Rarden - 8
Rarden invadiu a vastidão verde sem vacilar. Sua mente se esvaziou de tudo e seu único pensamento era chegar à origem dos gritos que ouvira. Os arbustos eram quase intransponíveis e as árvores variavam entre troncos finos e esguios a grossos e robustos, mas ele não se conteve. Viu Ângika à sua frente, tão resoluta quanto ele em seu objetivo.
Pulou um tronco de árvore morta e saltou sobre fendas fundas na terra acidentada. Parou de súbito em uma pequena clareira ao ver Ângika estagnada. Olhou para a menina para saber por que ela parara repentinamente, mas ao mirar o alvo do olhar dela, logo compreendeu.
A alguns metros dos dois, Tadla agonizava deitada no chão. Sua calça estava arreada na altura dos tornozelos e da lateral do seu abdômen escorria seu sangue. Do outro lado de um pequeno córrego de água, três homens fitavam os jovens. Um deles, o mais velho, tinha um cabelo grande tão sujo quanto a barba que pendia do seu rosto. Rarden notou uma espada embainhada em sua cintura e uma bolsa de pano na mão que o jovem logo reconheceu. Era o ouro que Tadla havia ganhado no desafio da cerveja.
Além do homem, havia ainda um jovem negro quase tão alto quanto Botrovin e outro garoto, menos corpulento, de cabelo loiro escuro. Ambos pareciam esperar por ordens do sujeito mais velho.
Botrovin chegou logo depois e não demorou para entender o que estava acontecendo.
- Ladrões! – ele gritou enquanto mirava a bolsa de Tadla na mão do assaltante.
O homem barbudo riu, zombeteiro. Olhou para os outros dois.
- Peguem-nos – ordenou com calma. – Talvez tenham algo de valor.
Rarden sobressaltou-se, mas Botrovin prontamente brandiu sua espada de madeira.
O líder dos criminosos riu mais uma vez e desembainhou sua espada, revelando seu aço em resposta à arma de Botrovin.
O jovem hesitou, olhando para Ângika.
- Faça alguma coisa!
Àquela altura os dois comparsas se aproximavam determinados a gerar confusão. Ângika ergueu sua mão e, com um movimento brusco, arrancou a arma de treino do domínio de Botrovin e lançou contra os dois desconhecidos.
Contudo, a força empregada no arremesso não foi grande o suficiente para causar estrago. Ao contrário, o jovem negro agarrou a espada no ar e, mesmo Ângika se esforçando para puxá-la de volta, o garoto não a soltou.
O ladrão mais velho atravessou o pequeno córrego de água, aproximando-se do grupo. Olhando de mais perto, Rarden notou manchas pretas no rosto, formando algum desenho sinistro. O criminoso ria com desdém, sua risada entrecortada pelos urros de dor de Tadla, que se contorcia no chão de terra molhada.
- Uma maga roxa e uma maga azul por essas bandas – o homem barbudo falou. - Não é muito comum.
Ele olhou de cima a baixo para Ângika, como se julgasse sua aparência.
- Já conheci muitos encantadores e feiticeiros mendigando e roubando comida – ele prosseguiu com escárnio. – Mas confesso que é a primeira vez que vejo uma maga tão miserável quanto você.
Ela bufou e fez um gesto com as mãos como se puxasse o ar para si. A espada do homem vibrou em suas mãos, mas ele continuou segurando-a firme. Ele riu mais uma vez.
- Uma vez ouvi que magas eram mais poderosas que magos, mas esta bastarda aqui está me convencendo do contrário.
Rarden e Botrovin não se mexiam. O mago branco até pensou em brandir sua espada de treino, mas qual seria a sua chance de sucesso? Ao invés de cometer tal ato potencialmente fracassado, desejou que Ângika investisse outra vez sua magia contra aqueles homens. Entretanto, a menina também enrijeceu quando percebeu que os dois desconhecidos avançavam contra ela.
- Tirem as mãos dela! – Botrovin rosnou, se arremessando sobre um dos assaltantes.
Ambos caíram no chão, o ladrão de cabelos dourados sob Botrovin, que ainda socou o inimigo duas vezes antes de ficar de pé e investir contra o outro garoto. Rarden tentou se aproveitar da distração e tentou golpear o jovem negro, mas levou uma cotovelada no nariz e desabou aos pés de Ângika, que permanecia inerte em meio à ação ao seu redor.
O ladrão corpulento tentou acertar Botrovin com a espada de treino que tinha em suas mãos, mas o amigo de Rarden foi mais ágil e, se desviando do golpe, socou o queixo do adversário com violência, fazendo-o cair no chão sem intenções de reação.
A fúria de Botrovin imobilizou dois dos estranhos, mas o terceiro estava disposto a não permitir uma derrota completa. Exibindo tranquilidade, o homem de barba suja ergueu sua espada e Botrovin, que se preparava para um novo ataque, parou bruscamente, dando um passo para trás.
O homem riu maliciosamente e andou em direção aos três, mas Ângika, agora recuperada da apatia que recaiu sobre ela, resolveu assumir o controle da situação. Rarden ainda estava no chão com um sangramento no nariz e não viu a hora em que a jovem maga azul gesticulou para conjurar sua magia, mas a espada do barbudo manchado foi arrancada de suas mãos, deu um rodopio no ar e feriu o homem na perna. Ele gemeu de dor, sem conseguir ficar de pé.
Rarden se levantou e se aproximou do ladrão, que desabara sobre o chão úmido da mata fechada e rosnava palavrões e maldições.
- Você conseguiu! – Rarden parabenizou a garota.
Ela voltara ao estado de apatia, nitidamente cética sobre o que acabara de acontecer. Fitou Rarden no fundo dos olhos, espantada.
- Mas não fui eu – sua voz exprimia desespero e descrença.
O jovem hesitou, confuso. Se não foi ela, quem poderia ter sido? A resposta veio de imediato: o som dos galhos secos e mortos quebrando sob calçados sinalizavam que havia mais alguém atrás deles.
- Vocês estão bem? - Gui’k foi o primeiro a surgir na clareira.
Caonas, Vadylia e Ternamud vieram logo atrás. O espadachim erudino brandia sua espada e foi rápido em tomar posse da arma de aço do criminoso. Enquanto isso, Vadylia correu para junto de Tadla e abriu sua bolsa de poções.
- Sim, estamos – Botrovin respondeu ao mago azul, mas não antes de se certificar de que o sangramento que jorrava da narina de Rarden tinha sido superficial. – Vou pedir para Vadylia enfiar aquele pano no seu nariz e logo você estará bem — disse ao amigo.
Rarden assentiu, observando o estrago daquela pequena batalha. Os dois ladrões mais novos ainda não tinha recuperado a consciência e o barbudo prosseguia em seus insultos, resmungando aos gritos; Ângika ainda exibia sua cara assustada, olhando para Botrovin sem parar; Tadla gemia seminua, suja e ensanguentada, enquanto que Vadylia lhe aplicava suas ervas curandeiras.
- Ângika, me ajude com esta calça – a feiticeira pediu.
A menina demorou a reagir, mas logo correu para perto da maga roxa e levantou sua roupa. Rarden se aproximou mais e notou que o estado de Tadla não era dos melhores. O sangue do abdômen fora estancado, mas a mulher de cabelo curto tremia sem parar e seus olhos reviravam, vez ou outra ficando completamente brancos.
- Ela está morrendo? – Botrovin quis saber e Rarden o encarou recriminando-o pela pergunta.
Ninguém respondeu a pergunta do jovem de imediato e o silêncio só era quebrado pelas ofensas proferidas pelo ladrão cabeludo e pelo ranger de dentes da maga roxa.
- Ela deve ter tentado iludir mais de uma mente – Vadylia disse, enfim. – Talvez tenha tentado enganar os três ao mesmo tempo.
Ternamud meneou a cabeça, insatisfeito.
- Quais as chances dela? – Gui’k perguntou, se agachando ao lado de Vadylia.
A feiticeira franziu o cenho.
- Ela está fraca demais por causa da magia que conjurou. Além disso — olhou para o corte na barriga de Tadla —, o ferimento foi fundo e ela perdeu muito sangue. Precisamos levá-la para um lugar seguro e continuar os procedimentos.
Ela olhou para a sua bolsa.
- Precisarei fazer mais poções – continuou em um tom infeliz. – Ela vai precisar.
***
Tadla fora apoiada sobre o pescoço do cavalo de Gui'k. O mago azul controlava a montaria, sentado logo atrás da maga roxa. Vadylia acompanhava a dupla, seguindo ao lado e examinando de tempos em tempos se se Tadla recobrara a consciência. A maga havia desmaiado assim que a tiraram de dentro da mata. A feiticeira explicou que as horas seguintes seriam cruciais para a sobrevivência da outra bruxa. Liderando o grupo, Caonas esperava por qualquer sinal de Ternamud, que galopou em direção a Subida do Sul como um verdadeiro batedor à procura de ajuda ou de qualquer abrigo contra a noite que não tardaria em chegar.
Atrás de todos, mas não tão distante quanto antes, Rarden, Botrovin e Ângika seguiam em seus cavalos. O jovem mago branco gesticulou para o amigo, que trotava no meio dos outros dois. Botrovin o fitou, tentando entender o que Rarden queria dizer com sua cabeça agitada.
Botrovin era um garoto esperto, mas ocasionalmente recaía sobre ele uma incapacidade de ler as entrelinhas e essa estupidez temporária sempre levava Rarden à beira da loucura. Deveria haver alguma forma mais nítida de pedir a Botrovin que ele perguntasse gentilmente a Ângika como ela estava após o ataque da floresta.
Desde o problema envolvendo a espada de madeira e o nariz de Botrovin, a relação entre ele e Ângika só deteriorou. Talvez uma conversa oportuna após o último acontecimento restaurasse, ainda que parcialmente, a cordialidade entre eles.
— Que raios você quer dizer com isto — Botrovin cochichou, imitando o gesto de cabeça do amigo.
Rarden bufou, desanimado. Teria que ser mais incisivo.
— Pergunte como ela está — sussurrou sem paciência.
Seu amigo abriu a boca, como se então todos os acenos com a cabeça fizessem sentido. O jovem que seguia o caminho entre os outros dois enrubesceu o rosto, se dando conta de que Rarden não desistiria daquela ideia. Botrovin coçou a garganta e empertigou-se sobre o cavalo, visivelmente indeciso quanto ao pedido de Rarden.
— Ângika... — iniciou em tom hesitante. — Você se machucou lá na floresta?
A garota não respondeu, nem mesmo olhou para o lado. Firmou seu olhar nas caudas dos cavalos que trotavam à frente dela. Instigou sua montaria com dois chutes brandos e o animal adiantou o passo, deixando um Botrovin encabulado e ignorado para trás.
— Eu sabia que essa ideia era estúpido — o jovem vociferou para Rarden.
O mago branco encolheu os ombros, constrangido por seu amigo e arrependido por ter sugerido aquele diálogo. Abriu a boca para se justificar, mas o som apressado dos cascos de cavalos o impediu de iniciar suas desculpas. Ternamud estava de volta, bem em tempo de alcançá-los antes do pôr do sol. Em outra montaria vinha um jovem, talvez três ou quatro anos mais velho que Rarden, acompanhando o espadachim erudino.
— Este é Will — disse Ternamud apressadamente. — Mas deixemos as apresentações para depois.
Will já era um homem feito. A barba por fazer dava-lhe um ar mais maduro do que sua idade era capaz de comportar. Com um gesto de cabeça, saudou a todos e fez sua montaria dar meia volta, retornando para a direção de onde veio. Ternamud e todos os outros seguiram-no.
O jovem estranho seguiu pela estrada cada vez mais estreita e ladeada de galhos que insistiam em devorar o caminho com seus dedos cobertos de folha. De repente, ele penetrou a mata à direita da estrada. Um caminho ainda mais estreito indicava que aquela passagem era acessada por poucas pessoas. Todos tiveram que ir um após o outro pois não havia espaço para mais de um por vez naquela via apertada. A noite finalmente alcançou o bando, bem no momento em que as árvores cessaram nas margens do caminho, dando lugar a um pequeno descampado. No centro do campo aberto, Rarden viu apenas um pequeno casebre de madeira. Will desceu do seu cavalo e ajudou Ternamud e Gui’k a tirarem Tadla da montaria do mago azul.
A porta da cabana abriu de súbito e um homem pôs-se para fora, alarmado pelo número inesperado de estranhos em sua porta. Will trocou poucas palavras e o senhor de cabelo grisalhos abriu passagem para que entrassem carregando o corpo desfalecido da maga roxa.
Rarden e Botrovin foram os últimos a entrar na casa, que era mais espaçosa do que sua vista externa previa. A sala era grande e havia uma escada de madeira que dava para um segundo andar improvisado sobre as vigas de sustentação do telhado de palha. Will e o senhor retiraram os utensílios que estavam sobre a mesa, que foi usada como leito para Tadla. Vadylia aproximou-se e abriu sua bolsa de poções, avaliando novamente a lesão no abdômen da maga, chamando Ângika para ajudá-la com o curativo.
— O que está acontecendo? — perguntou o homem enquanto fitava Will e os demais.
— Pai, essas pessoas foram assaltadas ao norte da estrada — Will respondeu, jogando o cabelo negro para trás da cabeça. — Não seria correto deixá-los no sereno da noite com alguém ferido.
O homem assentiu com hesitação. Colocou os olhos sobre Tadla, que ainda estava inconsciente. Em seguida, fitou o bando inteiro.
— Vocês são bem vindos aqui. Me chamo Warog. Me perdoem pelo estado da minha cabana, eu não esperava visitas, ainda mais nessas condições.
Caonas deu um passe adiante. O mago vermelho era anos mais velho que Warog.
— Sua hospitalidade já é o suficiente. Agradecemos imensamente.
— Vocês são bem vindos e podem ficar o tempo que quiserem.
Caonas assentiu, novamente grato. O grupo se acomodou, espalhados pelas cadeiras da sala. Vadylia prosseguiu acompanhando o estado de Tadla, enquanto os outros se alegraram com a notícia de que a maga roxa não correria risco de vida. Mesmo assim seu ferimento ainda demandava cuidados criteriosos e a feiticeira falou que teria que preparar mais poções no dia seguinte.
— Há uma mulher que mora conosco, seu nome é Naná — comentou Warog para Vadylia. Hesitou por um instante. — Ela é diferente. Acho que pode ajudar com a moça machucada. Ela é boa com remédios. Já deveria ter chegado, não costuma chegar após o pôr do sol.
A feiticeira agradeceu gentilmente ao homem por sua preocupação. O homem sorriu e se afastou. Seu filho Will, que tinha saído da casa, havia voltado com lenha e a jogou na pequena lareira acesa. Só então, em meio a conversas casuais, Rarden descobriu que o jovem havia viajado para Subida do Sul, como ele fazia rotineiramente para vender produtos da terra e comprar outros mantimentos e materiais de trabalho.
— As pessoas da cidade estão agitadas, pai — disse Will enquanto lançava os últimos pedaços de lenha nas chamas da lareira. Seu pai franziu o cenho, curioso. — Notícias de Monte Branco. As estalagens e mercados de Subida do Sul só falam nisso. É quase um consenso que tentaram matar a princesa Laya em um incêndio no seu próprio quarto.
Warog praguejou.
— Quem tentaria matar uma menina que mal chegou à idade adulta?
O jovem Will coçou a barba farta enquanto trazia uma caçarola de outro cômodo. Ele a pendurou pela alça em um gancho acima do fogo da lareira.
— Ouvi dizer que foram inimigos do rei.
Caonas e Gui’k se entreolharam, curiosos pela história do jovem Will. Não era para menos. Conspirações e intrigas na corte real. Mesmo que eles não fossem lutenianos, a notícia despertava o interesse de qualquer um.
O filho de Warog prosseguiu em sua narração, contando o que ouvira nas ruas de Subida do Sul. Mas Rarden deu-lhe atenção apenas com os olhos, pois seus ouvidos se inclinaram para as vozes de Caonas e Gui’k.
— Você acha que pode ter sido ele? — Gui’k sussurrou para o mago vermelho.
O velho deu de ombros, pensativo.
— Talvez. Ou pode ter sido Erid.
Rarden franziu o cenho. Pensou que estavam falando sobre o tal Erid, mas parecia existir outra pessoa capaz de se infiltrar em um aposento real e causar um incêndio. Inclinou-se na esperança de ouvir mais, porém foi em vão. Nenhum outro nome foi mencionado.
— De qualquer forma — continuou Caonas —, precisamos deixar o Braço Maior para depois. Vamos para Monte Branco.
Monte Branco, pensou Rarden. Ouviu várias vezes sobre a capital do reino, mas nunca pensou que iria pisar os seus pés lá um dia. Mas ele também jamais imaginaria que bruxos existiam de verdade e agora ele estava em uma casa rodeado por eles. Ele mesmo era um.
— Espadas Negras? — indagou Warog em resposta a alguma fala de Will. As palavras chamaram a atenção de Rarden de volta para o pai e filho.
Will, que agora cortava cebolas e misturava ao conteúdo da caçarola, assentiu.
— Foi o que ouvi. Viajantes disseram que viram alguns deles nas estradas de Entre Rios — seu olhar se tornou mais severo sob a luz abrasiva das chamas. — Ninguém quis afirmar em público, mas os murmúrios na estalagem em que dormi é que o próprio rei contratou as Espadas Negras.
Rarden tinha uma ideia vaga de quem eram aqueles homens supostamente contratados pelo rei. Segundo ouviu algumas vezes nas docas movimentadas de Vila de Alto Mar, a Companhia das Espadas Negras consistia em um bando de mercenários que tinham sua sede a leste do Mar dos Mil Destinos, muito longe das terras de Luteneea. Porém, mais que um grupo de cretinos desordenados e desleais entre si, os Espadas Negras, como eram comumente chamados, construíram uma organização resoluta disposta em camadas de hierarquia eficazes, garantindo a eficiência quase absoluta da companhia.
— Por que o rei contrataria os Espadas Negras? — perguntou Warog. — Estamos em paz desde a Invasão dos Cantrodos. Será que o reino está ameaçado novamente?
Will meneou com a cabeça.
— Parece que o problema do rei Camariel não é nenhum cantrodo ou qualquer forasteiro. Dizem que estão matando lutenianos. Pessoas inocentes, pai. Pessoas que não tem condições de se defender nem mesmo de um ladrão desarmado no meio da noite, muito menos de uma organização tão implacável quanto os Espadas Negras.
Subitamente, Warog fitou os demais com ar de desconfiança. Pigarreou com ar indeciso, mudando de assunto em seguida. Julgar a atitude da coroa diante de desconhecidos talvez não fosse uma ideia prudente e o homem de cabelos grisalhos, ainda que tardiamente, resolveu ser cauteloso. Como que para salvá-lo daquela situação incômoda, a porta da casa abriu e alguém entrou. Rarden sentiu seu coração disparar enquanto tentava identificar o vulto que acabara de adentrar a sala do casebre.
— Naná! — exclamou Warog em tom de saudação. Ele levantou-se e se aproximou da recém-chegada. — Estávamos começando a ficar preocupados.
Rarden, que estava distante da porta, não pôde enxergar a mulher por completo. Apesar de haver velas espalhadas pela sala, ainda assim era difícil ver alguma coisa com nitidez àquela distância.
— Quem são essas pessoas? — a mulher indagou com voz rouca.
— Viajantes — Warog respondeu. — Foram atacados por ladrões na estrada e estamos oferecendo abrigo para a noite. Há uma pessoa ferida entre eles e espero que você possa ajudar, embora eu ache que aquela senhora ali já tenha feito um belo trabalho nos curativos da mulher machucada.
A mulher que atendia pelo nome de Naná assentiu com a cabeça.
— Sejam todos bem vindos — ela saudou, caminhando entre todos.
Quando chegou perto de Rarden e Botrovin, a mulher, que cheirava a alho, parou repentinamente fitando os dois garotos. O mago branco agora podia ver o seu rosto. Certamente ela tinha mais de sessenta anos, provavelmente a mesma idade que Caonas ou um pouco mais. Seus cabelos pretos caídos feito cortina ao lado da face comprida não condiziam com a idade que provavelmente ela tinha. O sinal mais marcante do rosto, Rarden observou, era uma cicatriz bizarra em forma de meia lua ao lado do olho direito. Mesmo na noite era impossível não notar a marca.
— Meu nome é Botrovin e este é Rarden — gaguejou o jovem, intimidado pelo olhar da velha.
O rosto da mulher foi mudando de um esboço de sorriso para um olhar alarmado e receoso.
— Botrovin? — ela indagou em tom retórico. — Esse é um nome do norte!
Ela mirou os dois garotos com temor.
— Quem são essas pessoas? — ela questionou para ninguém. — As pessoas do norte nos trarão problema com os negócios em Subida do Sul, Warog! Logo haverá portas fechadas para nós pois estamos abrigando inimigos do rei!
— Não somos inimigos do rei, minha senhora — Caonas apressou-se em informar.
A velha sobressaltou-se, como se agora se desse conta que havia tanta gente dentro da casa.
— Warog! — ela exclamou. — Você está ficando louco? Por que está abrigando essas pessoas?
Ela girava no centro da sala, esquivando-se de qualquer tentativa de toque físico. Até mesmo Will levou um empurrão da mulher quando tentou se aproximar. Warog começou a pedir calma, mas seus gritos apenas incendiavam o frenesi incontrolável da mulher, que agora gritava sem parar para todos saíssem.
— Naná, por favor, se acalme! — ordenou Warog, segurando-a pelos braços.
Ela parou, ofegante, fitando-o nos olhos. Sua respiração pesada e acelerada foi, aos poucos, controlada. Warog, visivelmente surpreso com o que acabara de acontecer, fitou a todos com olhar de súplica e espanto, uma mistura de pedido de desculpas e de compreensão.
Caonas deu um passo em direção a eles.
— Não queremos causar confusão. Só peço que nos deixe passar a noite aqui. Um dos nossos está gravemente ferido. Lá fora ela certamente morrerá.
A mulher, que ainda lutava para se acalmar, assentiu.
— A mulher ferida pode ficar até se recuperar, junto com alguém para acompanhá-la e se responsabilizar por ela. — Ela esquadrinhou todos os olhares curiosos ao redor. — Mas a maioria de vocês precisa ir embora ao amanhecer.
Caonas curvou sua fronte em sinal de obediência e gratidão.
— Assim será feito.
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