Capítulo 12: Enxergando
Charlene
Alerta de Gatilho: esse capítulo faz menção à tentativa de $u1c1d10 (embora não seja descrito graficamente). Não leia se for um tópico sensível para você. Cuide de sua saúde mental e busque ajuda se for preciso! 💛
Flora solta um suspiro quando eu termino de contar tudo o que aconteceu essa semana. Depois que saí da chácara de Benício, eu busquei Elaíse na escolinha e vim para casa. Porém, estava agoniada e liguei para Flora vir aqui já que Elaíse estava dormindo.
— É… Complicado.
Ela diz meio no automático.
— Ele é um babaca!
Digo raivosa.
— Ele de fato foi um babaca.
Eu olho brava para Ana Flora. Eu estou num daqueles momentos que desejamos ódio compartilhado por parte de nossas amigas.
— Estou querendo um pouco de apoio aqui. - Digo.
— Desculpa, amiga, eu te apoio, mas…
Ela para de falar.
— O quê?
— Tá na cara que o Benício passou por algo muito ruim e que toda essa resistência é disfarce.
— Então ele devia ir para a terapia e não vir brigar comigo.
— Você também não está facilitando muito e pelo que você contou, apesar das brigas, ele não foi agressivo.
— Acho que ele é só uma pessoa ruim mesmo.
— Ele não é.
— Ele infernizou sua vida por meses na pousada.
— Sim, mas… Eu tenho uma visão geral agora e consegui fazer algumas ligações. Olha, eu não sei o motivo, mas ele odeia aquele lugar. Mesmo agora, com a reforma, eu percebo que às vezes ele se sente desconfortável quando está lá. Nós duas sabemos que eu cheguei aqui cheia de mistérios e ele pensou que eu poderia ser uma golpista. E ele ainda estava de luto pela mãe.
— E ela não estava falando com ele quando morreu. Os dois tinham brigado. - Eu digo. — Droga, ele me confiou isso e eu te contei.
Ela sorri.
— Não vou contar para ninguém e acho que essa conversa é necessária. - Ela para e pensa um pouco. - Vou te contar uma coisa também, uma coisa que prometi a ele que não contaria, mas você é minha melhor amiga, então…
— Ok.
Eu digo ansiosa.
— O Benício não me vendeu a pousada.
— Como assim?
— Ele me deu.
— Ele te deu? Como assim?
— É isso. Ele não me vendeu, ele descobriu que a Rosa ia me dar a pousada e então, ele realizou o desejo da mãe.
— Você vai ter que me explicar essa história direito, Flora. Como ele decidiu isso do dia para a noite?
— Foi uma combinação bizarra de acontecimentos. A Rosa morreu antes de concluir o processo, só o Dominic sabia e foi na mesma época do incêndio, ele foi embora e achou que o Benício tinha ficado por opção. Daí o Benício achou umas anotações da Rosa e descobriu tudo. Ele ligou para o Dominic e bom… Tudo foi esclarecido.
— Jesus, isso parece coisa de novela.
— Pois é… Você percebe amiga? Benício podia ter faturado muito, ele já sabia na época sobre o dinheiro da minha família e, mesmo se não soubesse, todo mundo sabe que o Erik não pensaria duas vezes antes de comprar para mim, se eu quisesse. Mesmo assim, o Benício fez a vontade da Rosa e os dois nem se davam bem. E ele fez questão de ficar aqui pela Violeta. Além disso, ele ajudou demais na enchente no ano passado e, vamos ser sinceras, amiga, todo mundo sabe que Erik, ele e Bernardo ajudaram a construir casas para quem perdeu tudo na chuva.
Eu suspiro porque Ana Flora está certa. Ele não é uma pessoa ruim e ele não finge que se importa com Violeta. Eu fui longe demais nessa acusação.
— Você gosta dele? — Ela me pergunta.
— Eu não sei, quer dizer… Ele me atrai, mas nós tivemos mais embates que bons momentos, então, vamos dizer que eu sinto que posso gostar.
— Mas você se importa com ele.
— Eu me importo.
— Então, talvez você já tenha visto algo nele, apenas não enxergou.
Eu começo a repassar cada instante com Benício, pelo menos nossas conversas mais importantes e então… Eu solto um suspiro ao pensar em uma coisa.
— Amiga, você pode ficar um pouco com a Elaíse? Preciso ir até um lugar.
— Claro, mas eu posso saber onde? Você vai atrás dele de novo?
— Hoje não. Acho que ele ia bater com a porta em minha cara. Eu vou falar com o Dominic.
Flora sorri para mim e eu vou. Provavelmente Dominic vai achar que eu sou uma perseguidora porque nós nos conhecemos apenas de vista. Sei onde ele mora porque, bom… É Serra Dourada e aqui todo mundo sabe de tudo.
Eu não demoro a chegar na casa dele, fico envergonhada porque quando chego, ele está abrindo o portão com sua filhinha para entrarem em casa.
— Oi, Dominic. - Eu digo e sorrio - Oi, Amora!
Dominic me olha surpreso, mas retribui o cumprimento. Amora também me responde, mas ela parece tímida.
— Desculpa aparecer do nada aqui, mas eu precisava falar com você.
— Tudo bem, vamos entrar.
Ele responde simpático, quando entramos, ele pede para eu esperar só um pouco, enquanto leva Amora para o quarto. Ele volta em seguida.
— Se importa se ficarmos aqui na sala mesmo? Assim eu escuto se Amora me chamar, mas conhecendo como eu conheço, daqui a pouco ela vai cochilar vendo os desenhos.
Eu sorrio.
— Não me importo, quantos anos ela tem?
— Ela fez sete mês passado.
— Ela está bem?
— Agora está, obrigado!
Ele sorri e eu sorrio de volta. Dominic é muito simpático, ele deve ser poucos anos mais velho que Benício e se eu puder apostar, diria que Dominic era o adolescente bonzinho e bonito que todas as garotas tinham quedas, até as mais velhas.
— Você aceita um café ou um suco?
— Uma água, por favor.
— Claro.
Aproveito esse tempo para me acalmar e organizar as ideias. Ele volta com o copo e se senta na poltrona ao lado da que eu estou.
— Em que posso te ajudar?
— Dominic, acho que talvez o Benício esteja precisando de você.
Ele franze a testa.
— O que aconteceu?
— Eu aconteci. - Digo tentando brincar e correndo o risco de ser pretensiosa.
— Oh, sim, você tem dado trabalho a ele, certo?
Ele diz divertido.
— Ele é teimoso. - Eu digo.
— Ele é.
— Hoje nós brigamos, de novo. Já brigamos essa semana e acabamos dizendo coisas que… Bom, digamos que eu saí de lá desejando cometer um crime. Mas acho que, acho não, tenho certeza que eu pesei demais e não acho que Benício seja o tipo que pede ajuda e eu não quero ser a responsável por acabar com os anos sóbrio. Quer dizer, sei que parece que estou me dando importância demais, mas…
Ele me interrompe:
— Não, isso é normal. Quer dizer, você nunca conviveu com algum dependente, certo?
— Certo.
— Então vou ser direto: dê um crédito ao Benício também. Esse seu medo é normal, a gente tem medo de ser o gatilho, mas ele também já sabe lidar com as vontades de beber. Não estou dizendo que não tem risco de uma recaída, ele sempre vai ter risco, mas estou dizendo que ele vai lutar. Em relação a sobriedade, ele vai pedir ajuda, se sentir que está em risco. Eu preciso acreditar nisso porque senão, não viverei em paz e não vou deixá-lo em paz.
— Mas e se ele não conseguir?
— Aí eu preciso fazer ele saber que estou com ele mesmo assim e que é uma merda ter que começar de novo, mas ele consegue começar quantas vezes for necessário. De qualquer forma, você está certa em uma coisa.
— O quê?
— Se ele estiver mal, e não estou falando de por em risco a sobriedade dele, ele não vai me dizer porque ele acha que é a pior pessoa do mundo e que é um pecador pagando seus pecados. Então, eu agradeço por você ter vindo, Amora e eu vamos fazer uma visita a ele daqui a pouco.
— Obrigada. - Eu digo. - Eu vim achando que ia parecer uma louca porque nós dois nunca nos falamos. - Confesso.
— Charlene, eu não sou como a Margarida ou a Cecília.
— Como assim?
— Se eu achar que é melhor para ele que alguém saiba o que aconteceu, eu conto. Eu sei que é a história dele, mas… Quer dizer, não estou dizendo que vou te contar aqui e agora porque eu quero acreditar que ele está só assustado com o que você e sua bebê fazem com ele. Ele fez anos de terapia, ele conseguiu deixar tudo no passado, mas acho que a possibilidade de sentir algo bom por alguém, está fazendo com que ele trave. Então estou dando um crédito, mas estou vigiando.
Eu não consigo deixar de sorrir porque Dominic meio que mostrou que Benício não é indiferente a mim e a Elaíse.
— Você é um bom amigo. - Eu digo.
— Modéstia parte, eu sou mesmo.
— Eu… Eu quero saber a história toda pelo Benício, mas, quero te perguntar uma coisa para ver se eu estou no caminho certo.
— Tudo bem, pode perguntar.
— As tatuagens… as tatuagens do braço dele, elas estão lá por um motivo, não é?
Dominic suspira e o olhar dele parece ficar distante.
— Sim, Charlene. Foi um dos piores dias da minha vida.
— Eu… Estou meio que com raiva de mim agora.
— Por quê?
— Eu vi, mas não enxerguei.
Então, eu volto para o dia em que estávamos no banheiro de Ana Flora. Quando eu falei das tatuagens dele e ele segurou minha mão, eu também observei o seu braço. Eu notei que as tatuagens ali, estavam escondendo cicatrizes. Eles disfarçam bem, mas acho que a medicina me deu um olhar mais clínico. Eu estranhei na hora, mas nós estávamos em um momento intenso, então, logo mudei o foco.
— Você enxergou, Charlene, e isso que importa agora.
Eu respiro fundo e conto até dez mentalmente para me acalmar. Estou, de novo, na chácara de Benício.
Ontem depois que saí da casa de Dominic, Flora e eu conversamos de novo. Eu não contei a ela os detalhes, mas me convenci que faria uma última tentativa de me entender com ele, se não der certo, ele será apenas alguém que vou tratar com educação.
Então, pedi desculpas a Flora, furei a noite de meninas e ainda pedi para elas ficarem com Elaíse para mim. Ela aceitou de bom grado porque ela meio que acha que todo mundo deve viver um amor como o dela e o de Erik.
Deixei Elaíse com elas, peguei o controle do portão emprestado com Violeta, ignorei Flora dizendo que eu estava mais arrumada que o normal (porque estava mesmo, eu confesso, coloquei uma calça branca de tecido e uma camisa pink que deixa meus peitos incríveis) e vim aqui.
Apesar de nervosa, eu desço do carro. Acho que ele me ouviu chegar porque assim que fecho a porta, ele aparece na varanda. Ele me olha surpreso. Está de camisa vermelha e calça jeans escura. Seus cabelos estão úmidos.
— Você está de saída? - Eu pergunto.
— Violeta me ligou e disse que Erik voltou mais cedo e estava vindo para sairmos.
Sorrio e ergo o controle do portão, entrego para ele.
— Acho que ela só te manteve aqui para a gente não desencontrar. Erik ainda está em São Paulo.
Ele pega o controle e revira os olhos. Encosta no batente da porta e me observa novamente.
— Você me convida para entrar?
— Charlene, estou exausto de brigar.
Ele diz meio derrotado.
— Eu também. Veja, estou furando a noite de garotas e eu tenho algo no carro.
— O quê? - Ele pergunta curioso.
— Torta de chocolate!
Ele não consegue segurar o sorriso e isso me faz sorrir também.
— Isso é covardia…
Ele diz, desce as escadas da varanda e vai até meu carro.
— Está aberto? - Me pergunta.
— Sim.
Ele abre a porta, pega a torta e fecha com seu corpo. Em seguida, me convida para entrar.
Diferente do outro dia, ele deixa a torta na mesa de centro da sala e vai até a cozinha. Ele retorna com a garrafa de café e duas xícaras.
— Eu acabei de passar o café.
Eu sorrio e assinto. Nós nos servimos em silêncio e sentamos lado a lado no sofá.
— Me desculpa. - Eu digo. - Eu sei que você se importa com sua irmã e sei o quanto você se culpa por terem se afastado antes, eu não devia ter dito aquilo.
— Tudo bem. Eu meio que forcei você a dizer isso porque eu menosprezei sua filha.
— Você se calou quando percebeu o que ia falar. Então não menosprezou.
— Seria uma mentira se eu falasse. Sabe, Char, aquele dia, eu senti algo… Quer dizer, tirar Elaíse do lago, foi como se eu tivesse salvando a mim mesmo. Eu não sei explicar isso, mas é o que eu sinto.
Eu me emociono, eu nem sei se ele percebeu que me chamou pelo meu apelido.
— É porque você é uma pessoa boa, Benício.
— Eu não…
— Para! - Levo minha mão para tocá-lo, mas desisto. - Eu disse muita besteira, o cara ruim é o personagem. Eu sei disso.
Ele olha para minha mão que está descansando em minha coxa.
— Você pode me tocar.
Ele diz. Então, eu seguro a mão dele, a outra mão, eu levo até seu rosto e acaricio. Ele fecha os olhos e respira fundo.
— Como você sabe quem é o personagem? - Ele pergunta ao abrir os olhos.
— Porque eu enxergo você.
Quando ele me ouve, ele se aproxima com rapidez e me beija. Nossas línguas se entrelaçam com avidez, mas de repente ele se afasta.
— Não, desculpa!
Ele se levanta.
— Benício…
Tento me aproximar, mas ele recua, então eu também. O problema é que tropeço na beirada do tapete e me desequilibro. Estou pronta para cair sentada quando ele me segura.
— Desculpa! Desculpa! Eu não queria te machucar. Desculpa!
Ele diz quase que apavorado, as mãos segurando minha cintura.
— Ei… Você nem encostou em mim. Eu tropecei. Tá tudo bem. - Eu seguro o rosto dele entre minhas mãos. - Está tudo bem.
— Eu não quis te beijar sem te pedir.
Ele diz tenso.
— Eu tô bem!
— Eu nunca machucaria você ou a Elaíse.
— Eu sei, Benício, você não machucaria ninguém.
Ele fecha os olhos e respira fundo de novo. Sua respiração é pesada e eu permito que ele continue abraçando minha cintura, enquanto eu tenho seu rosto em minhas mãos. Quando ele se acalma, ele abre os olhos novamente. Então, eu tenho a coragem de perguntar:
— Mas você já se machucou, né?
Ele suspira e confirma com a cabeça, meu coração dói de novo.
— Sabe de uma coisa? - Eu digo sem deixar de fazer carinho nele.
— O que?
— Eu estou tão feliz que você está aqui.
Para minha surpresa, quando eu digo isso, os olhos dele brilham com algumas lágrimas, então, ele me abraça forte de novo.
— Por favor, Benício, me beija de novo!
Eu peço e ele atende.
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