Dante - 2
"Não confio em mais ninguém.
Descubra o que aconteceu."
Dante deu um fim permanente naquele pedido, mas as duas frases ainda martelavam em sua cabeça.
E foram aquelas sentenças que o levaram até ali, nas desertas ruas de Monte Branco naquela noite chuvosa. A chuva não era tão pesada, mas incômoda o suficiente para afugentar todos das vias públicas.
Uma oportunidade perfeita para perambular por elas sem ser visto ou reconhecido.
Contudo, para ter certeza de que sua identidade não seria descoberta por olhares curiosos nas frestas das janelas, o cavaleiro de Forte Rochoso vestiu-se por completo com um manto preto e cobriu sua cabeça com o capuz da indumentária.
Ao chegar no lugar indicado, certificou-se de que estava na casa correta.
Sim, de acordo com as referências, a residência só poderia ser aquela.
Olhou para os lados e averiguou. Não havia nem sequer a sombra de um ser vivente.
Bateu à porta com dois baques surdos na madeira. A chuva do fim de verão começava a cair mais forte.
Ninguém atendeu. Bateu novamente e enquanto esperava, se questionou se aquela teria sido uma boa ideia.
Antes que pudesse formular uma resposta para si mesmo, a porta se abriu.
Levou alguns instantes para que uma figura surgisse da penumbra que reinava lá dentro.
Uma mulher muito velha o encarou. Seu rosto trazia consigo as marcas da idade. Levando em consideração o seu olhar rabugento, não parecia disposta a receber visitas.
- O que você quer? - perguntou rispidamente.
Sir Dante olhou o interior da casa sobre a cabeça da mulher, que era de baixa estatura.
- Procuro por Calestrina.
A mulher parecia ainda menos inclinada a diálogos.
- Lamento, não há ninguém aqui com este nome - disse enquanto fechava a porta.
Mas o cavaleiro pôs a mão contra a porta.
- Por favor - ele disse. - É muito importante. Estou aqui amigavelmente.
A senhora, que usava um vestido roxo encardido, refletiu por um breve período.
- Qual o seu nome?
Dante julgou que ninguém além de Calestrina deveria saber seu nome e decidiu não revelá-lo.
- Lamento - a velha iniciou, quando percebeu que não obteria a resposta -, sem nome, sem permissão para entrar.
Empurrou a porta com mais força para fechá-la, e Dante tentou impedir mais uma vez.
- Dante - ele apressou em revelar quase sussurrando. - Meu nome é Dante.
Ele presumiu, por fim, que ela acabaria sabendo de qualquer jeito posteriormente.
Ela afrouxou e a porta se abriu um pouco mais, entretanto continuava sem demonstrar cordialidade. Pôs a cabeça para fora e fitou a rua deserta.
- Você está sozinho?
- Sim.
- Ah, isso é muito bom - ela comentou sem demonstrar nenhuma expressão em sua face. - Aguarde e já voltarei.
A porta fechou abruptamente e Sir Dante ouviu o som dos ferrolhos se fechando por dentro.
Ele ficou ali, parado, ouvindo a chuva engrossar sobre sua cabeça, até que a porta se abriu novamente e a mulher de antes concedeu espaço para ele entrar.
Do lado de dentro, Dante foi pego de surpresa. Na pequena sala daquele andar, homens armados com espadas nas cinturas se aglutinavam, alguns sentados em cadeiras de madeiras, outros, sem lugar para sentar, estavam de pé, apoiados nas paredes, pelos cantos.
A luz fraca do único archote não iluminava o cômodo muito bem, mas Dante pôde contar rapidamente mais de dez homens. O cheiro forte de suor, cerveja e vômito abafava o ar, tornando quase impossível respirar.
O que eles estariam fazendo ali? Por que uma residência de uma mulher abrigava tantos homens armados naquele momento? Talvez a residência não fosse de Calestrina ou da outra mulher. Talvez ambas estivessem ali como hóspedes, ou coisa pior.
Mas elas já não eram tão novas, e a maioria dos homens não se satisfazia com prazeres acima de um limite de idade que eles consideravam aceitáveis.
Independente do motivo daquela reunião, o assunto do cavaleiro era outro. A mulher que o recebeu apontou para uma escada íngreme à esquerda.
- Ela estará na primeira porta que você encontrar.
Dante observou mais uma vez a mulher antes de subir. Seu vestido roxo esquálido deveria ser bonito quando novo, mas agora só o que se via era um trapo de pano que cobria uma velha acima do peso.
Lá em cima, deparou-se com um corredor. A primeira porta estava entreaberta e ele entrou.
O pequeno quarto não tinha muito o que se olhar. No chão havia um leito feito de retalhos de colcha e ao lado, duas cadeiras. Em uma delas estava Calestrina, fitando o recém-chegado com indiferença.
- Se eu tivesse que apostar todas as minhas poucas moedas de ouro para acertar o nome de quem que viria à minha procura após o incêndio - ela disse sem cerimônia -, eu estaria um pouco mais rica agora.
Sir Dante não respondeu. Sem muito interesse, ela apontou para a outra cadeira e ele sentou-se.
- Quem se interessaria mais que o honrado Sir Dante pelo bem estar dos membros da Coroa? - ela falava pomposamente. - Seu compromisso é inquestionável, ninguém pode negar.
Dante sentiu-se desconfortável com o enaltecimento partindo de alguém que trocara poucas palavras com ele durante a sua permanência na Morada do Rei.
- Você sabe por que estou aqui? - ele quis saber, indo direto ao ponto.
Ela afirmou que sim com a cabeça e tomou um gole de alguma bebida em um copo de barro.
- Você quer saber quem tentou matar a princesa - tomou outro gole da bebida, desta vez saboreando demoradamente. - E acha que eu tenho alguma pista do que aconteceu ou imagina que eu posso fornecer alguma informação que te leve ao assassino.
- E você tem? - ele tentou dissimular a ansiedade.
Ela o olhou através da escuridão da noite.
- Não vi ninguém entrar ou sair por aquela porta até o instante em que a princesa surgiu como um coelho fugindo do seu predador na mata, desesperado pela vida.
- Então como pode explicar o que aconteceu?
Ela soltou um chiado e riu em seguida.
- Não posso te explicar, cavaleiro. Eu não estava lá dentro, mas posso garantir que o quer que tenha acontecido, foi gerado de dentro para fora.
Ele refletiu. Talvez o assassino já estivesse lá dentro antes da princesa Laya entrar. Mas como ele fugiria sem ser visto?
- Será que o assassino fugiu pela janela depois de pôr fogo no aposento?
Ela riu mais uma vez, mas ainda assim parecia carrancuda.
- E talvez alguém muito habilidoso tenha escalado a Torre do Rei pelo perigoso penhasco para matar a princesa - ela falava com ironia. - Você já pensou que você pode estar procurando as respostas do evento errado?
Ele franziu o cenho.
- Não entendo. Tudo o que quero saber é quem teria motivos para matar uma princesa que nunca se envolveu em nenhum assunto relevante. Você era a serviçal dela, deve ter percebido algum olhar malicioso.
- Quando se trata de reis e nobreza, sempre há motivos de todos os lados para uma conspiração.
Ela fez uma pausa e deu outro gole no seu copo.
- Olhe para este trono. Manchado de sangue pelo último rei.
Dante não entendia o que ela queria dizer ao citar o irmão falecido do rei Camariel.
- O rei Martiel morreu em um naufrágio. Não houve nenhuma conspiração em sua morte.
Calestrina exibiu um semblante triste.
- A sua ingenuidade é uma flor do campo cheirosa e pura, cavaleiro. Mas infelizmente será sua desgraça.
A paciência do cavaleiro se esvaía a cada frase enigmática da mulher. O rei a dispensou, mas não a acusou como cúmplice em nenhum plano criminoso. Dante não tinha motivos para duvidar que ela inocente, mas por que ela falava por charadas, como se estivesse escondendo um segredo a cada palavra?
- A morte do rei Martiel foi tão desprovida de interferência humana quanto a morte do pobre Widillan - ela acrescentou.
Por que ela citou o príncipe morto? Primeiro, citou seu pai, o rei Martiel, irmão do atual rei e agora o pequeno herdeiro do trono, morto precocemente. Widillan sofreu com enfermidades desde bebê, todos sabiam disso. Qual a intervenção humana haveria neste caso? As bençãos do Pai de Todos não alcançaram a criança, que fora tragada pelos dedos mortais da doença que o afligiu por anos até o dia da sua morte.
- Eu tinha esperança de que a minha vinda aqui não fosse uma completa perda de tempo - ele confessou, sentindo-se repentinamente desanimado. - Mas vejo que me enganei.
Ele levantou-se e se despediu.
- Cavaleiro - ela o chamou. - Você é um bom homem. Não é perfeito, assim como nenhum homem é. Mas procura o seu melhor.
Ela puxou uma moringa do chão e encheu seu copo novamente.
- A corte de um reino é sempre preenchida por orgulho, inveja, arrogância e busca cega por poder. Em Luteneea não é diferente. Se você buscar pelo início, e não pelas consequências, então talvez você encontre o assassino que está procurando.
Aquela bebida deveria ter algum alucinógeno. Sim, não havia outra explicação. Calestrina sempre foi rígida e não dada às conversas corriqueiras da corte, mas definitivamente ela estava fora de si naquela noite.
Saiu do quarto e desceu as escadas. Assustou-se com o que viu. Ou melhor, com o que não viu. Todos os homens haviam desaparecido. O cheiro repulsivo que sentiu antes também se fora. Até a velha carrancuda sumiu sem deixar rastros.
Tudo o que sobrou foi uma mulher mais nova, de pele morena que sentava ao lado da porta. Era bonita, tinha os cabelos cacheados muito bem penteados e usava um perfume doce e agradável.
Ela levantou-se e abriu a porta para ele.
Dante mirou os olhos negros da mulher e a achou familiar, mas só quando esquadrinhou a sua vestimenta é que sentiu um arrepio estranho percorrer seu corpo.
A mulher usava o mesmo vestido roxo da mulher mais velha, mas aquele vestido estava limpo, novo e caía sobre as curvas da mulher de uma maneira formosa.
Para onde a velha foi com todos os outros?
Definitivamente, aquela noite não era normal como as outras.
Saiu da casa, jogou o capuz sobre a cabeça e mergulhou sob a água torrencial que agora desabava sobre a cidade.
Enquanto corria de volta à Morada do Rei, Dante recordou da sua conversa peculiar com Calestrina.
E se ela sabia de algo do passado? E se aquele incêndio não foi a primeira tentativa de assassinato de um membro da família real?
Lembrou-se de um dos seus fantasmas, que o atormentava quase todas as noites. A criança da masmorra. O que ela tentou fazer ao príncipe Widillan naquela noite, nove anos atrás?
E se Laya não fosse o início do que quer que estivesse acontecendo? Ele se deu conta de que sabia o que procurar e visitaria outra pessoa na sua próxima noite de folga.
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