Capítulo 13: Minha história
Benício
Alerta de Gatilho: esse capítulo faz menção à tentativa de $u!cíd!0 e abuso sexual (embora não seja descrito graficamente). Não leia se for um tópico sensível para você. Cuide de sua saúde mental e busque ajuda se for preciso! 💛
Dessa vez, eu a beijo até perdermos o fôlego. Quando interrompemos o beijo, eu sento no sofá e a trago comigo. Eu sei que preciso falar.
Ontem, Dominic e Amora vieram aqui com hambúrgueres. Nós três comemos e rimos bastante, até Dominic sugerir que Amora assistisse algo em minha tv. Ele perguntou se eu queria a verdade nua e crua ou a metáfora. Escolhi a verdade. Então, ele me contou que estava ali porque Charlene tinha ido até ele. Meu amigo não me deu detalhes, mas falou sobre a preocupação que ela estava sentindo. Isso me tocou. Eu fui um grande babaca e ela estava preocupada. Ela poderia ter saído por aquela porta sem se importar comigo.
— Minha mãe sempre foi de dar abrigo para as pessoas. - Eu digo de repente e Charlene fica atenta a mim. - Parece bonito, mas às vezes é um pouco irresponsável… Uma dessas pessoas trabalhou na pousada por algum tempo, eu tinha 14 anos. O nome dela é Sônia. Ela não era uma pessoa boa, mas minha mãe não via. Ninguém via, só eu.
Os olhos de Charlene se enchem de lágrimas. Ela solta um suspiro.
— Benício…
Eu vejo quando os olhos dela refletem o entendimento daquilo que passei, penso em não verbalizar, dizer em voz alta faz tudo ficar mais feio, mas eu falo mesmo assim:
— Eu me afeto tanto com a situação do Luan porque eu conheço a sensação. Eu passei por isso, quer dizer, o caso dele é muito pior porque foi sua própria mãe, mas…
— Shh… Não, não ameniza sua dor. Não finge que não foi difícil.
— Foram quase dois anos passando por isso, me sentindo sujo e um lixo. Eu não podia falar para as pessoas, os garotos da minha idade iam rir porque quem não quer uma mulher mais velha, certo? Até que um dia… eu enlouqueci, Charlene, eu estava passando pelo corredor e ela apareceu, eu me desvencilhei e ela acabou caindo da escada. Ela não se machucou, mas disse pra minha mãe que eu tinha empurrado. E às vezes… Às vezes acho que empurrei mesmo.
— Quantos anos você tinha?
— Quase dezesseis, eu fiz dezesseis dois meses depois.
— Sinto muito.
— Quando minha mãe me confrontou, eu finalmente contei para ela, mas ela não acreditou em mim. E a situação continuou, então, Dominic finalmente conseguiu arrancar de mim e ele contou aos pais dele. Os pais dele foram até minha mãe, mas ela insistiu que eu estava apenas sustentando uma mentira. Eu já estava fodido demais da cabeça e um dia depois de fazer dezesseis anos, decidi que era hora de tudo acabar.
Charlene está acariciando meus braços, as pontas de seus dedos, acariciando as cicatrizes que as tatuagens escondem.
— Dominic desconfiou e falou a tempo com a Margarida. Ela me encontrou e o doutor Abraão agiu a tempo.
— Graças a Deus…
Ela murmura e me abraça.
— Benício, me perdoa.
— Por quê?
— As coisas que eu disse para você... Nossa, eu nunca poderia ter dito algo assim.
Há dor em suas palavras e isso corta meu coração.
— Você não tinha como saber o que tem por trás da minha história. Não precisa me pedir desculpas. Está tudo bem.
Ela não diz nada, mas me abraça, encaixa seu rosto em meu pescoço e chora.
— Desculpa por chorar. - Ela diz.
Bom, eu também estou chorando agora e eu nunca ficaria ofendido com o choro dela, ainda mais sabendo que é por mim. Não porque eu causei, mas porque ela se sensibilizou.
— Está tudo bem… - Eu a tranquilizo.
— O que aconteceu depois?
— Quando voltei do hospital, ela já tinha ido embora. Minha mãe e eu não falamos sobre o assunto, mas eu fiz terapia. A terapia me salvou, mas eu sou um merda, Charlene. Eu fraquejei e me afundei na bebida logo que fui pra faculdade. Quando entrei para o AA, voltei para a terapia também. Eu tive alta ano retrasado, aí minha mãe morreu e… Eu virei o babaca que você conheceu quando veio aqui na primeira vez.
— Para, Benício, para, por favor!
— De contar a minha história? - Fico confuso, mas talvez eu tenha detalhado demais. Talvez eu devesse deixar coisas de fora - Achei que você quisesse saber, desculpa!
— Não! Para de falar de você assim. Você não é um merda. Você é um sobrevivente. Um sobrevivente, ouviu?
Ouvir isso me faz chorar novamente, que desastre. É assim que eu quero impressionar essa mulher?
— Eu tive medo.
— Qualquer um teria.
— Eu realmente quis que ela morresse, quando eu a empurrei. Eu odeio dizer isso, me sinto um psicopata.
— Quem não ia querer, querido? Eu torci para você dizer que isso tinha acontecido. E eu só estou ouvindo seu relato, você viveu tudo aquilo.
Ela suspira e hesita, mas continua falando, um pouco sem graça dessa vez:
— E estou com muita raiva da sua mãe agora, me desculpa. Eu sei que todos aqui a admiram, mas…
Ela deixa morrer seus pensamentos e eu entendo. Eu vivo esse conflito.
— Meus sentimentos por minha mãe me fizeram marcar terapia de novo, eu tenho uma sessão agendada.
— Fico feliz e orgulhosa.
— Eu sinto que isso me limitou, Charlene, não sei se consigo te oferecer muito. Nem mesmo… Quer dizer, eu tenho relações sexuais, mas… Eu não me sinto a vontade recebendo carinhos. Geralmente, é sempre casual, então as mulheres não se importam quando eu sorrio e digo que é o dia de sorte delas e que só vão receber.
Eu falo tentando fazer graça para amenizar. Charlene ri, mas logo fica séria.
— Benício… Eu só quero que você se sinta bem ao meu lado, não quero que você tenha sensações ruins comigo.
Eu passo a mão pelo rosto dela, sua pele suave deslizando em meus dedos.
— Sei que eu demonstrei o oposto, mas acho que você desperta coisas tão boas em mim que eu não soube lidar, eu me assustei. Eu me abrir para você também me assusta porque eu nunca senti a necessidade de contar para alguém. Toda a raiva e a hostilidade era eu não sabendo lidar com a vontade que eu tenho de você.
— Eu também não facilitei para você.
— Não, Char, foi tudo eu. Nada você.
— Benício, eu também quero você.
— Mesmo depois de tudo?
— Nada na sua história é motivo para eu me afastar.
— Talvez seja cedo para eu falar isso, mas eu quero deixar tudo em pratos limpos porque eu quero muito te conhecer de verdade. Eu quero explorar isso que existe entre a gente, mas sinto que não é justo com você.
— Não acho que você seja limitado ou qualquer outra coisa ruim. Eu acho que você precisa aceitar ser feliz, se você tentar isso, acho que me basta para tentar também, mas eu preciso de dois combinados.
— Quais?
— A partir de agora é sinceridade o tempo inteiro. Não vamos esconder coisas, até porque nós também vamos trabalhar juntos.
— É justo.
— E na frente da Elaíse, nada de beijos, abraços, qualquer coisa. Até a gente entender o que temos aqui. É nítido que a gente tem química e atração, mas a gente não se conhece de verdade.
— Justo também.
— Pensei em mais um combinado.
— Qual?
— Eu não quero mais ver você se menosprezando. Você é tão forte. Obrigada por me contar.
— Eu ia enlouquecer se não te contasse.
— Eu posso te beijar?
Eu levo uma mão ao rosto dela e faço com que ela olhe para mim.
— Também quero um combinado.
— Qual?
— Você não precisa me perguntar se pode me beijar e não precisa ter medo de me tocar. Isso aqui, você e eu? Podemos não saber o que é ou o que vai virar, mas é algo bom, Charlene. Não tem nada de ruim. Nada do que você fizer vai me causar mal.
Ela sorri e eu limpo as lágrimas que escorrem em seu rosto. Ela toma a iniciativa e se joga para me beijar. Tenho a sensação de estar no paraíso.
— A gente está um desastre de lágrimas.
Ela diz divertida e eu sorrio.
— Acho que precisávamos disso, quer dizer, eu precisava.
— Eu também.
— Você ainda vai pegar a noite de garotas?
— Estou com um passe livre essa noite.
— Então vamos para a cozinha, vamos inverter a ordem, comemos a sobremesa. Agora vou cozinhar pra você!
— Você cozinha?
— Por que todo mundo se surpreende com isso?
Ela sorri.
— Não sei se combina com você.
Eu levanto do sofá e a puxo comigo, antes de ir até a cozinha, eu a beijo porque agora podemos fazer isso.
— Me senti desafiado.
— Huuum… Então acho que vou comer bem.
Nós dois sorrimos um para o outro e eu estou me sentindo leve e até meio bobo. Nunca imaginei que me sentiria assim depois de contar para alguém toda minha história. Vamos até a cozinha.
— Posso ajudar?
— Hoje não. Hoje você apenas senta e deixa eu fazer as coisas.
— Então vou ficar aqui apreciando a vista.
Ela diz enquanto se senta na cadeira. Eu pego um jarro de suco e sirvo para ela. Ela me agradece e começamos a conversar enquanto faço nosso jantar. Meu celular toca e sinto o coração disparar quando vejo o nome na tela.
— Preciso atender, Charlene. É o detetive que está procurando a mãe da Violeta.
— Claro! Atenda.
Eu atendo e a conversa me deixa ansioso. Em nosso último momento, ele me disse que estava atrás de uma pista. Quando desligo, meu coração ainda está forte.
— Tudo bem? - Ela me pergunta.
— Ele disse que acha que encontrou a mãe dela. Vai checar sua última pista e depois de amanhã vem me ver. Disse que precisamos falar pessoalmente.
— Você acha que é ruim?
— Não sei, eu me sinto em uma dessas histórias americanas. Às vezes fico puto porque tudo isso é desnecessário. A Margarida sabe de toda a verdade e nos esconde por alguma promessa que fez à minha mãe, mas eu entendo porque sei que é difícil para ela. Só que se é um segredo assim, fico com a sensação de que é ruim.
— Talvez sua mãe apenas não tenha adotado pelos métodos convencionais, a burocracia de adoção no Brasil é bizarra e é comum algumas formas de cortar a fila. É ilegal, mas as pessoas fazem. Antes de eu decidir ter a Elaíse, eu li bastante sobre adoção.
— Sei que isso já seria errado, mas às vezes torço para ser isso. Todo esse segredo em alguns momentos me faz achar que não é uma boa história.
— Bom, aparentemente, você está perto de descobrir. Você vai falar para a Violeta sobre a ligação?
— Não. Sei que isso parece que estou escondendo coisas, mas eu não quero que ela fique ansiosa. Eu prometi que vou contar tudo, sendo bom ou ruim, mas eu quero saber primeiro. Até para pensar em como contar.
— Eu concordo, faria o mesmo.
Por algum motivo, isso me acalma. Ainda me sinto inseguro sobre questões do meu relacionamento com a minha irmã.
— Posso perguntar uma coisa?
— Claro.
— Você é bem mais velho que ela, não se lembra de como foi?
— Eu tinha dezesseis anos quando minha mãe trouxe a Violeta. Eu devia ter questionado, mas apenas pensei que como ela tinha outra filha, eu poderia ir embora.
Vejo que ela mais uma vez se emociona.
— Desculpa. - Ela diz.
— Você não precisa se desculpar, é uma pergunta que a própria Violeta já me fez.
— O que você respondeu?
— Coloquei a culpa na adolescência, disse que não fazia diferença para mim como ela tinha chegado até aqui. Quando ela aceitou morar comigo, conversei sobre o alcoolismo, mas eu ainda não consigo conversar sobre minha história com ela e, sinceramente, não acho que um dia vou conseguir.
— Eu entendo.
Depois de dizer isso, ela vem até mim, contorna meu pescoço com as mãos, fica na ponta dos pés e me beija.
— Eu já disse isso, mas vou repetir: estou tão feliz de você estar aqui.
Porra, eu sou um sortudo. Esse pequeno momento, ter Charlene em meus braços, me faz querer ver a vida de outra forma. Eu é que tenho que estar feliz por ela estar aqui.
— Eu também, mas estou mais por você estar.
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