Capítulo 11
Atenção: esse capítulo contém cenas de racismo e agressão.
• As cenas em itálico se passam no passado.
Eu me deixei guiar pela dor, assim que o Gabriel foi embora, e enquanto eu procurava me acalmar, para depois poder ligar para a Laetitia e pedir a sua ajuda, eu me deitei sobre a cama e me deixei ser levada por memórias de tempos não tão felizes, que, infelizmente, haviam marcado a minha história para sempre.
Eu estava arrumada para a festa do escritório de advocacia da família de minha melhor amiga, e eu queria estar linda naquele dia, pois o irmão de Denise era o meu namorado, e ele seria homenageado naquela data, por seu sucesso nos casos que havia representado no último ano.
Eu me olhei uma última vez no espelho então, avaliando se a minha aparência estava mesmo digna para aquele evento.
Eu havia escolhido um vestido de tom creme, que era levemente justo e de corte reto. O modelo valorizava a minha silhueta, mas sem ser vulgar, pois apesar de ser justo, o vestido tinha o comprimento midi e não era decotado. Mas mesmo assim, me vi insegura com a opinião de Jonas, que era sempre tão exigente para comigo.
Todavia, antes que o meu namorado aparecesse ali para que pudéssemos ir para a festa, Denise se aproximou de mim, maravilhosa como sempre.
A minha amiga tinha a pele negra e os seus cabelos encaracolados estavam soltos, com os cachos muito bem definidos. Denise havia optado por um vestido dourado, que realçava ainda mais a sua beleza natural.
No entanto, diferentemente do que eu imaginei, ela não sorria. Minha amiga estava tão entristecida e ansiosa, que eu logo me vi muito alerta.
— O que foi, Nise? — eu perguntei, colocando as mãos nos ombros de minha amiga, e ao ver que ela estava prestes a chorar e borrar toda a sua maquiagem, eu percebi que a situação era mesmo muito séria. — Por favor, o que está acontecendo?
— Eles não aceitam o fato de que eu e o Paulo nos amamos… Eles queriam que eu me envolvesse com alguém melhor, e quando eles dizem alguém melhor, não estão se referindo a uma pessoa de caráter, mas sim, estão me dizendo que queriam que eu me envolvesse com uma pessoa branca — ela cuspiu as palavras, se referindo aos familiares, que apesar de também serem negros, eram muito racistas. — Júlia, eles querem que eu interrompa a gravidez, mas eu jamais irei fazer isso, pois esse é o fruto do meu amor!
Minha amiga colocou a mão sobre o ventre e eu me aproximei dela, abraçando-a, enquanto sem conseguir segurar mais, nós duas logo desabamos em lágrimas. No entanto, não tardou e a minha amiga se afastou de mim, olhando em meus olhos com seriedade.
— E é exatamente por isso, que se algo acontecer comigo e com o Paulo, eu só posso confiar em você para cuidar do meu bebê, Júlia! — Denise disse, parecendo realmente desesperada. — Você me promete que cuidará do meu tesouro, caso algo aconteça comigo?
— Deixa de besteira, Denise! Você vai viver muito tempo ainda! — eu falei, não gostando do rumo fúnebre daquela conversa.
— Eu estou falando sério, Júlia! — ela insistiu. — Posso contar com você?
— Claro, amiga! — eu falei com sinceridade. — Enquanto eu viver, o seu tesouro estará sempre protegido.
Minha amiga sorriu aliviada, afinal ela sabia que eu nunca prometia nada em vão. E sendo amigas desde a infância, Denise confiava completamente em mim e na nossa amizade.
Porém, o clima ameno durou muito pouco, pois logo Jonas surgiu naquele cômodo, desfilando em um terno azul marinho e exalando segurança em cada gesto seu. E era exatamente o misto de sua beleza e autoconfiança, que haviam feito eu me apaixonar pelo irmão da minha amiga. Todavia, ao olhar para os olhos negros do meu namorado, eu percebi que além de força, naquele dia eles também exalavam frieza.
— Creio que a puta da minha irmã já te contou que está grávida… E o que você acha disso tudo, Júlia? — Jonas me questionou, e ao fazer isso, eu percebi que estava me testando. — Você também acha legal ficar grávida antes de se casar?
Eu engoli a seco, pois sabia que qualquer coisa que eu respondesse, me traria problemas. E sendo assim, resolvi ser sincera comigo mesma.
— Não é para tanto, Jonas. Nós não estamos mais no século XIX — eu disse, porém sem exaltar a voz, pois o meu namorado odiava mulheres que falavam alto. — E também não é como se o Paulo não fosse assumir essa criança…
Jonas riu com desgosto e então olhou para mim e para a Denise, de forma bastante letal.
— Pelo visto estão mesmo mancomunadas… — ele disse, cheio de acidez em sua voz. — Acontece que esse tal de Paulo é um 'Zé Ninguém", e nós não admitimos que você suje o nome da nossa família, tendo um filho com ele!
O meu namorado então apontou um dedo para a irmã, e ao ver minha amiga se encolhendo em um canto, resolvi intervir, mesmo que não fosse aconselhável que eu fizesse isso.
— Ele não é o ideal para mim, só porque é negro? — Denise gritou, muito indignada. — Mas olhe para nós, Jonas! Nós também somos negros, e isso nunca tirou a nossa dignidade, pois não é a cor da pele que define o caráter de alguém!
— Cale a boca, sua imunda! — Jonas berrou, muito alterado.
Eu então toquei em seu braço, decidida a fazer com que ele olhasse para mim, mas para o meu espanto, o meu namorado já se virou para mim, dando-me um tapa na face, e o impacto foi tamanho, que eu logo tombei no chão.
— Não toque em mim, sua outra puta! — ele berrou, enquanto me olhava do alto, como se eu fosse um lixo. — Afinal, é isso o que a grande maioria das mulheres são mesmo: apenas prostitutas sujas!
Denise gritou bem alto e eu me pus a chorar, deitada em posição fetal. Afinal, eu nunca havia sido tão humilhada em minha vida.
— E eu já aviso, que não quero nenhuma das duas em minha festa — gritou Jonas, que não aparentava sentir nem um pingo de remorso pelo que tinha dito e feito. — Então não ousem aparecer no meu evento!
Em seguida, ele apenas se afastou, batendo a porta do cômodo em que a gente estava, de maneira bastante agressiva.
Denise então caminhou até mim e me ajudou a me erguer do chão. Em seguida, ela me abraçou, totalmente aos prantos.
— Me desculpe, Júlia! — ela implorou, enquanto tremia involuntariamente. — Por favor, me perdoe!
Mas Denise não tinha culpa de nada, e eu sabia disso muito bem. Minha amiga era uma pessoa de alma especial, que sempre estava aberta a ajudar as pessoas, então se existia uma vítima naquela história toda, essa pessoa era ela.
— Você não tem culpa de nada, Nise — eu disse, enquanto alisava o rosto bonito de minha amiga. — Você é a pessoa mais maravilhosa que eu conheço, então não se desculpe.
Denise me encarou e eu pude ver o abismo que se abriu em suas irises de jabuticaba. A sua família estava destruída, e ela já não sabia se sairia inteira, do meio daqueles escombros.
— Por favor, Júlia, custe o que custar, não deixe que eles fiquem com o meu bebê! — ela implorou, parecendo prever de algum modo, a sua morte.
— Eu prometo! — eu disse, realmente obstinada a estar ali por ela e por aquele ser pequenino, que crescia em seu ventre. — Eu daria a minha vida por vocês.
Em seguida, nós apenas nos deitamos juntas em sua grande cama de dossel alto e ao nos abraçarmos, como verdadeiras irmãs de alma, eu não imaginei que não teríamos mais momentos como aquele no futuro, pois tudo o que viveríamos depois daquele instante até o dia da partida de Denise dessa terra, seria o mais puro inferno.
Todavia, por mais que as dificuldades surgissem aos montes, eu decidi ser forte e cumprir com a minha palavra, e era exatamente por isso, que eu jamais abriria mão da Alexia, nem que para isso eu tivesse que pagar um alto preço por toda a minha vida.
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