Laços Criados
Midoriya Izuku é o que classificaria como incisivamente focado — seus olhos verdes fixaram em mim de uma maneira que não suportava olhá-lo diretamente sem sentir que falaria alguma besteira — e o constrangimento socar meu estômago. Avaliei se seria prudente expor ele desnecessariamente a uma história maluca e sem fundamento — que uma vidente maluca contou — que nada tinha relacionado com o enredo original de Boku no Hero, enfiando-o em uma trama paralela e que o desviaria do que já lhe fora traçado.
Meu objetivo, à julgar pela série de fatos bizarros desde minha chegada, é preservar a suposta linha de eventos canônica do anime para que tudo ocorra como descreveram sem atrapalhar o desenvolvimento correto da narrativa. Mas... Não quero ser unicamente uma mera espectadora sem importância e esperar que algo milagrosamente me transportasse para casa. O apreço pela nova rotina, as novas amizades e o carinho fraterno dedicado ao All Might me inseriram como uma personagem ativa e não via mal em me aprofundar mais na história, afinal, qual seria o pior cenário para essa escolha?
Podia sentir o olhar convicto de Midoriya sobre mim, aguardando pacientemente que prosseguisse com o que desejava expor. Sempre acreditei no quão querido ele era com a perspectiva de uma fã e, tendo a oportunidade de estar pessoalmente com ele, enxergava mais qualidades do que provavelmente veria em tela. Um calafrio percorreu minha espinha e reuni toda força de espírito que a situação carecia, desanuviando os pensamentos negativos que brigavam feito ervas daninhas. Àquela altura, não podia dar-me ao luxo de omitir e desistir da conversa — e a perseverante insistência obrigara-me a rendição.
Acomodei-me no banco de uma praça com ele ao meu lado, todas as minhas inseguranças trancadas a sete chaves saíram, de início, devagar e mais leve de administrar, porém, conforme moldava como e quais palavras adequadas para usar em prol de elucidar o ocorrido, maior vinham as ondulações inconstantes de ansiedade e enjoativa pressão. Ser o centro das atenções de um assunto complexo nunca foi exatamente meu maior desejo, ainda assim, não intimidei-me com a obstinada encarada de Izuku. Ganhando gradualmente coragem, estimulada pela vontade de remover, mesmo que minimamente, o peso dos meus ombros, forcei-me ao enfrentamento, arriscando olhá-lo com mais firmeza que as orbes de aspecto inocente seriam capazes.
— Olha, se quiser mudar de ideia e só ir para casa, juro que não ficarei aborrecida — Midoriya acenou negativamente em uma amostra de empatia e competência emocional. Suspirei derrotada pela minha própria frustração. — Eles estão por todo lado. — minha frase ecoou de um para outro com um apelo estranho que nem eu mesma entendi. — Não são exatamente fantasma segundo que me contaram. São como... Criaturas que conduzem o fluxo natural do destino.
— Destino? — repetiu com uma expressão pensativa, como se mergulhasse em uma profunda linha de raciocínio, murmurando para si mesmo. Um habito engraçado que ele tinha e que reconheci devido ao anime. — Só você pode vê-los?
Assenti.
— Acho que se alguém visse, provavelmente fingiria nunca ter visto, porque não acho que seja a visão mais agradável do mundo. — ponderei, apoiando a cabeça sobre as mãos. — Eles tem algum elo comigo. Estou um pouco preocupada com o quanto eles vão afetar minha vida e as das pessoas.
— Eles tem algum poder que possa te causar mal ou a outras pessoas?
— Não, mas sinto que querem algo de mim... Só não descobri ainda o que. — fitei minha mão esquerda mecanicamente.
— Não entendo muito, mas tem minha palavra. — o fulgor determinado e seguro que visualizei no verde vibrante dos olhos dele me aqueceram por dentro, quase poderia afirmar que expurgou quaisquer sombras de dúvidas que se assentaram em meu coração. — Vou te ajudar com tudo que estiver ao meu alcance. — imediatamente segurei a mão dele, apertando-a contra as minhas com todo alívio e alegria que seria capaz de transmitir em um gesto.
— Não sei como te agradecer... Isso significa muito pra mim. — distraída com uma emoção indistinta, demorei para notar com claridade o quão constrangido Midoriya fico com o carinho, largando-o bruscamente um pouco desconcertada.
— Seja o que for, você não precisa enfrentar nada disso sozinha. Vamos achar uma solução e não existirá nada para perturbá-la. — sorriu de modo reconfortante.
— Obrigada, você é o melhor amigo que uma garota poderia ter — mais serena, descansando a cabeça em seu ombro, minha angústia mitigou até sumir definitivamente. Diferente do planejado, não contei mais sobre a dimensão do que estava acontecendo, escolhendo que omitir a verdade, por hora, era o mais indicado. Senti ele estremecer com o ato, entretanto não se opôs nem reclamou em nenhum sentido. Permaneceu parado, absorvendo o momento assim como eu.
Estremeci com a brisa gentil.
O silêncio solene preencheu o ambiente com uma atmosfera mística, nunca fui muito de me aproximar de garotos e Midoriya a provou digno de uma amizade duradoura e recompensadora.
— Ah! Céus! — levantei sobressaltada, destruindo o clima abruptamente, deixando Izuku um pouco desorientado. — Está tarde e precisamos voltar para casa!
— Esqueci de avisar a minha mãe — dito isso, o celular dele tocou. — Você vai ficar bem? — seu gentil e preocupado olhar comoveu-me, arrancando um sorriso genuinamente feliz meu.
— Eu ficarei bem. Agradeço a preocupação, Izuku. Se cuida e te vejo na aula! — acenei, retomando meu caminho de volta.
All Might definitivamente parecia meu pai — em muitíssimo aspectos. Papai não costumava ser extremamente rígido, ele confiava em meu juízo para discernir o certo do errado e evitava confusão o tanto quanto a situação exigia. Entretanto, vivendo em uma realidade distinta e com pessoas potencialmente perigosas a preocupação dele por minha integridade é bastante compreensível.
Ele, em toda sua glória majestosamente heroica, trajando suas roupas casuais consistindo a calça larga verde e a camisa meio perdida branca e de avental — aquilo são bichos estampados? —, apontou para o relógio que denunciava o quão atrasada para o horário de retorno da U.A. para o apartamento dele.
Julgando pela maneira que gesticulava e toda linguagem corporal exprimida, cheguei a imaginar que um sermão, certamente, ele daria. O herói fechou a porta assim que a cruzei para entrar, ainda atento a cada movimentação minha. Como se através da inspeção, procurasse algum defeito ou um mínimo detalhe fora do normal para complementar sua bronca ou para ter certeza de meu estado. Meus pais ensinaram-me a respeitar os mais velhos e ser humilde quanto a aceitar críticas, sobretudo, se meu comportamento ocasionasse algum problema a terceiros. Não iria retrucar e aguardaria a oportunidade e o aval para defender-me, expondo o que motivou meu atraso.
Ele pareceu muito mais tranquilo ao checar e garantir que estava bem.
— Sei que não tenho justificativa nem nada por conta do atraso, mas estava com o Midoriya conversando sobre as aulas e One for All — expliquei, torcendo para que ele não fosse possuído pelo espírito do pai zeloso e chateado e me deixasse de castigo. — Eu queria oferecer auxílio já que somos colegas.
All Might suspirou com visível alívio, espirrando sangue ao voltar a sua condição esquia. Saindo por alguns segundos da minha vista e voltando com uma caixa, entregando-a a mim.
— Para evitar situações assim — abri o embrulho e chequei o conteúdo, abismada com o que via: no centro da pequena caixa, havia um celular novo. — Sei que não vou poder ficar de olho em você o tempo todo para assistência, então isso pode ajudar para que possamos nos comunicar caso seja necessário. E tem já meu número gravado nele, então fica melhor para nos comunicarmos.
Ele realmente está tendo aproximar-se como uma figura paterna, não pelo aparelho, mas pela intenção dele em querer saber como eu estava — isso contava muito para mim e superava minhas expectativas.
Um tio em potencial.
— Obrigada, tio Might — o abracei em um impulso, ele afagou desajeitadamente minha cabeça.
— O que aconteceu com seu cabelo? — perguntou surpreso.
— Oh! — afastei-me dele, olhando para uma mecha de cabelo quase totalmente vermelha. — Olha, parece que a cada dia ele muda de cor.
Ele examinou superficialmente minha cabeça, dando um veredicto:
— Amanhã vou levá-la a um médico. Isso não é muito comum para manifestar na sua idade.
— O quê? Amanhã tenho aula! — objetei, nervosa com o tópico médicos, principalmente por ter conhecimento prévio do que significava.
— Depois da aula, é claro. Não se preocupe. — avisou, com uma expressão paternal. — Agora se arrume para jantar.
Assenti, rindo internamente. Sem saber exatamente se era pelo nervosismo extremo ou pela orientação de All Might para refeição. Ele, sem dúvida, pegou o jeito e invocou o lado paternal da coisa toda.
Após o jantar, tratei de estudar o que fora passado na aula e, por fim, deitei na cama macia na qual meu corpo exausto tanto implorava. Por alguma razão desconhecida, desatei em um choro silencioso, impedindo qualquer ruído fosse emitido e que pudesse delatar minhas lamúrias noturnas. Nunca fui muito de chorar, exceto quando perdi minha avó, mas, agora que estava sozinha e revendo minha vida nesse mundo, subitamente experimentei uma impiedosa sensação de estar perdida, deslocada e sem rumo correto — a deriva em um mar estranho e revolto. As coisas funcionavam em certos pontos, porém até quando essa paz duraria?
Talvez não fosse madura o suficiente para confrontar o peso de um novo mundo e o que o cerca. Muito pior as responsabilidades impostas com meu suposto cargo e como deveria manejar tudo.
A manhã seguinte, com a extensa lista de precauções do All Might, parti para U.A. sendo praticamente barrada por uma multidão de repórteres que despejaram um oceano de perguntas, muitas das quais nem entendi tamanha balbúrdia. Imersa em pensamentos enquanto vinha, acabei esquecendo completamente do bombardeio da mídia quanto ao trabalho de All Might como professor e todos queriam tirar uma lasquinha das notícias e garantir seu furo nas manchetes. Desviei o máximo que pude daquele amontoado claustrofóbico de pessoas, abrindo espaço do melhor jeito possível, saltando vitoriosa para dentro das dependências da escola e correndo direto para sala.
Esses repórteres podiam ser comparados a abutres sobre a carne.
Entrei às pressas nós corredores e resfoleguei tratando de recuperar a compostura. Por ter assistido quase todas as temporadas do anime, tinha uma base de qual episódio estava e como teria que processar toda ocorrência.
— Estou salva! — gritei eufórica assim que cheguei inteira na sala, erguendo os braços como se tivesse vencido uma maratona. — Que caos está lá fora.
— Com All Might como professor, até imaginaria que aconteceria, mas demorou mais do que previ — Mina observou, fitando-me. — Você está bem, Skarlet?
— Sim, só foi uma loucura. — descansei uma mão sobre seu peito.
— Eles estão perguntando para todo mundo sobre isso — Uraraka comentou.
— Sorte que eles não sabem do seu parentesco com ele, Skarlet — Mina completou, esfregando meu ombro. — Seria catastrófico se soubessem.
— Não diga isso, se souberem, estarei ferrada! — arregalo os olhos com o assédio midiático que fariam em cima de mim. — Que pesadelo!
— Não se preocupe, apenas nossa sala sabe dessa informação — Tsuyu tranquilizou. — Ninguém espalharia para fora daqui. Tanto por consideração quanto por segurança.
Um estalo brusco mental me recordou do “traidor da U.A.” um mistério que, até onde li no mangá, não se revelou e como possuía tal conhecimento teria que ser cautelosa sobre quais informações disponibilizaria para os meus colegas. As únicas pessoas que poderia confiar sem medo de ser enganada e colocada em risco é o tio Might e o Midoriya. Tinha minhas suspeitas a respeito da identidade do traidor, duas opções no caso, sendo uma delas o Yuga Aoyama. Não queria deduzir isso do nada, então não pensei muito sobre esse assunto e não faria sentido ser fria com todo mundo por conta desse problema.
Segui preguiçosamente para meu assento, acenando para Midoriya que recebeu uma olhar fulminante e desconfiado do Mineta e Kaminari, o que foi um pouco estranho. Conhecendo as duas peças, simplesmente não liguei muito, eles ficavam muito no pé do Midoriya com tudo que se relaciona com garotas. Mexi nos meus materiais que, para meu espanto, flutuaram rente a minha mão. Não era nada alarmante, contudo, estava muito surpreendida com os efeitos bizarros e tive que me conter pra não causar uma cena no meio da sala.
De duas, uma: adquiri poderes como os da Uraraka ou algo errado estava acontecendo.
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