou esperar o Bernardo.
— Você não precisa mais me esperar.
Uma voz diz atrás da gente. Eu sorrio antes de me virar e ver meu melhor amigo. Ele está sorrindo para mim e nos abraçamos. Quando me solta, ele sorri para Alane, posso jurar que vejo uma hesitação nele, mas não sei explicar o motivo.
— Tudo bem, Alane?
Alane afirma com a cabeça antes de responder. Sinto seus ombros tensos. O que está acontecendo aqui?
— Sim, senhor, o senhor fez boa viagem?
Ele franze a testa.
— Eu fiz, mas não precisa me chamar de senhor. Não sou um cliente comum, sou um amigo.
— A gente costuma manter a formalidade por aqui. O cardápio está em cima da mesa, vou deixar vocês escolherem.
Ela diz isso e sai. Nós nos sentamos.
— O que foi isso? - Pergunto.
— O quê?
— Essa tensão entre vocês.
Bernardo dá de ombros.
— Eu não sei, ela teve uma antipatia por mim logo no baile. Não sei o que eu fiz.
— Você não deu em cima dela de forma desrespeitosa, né, Bernardo?
— Eu devia me ofender de você me perguntar isso, eu não dou em cima de ninguém de forma desrespeitosa.
— Eu não coloco a mão no fogo por homem nenhum.
— Erik nos apresentou e ela apenas não quis conversa.
— Acho isso estranho.
— Pois é, também, geralmente as mulheres caem aos meus pés.
Ele diz brincando porque sabe que eu odeio quando ele é prepotente e eu dou um tapa no ombro dele. Nós dois começamos a conversar como sempre, fazemos nosso pedido e depois que Alane se afasta, ele diz:
— Como está minha pequena?
— Falante como nunca, você podia ir comigo buscá-la na escolinha hoje e tomamos um sorvete, o que acha? Bom que falamos mais, meu horário agora é corrido e não acho que Flora e Erik já terão chegado.
— Claro! Que horas?
— Ela sai às 16h45.
— Você já está mais tranquila quanto a isso?
Deixar Elaíse em tempo integral na escolinha foi uma farpa em meu coração, mas sou uma mãe sozinha. Eu preciso disso.
— Nunca vou estar, mas sei que preciso.
— Quando ela for mais velha e tiver naquela fase de brigar por tudo, vai poder reclamar de muitas coisas, menos de você não ser uma boa mãe.
Eu sorrio.
— Obrigada, Ber… - Então, me lembro de uma coisa - Ah, hoje a Violeta costuma buscar a Elaíse para mim, ela faz curso lá perto, eu ia mesmo avisar que não precisa.
— Gosto daquela garota, fala para ela ir tomar sorvete com a gente. Você também devia falar com o Benício.
Bernardo é meu confidente, óbvio que não contei para ele a história de Benício, mas ele sabe que estamos nos conhecendo. Antes que eu possa concordar e lembrar que a sorveteria é em frente a minha casa, nós nos assustamos com um barulho de bandeja caindo e vidro quebrando. Olhamos e Alane está abaixada pegando os cacos de vidro. Ela derrubou os sucos que pedimos. Imediatamente, vamos até ela.
— Não precisa, eu pego sozinha.
Nós ignoramos e nos abaixamos pegando os cacos maiores.
— Eu tropecei.
— Acontece. - Bernardo diz. Um garçom vem ajudar e nos levantamos. - Você se cortou. — Bernardo diz olhando para o pé dela. Eu ativo o modo médica.
— Precisa limpar, Alane, ainda mais por causa da diabetes. Temos que ver se não vai precisar de pontos.
Bernardo se abaixa de novo.
— Não parece precisar de pontos, mas teremos uma visão melhor depois de limpar. Posso te levar ao hospital se precisar. - Ele diz ao se levantar novamente.
— Não, tudo bem. Desculpem o mau jeito, eu vou pedir para alguém levar o pedido de vocês e cuidar desse corte. Desculpem e obrigada.
Ela sai rapidamente, sem deixar que a gente ajude mais. Vejo que Bernardo se chateia um pouco, mas ele não me diz nada. Nós nos sentamos novamente e voltamos a conversar. Somos atendidos pelo garçom e não vemos mais Alane.
— Eu posso perguntar uma coisa? - Ele pergunta de repente, no meio da conversa.
— Ber, você vai perguntar de qualquer jeito.
— Você acha que ele é o cara que você vai pedir para cortar a carne do Natal?
A história por trás disso é bem simples. Os pais de Bernardo têm uma história de novela e todos os anos, uma cena se repete: a mãe dele faz carne assada no Natal e faz o pai dele ir partir. É bobo, mas a cena é sempre cheia daqueles resmungos e implicâncias de pessoas apaixonadas por uma vida inteira. Isso é ainda mais bonito quando pensamos na história dos dois. Nilton, o pai de Bernardo, não é seu pai biológico. O pai biológico abandonou a mãe dele, Elza, e ela arrumou emprego no escritório de Nilton. Os dois se apaixonaram e quando se casaram, ele adotou Bernardo.
— Estamos só nos conhecendo, é cedo.
— Hoje é quinta.
— Você vai ter que explicar esse raciocínio para mim.
— Que dia vocês conversaram mesmo?
— Sábado.
— E que dia vocês não se viram desde então?
Eu entendo o que ele quer dizer, solto um suspiro e balanço a cabeça.
— Ele trabalha na casa que eu moro.
Bernardo cerra os olhos.
— E antes vocês se viam todos os dias?
— Não, mas porque a gente se evitava. Ber, eu sei me cuidar e o Benício é uma pessoa boa.
— Eu sei que ele é Char, mas não precisamos observar muito para perceber que ele tem questões internas. Só quero ter certeza que você vai ser cuidada também e não só precisar cuidar.
— Fique tranquilo, eu sou uma mulher bem resolvida e eu sei o que eu mereço.
— Eu não estava mesmo falando que o cara não é bom, apenas… certifique-se que ele vai se cuidar e cuidar de você também.
Eu confirmo com a cabeça, bebo um pouco do suco e resolvo falar algo que tenho preso em mim.
— Bernardo, você precisa respirar.
— Como assim?
— Você cuida de todo mundo. Cuidou do Erik, de mim, cuida dos seus pacientes e agora você está sem a gente. Você precisa respirar. Estamos bem.
— Isso é uma grande bobagem. Eu estou bem e quer saber? Tenho muito mais paz agora que vocês dois não estão lá.
Resolvo não insistir, eu sempre soube que Bernardo sentiria falta de nós, mas é a primeira vez que penso na solidão que ele deve estar enfrentando. Há anos éramos nós três, ele e Erik sempre foram amigos, quando Flora partiu eles me trouxeram para o grupo e não me deixaram sozinha desde então. Talvez ele esteja sentindo nossa ausência mais do que imaginei.
— Já está pensando em um livro novo?
Resolvo mudar de assunto porque acho que preciso conversar com Erik sobre isso.
— Na verdade, tenho pensado em uma série.
Aí está mais uma aleatoriedade do meu amigo, ele é um escritor de livros de terror. Ele escreve com um pseudônimo e ninguém faz ideia da sua identidade.
— Uau, isso é muito legal, Bernardo.
— Estou conversando com minha editora para ver o que eles acham. Eu queria arriscar misturar um pouco de fantasia, mas nunca fui por esse caminho.
— Eu adoro seu jeito de escrever e odeio terror, então acho que vai ser um sucesso!
Ele sorri agradecido e diz:
— Recebi uma proposta de adaptação para um streaming.
— Uau!! Isso é demais, você aceitou, certo?
— Ainda não, meus advogados estão vendo uma maneira de eu manter meu anonimato.
Antes que eu responda, meu celular toca. É Benício. Peço licença e atendo.
— Olá!
— Ele morreu.
— Quem morreu? - Pergunto e vejo que Bernardo começa a prestar atenção em mim.
— O detetive.
— O detetive?
— Ele infartou, por isso não me procurou na terça. Eu estava estranhando a falta de contato e liguei, a irmã dele atendeu e me disse.
— E você tem certeza que é verdade? Não pode ser mentira?
— Eu conferi online. Ele morreu. Estou tão frustrado, Char, ele tinha respostas…
— Eu sinto muito… Entendo sua frustração, sei que você quer ajudar sua irmã.
— Essa é a única coisa que ela me pediu e eu não estou conseguindo ajudar.
— Você vai, sei que vai pensar em algo e partir daí.
Ele solta um suspiro e eu gostaria de abraçá-lo.
— Certo. Obrigado, desculpa atrapalhar seu almoço. Manda um oi para o Bernardo por mim.
— Eu mando. Ei, você quer tomar sorvete com a gente hoje? Ele vai comigo buscar eu a Elaíse e pensei em chamar a sua irmã também.
— Claro! Avisa quando chegarem que eu apenas atravesso a rua.
— Combinado!
A gente se despede e eu desligo.
— O que houve?
— O detetive que estava procurando os pais de Violeta morreu. Ele infartou bem na semana que disse ao Benício que tinha respostas.
— Que merda!
— Ei, será que você não pode ajudar?
— Eu?
— Sim, seu pai ainda deve ter contatos. Você achou a Flora…
— Aquilo foi diferente, Char… Mas, claro, eu posso ver se consigo alguém para ajudar. Vou ver o que posso fazer.
— Obrigada, Ber… Essa garota quer tanto saber suas origens.
— Garota corajosa. Eu acompanho a página dela e é um barato. Ela é muito talentosa. Benício deve ficar orgulhoso.
— Ele fica, ele ama muito a irmã.
— Você sabe que as mulheres adoram quando ela posta vídeo ou foto dele, ne? Você tem concorrência.
— Idiota! Você é um idiota!
Ele ri.
— Mas sério, eu nunca iria querer encontrar meu pai biológico. - Ele diz.
— Isso é porque você tem um pai e sabe pela sua mãe que o seu biológico era um babaca. A Violeta não sabe nada disso. Rosa deixou no escuro, nunca quis contar a origem dela.
— Eles tiveram um pai?
— Não, Benício nunca conheceu o pai dele.
— Deve ter sido difícil para a mãe dele, construir uma pousada e ainda cuidar de um filho sozinha.
Eu não respondo. Tenho tido muita raiva da mãe dele. Eu sei, ela acolheu minha amiga, mas talvez esse excesso de zelo e cuidado fosse para compensar o que ela não fez pelo filho dela.
— Char?
— Eu não sei se gosto da mãe deles, mas não posso compartilhar. Não quero ser a pessoa que julga uma mãe sozinha porque eu também sou essa mãe. Mas…
Eu deixo morrer minha frase.
— As questões dele?
Eu apenas afirmo com a cabeça. Confesso que eu queria falar com alguém, não paga fofocar, mas para poder colocar para fora a raiva que está dentro de mim desde que Benício me contou sua história. Eu disse para ele sobre a minha decepção com a mãe dele, mas a forma com que falei não deixou claro como eu sinto raiva de tudo o que ele me contou. Eu senti que não podia externar com tanta sinceridade já que ele ainda precisa entender o sentimento que tem pela mãe. Eu não contei para ninguém porque a história é
é dele, mas eu queria poder desabafar e contar como isso me machucou. Agora que sei de tudo, não consigo deixar de imaginar a dor que ele sentiu, o tamanho do sofrimento que ele viveu, a vergonha, o medo… Imaginar isso está me sufocando.
— É pesado?
Ele pergunta e eu me emociono.
— Eu não sei como ele tá aqui.
Bernardo sorri para mim e segura minha mão.
— Ele encontrou uma garota legal.
Eu sorrio, mas o corrijo.
— Ele está conhecendo uma garota legal.
— Ah, sim, claro… Ele está conhecendo.
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