Capítulo 65 - O lado bonito do amor
GILBERT
O carro corria a uma certa velocidade que talvez ultrapassasse o que era permitido por lei, mas Gilbert sequer percebia esse detalhe, pois tudo o que conseguia fazer era olhar para sua princesa, presa em sua torre escura de novo, alheia ao mundo que continuava a girar, mesmo com o coração magoado dela.
Anne tinha adormecido em seu braços, e parecia calma, apesar dele saber que dentro da cabeça dela um novo e um velho mundo de tristezas tinham se colidido, depois se juntado, e por fim a arrastado para suas profundezas, onde ela parecia ter mergulhado sua alma mais uma vez.
O rapaz a olhou com preocupação, e seu amor por Anne se agitou dolorido em seu peito, fazendo lágrimas tristes escorrerem pelo seu rosto tenso. Amar Anne sempre fora assim, um misto de dor e alegria que não o fazia se arrepender um centímetro de tudo que vivera com ela. Ele sempre tivera que lutar para conquistar cada parte dela diariamente e mostrar que o amor também tinha um lado bonito e não era apenas feito de mágoa como ela aprendera a conhecer. E no fim vencera e tornara a perder, quando Roy Gardner ressurgiu dos mortos para acabar com sua paz.
Ela podia ter evitado aquela situação e ignorado totalmente as mensagens que recebera de seu ex-noivo a respeito do sequestro de Gilbert, mas o rapaz devia saber que ela não o faria, e dessa vez fora ela que o salvara, pois o jovem médico tinha certeza absoluta de que Roy iria matá-lo assim que Gilbert se tornasse inútil a seus planos, e também por isso, ele lhe era grato por lhe provar que o sentimento que tinha por ele era incondicional, e não conhecia limites ou sacrifícios. Agora era a vez dele salvá-la da escuridão novamente.
-Ela está bem, Gil?- Moody perguntou, encarando com preocupação a expressão quase desesperada do amigo.
-Eu não sei. Anne acabou de adormecer. Ela parece estar exausta.- o rapaz respondeu, acariciando os cabelos dela que mantinham aquela textura sedosa que ele adorava tocar.- Não tenho como saber até que ponto a presença de Roy pode tê-la afetado. Levando-se o histórico psicopata dele, não quero nem pensar no que ela passou nas mãos dele.
-Você acha que ele...- Moody parou no meio da frase ao ver o olhar agudo que Billy lhe lançou, mas Gilbert entendeu o teor da pergunta e disse com um sofrimento tão grande em cada palavra que saiu de seus lábios que tanto Billy e Moody sentiram pena do amigo:
-Eu me recuso a pensar sobre isso, ou vou perder minha razão. Eu não estava lá para protegê-la e disse a ela que Roy nunca mais a machucaria.- uma vontade de gritar tomou conta de Gilbert, que precisou levar as mãos aos lábios para impedir que qualquer som saísse se seus lábios. Estava doendo demais, ele podia sentir seu coração em carne viva e sua alma mutilada ao pensar que Roy pudesse ter tocado em Anne novamente. Sua cabeça girou, seu estômago se contraiu e ele pediu em uma voz quase estrangulada:
-Pare o carro!- Billy freou bruscamente sem entender o que estava acontecendo, e após colocar Anne cuidadosamente deitada no banco do passageiro, Gilbert abriu a porta e correu para fora onde vomitou tudo o que estava em seu estômago.
-Gil, você está bem? - a voz de Moody chegou de tão longe, ao mesmo tempo em que o rapaz colocava uma mão em seu ombro para lhe dar apoio.
-Vou ficar. Só preciso de um segundo. - ele respondeu, sentindo sua cabeça começar a doer, e seu esôfago queimar por conta do suco gástrico. Seu emocional estava tão bagunçado devido às últimas horas de tensão, que todo o seu sistema estava agora reagindo de forma negativa.
-Você precisa descansar. Até agora, tudo o que fez foi se angustiar. Não se alimentou direito, não dormiu. Como quer que seu corpo funcione corretamente se não dá meios para que ele se recupere? - Billy disse de forma severa. Estava preocupado com Gilbert. Ele parecia ter chegado no seu limite, e insistia em continuar mesmo estando a ponto de desmoronar.
-Eu não preciso de um diagnóstico seu, Billy. Sei bem o que está acontecendo comigo. Sou psiquiatra, você se esqueceu?- ele respondeu rispidamente, sem se preocupar com o próprio tom. Ainda estava zangado com Billy pelo que ele lhe contara sobre Josie. A parte de terem passado a noite juntos realmente não importava, mas o amigo omitira o fato de que o bebê de Josie podia não ser seu, e esse era o pior agravante de toda aquela situação.
-Mas além de ser um psiquiatra, você também é um homem,e não está livre do estresse que esse tipo de situação pode causar. Você também pode adoecer, Gilbert, pois não é nenhum super-herói. - Billy disse, encarando seu amigo, que na verdade era quase um irmão, pouco se importando com a rispidez dele. Pelos anos que se conheciam, e pelas experiências de vida que Billy tinha, o rapaz aprendeu a lidar com todo tipo de situação adversa. Ele sabia exatamente como Gilbert reagiria quando lhe contasse o segredo de Josie, por isso a maneira seca com a qual o rapaz o vinha tratando não o surpreendia de forma nenhuma.
-Eu não posso pensar em mim enquanto Anne não estiver bem.- Gilbert endireitou sua postura, olhando para a imensidão à sua frente. Ele precisava ajudar Anne, precisava ter certeza de que ela ficaria bem, para só assim conseguir relaxar.
-Mas precisa. Como vai cuidar dela se também estiver doente? E você sabe o quanto os problemas emocionais dela te consomem, e pode levar tempo até que ela volte ao normal. - Gilbert sabia que Billy estava certo, mas não queria admitir. Teimosamente, ele se mantinha no propósito de ficar ao lado de Anne até que pudesse ver aquele sorriso incrível de volta ao rosto dela, não importava o sacrifício que tivesse que fazer para isso.
-Você não é meu pai, Billy.- Gilbert respondeu, passando as mãos pelos cabelos em um gesto nervoso.
-Mas vou agir como um se isso te fizer voltar a razão. Eu te amo como se você fosse meu irmão, e não vou deixar que se destrua assim. Não quero te ver como a três anos após a morte de sua esposa, quando você mais parecia um zumbi que um ser humano.- Billy confessou, emocionado, fazendo com que Gilbert se sentisse do mesmo jeito que o amigo. Ele baixou a cabeça, respirou fundo por dois segundos, depois levantou a cabeça novamente, e assentiu enquanto dizia:
-Vamos. Anne precisa de nós. - Moody olhou para Billy que balançou a cabeça, e seguiram Gilbert até o carro, onde o jovem psiquiatra pegou Anne nos braços novamente, e não tirou os olhos dela até que chegaram ao hospital.
Uma vez lá, Gilbert pediu que ligassem para Charlie, o psiquiatra de Anne, pois como médico dela, só ele poderia pedir os exames necessários para verificar o real estado dela. Porém, antes do rapaz chegar, Gilbert a acompanhou até a sala de emergência, e ficou ao lado dela o tempo todo, sofrendo ao vê-la tão inerte naquela cama de hospital, desejando tanto que ela abrisse os olhos e soubesse que ele estava ali e não mais a deixaria.
Às vezes a via se agitar durante o sono, e o rapaz se perguntava se ela estaria lutando com seus demônios internos, aos quais naquele momento, ele não tinha nenhum acesso para poder ajudá-la a se livrar deles. Tudo o que podia fazer era segurar a mão dela e tentar emprestar a Anne sua força para que ela não desistisse e voltasse para ele.
Quando Charlie chegou, o nível de tensão no corpo dele era extremo. O rapaz mal conseguia controlar seu nervosismo, e já tinha utilizado todos os exercícios de relaxamento mental que conhecia, mas descobriu que isso só funcionava quando a mulher que ele amava com loucura não estava envolvida.
-Gilbert, pode me contar o que aconteceu?- Charlie perguntou, assim que entrou no quarto e viu sua paciente adormecida.
-Acho que posso tentar. - Gilbert respondeu, sentindo mais uma vez seu estômago se contrair, e rezou internamente para conseguir chegar ao fim da narrativa sem se quebrar em mil pedaços.
Pouco a pouco, ele deixou Charlie saber de todos os detalhes do seu sequestro, sobre quem era Daniel Darson, o que acontecera com Anne que naquele instante estava de novo naquele quadro desesperador.
-Preciso fazer alguns exames em Anne, como deve saber.- Charlie disse, e Gilbert concordou.:- Mas preciso pedir que saia, pois nenhum familiar pode ficar junto com a paciente, enquanto realizo os exames.
-O que está dizendo, Charlie? Eu não vou deixá-la. Você me conhece, já fui médico de Anne. Assim, eu acredito que não exista nenhum impedimento nisso. - Gilbert disse contrariado pelo que seu amigo dissera.
-É justamente por isso que quero que saia. Seu envolvimento emocional com a paciente por si só já é um impedimento. -Charlie disse com a voz firme.
-Você só pode estar brincando. - Gilbert resmungou, olhando para Charlie cheio de ira.
-Pois não estou. Já deu uma olhadinha no espelho? Você está um caco, Gil. Até posso entender os seus motivos, mas não vai ajudar a Anne se manter esse alto nível de estresse no seu organismo. Quanto tempo faz que não dorme?- Gilbert olhou para Charlie chocado e fez as contas que simplesmente totalizaram mais de quarenta e oito horas, e respondeu:
-Mais de quarenta e oito horas.
-E quanto tempo faz que não come?- Charlie tornou a perguntar, penalizado pelo estado do rapaz.
-Acho que o mesmo tanto de horas.- Gilbert apertou as têmporas, sentindo sua cabeça quase estourando de dor.
-Então deveria se alimentar e tentar descansar um pouco, pois pelo que posso perceber, se continuar nesse ritmo, vai ficar mais doente que Anne e será de pouca ajuda para sua noiva. - Charlie o alertou, mas Gilbert relutava em seguir o conselho do amigo, pois Anne era o que lhe importava no momento. Precisava estar perto, senti-la, saber que mesmo em seu estado crítico ela entendesse que não estava sozinha.
-Não posso, Charlie. Ela precisa de mim. Por favor me deixe ficar. - ele implorou, mas Charlie não estava disposto a ceder, principalmente naquela situação em que Gilbert estava internamente abalado. Ele também precisava de ajuda e ainda não tinha percebido.
-Outras pessoas também precisam de você, sua família, seus amigos, e principalmente seus pacientes. Acha que consegue ajudá-los no estado em que está? Você precisa se cuidar, Gilbert, se não quiser acabar na cama de um hospital. Eu sei o que está sentindo, mas você sabe que vou cuidar de Anne da melhor forma que puder, ou será que não confia mais em mim?
-É claro que confio, mas é minha noiva que está aqui, e não consigo deixá-la nesse momento. Eu preciso saber o que está acontecendo com ela.- Era uma súplica tão dolorida, que fez o coração de Charlie se apertar. Ele sabia que Anne era o mundo para Gilbert e que se algo acontecesse com ela, ele seria mentalmente destruído. Nunca tinha visto Gilbert tão abalado, pois normalmente ele era prático e centrado, mas no momento parecia que tudo o que ele havia aprendido na psiquiatria para manter seus emoções sob controle tinha desaparecido de sua mente, e o que sobrava era aquele homem desesperado que faria qualquer coisa para que ela voltasse a ficar bem.Era um amor muito bonito o que havia entre aqueles dois, e também de uma complexidade tamanha, pois poderia facilmente levar a ambos para o fundo do poço, se não tivessem um ao outro para sobreviver.
-Eu prometo que farei de tudo para descobrir. Mas por favor,Gilbert. Me espere lá fora e aproveite para comer algumas coisas, pois vai precisar de suas forças de volta se quiser mesmo ajudar Anne. - Gilbert percebeu que tinha perdido aquela batalha, por isso não insistiu mais. Ele apenas se aproximou de Anne, a beijou suavemente no rosto e disse baixinho:
-Eu volto logo, princesa. Prometo que estarei sempre do seu lado.
Então, saiu do quarto e foi em direção à recepção onde Moody e Billy o esperavam, sentindo como se tivesse deixado tudo o que mais lhe importava para trás.
ANNE
Em sua cabeça, Anne lutava para tentar distinguir o que era real e o que era apenas sua imaginação lhe pregando uma daquelas peças assustadoras. Estava presa dentro de si mesma e não conseguia sair de lá, embora sua consciência oscilasse entre a sanidade e a loucura, o pesadelo e a realidade de seus sentimentos.
Estava com medo, mas também estava com raiva e dessa vez não era contra si mesma, mas contra um homem que saíra de sua obscuridade para vir atormentá-la de novo. Ela podia ouvir seus gritos e suas risadas, a voz odiosa que lhe dizia o que faria com ela a cada segundo, como a torturaria até que lhe implorasse para parar.
Anne vira o desejo naqueles olhos castanhos malignos, sentira as mãos dele passeando por seu corpo, enquanto a malícia explícita na expressão masculina a deixara quase sem ar. Não havia amor ali, apenas um sentimento de posse, o mesmo que o fizera humilhá-la no passado inúmeras vezes. Internamente ela lutara contra aquele ser humano pérfido cuja função no mundo era apenas odiar, causando em Anne certo sentimento de pena por pensar que ele nunca saberia como era bom amar alguém.
Tal pensamento a levou a Gilbert, seu anjo salvador e único amor. Tudo o que fizera fora por ele, pois um mundo sem Gilbert Blythe jamais seria o mesmo. Será que ele tinha escapado? Será que estava vivo? Ansiosa, ela abriu os olhos e não identificou de pronto onde estava, nem o homem vestido de branco que conversava com uma moça vestida de enfermeira. Ele lhe era familiar e a voz parecia bastante conhecida, mas não conseguia se lembrar de onde a ouvira.
Onde estaria Roy? Ela olhou para todos os lados daquela sala e não o enxergou. Estava com muito medo pelo bebê, pois ele dissera que iria matá-lo, pois não queria o fruto da traição de Anne entre os dois. Ela só não se lembrava se ele havia nascido ou se continuava em sua barriga.
Naquele momento, o homem de branco se aproximou e disse à sua acompanhante:
-Vamos checar seus reflexos vitais agora que ela despertou, e também quero examinar seu grau de consciência.- a moça assentiu, começando a preparação para os exames médicos.
-Olá, Anne. Aqui é o Charlie. Você se lembra? Pisque para mim duas vezes se estiver me ouvindo. - Anne tentou fazer o que ele pedia, mas não conseguia esboçar nenhuma reação. Sua cabeça começou a pesar depois de algum tempo em que se esforçou ao máximo para deixar o médico saber que o ouvia, e acabou desistindo pelo cansaço mental.
-Você está no hospital. Consegue perceber?- de novo ela tentou piscar, mas falhou. No entanto, queria perguntar onde estava Roy? Será que ela passara mal e ele a trouxera até ali? Tentou se concentrar na porta, temendo que ele aparecesse, gritando com ela, sacudindo-a com força e dizendo o quanto ela era uma garota má. Ela queria Gilbert, precisava dele, mas sequer podia dizer aquilo em voz alta, pois sua voz tinha sumido de novo.
-Não consegui nenhuma reação mental dela, o que é realmente preocupante, pois pelo que sei , é a segunda vez que ela entra em um processo pós-traumático assim. - Charlie disse, observando o olhar ausente de Anne. Não havia muito o que se pudesse fazer nesses casos, a não ser ministrar medicação e esperar que ela fosse aos poucos recobrando sua percepção acerca das coisas. Mas havia um agravante que era a gravidez. Teriam que ver uma medicação que não prejudicaria o bebê, porém deveria ser mais forte que os florais que ela vinha usando nos últimos meses.
-Vamos testar a coordenação motora dela.- a enfermeira concordou, e assim Charlie se voltou para Anne e disse:
-Não sei se consegue me ouvir, mas vamos levantá-la agora e fazê-la andar pelo quarto.- Anne entendeu o que ele tinha falado, mas como não conseguia responder, esperou que eles lhe mostrassem o que fazer.
Em seguida, Charlie e a enfermeira a ajudaram a se levantar, andar pelo quarto e também levantar os braços para o alto. O médico também testou a função de suas mãos, examinou seus olhos, seus dedos dos pés, e depois falou para sua enfermeira que a tudo anotava no prontuário da paciente:
-As funções motoras parecem normais, mas o que me preocupa mais é como o cérebro dela foi afetado nessa situação traumática pela qual ela passou.
-Acha que ela pode não se recuperar?- a enfermeira perguntou.
-Não tenho como saber agora. Vamos ter que fazer mais exames, e talvez leve o dia todo até que tenhamos uma resposta para essa sua pergunta.- Charlie afirmou, observando Anne que estava novamente deitada na cama.
Era uma pena que uma garota tão bonita e talentosa estivesse naquela situação. Cole lhe contara como Anne pintava seus quadros, como sua criatividade era maravilhosa e como se tornara famosa em muito pouco tempo. Era um dom que não deveria ser desperdiçado, e ela era tão jovem com uma vida inteira pela frente para continuar a criar seus quadros incríveis. Charlie apenas lamentava não poder fazer muito por ela a não ser assisti-la diariamente, e ver como progrediria. Sua preocupação maior era com Gilbert, que parecia estar em um processo perigoso dentro de si. O rapaz estava a ponto de ter um colapso nervoso, e Charlie não sabia até quando ele se aguentaria naquela situação.
-Peça para o ginecologista vir até aqui. Preciso saber o estado da gravidez de Anne. Não sei como o feto pode estar se desenvolvendo depois de toda essa tensão pela qual ela passou. Vamos rezar para que nada de ruim tenha acontecido com o bebê.- Charlie pediu a sua enfermeira, que se apressou em atendê-lo, indo em busca do ginecologista de plantão.
Enquanto Charlie esperava por mais uma opinião profissional, uma batalha se travava dentro de Anne. Entre sua razão e o sentimento irresistível de se afundar na escuridão de vez, ela ainda resistia, mas podia sentir os demônios em sua cabeça puxando-a por todos os lados como se cada um quisesse um pedaço dela para si
Cansada de lutar, ela adormeceu mais uma vez, pois pelo menos em seus momentos de inconsciência, ela encontrava um pouco de paz para seu tormento interior.
GILBERT E ANNE
Gilbert empurrou o prato praticamente cheio para longe de si, e tomou um gole grande de seu suco gelado. Nada descia, apesar de não ter comido nada o dia inteiro, e sentia como se um grande vazio tivesse se instalado dentro de seu estômago, e que nenhum alimento poderia preenchê-lo.
Eles estavam na cafeteria do hospital para onde Gilbert quase fora arrastado pelos dois amigos, cada vez mais preocupados com seu estado emocional, quando tudo o que ele queria fazer era esperar pelos resultados dos exames de Anne.
-Precisa comer, Blythe. Está assim desde ontem a noite. Não vai aguentar por muito tempo se continuar desse jeito.- Moody o advertiu, mas o rapaz apenas balançou a cabeça desconsolado. Como ele iria fazer alguém entender que o que precisava não encontraria em alimento ou bebida alguma? Estava exausto, enfraquecido fisicamente, mas seu amor por Anne estava mais forte e maior do que nunca. Não importava em que condições ela se encontrasse, pois ele continuaria ao lado dela até o fim.
-Eu liguei para seu pai, espero que não se importe. Ele disse que estará aqui assim que puder.- Billy lhe contou, atento a cada reação do amigo. Era um hábito seu como psicólogo de anos, observar a reação dos pacientes em determinadas situações,e mesmo Gilbert não sendo seu paciente, ele tinha medo que o rapaz acabasse tendo algum esgotamento nervoso e precisasse de assistência médica, e antes que isso acontecesse, ele seria o apoio que ele precisava, mesmo que ele não o desejasse.
-Precisamos resolver aquele assunto. - Gilbert disse de repente, tirando totalmente o foco da atenção da conversa dele. Billy imaginou que ele fizera aquilo propositadamente, pois o amigo detestava que as pessoas quisessem cuidar dele quando toda vida fora ele que cuidara de alguém.
-Sim, mas não precisa ser agora.
-Eu quero ficar livre disso, Billy, e quanto antes melhor. Com tudo o que está acontecendo, não quero mais esse peso nas minhas costas.- Gilbert afirmou, apoiando o queixo nas mãos.
-Posso saber do que vocês dois estão falando? Confesso que não entendi nada. Moody falou, olhando de um para outro.
-Isso é entre Gilbert e eu,Moody.- Billy resmungou, tentando desconversar, pois não havia contado a ninguém sobre o seu segredo, a não ser para Gilbert.
-Quando foi que deixei de fazer parte do nosso trio de amigos? Vocês têm segredos e me deixam de fora? - Moody estava magoado e não fora essa a intenção, mas Gilbert não queria revelar algo que talvez Billy não quisesse que os outros soubessem por enquanto, por isso disse:
-Não estamos deixando você de fora. Só que a situação é complicada e muito íntima. Você vai saber quando for a hora.
-Grande consolo. - Moody respondeu, fazendo um bico imenso, que fez Billy dizer:
-Desfaz essa cara, Moody. Você não tem mais cinco anos. Você sabe que somos quase irmãos e sempre seremos. Eu prometo que vou te contar tudo no devido tempo. Agora temos um assunto mais sério a resolver. - Billy apontou silenciosamente para Gilbert que voltara a se fechar em seu mutismo preocupante, e Moody assentiu silenciosamente, não desejando dar tanta importância ao segredo omitido dele, quando Gilbert parecia estar se afundando em um desespero sem fim.
Eles permaneceram na cafeteria por algum tempo, até que Gilbert quis voltar para a recepção do hospital, e como não podiam impedi-lo, Moody e Billy o seguiram até lá. Ao pisarem no local, John e Irina vieram ao encontro dos três rapazes e pareciam extremamente preocupados.
-Gilbert, tem alguma notícia da Anne?- Irina perguntou, e Gilbert sabia pelo olhar que ela lhe lançou que a esposa de seu pai estava tão angustiada quanto ele.
-Estou esperando pelos resultados dos exames dela. - ele respondeu, desejando que tudo aquilo fosse apenas um delírio de sua cabeça exausta, mas infelizmente não era.
-E o bebê?- John perguntou, observando com apreensão a boca contraída do filho, os olhos vermelhos e a expressão impenetrável, mas ao mesmo tempo tão nítida em sua dor.
-Ainda não sei. - ele não queria pensar em seu filho. Era mais do que podia lidar no momento. Queria apenas se concentrar em Anne, porque se acrescentasse o bebê à sua lista de preocupações, iria se quebrar mais rápido que uma taça de cristal.
-Estamos aqui, filho. Eu imagino como está se sentindo, e a sua dor é a minha também. Apenas não se enterre dentro de você, e não nos afaste, pois todos aqui somos sua família e te amamos. - John disse, colocando um braço no ombro do filho.
-Eu sei, papai , e obrigado - ele poderia facilmente se deixar levar por sua dor. Era quase tentador se deitar em algum lugar e ficar lá para sempre. Gilbert sentia a depressão o rondar como fizera na época da morte de Ruby, mas não podia se dar a esse luxo. Anne precisava dele, e naquele momento, ele era tudo o que ela tinha.
-Não seria melhor avisar aos tios de Anne? Pelo o que ela me contou, eles são como pais dela.- Irina sugeriu, mas Gilbert declinou a ideia no mesmo instante.
-Não acho que Anne concordaria. Eles são idosos e uma viagem até aqui seria muito difícil para eles, principalmente para o tio que é um homem adoentado. Vou falar com eles depois.
Mais alguns minutos e Charlie apareceu. Seu semblante era de preocupação, fazendo o coração de Gilbert dar um pulo agoniado. Mil pensamentos se passaram em sua cabeça, e por mais que tentasse expulsá-los, o rapaz não conseguiu, e esperou com sua garganta apertada pelo diagnóstico do amigo, enquanto o médico de Anne via as linhas de exaustão ao redor dos olhos do Gilbert e a maneira como ele estreitava os olhos como se sentisse dor.
-Quero falar com você em particular. - Charlie disse.
-Está bem.- Gilbert respondeu, o seguindo até uma sala vazia.
-Eu fiz todos os exames possíveis em Anne, e tudo o que posso dizer é que sua coordenação motora está normal, mas suas funções cerebrais estão seriamente comprometidas.
-O que quer dizer?- Gilbert perguntou, sentindo o baque atingi-lo direto no coração.
-Tenho certeza de que sabe o que quero dizer. Ela não reage, Gilbert, não responde a estímulos e arrisco dizer que Anne se recuperar dessa vez vai ser difícil. Não sabemos que tipo de violência Roy usou contra ela, ou qual tipo de tortura psicológica a deixou nesse estado. Estou sendo franco com você para que se prepare. - Gilbert respirou fundo. Não queria pensar naquilo, mas foi obrigado a perguntar:
-Acha que ele abusou dela sexualmente?
-Não. Eu pediu a um ginecologista que a examinasse, e ele disse que isso não aconteceu. - Charlie enfatizou, fazendo o ar que estava preso nos pulmões de Gilbert ser liberado pelo alívio que ele sentiu, ao ouvir a declaração de Charlie. - O bebê também está bem, portanto, você não precisa se preocupar com isso.
-Graças a Deus. - Gilbert murmurou, afastando o terror que sentira antes, por pensar no que Roy poderia ter feito com Anne dentro daquela casa sinistra.
-Quer conhecer o sexo do seu filho? O ginecologista está fazendo um ultrassom nesse momento e me pediu para te perguntar se gostaria de acompanhar o procedimento. - uma emoção diferente tomou conta de Gilbert que até aquele momento se sentia tão desesperado Ele não queria fazer aquilo sem Anne, mas diante das circunstâncias, não tinha como dizer não, pois além daquela dor que estava sentindo bem no fundo do seu coração, também havia uma certa alegria por saber que ia conhecer o bebê de ambos.
-Quero sim. - ele disse, e então, Charlie fez um gesto para que o rapaz o seguisse.
Quando entraram na sala de exames , ele viu Anne deitada sobre a cama, completamente adormecida enquanto o médico passava um pouco gel sobre o ventre arredondado dela, ao mesmo tempo em que monitorava as imagens que passavam na tela de imagens à sua frente. Gilbert se aproximou, se sentindo emocionado, pois Anne deveria estar consciente para viver aquele momento lindo junto com ele.
-O senhor será pai de uma menina, Dr. Blythe e veja como o coraçãozinho dela bate forte. - O médico lhe revelou, e Gilbert sentiu lágrimas quentes escorrendo pelo seu rosto, sentindo o milagre da vida ainda por nascer tão forte naquele quarto, contratando com o caos e a tristeza de ver Anne naquela situação.
Ele se abaixou até perto dela, e disse baixinho, enquanto suas mãos lhe acariciavam os cabelos :
-É uma menininha, Anne. O nosso bebê é uma princesinha linda igual a você. Obrigada por esse presente maravilhoso. Eu só queria que pudesse ver com seus próprios olhos.
-Ela não pode te ouvir, Gil. Sinto muito.- Charlie disse penalizado.
-Ela pode sim. Se você conseguisse entender como a gente se ama, iria perceber que ela talvez não me escute com os ouvidos, mas tenho certeza que no coração dela, Anne me ouve, e sabe que estou aqui.- Gilbert disse aquilo com tanta firmeza, que Charlie não achou uma forma de contestar. Se o amor de Gilbert e Anne era realmente tão grande, então, talvez um milagre acontecesse ali, e a trouxesse de volta para o rapaz que tão comoventemente segurava a mão dela como se o mundo todo dele estivesse ali.
-Acho que seria melhor levá-la para a clínica. Assim ela poderia receber cuidados especializados. - Charlie sugeriu.
-Não, ela vai para casa comigo. - Gilbert disse, sem tirar os olhos do rosto de Anne.
-Você sabe que terá o dobro do trabalho, sem contar o desgaste emocional que isso pode acarretar. Está mesmo preparado para isso?- Charlie perguntou, mais preocupado do que antes com a sanidade mental de seu colega e amigo.
-Não importa. Eu quero que ela se sinta protegida e amada e dentro da clínica não poderei dar isso a ela. Portanto, Anne vai para casa comigo.
-Vai precisar contratar alguém que o ajude, pois como vai cuidar dela se precisa também cuidar de seus pacientes?
-Vou pedir uma licença sem tempo estipulado, se não quiserem me dar, peço demissão. Você sabe que com meu currículo e experiência, posso encontrar trabalho em qualquer lugar. Ninguém vai me afastar de Anne neste momento. - Gilbert respondeu de forma irredutível. Já tinha se decidido e ninguém o faria mudar de ideia. Tinha errado com Ruby, mas não faria o mesmo com Anne. Ele estaria ao lado dela a cada passo do caminho, e iria ajudá-la a se recuperar, mesmo que todos dissessem que era impossível. Anne iria ficar boa, eles se causariam e veriam juntos sua filha nascer e crescer, enchendo a casa que ele pretendia comprar de alegria e esperança.
-Você tem tanta certeza assim que ela pode ficar boa?- Charlie perguntou, espantado com tudo o que ele dissera. O antigo Gilbert Blythe jamais colocaria sua vida pessoal à frente de seus pacientes. Então, era mesmo verdade que o amor incondicional podia mudar as pessoas radicalmente.
-Como tenho certeza que o sol vai nascer todos os dias. - ele disse, encarando Charlie com seriedade.
-Então, só posso te desejar boa sorte, meu amigo.- Charlie disse, lhe apertando a mão com afeto.
Alguns minutos depois, Gilbert saiu do hospital com Anne adormecida em seus braços, seguido de seu pai, Irina e seus dois amigos, que lhe ofereciam todo o apoio possível. Assim que chegaram em seu apartamento, ela acordou, e ele a levou até o banheiro onde com todo o cuidado do mundo a ajudou a tomar banho de banheira, e em seguida, a vestiu com um pijama confortável, lhe penteou os cabelos e a fez comer uma refeição leve, alimentando-a ele mesmo a cada colherada, já que ela não podia fazer isso sozinha.
Depois de escovar os dentes dela, ele a levou para cama, se deitou com ela, e disse antes que ela adormecesse:
-Eu te amo, minha princesa, e juro que vou cuidar de você com toda a dedicação do mundo. Apenas confie em mim, e prometo que não vou descansar até que esteja boa de novo.
Assim, Gilbert lhe deu um selinho, antes de puxá-la protetoramente para seus braços. O que ele não viu, pois já tinha apagado a luz, foi uma lágrima solitária que escorreu pelo rosto de Anne que tinha escutado cada palavra que ele dissera.
Olá, pessoal . Me emocionei nesse capítulo. Espero que gostem e me deixem seus comentários para que eu saiba o que acharam do capítulo. Obrigada por lerem. Beijos
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