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DOIS


Sexta-feira | 15 de Abril

Às sextas, Helena tinha treino de muay thai. E essa era a única coisa que a encorajava, naquele dia, a encarar as duas aulas seguidas de Física com o professor mais irritante do universo, em sua opinião.

Como havia previsto, a novata, ao longo da semana, não ocupara mais a mesa ao seu lado, e sim um lugar na frente, perto de Isabella, Caio, Letícia e Rafael, o núcleo do grupinho mais extrovertido da sala. Apesar de se manter o mais distante deles possível ─ espacial e socialmente ─, Lena sabia das histórias: Caio era o eterno crush de Isabella, com aquela aparência clichê de garoto branco, que ganhava à toa o título de mais bonito da sala e o abraçava como um estandarte; parecia, silenciosamente, esperar que todas as meninas se interessassem por ele. Rafael, por sua vez, era meio obcecado por futebol e estava naquele grupo de amigos porque vivia às voltas com Letícia, a melhor amiga de Isabella, e porque fazia gracinhas o tempo todo. Também era um dos admiradores ─ claro, sem viadagem ─ de Caio.

Helena, pra ser sincera, não gostava de nenhum dos quatro. E tinha bons motivos para isso.

─ Ô, gente! Lugar de namorar não é na sala de aula...

A voz meio debochada de José, o professor de Física, ecoou na sala inteira, interrompendo a monótona explicação da matéria de eletrodinâmica. Os alvos do comentário, no caso, eram Marina e Caio. Ao perceber isso, Lena suspirou, se perguntando se a novata seria a próxima "vítima" dele.

─ Desculpa, professor... ─ Caio deu um sorriso polido; seu tom era educado, mas de uma forma cínica, fingindo ser um bom aluno quando, na verdade, não dava a mínima importância para tudo aquilo. ─ Não queria interromper a sua maravilhosa aula. Continue, por favor.

A sala quase inteira explodiu em risadas com a brincadeira, e Helena revirou os olhos. Alguns garotos, os amigos e admiradores de Caio, murmuraram piadas sobre o namoro, e, naquele instante, ela sentiu-se desconfortável por Marina.

No entanto, logo que as risadas se calaram e a aula retomou seu curso, Lena apenas voltou a fazer suas anotações; o professor conseguia fazê-la detestar Física, mas ela precisava daquelas matérias se quisesse uma nota boa no vestibular.

─ ─ ─

─ Ei, espera. Eu queria falar com você.

O sinal do último horário havia tocado, e a sala estava vazia. Helena terminava de enfiar seus cadernos de qualquer jeito na mochila, e, como não poderia deixar de ser, foi Marina a chamar.

Lena soltou um suspiro, cogitando seriamente a ideia de ignorá-la e sair dali o quanto antes. Por alguns segundos, se perguntou se uma semana havia sido o suficiente para a novata descobrir sua fama na sala e aprender todo o repertório de gracinhas do grupo.

─ Eu vi que você tava copiando a matéria de Física hoje... ─ Marina voltou a falar, quase timidamente, ignorando o silêncio da outra. ─ Você tem todas as matérias desse ano? Eu tô meio perdida e, sei lá... Queria seu caderno emprestado. Tem como?

Helena ergueu uma sobrancelha, e seu olhar se desviou da mochila para a garota, que batucava os dedos na carteira. E, pela segunda vez, alguma coisa em Marina desarmou sua postura defensiva. Ela encolheu os ombros, puxou o caderno que acabara de enfiar na mochila e o estendeu para a novata, que abriu um sorriso pequeno.

─ Obrigada, Helena, de verdade. Eu prometo que te devolvo na segunda. E desculpa o incômodo.

Lena meneou a cabeça e passou as alças da mochila pelos braços.

─ Relaxa.

Marina voltou a sorrir.

─ Até segunda.

A resposta da veterana, antes de sair da sala, foi outro movimento de cabeça.

─ ─ ─

─ Eu não sei. É muito estranho, Gabi...

Helena acabara de desferir uma série alternada de joelhadas e chutes no aparador que Gabriela segurava. Agora, elas estavam trocando de posição.

─ Como assim, estranho? ─ Gabi indagou, as sobrancelhas franzidas; tinha olhos amendoados, tão negros quanto os cabelos longos, e usava um piercing de argola no nariz.

Lena encolheu os ombros, enquanto prendia o aparador nos braços.

─ Ela veio puxando assunto do nada no primeiro dia. Tipo, 30 pessoas na sala e ela vem atrás logo da esquisita do fundão? Estranho.

Gabriela riu pelo nariz e desferiu um low-kick perfeito no aparador, enquanto dividia seu foco entre os golpes e o desabafo da amiga, que era contado em pausas.

─ Só que aí, tudo bem... Eu até comentei com você, imaginei que aquele grupinho escroto da frente ia chegar, conversar com ela e ela iria ficar lá, com eles. E meio que foi isso que aconteceu a semana toda. Só que aí hoje, no fim da aula, ela veio pedir meu caderno pra copiar a matéria, cara. E sei lá, ela não parece ser escrota daquele jeito. Ela veio toda fofinha, tímida, faltou ficar vermelha na minha frente.

─ Você não acha que talvez ela possa ser, sei lá, diferente...? Vai ver ela não é do tipo que tem prazer em ser escrota com todo mundo ─ a questão de Gabi veio enquanto elas iam até os sacos de areia, em outro canto do tatame.

Helena ergueu as sobrancelhas.

─ Ou então é outro planinho pra me expor, igual aquele do primeiro ano... ─ ela murmurou e, sem perceber, deu dois socos um pouco mais violentos no saco de pancadas. A memória ainda estava fresca em sua mente, de quando Letícia achou que uma boa ideia de vingança era fingir ser sua amiga apenas para expor, para toda a sala, algumas conversas e comentários seus sobre a turma.

Uma das habilidades de que Gabi se orgulhava era conseguir, com facilidade, tornar o clima mais leve. Logo que percebeu o incômodo da amiga, fez uma pausa e abriu um sorriso pequeno.

─ Bom, mas dessa vez você não torceu o braço de ninguém...

Lena revirou os olhos. Mas, logo em seguida, não resistiu e soltou uma risada.

─ Você tem um ponto.

A história toda, na verdade, era um pouco maior: desde que entrara na escola, no início do Ensino Médio, Helena despertou algum tipo de estranheza no grupinho que dominava a sala. Talvez porque não cumpria o padrão de feminilidade que lhe era esperado e não tinha o menor interesse em qualquer garoto, acabou por incomodar Isabella e irritar Caio. Foi tachada de estranha desde o início, e as coisas só pioraram quando, numa tentativa bizarra de provar sua masculinidade, o garoto a assediou na aula de Educação Física. E ela revidou ─ torcendo o braço dele.

Não foi, afinal de contas, uma boa coisa ser uma novata e agredir o grande ídolo da turma. A punição, apesar de injusta ─ o assédio e a reação levaram o mesmo tipo de advertência ─ foi o menor dos problemas, e a bronca do pai não foi tão pesada assim. No entanto, a pequena parte da turma que não ficou do lado de Caio já de início o apoiou depois, quando circularam pelos celulares da sala toda os prints, postados por Letícia, onde a garota afirmava o que para ela era óbvio: que não somente a maioria da sala, mas também alguns professores, eram uns babacas.

─ Mas você acha mesmo? ─ de volta à realidade, Gabi erguia as sobrancelhas. ─ Ah, miga, sei lá... No primeiro ano eu até entendia eles fazerem isso, mas agora? Poxa, não pode ser que ninguém tenha amadurecido nada...

Helena encolheu os ombros e se afastou do saco de pancadas, para dar lugar para Gabriela.

─ Das pessoas da minha sala? Olha, eu não duvido de nada.

Gabi encolheu os ombros e, no instante seguinte, o saco oscilava, devido à força do seu golpe.

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