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Capítulo 66- Anjo Salvador.

GILBERT

Cinco meses. Gilbert marcou na folha do calendário o tempo de gravidez de Anne. A barriga dela tinha crescido pelo menos dois centímetros nas últimas duas semanas, e já  dava para notar o seu formato cada vez mais arredondados.

Era uma pena que ela não pudesse perceber, sua filhinha crescendo dentro dela, e desafiando qualquer improbabilidade, sua pequena borboleta se desenvolvia cada vez mais saudável no ventre de sua mãe. 

Ele mesmo lhe dera esse apelido, levado pelo desejo de que Anne se sentisse familiarizada com algo que sempre amara. Ela lhe dizia que as borboletas lhe davam uma sensação de liberdade que nunca conhecera, vivendo amarrada às lembranças triste de sua vida, ao pesadelo que fora Roy Gardner, ao medo de que sua sanidade mental nunca mais fosse a mesma, de que perdesse completamente  sua identidade, e se  tornasse um daqueles fantasmas humanos com os quais frequentemente trombava nos corredores da clínica.

Por isso, Gilbert gostava de imaginar, que sua garotinha seria livre, que carregaria na alma o dom artístico da mãe,  a bondade no trato com as pessoas, a alegria que Anne muito pouco pudera sentir, porque ela se deparara com a crueldade da vida muito cedo. Assim, não pudera pensar em um apelido mais original que aquele, já que o nome da sua filha, ele ainda não escolhera, pois não queria fazer aquilo sem Anne, e esperava que ela conseguisse melhorar antes do bebê nascer.

Charlie não lhe dera muitas esperanças quanto a isso, e em sua última sessão com Anne, o rapaz chamara Gilbert para conversar:

-Eu sinto muito, Gil. Mas creio que não tenho boas notícias. - Gilbert sentira o frio no estômago que o  acompanhava todo o tempo agora, e perguntou com as mãos cruzadas por medo que tremessem, e evidenciassem cono ele estava se sentindo por dentro. 

-O que está dizendo exatamente,  Charlie?

-Eu não preciso te explicar algo que sabe melhor do que eu. Anne viveu inúmeros traumas por toda vida, e por causa  de um deles quase aconteceu o pior. O que a atingiu no último mês foi pesado,  ou então ela não estaria nesse estado quase vegetativo. Eu sei o que espera que eu te diga, mas não acho que ela conseguirá sair de novo dessa capa de proteção a qual vestiu para que ninguém  mais se aproxime. - Gilbert olhou para Anne que estava sentada a poucos metros dele, olhando para o nada e respondeu:

-Eu não acredito nisso.  Ela vai melhorar, Charlie, eu sinto.- Gilbert não sabia explicar porque aquela certeza não o abandonava, mas em seu coração ele sentia que a alma dela ainda estava ali, e precisava apenas de tempo para se libertar da prisão de sua mente.

-Eu acho incrível que você consiga acreditar nisso,  mas como um homem da ciência assim  como você é,  os milagres que esperamos nem sempre acontecem. Eu torno a te dizer que você precisa estar preparado, Gilbert.  Não quero acabar com sua fé,  mas meu amigo,  quantas pessoas você tratou nessa  vida, que  passaram por um processo assim?  No caso de Anne, ela passou pela mesma coisa duas vezes. Acho quase impossível que nossa realidade a atinja de novo. Se eu fosse você,  me preocuparia com o nascimento de sua filha.

Gilbert se calara e não quisera discutir com Charlie aquele assunto. Eles tinham opiniões diferentes, e contestar o que o amigo lhe dissera baseado nos seus sentimentos era perda de tempo. Assim, guardou apenas para si suas esperanças pessoais, pois elas eram as únicas coisas que o mantinham firme em  suas convicções. 

De certa forma, Gilbert estava satisfeito consigo  mesmo, pois ninguém acreditava que ele conseguiria cuidar de Anne, e ainda assim manter-se ativo em sua profissão. A própria clínica lhe dera condições para isso, e estava imensamente agradecido. Ele não precisava ir até lá diariamente, apenas uma vez na semana era suficiente para que ele atendesse aos pacientes mais complicados. O resto do trabalho administrativo poderia ser feito de casa, assim, ele se afastava minimamente de Anne e poderia estar por perto todos os momentos, dando-lhe toda a assistência física e emocional necessária.

Naquela manhã, após ajudá-la com o banho, o rapaz penteou-lhe os cabelos, e observou-lhe o rosto com atenção. Apesar da situação em que se encontrava, suas bochechas estavam coradas, e ela não baixara de peso, o que fora considerado um grande fato pela ginecologista dela, que se preocupava extremamente por conta da gravidez, mas nada de anormal afetara sua garotinha que em quatro meses deveria vir ao mundo como o esperado.

-Você está linda, meu amor. - ele disse para Anne, enquanto trançava-lhe os cabelos como ela gostava.- Eu ainda me lembro da primeira vez que vi você na clínica, quando entrou no meu consultório tão temerosa e inocente como agora. Acho que nunca me apaixonei tão rápido por alguém como me apaixonei por você naquele dia, e  acredito que meu coração soube antes de mim que você seria a mulher da minha vida.- Gilbert acariciou o rosto dela devagar, e por um breve instante se conectou com ela pelo olhar. Ele podia  jurar que Anne entendia tudo o que ele lhe dizia, pois essa não era a primeira vez que falava com ela daquela maneira, e às vezes tinha a impressão de ver um certo brilho ali, e não um alheamento vazio muito comuns naquele caso.

-Eu queria que você tivesse visto a imagem de nossa garotinha ontem no seu pré natal. O coraçãozinho da nossa borboletinha bate tão forte, meu amor. Acho que ela está tão ansiosa por nascer, como nós  estamos pela chegada dela. - o rapaz terminou de arrumar os cabelos de Anne, e então segurou nas duas mãos dela, e continuou sua rotina de falar com ela como se estivessem tendo uma de suas conversas do passado:- Meu pai te mandou um beijo, e também nos deu um enorme urso de pelúcia como presente para nossa bebê.  Ele disse que é para que ela nunca se esqueça do avô dela, mas ele exagerou tanto no tamanho que tenho certeza que nossa filha terá que crescer muitos centímetros até  que consiga abraçar aquele brinquedo de fato.

O rapaz soltou as mãos dela e com cuidado, a  levou até a janela, enlaçando a  cintura dela por trás. O dia estava ensolarado, e tinha uma daquelas luzes que Anne adorava pintar.  Gilbert podia se lembrar do sorriso que ela tinha nos lábios em dias assim,que em frente à sua tela ela deixava que sua imaginação a guiasse e de um simples rabisco com seu pincel em punho, ela criava tantas maravilhas que era impossível não se emocionar com a sensibilidade daquela garota, que por dentro era pura paixão. Então, ele disse no ouvido dela.

-Eu gostaria de ter sua alma, Anne. E entender como consegue ver coisas incríveis alem do brilho do sol. Eu sinto falta disso, amor. De te ver rodeada de tintas, descalça, e mordendo seu lábio inferior em profunda concentração. Você não sabe o colorido que trouxe para esse apartamento com sua presença iluminada. Eu quero isso de volta, Anne. Eu quero você de volta para mim. - segurando uma das mãos dela, Gilbert sentiu algo sutil. Foi como se ela tivesse apertado a mão dele, e seu coração se acelerou ao pensar que ela realmente o tivesse ouvindo. Mas não conseguiu chegar a uma conclusão, pois o barulho da porta se abrindo  interrompeu o fluxo de seus pensamentos e emoções. 

Irina acabava de chegar, e ela vinha revezando com Anna nos cuidados com a ruivinha. E como naquela semana a enfermeira contratada por Gilbert estava gripada  e não pudera vir trabalhar, a esposa de John se prontificara a ficar com Anne, enquanto o rapaz tivesse que realizar alguma tarefa fora de casa.

Ela sempre se emocionava quando via os dois juntos. O que Gilbert estava fazendo por Anne era algo maravilhoso e tão despretensioso que era quase difícil acreditar que aquele rapaz era real. Ele modificará sua vida por ela, abrira mão de parte de seu trabalho na clínica para ser tudo o que ela precisava, e lá no fundo Irina acreditava que Anne entendia.  Ela não podia falar ou emitir um gesto sequer para demonstrar isso, mas o coração dela não deixara de sentir a dedicação que ele vinha empregando em todas aquelas semanas nos cuidados com ela.

Aquele era um amor abnegado, daqueles que era somente possível na imaginação de cada um, mas Gilbert provara, por meio de suas lutas diárias em ajudar Anne a recuperar quem ela era, que quando o sentimento era sincero e verdadeiro, não havia obstáculos que o impediria de crescer.

-Como ela está hoje, Gilbert?- Irina perguntou, no momento em que o rapaz a encarou com um sorriso.

-Está melhor. Consegui fazê-la comer todo o café da manhã sem muito esforço. - ele respondeu, colocando as mãos no ombro de Anne.

-E você? Tomou seu café da manhã?- Irina o questionou,  pois andava preocupada com Gilbert. O mesmo cuidado que  tinha com Anne, ele não tinha consigo mesmo como se a vida dele dependesse do quanto ela estivesse bem. Ele pulava as refeições para cuidar de todas as necessidades da ruivinha, mas se esquecia que precisava de energia para continuar nesse ritmo desgastante, ou ela acabaria de uma hora para outra 

-Tomei uma xícara de café preto.- ele respondeu, sentindo-se constrangido ao ver o olhar severo de Irina sobre ele.

-Vamos até a cozinha que vou te preparar um café de verdade. - ela disse, não aceitando nenhuma recusa da parte dele.

Com muito jeito,  ele levou Anne até  o quarto  a acomodou  na cama e disse:

-Volto logo.

Assim, ele rumou para a cozinha de onde um odor delicioso de bacon chegou as suas narinas, fazendo seu estômago roncar. Foi aí que percebeu que estava faminto, pois vinha se esquecendo com frequência de se alimentar. Não era uma rotina saudável na qual tinha se inserido nas últimas semanas, mas Anne precisava tanto dele que ele acabava deixando sua vida de lado para apenas viver para ela.

-Está pronto, querido.  Se sirva. - ela disse, apontando para o bacon e os bolinhos de chuva que preparara rapidamente. 

-Obrigado. Não precisava se preocupar. Eu estou bem, Irina.

-Não, você não está.  Eu entendo o seu desejo de cuidar pessoalmente de Anne,  mas não tem que tentar compensar o amor e atenção que ela não teve quando criança,  ou que não recebeu daquele ex-namorado abominável. - ela evitava  mencionar o nome de Roy, pois Gilbert proibira qualquer um de falar dele se estivesse no mesmo ambiente que Anne.- Você pode pensar que ninguém nota,  mas eu percebi desde o princípio o que está tentando fazer.  Ser displicente consigo mesmo não vai fazer com que Anne melhore mais rápido. Então pare de bancar o anjo salvador que ela desenhou uma vez, e tente cuidar melhor de si mesmo para variar.- ele comeu um dos bolinhos, e enquanto mastigava, tentava encontrar o que dizer,  e acabou repetindo o que vinha falando para qualquer um que tentasse fazê-lo ver como andava agindo nas últimas semanas:

-Eu não posso,  é  mais forte do que eu. Ela precisa de mim.

- E você precisa de todos nós.  Se isolou nesse apartamento.  Seu pai anda preocupado,  seus amigos também.  Ninguém fala nada porque não querem te aborrecer, mas eu não tenho medo de te aborrecer, e estou aqui para colocar o dedo na ferida se for preciso.- Irina admirava Gilbert imensamente,  mas estava penalizada de ver como ele se anulara nas últimas semanas. Estava sofrendo junto com Anne, e não deixava que ninguém lhe estendesse a mão. 

-Diga a eles que estou bem e que voltarei a ser quem era quando Anne acordar desse pesadelo no qual mergulhou.

-E se ela nunca acordar?- Gilbert lhe lançou um olhar tão sofrido, que ela se arrependeu das palavras logo em seguida, mas alguém tinha que dizê-las ou Gilbert não perceberia que estava se afundando em seu próprio inferno interior.

-Ela vai acordar. Ela conseguiu uma vez e vai conseguir de novo. Anne é forte, e inteligente.  Ninguém a conhece melhor do que eu, e a amo tanto, não é possível que um amor imenso assim não vá salvá-la. Eu preciso que ela acorde,  eu preciso que ela volte para mim.- a voz dele saiu embargada, quase implorando por misericórdia.  Irina viu ali um sofrimento maior do que imaginara e não teve coragem de continuar com aquilo, por isso, mudou de assunto e perguntou:

-E o exame de DNA? Quando sai o resultado?- Gilbert havia contado à sua família toda a história de Billy e Josie. Ele e o amigo tinham ido a um laboratório confiável para fazerem o exame e descobrir quem era o pai do filho da loira, mas Gilbert quase tinha certeza do resultado.

-Ainda não sei, mas Billy ficou de me avisar sobre isso.- O rapaz respondeu,  fazendo um esforço para comer o café da manhã que Irina preparara,  pois seu apetite tinha ido embora.

Enquanto Irina lavava a louça do café,  Gilbert foi ver Anne. Ela continuava na mesma posição que a deixara, e assim, ele se sentou na cama ao lado dela, pegou em sua mão e disse:

-Eu vou sair por algum tempo, mas Irina está aqui. Por favor, fique bem. - ele a beijou de leve nos lábios e se declarou com seu coração totalmente exposto:- Eu te amo tanto. Nunca se esqueça disso, princesa.

Em seguida, ele saiu do quarto, sem notar que olhos de Anne acompanharam todos os seus movimentos.

ANNE

Nas últimas semanas,  tudo o que Anne conseguia se lembrar era da presença de Gilbert por toda parte naquele apartamento.  Apesar de sua mente às vezes parecer um borrão quando tentava se lembrar de acontecimentos mais distantes, Gilbert era o único que vivia dentro dela permanentemente. O perfume dele, o seu sorriso que ela não via mais, e que mesmo em sua inconstância emocional a deixava triste, porque vê-lo sorrir era como sentir o sol aquecendo seu espírito gelado pelo medo e o os pesadelos com Roy Gardner que ainda não tinham ido embora, eram como um guia para que ela se libertasse de sua escuridão e caminhasse enfim para a luz.

Ele a enchia de cuidados, e se preocupava com os mínimos detalhes que lhe trouxessem a sensação de que ela estava segura e era amada. Assim, como muitas vezes fizera no passado, ele colocava em cada canto daquele espaço em que dividia com ela lírios brancos cujo aroma se espalhava pelo ar, trazendo-lhe emoções tão bem vindas. Gilbert pensava que ela não entendia o que ele vinha fazendo por ela, mas apesar de sua cabeça bagunçada,  e seus pensamentos confusos que transitavam entre o passado e o presente, Anne o compreendia com seu coração, e tentava todos os dias se comunicar com ele, mas o rapaz ainda não tinha percebido como ela o olhava ansiosamente, como o toque carinhoso dele, ou sua fala emocionada a deixava de certa forma feliz por não estar atravessando tudo aquilo sozinha como da outra vez.

Em todo esse cenário triste e ao mesmo tempo consolador,  sua mente misteriosamente e sem uma explicação que pudesse justificar tais acontecimentos, a estava levando pouco a pouco em uma excursão de vida ao seu passado,  mas não ao mais recente e sim ao mais distante,  especificamente quando era uma criança que mal sabia falar as palavras com distinção.  

Havia uma casa enorme, cuja parte frontal era pintada de branco, as janelas cobertas com cortinas coloridas, e com pequenos vasos de violetas a enfeitar o parapeito. Ao entrar na enorme sala que mais parecia um ambiente desenhado para festas, ela viu a si mesma sentada ao lado de uma mulher ruiva que tocava com precisão o piano,  e que tentava lhe  ensinar as notas mais simples.

-Vamos, querida. Você consegue. 

-É difícil, mamãe. - ela respondeu um tanto chorosa, batendo os dedinhos nas teclas duras, e fazendo uma careta para o som desafinado que saiu do instrumento. 

-Você precisa apenas de prática. Vamos tentar mais uma vez.- a mãe dela insistiu. 

Naquele momento,  passos rápidos adentraram a sala, e uma voz masculina grossa se fez ouvir:

-Então, minhas garotas estão se divertindo sem mim.

-Olá, querido.  Estou ensinando Anne a tocar o piano.- a mulher ruiva respondeu com um sorriso.

-Ela ainda é muito pequena. Não acha que a está forçando demais?- o pai de Anne perguntou. 

-Anne consegue.  Ela é muito inteligente e tem um dom musical natural.  Só precisa de tempo para aprender e praticar.

-Se você está  dizendo acredito.Vem com o papai,  meu amor.- ele disse pegando, Anne no colo e fazendo-a sorrir.  - Enquanto sua mãe toca,  nós vamos dançar.  O que acha? Quer ser a parceira do papai nessa dança?

-Simmm.- ela disse gargalhando, ao mesmo tempo que seu pai rodopiava com ela pela sala, e sua mãe tocava um de seus clássicos no piano.

Essa cena se desenrolou em sua cabeça por algum tempo, se juntando a outras que a lembraram de sua infância.  Seu cinco anos na época não a ajudavam muito nesse quesito, mas pelo menos lhe davam uma base de como fora sua vida naquele tempo, antes que a morte do pai lhe provasse o quanto era frágil aquela segurança que um dia pensara existir dentro daquela casa. E com mais essa lembrança recuperada, Anne estava começando seu longo caminho de volta para a realidade de si mesma.

A mente de  Anne nesse ponto a trouxe para o presente, e ela se deparou novamente com seu quarto no apartamento de Gilbert.  Em sua observação silenciosa, a ruivinha encontrou Irina sentada em sua cabeceira, fazendo seu costumeiro caça palavras. Uma saudade imensa de suas conversas sentadas na mesa da sala da pequena casa onde Irina vivera com John,  a fez ardentemente desejar falar, mas seus esforços de nada valeram, pois ela continuou tão silenciosa quanto antes.

Intuitiva, Irina pareceu perceber sua angústia,  pos a olhou bondosamente e disse:

-Olá,  minha menina. O que acha de lermos uma história enquanto Gilbert não volta? Qual livro você prefere? Eu trouxe três comigo,  pois não sabia qual é o seu preferido, mas me lembro que me disse uma vez que gostava de clássicos antigos. - Irina vasculhou dentro de sua bolsa , e de lá tirou um exemplar de O Morro dos Ventos Uivantes,  e em seguida falou:- Acho que vai gostar desse. É um romance trágico. Se lembra que uma vez me disse que quando era apenas uma adolescente sonhadora, se imaginava vivendo um romance trágico? E quantos você já não viveu, não é,  minha querida? Alguém na sua idade deveria estar fazendo planos e vivendo o presente em toda sua plenitude. Você não merece tudo o que lhe aconteceu,  Anne.  Eu só queria que voltasse a falar para que eu soubesse como se sente de verdade, porque sinto sua falta, meu amor, e eu te amo como se você tivesse nascido de mim. Espero que se um dia você conseguir voltar para esse mundo,  se lembre do quanto  é  importante para todos nós. - a voz de Irina estava emocionada, e Anne se emocionou com ela, só não conseguiu demonstrar, porque suas emoções trancadas como estavam dentro dela, não permitiam que o  fizesse.

Anne tinha um enorme amor por Irina. Desde o princípio,  ela a tratara como filha, e carente desse tipo de atenção, a ruivinha fora conquistada no primeiro  instante.  Elas tinham se encontrado uma na outra,  porque fora atraídas instantaneamente pelos desejos de seus corações. Anne dera a Irina a chance de partilhar sua vida com alguém que lhe dera o sentido de se ter a uma família, e Irina mostrou a Anne que ela era digna de ser amada apenas por ser que era, e que não necessitava de nenhum talento especial para isso.

Assim como Gilbert era essencial em sua vida,   Irina também o era, e tê-la encontrado em um momento em que tudo a  sua volta parecia não fazer mais sentido,  fora o que lhe dera forças para se enxergar como alguém de valor que tinha direito aquele tipo de felicidade que todo ser humano deveria carregar dentro de si. E eu sempre seria grata aquela mulher de coração enorme, que a acolhera em sua vida sem se importar com seus traumas ou dores.

-Acho que podemos começar o livro agora,  Anne.- Irina afirmou, enxugando seus olhos úmidos e inconformados por verem aquela garota tão linda e tão querida catatonica mais uma vez, e se perguntou se um dia ela seria feliz de verdade sem nenhum espinho ferindo-lhe a alma.

Deste modo, conforme a narrativa de Irina ia ganhando força, Anne se permitiu mergulhar naquele mundo de palavras onde sempre encontrara conforto, reunindo coragem para juntar seu passado e futuro, e voltar a se tornar uma pessoa inteira novamente.

GILBERT E ANNE 

Caminhando pela clínica,  Gilbert deixou seus olhos correrem pelos corredores compridos cobertos por um tipo de ladrilho branco e brilhante,  e se lembrou de quantas vezes naquele ano ele fizera esse mesmo trajeto.

Quando chegara ali  a quase dois anos, não pensara  que ainda tinha tanto a aprender. Na verdade, quando aceitara o convite de Jerry para trabalhar naquela clínica, fora apenas uma necessidade de fugir da sua dor, mas o que ganhara em retorno fora mais do que imaginara.

Ele fizera amigos novos, se aproximara dos velhos, voltara a ter uma relação de pai e filho com John, conhecera Irina que além de uma segunda mãe para ele, também se tornara uma grande amiga, e ganhara a princesa mais linda e bondosa de todas.

Não importava que ela estivesse quebrada por dentro, que se perdia nas suas crises, e que naquele momento mais parecia uma boneca comandada por suas mãos, pois sua vontade de viver no mundo real a tinha abandonado. O que ninguém sabia era o quanto Anne era forte, pois apesar de suas sucessivas recaídas, e essa última muito pior que todas as outras, ela continuava tentando à  sua maneira, e isso era algo comovente de se ver. Ele nunca acreditara em milagres, mas convivendo com Anne dia a dia, ele começara a compreender que vivenciava um milagre todos os dias, pois aquela garota de olhos azuis imensos era a prova viva de que milagres existiam, principalmente pela pequena vida que gerava em seu ventre.

Anne  caminhara sobre fogo, ferira seu coração inúmeras vezes em sua tentativa de ser feliz. Ela caíra de joelhos, tropeçara em seus próprios sonhos, fora usada, destruída, magoada, mas mantivera sua alma serena e  esperançosa,  e isso era fácil de constatar pelas obras incríveis que pintava usando apenas a inspiração do que vivera e do que ainda esperava viver. Era por isso que nunca poderia desistir dela, pois Anne Shirley Cuthbert era sua inspiração. 

Ele entrou em seu consultório,  pois teria alguns laudos médicos para assinar.  Não queria perder muito tempo por ali, pois ainda tinha uma tarefa para realizar, e essa sim seria seu prazer particular do dia. Seria uma presente não só para Anne, mas para si mesmo também, o qual Gilbert vinha planejando a um bom tempo e somente naquela semana tinha conseguido tempo e ânimo para realizar.

Quando pisou em seu escritório,  Gilbert foi surpreendido pela presença de Billy.  Ele e o amigo não vinham se falando muito, não por falta de tentativa de Billy, mas sim pela falta de vontade de Gilbert de falar sobre um assunto que o arremetia a lembrança de Josie Pye, a quem riscara de sua vida permanente. Porém,  não podia fugir por muito tempo, e quanto antes o resolvesse, mais rápido ficaria livre dele.

-Bom dia, Gilbert.  Desculpe vir aqui tão cedo, mas é importante. - Billy disse sem tirar os olhos do amigo, e o jovem psiquiatra sabia o que o amigo deveria estar pensando.

Ele estava com a barba por fazer, os cabelos estavam precisando de um bom corte, tinha emagrecido alguns quilos, e tinha olheiras ao redor dos olhos, mas nada disso importava para ele, e muito menos o olhar reprovador que recebeu de Billy naquele momento.

-Muito bem, vamos ao assunto tão importante que o trouxe até  aqui.- Gilbert disse, sem dar tempo ao rapaz de fazer algum comentário sobre sua aparência. 

-Saiu o resultado do DNA.

-E?- Gilbert perguntou,  tentando parecer interessado, mas no fundo sua intuição já  havia lhe dado a resposta que se confirmou quando Billy disse:

-O bebê é meu. Aqui está o resultado se quiser conferir. - Billy lhe estendeu o envelope com o resultado do exame, mas Gilbert balançou a cabeça, recusando.

-Eu acredito em você.  Acho que por fim zeramos esse assunto.- Gilbert disse, se sentando em sua mesa e abrindo sua maleta.

-Gil, eu queria me desculpar por tudo. Se não me quiser mais em sua vida, eu vou entender, mas saiba que sempre estarei aqui por você. 

-Não quero te afastar da minha vida, Billy. Estou magoado com você, porque me escondeu a verdade sobre o bebê, mas isso vai passar. Somos muito mais que amigos, somos irmãos, e irmãos também se magoam,  mas vou te perdoar no devido tempo.- Gilbert respondeu, olhando para o rapaz que lhe disse:

-Obrigado, Gil. Você não sabe o quanto essas suas palavras são importantes para mim. Eu pensei que tinha perdido sua amizade para sempre.

-Isso nunca vai acontecer. Você cometeu um erro, mas todos nós erramos, e por isso, não tenho direito de te julgar. Nunca amei Josie,  e seria hipócrita da minha parte dizer que me sinto traído porque vocês passaram a noite juntos, quando ainda namorávamos.  Minha mágoa é pelo motivo que já  te expliquei.- Billy assentiu e perguntou:

-Como a Anne está?- Gilbert respirou fundo antes de dizer. 

-Melhor, mas ainda não voltou a falar.

-Você sabe que isso pode demorar.- Billy disse com simpatia.

-Eu sei, mas não importa, eu posso esperar pelo tempo que for preciso. - Gilbert respondeu,  encarando o amigo que continuava a fitá-lo com atenção. 

-Você parece cansado,  Gil. Não pense que estou te criticando, pois eu entendo que precisa fazer o que está  fazendo, mas talvez seu fardo fosse menor se permitisse que todo mundo te ajudasse.  Jerry disse que Diana queria visitar a Anne, mas você não permitiu. Não acha que se isolar e isolar sua noiva de todo mundo pode piorar a situação toda?

-Eu não permiti, pois ela não estava em condições de receber visitas, mas isso deve mudar nas próximas semanas.- Gilbert explicou. Todos os seus amigos quiseram estar por perto, mas ele sabia que estar em meio as pessoas no estado em que Anne se encontrava não faria bem a ruivinha,  mas conforme ele percebia que sua fragilidade ia abrindo espaço para uma recuperação lenta, mas consistente, ele traria as pessoas que ela mais amava para mais próximo dela assim que possível.

-Entendo, mas espero que não nos afaste por muito tempo. Todos nós estamos aqui por você e por ela.- O rapaz afirmou.

-Obrigado. O que vai fazer sobre o bebê?- Gilbert perguntou, mudando de assunto.

-Vou criá-lo. Já conversei com Josie e ela concordou que eu faça isso, já  que ela ainda terá que ficar na cadeia por alguns anos pelo que fez a você e a  Anne.  Assim que o bebê nascer, e puder ficar longe da mãe, vou levá-lo para casa. Minha mãe quer me auxiliar a cuidar dele, e Prissy está  ansiosa por assumir seu papel de tia. Assim, terei muita ajuda na criação do meu filho.

-Não esperava outra coisa de você.  Espero que dê tudo certo.- Gilbert disse com sinceridade,  e Billy respondeu.

-Eu espero que dê tudo certo para você também. - Billy disse, se levantando da cadeira onde estava sentado, e andando até a porta.- Já  vou indo, tenho um paciente daqui a meia hora.  Fique bem, Gil.

-Até  logo.- Gilbert respondeu ao ver Billy ir embora, e se sentindo mais leve por ter acertado suas diferenças com seu velho amigo.

O jovem psiquiatra chegou em casa naquele dia logo depois do almoço. Sua manhã tinha sido agitada, e ele estava se sentindo particularmente animado pelo que tinha acabado de fazer,  e estava ansioso para mostrar a Anne.

Ele entrou no apartamento, e encontrou Irina na cozinha preparando café fresco, e após cumprimentá-la com um beijo no rosto,  ele perguntou:

-Onde está Anne?

-No quarto.  Nós passamos horas muito agradáveis juntas,  mas percebi que ela se cansou um pouco, por isso vim até  aqui preparar um café.   Você  chegou em boa hora.- ela comentou. 

-Acha que ela está dormindo?

-Quando a deixei no quarto, ela não me pareceu sonolenta, mas pode ser que tenha adormecido depois que eu sai. Vai ter que ir até lá para conferir. 

-Vou fazer isso agora mesmo.- Gilbert disse,  se apressando em ir até o quarto. Se Anne  estivesse dormindo, ele adiaria o que queria fazer para o dia seguinte, mesmo que seu coração estivesse ansioso demais por aquilo.

Para sua sorte, ela estava deitada, mas não dormia. Seus olhos estavam fixos no nada, e mesmo sem ter certeza de que ela o entenderia, Gilbert se sentou na cama, pegou a mão dela na sua e disse:

-Amor, estou aqui. O que acha de dar uma volta comigo? Prometo que não vamos demorar.- ele sabia que não  receberia uma resposta concreta dela, mas entendeu que ela aceitara sua sugestão, assim que os olhos dela lentamente desviaram do teto e se fixaram nele.

-É  perto daqui, e tenho quase certeza de que vai gostar muito.- Gilbert continuou a dizer, enquanto a ajudava a se levantar da cama, e segurava em sua mão para que ela caminhasse a seu lado, mesmo que fosse passo a passo, pois ele vinha fazendo esse exercício com ela dentro do apartamento para que não ficasse apenas deitada ou sentada o tempo todo.

Eles passaram por Irina que estava na  sala, e que perguntou preocupada:

-Onde estão indo?

-Não se preocupe, Irina. Não vamos demorar. Se quiser ir para casa, tranque a porta quando sair e deixe a chave na portaria do prédio.- ele pediu enquanto conduzia Anne com segurança até a porta.

-Acho que vou esperar vocês voltarem.- Irina respondeu.

-Está  bem. - Gilbert disse,  levando Anne até o elevador, e quando chegaram ao térreo,  ele a pegou no colo e a carregou até o carro.

O rapaz dirigiu cerca de dez minutos, e então parou em frente à uma casa grande e muito bonita, cuja cor das paredes era de um verde clarinho e a frente era toda enfeitada de canteiro de rosas. Gilbert segurou a mãos de Anne e a puxou até a calçada, onde ficaram por um instante observando a fachada da casa 

-O que acha, Anne? Não é linda? Eu acabei de comprar,  e ela é nossa.- o rapaz disse cheio de um entusiasmo que parecera morto nos últimos dias. Não houve nenhuma reação da parte de Anne, e ele realmente não esperava que isso acontecesse no estado que ela estava. Ele a trouxera até ali, pois sentira necessidade de compartilhar aquilo com ela, pois no momento Anne era a única a quem contaria primeiro aquela novidade. -Venha se sentar comigo. - ele disse, a levando até um banco que dava de frente com o canteiro das rosas. Coincidentemente,  duas borboletas começaram a voar por ali, o que deu impulso ao rapaz para falar o que lhe ia na alma:

-Se lembra quando disse que queria comprar uma casa para nós,  e você disse que o apartamento já era um bom lugar para se morar? O que você não sabe é que sempre quis ter uma casa para onde eu pudesse voltar todos os dias, e sentir que era um lar de verdade. O apartamento é confortável, mas não é o lar que imaginei para nós. Eu quero um lugar onde nossa bebê possa crescer, se sentir livre, e para onde puder regressar e saber que dentro dele está todo o carinho e segurança que ela precisa para se tornar uma mulher forte como a mãe dela é.  Eu quero um lugar que ela sinta que estará sempre de braços abertos para acolhê-la quando a fragilidade de seus sentimentos atingi-la, e onde ela sempre será amada incondicionalmente, assim como eu amo você. - ele parou de falar por um instante, pois seu peito estava cheio demais de sentimentos misturados e intensos, que lhe tiravam a voz, pois não saberia como contê-los se viessem a tona.

Assim, ele ficou observando as borboletas voarem ao redor das flores, em uma beleza tão singela que lhe emocionava profundamente.  Então, ele sentiu os dedos de Anne, entrelaçarem nos seus, e surpreso, a fitou ansiosamente a tempo de perceber que ela lhe sorria como se nunca tivesse parado de fazer isso em todos aqueles dias.

Sem mais conseguir se conter, Gilbert chorou profusamente, porém não mais de tristeza como chorara desde que Anne entrara naquele mundo onde ninguém conseguia alcançá-la, e sim de alegria, pois ele sentiu naquele instante que sua princesa estava voltando para casa.

Olá,  pessoal. Mais um capítulo postado. Após lê-lo, me deixem seus comentários e votos se desejarem. Beijos e obrigada por lerem.

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