Capítulo 63 - Confrontando o passado
ANNE
Gilbert não voltou nas horas seguintes daquela noite, e depois de bastante tempo chorando sem parar, Anne conseguiu se arrastar do chão até o sofá, olhando compulsivamente para o relógio, esperando que Gilbert aparecesse de repente e a tirasse daquela agonia. Ela se sentia exausta, mas não conseguia fechar os olhos ou descansar. Sua mente a atacava sem piedade, e mil pensamentos aterrorizantes aumentavam seu temor por algo que não sabia explicar e apenas conseguia sentir que nada de bom resultaria dessa situação.
A campainha do apartamento tocou,e se equilibrando precariamente sobre as próprias pernas, Anne conseguiu alcançar a porta, rezando para que fosse seu noivo, mas se surpreendendo ao ver que era Moody acompanhado de Billy.
O rapaz chamara o amigo, antes de ir ao apartamento onde Anne vivia com Gilbert, pois não sabia em que condições a encontraria e por isso, Billy poderia ajudá-lo caso ela estivesse em meio a uma crise, já que era psicólogo e lidava com essas situações diariamente.
-Anne, meu bem. O que aconteceu?- Billy se adiantou, antes que Moody dissesse qualquer coisa, pois a expressão desesperada no rosto da ruivinha era preocupante.
Ela quis responder, mas não conseguiu. Sua aflição era tanta que mal respirava. Billy olhou para Moody e disse:
-Vá até a cozinha e pegue um copo com água e açúcar, pois Anne vai precisar. - Moody assentiu e deixou Billy sozinho com Anne, enquanto fazia o que o amigo havia lhe pedido.
-Fique calma, Anne, e me diga o que aconteceu?- o rapaz perguntou, abraçando-a com cuidado, pois ela parecia estar precisando tanto de carinho naquele momento, que fazia seu coração, que não era tão sensível assim, querer protegê-la da dor que sua mente parecia estar causando a ela. Gilbert sempre tivera razão. Aquela garota era especial, e agora Billy entendia porque o amigo tinha se apaixonado perdidamente por ela. Anne era uma daquelas pessoas que mostravam através dos olhos e gestos suas fragilidades internas, era como se fosse uma criança que precisasse de colo e alguém que segurasse em sua mão todo o tempo, lhe mostrando o melhor caminho para seguir sem que as pedras que encontrasse em sua jornada machucasse sua alma com a dureza delas.
Sua inocência se assemelhava a de um animalzinho indefeso que poderia ser abatido a qualquer momento, por não saber como se defender da maldade alheia. Gilbert enxergara tudo isso nela, e a nobreza que o amigo tinha dentro de si jamais deixaria que alguém assim passasse despercebido em sua vida. Ele abrira suas asas para protegê-la assim como abrira seu coração para amá-la, e conhecendo também as fragilidades de Gilbert, Billy entendia que nunca conhecera duas pessoas tão certas uma para outra.
Era doloroso ver aquele tormento dentro de olhos que deveriam apenas brilhar de felicidade. Anne merecia uma vida onde pudesse apenas sentir o aroma das flores, e não aquele curvar de ombros que pareciam carregar peso demais para sua figura esbelta, e delicada. Em sua trajetória como psicólogo, Billy vira almas quebradas aos montes, mas não iguais a daquela menina que se agarrava a ele, e chorava como se seu mundo tivesse sido estraçalhado em um único golpe. E o rapaz sabia que o único que poderia curar Anne era Gilbert, e o amigo não estava ali no momento, fazendo Billy se perguntar que diabos tinha acontecido com ele.
-Anne, vamos nos sentar um pouco. Você parece exausta e não fará nada bem para o seu bebê. - ele tinha reparado na pequena elevação no ventre dela, e logo intuiu sobre a gravidez. Gilbert não havia lhe contado sobre esse fato, mas era compreensível já que não se falavam a algum tempo. Ele andara evitando de encontrar o amigo, pois depois do que aconteceu entre ele e Josie, Billy não tinha coragem de encarar Gilbert sabendo do que tinha feito, e principalmente por ter quase certeza que o bebê que Josie esperava era dele. Ele pensara várias vezes em trazer aquele assunto à tona, mas não tivera coragem, por medo de perder um dos seus pouco amigos verdadeiros, e também por amor a Josie. Billy queria protegê-la, assim como Gilbert fazia com Anne, mesmo sabendo que talvez ela não merecesse.
-Aqui está a água que pediu.- Moody respondeu, retornando para a sala com um copo nas mãos, do qual Billy fez Anne beber quase imediatamente.
-Agora nos conte o que aconteceu. - Billy pediu assim que Anne lhe entregou o copo vazio. Com grande esforço, ela respirou fundo e começou a falar, incentivada por Billy que segurava em sua mão suavemente.
-Gilbert me disse que encontraria com vocês hoje, mas que estaria em casa para o jantar, mas ele não voltou. - ela parou de falar novamente, pois seu coração parecia ter se apegado a última frase com uma ferroada que beirava a dor física. Ela não queria pensar no pior, mas a todo momento sua cabeça a levava de volta aos mesmo pesadelos que tivera nos últimos dias, como se tivessem se tornado reais e saído das sombras para arrasar com tudo o que era mais bonito em sua vida.
-E de fato nos encontrou, mas ele voltou para casa um pouco depois das sete. Eu não entendo como ainda não chegou. - Moody disse pensativo, começando a se preocupar. Ele tentara ligar para Gilbert várias vezes, desde que Anne falara com ele, mas o amigo não respondera. Ainda assim, tentara encontrar uma razão plausível para esse súbito silêncio dele, mas observando com os próprios olhos o estado em que Anne se encontrava, aliado ao fato de que Gilbert ainda não chegara, o rapaz estava seriamente pensando em tomar providências mais drásticas. Assim, ele se virou para Billy e perguntou:- Não é melhor ligarmos para a polícia?
-E o que vamos dizer exatamente? Você sabe que existe um limite de horas para notificarmos o desaparecimento de uma pessoa. Temos que esperar mais um pouco mais até que possamos de fato falar com a polícia - Billy sentiu Anne estremecer, e abrandando a voz e pensando unicamente no bem-estar dela, ele perguntou:- O que quer fazer, Anne?
-Eu não sei. Só sinto que tem algo errado. Gilbert não me deixaria sem notícias dessa maneira. - Passar horas sem saber nada dele a estava matando por dentro, e o pior era que realmente não sabia o que fazer. Sua mente estava tão nublada quanto seu coração, e ela nunca se sentira tão perdida quanto agora. Gilbert sempre fora sua coerência e equilíbrio e sem ele ali com ela, Anne se sentia escorregando lentamente para o lado mais obscuro do seu cérebro. Os esqueletos do seu armário estavam tomando vida novamente, e estavam a um passo de tê-la sob suas garras. Suas forças estavam se acabando e sua sanidade estava pouco a pouco se afundando na loucura de seus temores. Ela queria ser mais forte, no entanto estava perdendo a batalha e a motivação para o seu desespero crescente e devastador.
-Por que não ligamos para o tio John? Ele vai saber o que fazer. - Moody opinou.
-O tio John tem pressão alta, e não sei o que uma notícia assim faria com o emocional dele. O melhor é esperarmos mais um pouco e tentarmos falar com Gilbert, e se quando amanhecer ainda não tivermos nenhuma novidade sobre o paradeiro dele, então tomaremos as providências necessárias. - Billy decidiu embora também estivesse começando a se preocupar. Gilbert nunca fizera algo parecido antes. Ele era por demais ético para desaparecer sem avisar ninguém, e principalmente, ele não deixaria Anne naquele estado, sabendo do histórico emocional dela.
-Tudo bem para você, Anne? Acha que consegue controlar sua ansiedade até de manhã?- Billy perguntou, ainda segurando as mãos geladas da garota entre as suas. Entre todas as pessoas, era ela quem mais o preocupava, especialmente por conta da gravidez. A fragilidade de Anne naquele momento era preocupante, e ele sabia os danos que poderia causar ao bebê e a ela mesma. Tudo o que Billy desejava era mantê-la o mais tranquila possível. Era o mínimo que podia fazer em meio a todo aquele caos, para amenizar um pouco a situação e sua consciência culpada.
-Eu vou tentar. - ela respondeu, sentindo sua voz falhar no último instante.
-Por que não tenta descansar um pouco? Você parece estar no fim de suas forças. - Billy a aconselhou.
-Não sei se consigo dormir. Queria o Gilbert aqui comigo.- ela respondeu com a voz chorosa que fez Billy lhe dizer:
-Eu sei, mas vai ficar tudo bem. Logo o Gilbert vai estar aqui para cuidar de você. - ele olhou para Moody no mesmo instante, tentando transmitir sua incerteza do que dissera para o amigo, mas lhe bastava que Anne acreditasse naquilo para poder descansar como devia.
Moody a ajudou a se ajeitar no quarto, mas por mais que tentasse, o sono não veio, e assim, ela permaneceu deitada de olhos fechados se lembrando de todos os momentos especiais que tivera com Gilbert, desejando mais que tudo aquele abraço que lhe dava todo o conforto e proteção do mundo, e o beijo suave no topo de sua cabeça que ele costumava lhe dar todas as noites depois de lhe desejar boa noite. Foram essas lembranças que a sustentaram até de manhã quando Billy entrou de mansinho em seu quarto, e vendo-a acordada lhe disse com toda a calma necessária naquele momento:
-Vamos chamar a polícia
GILBERT
A dor de cabeça era tão excruciante, que Gilbert tinha a impressão de que ela iria explodir a qualquer momento. Abrir os olhos se tornou uma ação quase impossível, mas o rapaz fez um esforço enorme porque precisava entender o que estava acontecendo.
Por fim, seus olhos castanhos se abriram doloridos e desconfortáveis com a luz ambiente, mas para sua total surpresa, Gilbert não reconheceu onde estava. Era um cômodo minúsculo de uma casa desconhecida, no qual não havia quase nada a não ser a cama na qual estava deitado e seus pulsos amarrados para trás, em uma posição na qual não permitia que ele se libertasse. Seus tornozelos também estavam amarrados, por isso não havia nenhuma possibilidade de se levantar e caminhar pelo quarto, ou mesmo tentar uma fuga daquele lugar sinistro.
Ele ainda tentava entender o que tinha acontecido na noite anterior, quando deixara os amigos para voltar para casa. Anne o esperava para o jantar, e ele prometera que estaria com ela naquela noite, mas ele não chegara a entrar no carro, pois uma forte pancada na cabeça o deixara desacordado e agora estava preso ali sem saber o real motivo daquilo.
Deus! Anne devia estar morta de preocupação, e ele não sabia como sair daquela situação para voltar para casa e abraçá-la como desejava. A sua maior angústia não era por si mesmo, mas sim por sua princesa inocente, pois ele sabia exatamente como ela agia em momentos de tensão, e podia apostar que naquele instante ela estava desesperada, e sozinha dentro daquele apartamento, Gilbert temia pelo que ela poderia fazer em sua ausência, e sem saber de seu paradeiro.
Ele fechou os olhos por um instante, pois a dor de cabeça o estava incomodando tanto que mantê-los abertos por mais tempo estava se tornando uma missão impossível. Deste modo, o rapaz tentou se concentrar na última lembrança que tinha de Anne antes de sair para se encontrar com seus amigos. O sorriso que ela lhe dera quando se despedira dele foi o mais lindo do mundo. O que ele não daria para ver aquele sorriso naquele instante, sentir o carinho dela em seus cabelos. Anne fazia parte de seu coração, alma e de seu sangue. Respirar sem ela não era respirar, viver sem ela era apenas sobreviver em meio a um mundo isento de cor e perfume. Ela lhe dera tanta coisa, e nem sabia que quando ela dizia que precisava dele, Gilbert sabia que precisava muito mais dela.
Conhecê-la naqueles meses todos lhe mostrara como era ter alguém ao lado dele que realmente o completava em todas as dimensões. Às vezes ele tinha dificuldade em se lembrar de como o Dr. Gilbert Blythe era antes dela, porque ele se descobrira verdadeiramente depois que abrira todo o seu ser para a garota mais doce do mundo, que soubera cuidar de seu coração como ninguém mais soubera. E era curioso pensar que quando Anne falava que era quebrada demais para merecê-lo, Gilbert tinha certeza que era exatamente por isso que ela era tão certa para ele.
Anne lhe dera um propósito de vida quando pensara que não tinha mais nenhum. Ela fora a cura para enfermidade emocional que o atirara em um poço enorme e escuro, e deixara que ele bebesse da fonte de um amor puro e verdadeiro, que somente ela poderia lhe dar, e com uma imensa generosidade que nem deveria mais existir dentro daquele espírito magoado mais vezes do que alguém aguentaria, e permitira que ele conhecesse o mundo solitário, mas tão lindo que habitava em sua alma de menina, e também permitira que ele a amasse profundamente e incondicionalmente. E era por essa garota, que encontrara na fase mais triste de sua vida que ele precisava encontrar uma maneira de sair dali e voltar para ela.
Seus pensamentos foram interrompidos por passos que pareciam não ter pressa nenhuma de chegar até ali, e quando a porta finalmente se abriu, Gilbert quis olhar para quem acabara de chegar, mas como estava de costas, e a posição na qual estava deitado não permitiu que seu desejo fosse realizado, por isso, o jovem médico esperou que quem quer que acabara de entrar se aproximasse e revelasse a ele aquele mistério de uma vez. Ele fora sequestrado e nem sabia o motivo, porém, aquele suspense ansioso no qual estava vivendo desde que abrira os olhos naquele quarto estranho, o rapaz esperava que terminasse de vez o mais rápido possível.
Mãos femininas correram por seus cabelos, e ele sentiu um arrepio na espinha ao pensar que talvez conhecesse aqueles dedos que repetiram o mesmo gesto várias vezes antes de dizer:
-Não acredito que está aqui.- ele soube quem era no mesmo instante, mas ainda assim teve que confirmar, pois sua mente queria negar e repudiar a realidade. Não, ela não fizera aquilo com ele. Ela não podia ter se rebaixado tanto e agido de forma impensada apenas para trazê-lo até ali.
-Josie?- ele perguntou, desejando estar enganado, mas logo Gilbert foi confrontado com a verdade, e suas esperanças foram diretamente atiradas na sua cara quando ela deu a volta e ficou frente a frente com ele.
-Ah, meu querido, você não sabe o quanto esperei por esse momento.- os olhos dela brilhavam de um jeito que lhe causavam medo. Ele nunca tinha visto Josie naquele estado. Ela parecia estar alucinando em um quadro obsessivo, olhando para ele como se estivesse viajando por outra esfera e não na realidade aparente desenhada com todas as letras à sua frente, mas que em sua atual perturbação não conseguia enxergar.
-Foi você que me trouxe até aqui?- ele perguntou, um pouco incomodado com a proximidade dela.
-Sim, mas tive certa ajuda.- ela respondeu com um sorriso enorme que mostrava claramente a Gilbert o quanto ela se orgulhava daquele ato insano, quase como se merecesse um prêmio por sua inteligência.
-Quem te ajudou, Josie? - Gilbert quis saber.
-Vai ter que esperar mais um pouco para saber essa resposta.- Josie disse, rindo das próprias palavras.
-Por que me trouxe aqui?- Gilbert tentou de outra maneira obter a resposta que desejava.
-Para ficarmos juntos, por que mais seria? - ela respondeu, passando as mãos pelos músculos do braço dele, causando-lhe uma aversão que nem mesmo ele esperava, mas tentou manter sua expressão neutra, pois provocá-la naquela altura dos acontecimentos seria pior.
-Você sabe que isso não será possível. Eu vou me casar com a Anne.
-Não, não vai. Aquela ruiva idiota não vai tirá-lo de mim. Nós vamos ter um filho juntos, e seremos uma família feliz. - Josie disse aquilo como se repetisse para si mesma uma ilusão criada por sua mente, fazendo-a acreditar em sua própria mentira.
-Nós vamos ter um filho juntos, mas não vou ficar com você. Já falamos sobre isso , Josie. Vou me casar com a Anne em poucos dias, e espero que entenda que o que está fazendo é loucura. - Gilbert falava devagar, sem desviar os olhos dela, pois precisava ficar atento a qualquer movimento da loira. Ele podia estar amarrado e em uma posição desfavorável, mas ainda tinha as palavras a seu favor e sabia usá-las muito bem.
-Isso é o que pensa. Se depender de mim, nunca mais vai vê-la.- Josie disse com os olhos agora brilhando de ódio.
-O que quer dizer?- Gilbert perguntou, tentando controlar o tremor que sentiu dentro de si. Ele podia se defender com as armas que tinha, pois como psiquiatra e conhecendo Josie como conhecia, ele sabia trabalhar a mente dela em seu benefício. Talvez não fosse fácil a princípio convencê-la como
desejava, mas podia levá-la a aceitar o que ele queria, manipulando suas emoções por um caminho onde ele conseguiria chegar à sua liberdade.
-Vou deixar que outra pessoa te explique melhor. - Josie disse, olhando para a porta que permanecera aberta quando ela entrara, onde parecia que naquele instante outra pessoa surgira. Então ela não estava sozinha naquela loucura, Gilbert pensou. No entanto, o que o rapaz não imaginava era quem estava por trás de todo aquele plano sórdido, pois quando a voz chegou até ele seu sangue congelou até a última gota.
-Então nós encontramos de novo, Dr. Blythe. Que prazer imenso revê-lo.
-Daniel.- Gilbert disse aquele nome quase cuspindo cada letra com aversão, enquanto a risada sarcástica do rapaz ecoava pelo ambiente de forma sinistra. A única pergunta que enchia sua mente era como Josie tinha se associado a alguém de caráter tão perverso, mas não teve oportunidade de formular a questão em voz alta, pois Daniel se aproximou e lhe deu um tapa no rosto, deixando-o ainda mais perplexo pela situação.
-Isso foi por todas as vezes em que subestimou minha inteligência, Dr. Blythe, e também por ter tirado Anne de mim.
-Eu não a tirei de você uma vez que ela nunca foi sua.- Gilbert respondeu sem se deixar intimidar. Estava frente a um psicopata, um ser humano que não sentia nada por ninguém a não ser por si mesmo. Um monstro capaz de matar alguém sem remorsos, sem pensar duas vezes, e sem compaixão nenhuma. Mas Gilbert não tinha tratado da mente doentia de Daniel Darson sem aprender algo sobre aquela personalidade infame. Ele gostava de dominar, de fazer sua vítima sentir medo, pois lhe dava prazer ver o terror nos olhos de sua presa, porque era isso que lhe provava sua força e seu poder sobre a vida de alguém. Porém, recuava quando confrontado como agora e perdia um pouco a linha de raciocínio de sua mente assassina.
-Engana-se mais uma vez, Dr. Blythe. Anne sempre foi minha, muito antes de ter qualquer vínculo entre vocês. E voltará a ser minha quando e como eu quiser.
-Por que sempre me diz isso, Daniel? Por que acha que tem qualquer direito sobre Anne?- Gilbert perguntou. Aquele era um quebra cabeça que ainda não conseguira montar. Daniel sempre reafirmava seu poder de posse sobre Anne, mas nunca haviam se encontrado antes, pelo menos pelo que sabia das conversas que tivera com ela. Que Daniel tivesse desenvolvido uma obsessão por sua noiva, Gilbert conseguia entender, pois entre pessoas com Daniel era comum esse sentimento em relação a algo ou alguém por quem tivessem desejos profundos. Mas havia mais naquelas palavras do rapaz que se conseguisse juntar todas as peças de sua fala, ele chegaria ao resultado final daquele caso. No entanto, algo estava faltando, talvez a chave principal para aquele mistério.
-Você é um homem brilhante, Dr. Blythe. Eu tenho que admitir que nunca encontrei uma mente com uma inteligência tão elevada, e admiro isso em alguém, apesar de você ser meu oponente direto. Então, vou te responder com outra pergunta, que o fará chegar a resposta que quer. Daniel Darson é o meu nome por conta do rosto que agora carrego, mas será que também sou Daniel Darson na essência da minha alma? Sou aquele que vive nas sombras, Dr. Blythe, e posso ser seu pior pesadelo, assim como posso ser um velho fantasma na mente de uma certa ruivinha que por acaso nós dois desejamos.- Uma charada. Daniel lhe deu uma charada para desvendar, que parecia ter uma resposta óbvia, mas com sua cabeça quase estourando não conseguia sequer pensar.
-O que quer de mim, Daniel? - ele perguntou, desejando saber qual era o seu papel naquele jogo.
-Do senhor eu não quero absolutamente nada. Apenas estou usando-o como isca para atrair quem eu realmente desejo. - no mesmo instante Gilbert soube de quem ele falava e tratou de dizer:
-Fique longe da Anne. Você não vai colocar suas mãos nela. Eu acabo com você antes que isso aconteça. - a raiva por Daniel e o medo por Anne, tomou conta de sua cabeça, e dessa vez ele não conseguiu se controlar a tempo. Daniel sorriu com escárnio ao ouvir as palavras de Gilbert e disse:
-Pouco me importa o que pensa. Ela virá até mim como planejei, e o senhor, Dr. Blythe, vai ter o privilégio de ver em primeira mão aquela gatinha em meus braços de novo. E aproveite bem, pois será a última coisa que vai ver nesse mundo.
-Sobre o que está falando, Daniel? - Josie que havia ficado calada todo aquele tempo da conversa se pronunciou ao ouvir uma nota errada nas palavras de seu cúmplice.
-O que ouviu. Assim que eu tiver Anne comigo, vou me livrar do único obstáculo que me impede de ficar com ela para sempre.- Daniel respondeu com frieza.
-Não foi isso que combinamos. Você me disse que no momento em que Anne chegasse aqui, você deixaria Gilbert livre para que eu o levasse para onde eu quisesse.- Josie retrucou de forma desesperada apertando as mãos com força.
-Mudei de ideia. Não quero ter que me preocupar com o fato de que Gilbert Blythe está vivo nesse mundo. Ele poderá ser perigoso para meus planos.
-Não, eu lhe garanto que ele não fará nada contra você. - Josie estava cada vez mais descontrolada, e Gilbert podia ver pelo seu gestual que ela acabara de perceber que seus planos tinham dado errado. Daniel não cumpriria sua parte no acordo, e isso não era uma novidade gritante para Gilbert, que sabia que psicopatas manipulavam as situações a seu favor. Ter consciência de que Daniel estava pensando em dar cabo de sua vida não o surpreendia também e nem lhe causava temor. Ele morreria feliz se pudesse livrar Anne das garras daquele crápula, pois só de pensar em Daniel tocando Anne com toda sua sujeira e maldade deixava Gilbert doente e a ponto de também cometer um assassinato. Precisava pensar em algo rápido que impedisse Daniel de conseguir o que queria, mas no momento sua cabeça doía demais e ele mal conseguia raciocinar.
-Sua palavra não vale nada para mim, Josie. Não vou arriscar nada e está decidido. - Daniel disse, caminhando para a porta e deixando Josie sem argumentos enquanto o observava caminhar para longe, sem ao menos dar-lhe uma esperança pequena de que mudaria de ideia.
GILBERT E ANNE
Anne nunca estivera frente a frente com um oficial da lei, por isso, se sentira extremamente nervosa e insegurança. O que lhe deu um pouco de confiança foi o suporte dos amigos de Gilbert que não saíram de seu lado, principalmente Billy que parecia ter tomado o lugar de Gilbert no quesito de protegê-la a todo custo. No entanto, por mais confortável que ela pudesse se sentir com a mão dele segurando a sua, tudo o que ela desejava era que fosse Gilbert ali a lhe dar conforto, pois a falta que estava sentindo dele era enorme, assim como a preocupação por falta de notícias dele. Quanto tempo aquele tormento iria durar, Anne não podia intuir, porém ela rezava com todas as forças para que seu noivo voltasse para casa sadio e bem.
Não queria pensar um só segundo que seus pesadelos estavam se tornando realidade. Anne queria acreditar que havia uma boa explicação para Gilbert não ter ligado ou voltado para casa como prometera. Ela não suportava a ideia de perdê-lo, pois seu mundo sem ele estaria acabado, ela não suportaria tanta dor, e se recusava a pensar que seu bebê nasceria sem o pai que já o amava tanto. Não era justo, e não era possível que merecesse passar por mais esse tipo de sofrimento, depois de ter sobrevivido ao inferno e mergulhado nas águas medicinais daquele amor que Gilbert lhe dera desde o primeiro dia que se conheceram.
Enquanto contava o passo a passo daquele dia inteiro aos policiais, Anne não deixava de fitar a porta e desejar que Gilbert entrasse por ela tão lindo quanto o vira no dia anterior antes de sair de casa. Ela tinha esperanças que sua espera não duraria muito, e o rapaz chegaria a qualquer momento dizendo que o carro quebrara, que o celularficaráa sem bateria e que ele não conseguira chegar antes, mas conforme os minutos foram se escoando, seu desespero aumentou ao perceber que seu desejo não seria atendido. Os policiais terminaram o trabalho deles, disseram que entrariam em contato assim que tivessem notícias e foram embora
Anne ficou ainda por um bom tempo fitando a porta, incapaz de se mover de onde estava, sentindo sua angústia engoli-la pouco a pouco. Ela sentiu Billy apertar a sua mão e com os olhos lacrimejando, Anne o encarou enquanto ouvia-o dizer:
-Vai ficar tudo bem. - ela tentou responder, mas no estado emocional que estava, tudo que conseguiu fazer foi balançar a cabeça concordando.
-Irina quer falar com você. - Moody disse ao se aproximar dela com o telefone na mão.
-Você contou ao Tio John sobre o Gilbert? - Billy perguntou ao amigo, olhando preocupado para Anne. Ela não estava nada bem, e ele refletia se devia ligar para o médico dela e explicar a situação. Billy era psicólogo e não psiquiatra, então não sabia quais medicação Charlie andava ministrando a ela na gravidez
-Não, achei melhor falar com a Irina. Ela disse que vai prepará-lo para enfim dar a notícia. Ela teme pelo coração dele. -Moody explicou.
Anne pegou o telefone que ele lhe estendera, e deixou os dois amigos conversando, enquanto foi para a copa falar com Irina.
-Alô. - ela disse com a voz trêmula.
-Anne, querida. Como você está? - a voz preocupada de Irina fez a garganta de Anne se apertar. Ela vinha segurando as lágrimas, pois não queria que os amigos de Gilbert a enxergassem como uma pessoa fraca que não conseguia suportar o mínimo de tensão. Entretanto com Irina ela não precisava fingir, assim como não precisaria se Gilbert estivesse ali. Ele sempre a incentivava a colocar para fora suas tristezas, assim, ela nunca tinha vergonha de chorar quando estava com ele. Porém naquele instante, Anne estava sozinha e com pessoas que apesar de amigas de Gilbert não a conheciam como ele e Irina, por isso não ia desmoronar na frente deles a não ser que estivesse no limite de suas forças.
-Eu não sei. Estou desesperada, Irina. - ela disse soluçando baixinho.
-Querida, fique calma. Você precisa pensar em si mesma e no bebê . - Irina a aconselhou.
-Estou tentando, mas não consigo sem ele, Irina. Dói, me sufoca, eu preciso do Gilbert aqui.- ela chorava, sem conter mais suas lágrimas. Seu bebê ia perdoá-la, mas a única pessoa que tinha em mente era Gilbert.
-Não pense no pior, meu amor. Venha para cá. Eu e John vamos cuidar de vocês.- Irina pediu, e Anne pensou que seria melhor do que ficar plantada naquele apartamento enlouquecendo e esperando por notícias.
-E o John?- Anne perguntou, fungando e enxugando as lágrimas que molhavam seu rosto inteiro.
-Vou dar um jeito de contar para ele. Não posso esconder dele uma coisa dessas, pois John não me perdoaria.- Irina disse com a voz angustiada.
-Eu só me preocupo com o coração dele. - Anne disse, se lembrando do infarto de John que quase o levara embora.
-Tomarei o máximo de cuidado. Venha logo para cá. Quero você perto de nós. - Irina pediu.
-Está bem. Vou me arrumar e logo estarei aí. - Anne disse. Em seguida desligou e caminhou até a sala onde disse para Billy e Moody:
-Irina me pediu para ir ficar com ela e John. Vocês poderiam me levar até lá?
-Claro. - Billy respondeu aliviado por Anne não desejar ficar ali sozinha, o que também lhe dava a oportunidade de dar uma olhada em John. Ele se sentia em dívida com o amigo, e por isso dar todo o apoio possível a Anne e ao pai de Gilbert era o mínimo que podia fazer para apaziguar seu coração.
Anne se vestiu rapidamente de roupas confortáveis e logo estavam a caminho da casa de John e Irina. Quando chegaram lá, a boa mulher veio abraçá-la assim como John que parecia ter chorado e exibia uma tristeza no olhar que lhe cortava o coração. Gilbert era seu único filho, e Anne podia imaginar bem como ele deveria estar sofrendo. Gilbert e John eram muito próximos e seria uma provação para o homem mais velho aquela espera ininterrupta de horas até que algo lhe fosse revelado sobre o desaparecimento do filho.
-Querida, fico feliz que tenha vindo ficar conosco. Não se preocupe. Logo Gilbert será encontrado, e tudo vai ficar bem.. - John disse cheio de um otimismo que Anne já não sentia, mas não queria desistir de suas esperanças, e se agarrava a cada uma delas como se pudessem salvar sua vida, e conduzi-la de volta ao único homem que fizera seus dias valerem a pena.
-Você já comeu meu amor?- Irina perguntou, preocupada com a fragilidade que via pairar sobre o rosto de Anne. Ela conhecia sua menina muito bem, e sabia que em momentos quando sua fé era testada, ela se esquecia do próprio bem-estar.
Anne balançou a cabeça negando. Ela nem se lembrara de se alimentar quando acordara. Estava tensa demais, e pensar em comida não lhe agradava, mas ao ver o olhar de reprovação de Irina, Anne se sentiu culpada, principalmente porque tinha seu bebê que dependia dela para estar bem nutrido e se desenvolver saudavelmente.
-Você sabe que não deve pular refeições. Precisa se lembrar que carrega um bebezinho na sua barriga. Se não fizer por você, faça por ele. - Anne assentiu sabendo no fundo de seu coração que Irina estava certa. Fora egoísta e não se preocupara com o ser pequenino que gerava diariamente dentro de si e que era fruto de seu amor e de Gilbert. Precisava focar sua atenção nele, ao invés de pensar apenas em si mesma e sua dor.
-Venha comigo. - Irina pediu, segurando em sua mão, levando-a até a cozinha onde lhe serviu café com leite, que ela sabia que Anne gostava, torradas com geléia e bolo de laranja.
Anne comeu em silêncio enquanto Irina a observava com uma preocupação crescente. A ruivinha parecia tão frágil que seu coração doía por ela. Irina nunca fora uma mulher pessimista, ou trágica. Em todas as situações, ela procurava manter sua fé e otimismo, mas naquele instante, ela não podia deixar de se perguntar o que seria de Anne se Gilbert não mais voltasse para casa. Ele a tinha feito renascer, e mostrado a ela o milagre que um amor verdadeiro poderia realizar, e Irina tivera o prazer de vê-la desabrochar nos braços daquele rapaz tão encantador. Mas ela também a vira se perder novamente no tempo que permaneceram separados, e em seu coração que tinha adotado aquela garota adorável como filha, ela pedia fervorosamente que Gilbert estivesse bem, e que pudesse viver ao lado de Anne a vida que ambos mereciam.
Elas voltaram para sala, e Anne resolveu dar uma volta pelo jardim. Ela precisava de um tempo sozinha para reorganizar seus pensamentos. Assim, se sentou perto da piscina e ficou se lembrando do dia que Gilbert a pedira em casamento. Foi um momento tão mágico, que ela desejou voltar no tempo e viver aquela noite outra vez.
Enquanto sua mente estava perdida no instante mais doce de sua vida, seu telefone tocou, e Anne quase protestou em voz alta pela interrupção de seus sonhos. Mas então, ela pensou que pudesse ser Gilbert, e atendeu ansiosa sem verificar o número, e se surpreendeu quando ouviu:
-Olá, gata ruiva, sentiu saudades?- Aquele apelido lhe causou uma aversão tão grande que sentiu vontade de vomitar, mas ela se manteve firme e perguntou:
-Quem está falando?
-Esqueceu assim tão rápido de seu amigo mais querido? Estou desapontado. - a voz de deboche a fez reconhecer a última pessoa que esperava ouvir do outro lado da linha, e disse ainda incerta:
-Daniel?
-Ah, então não estou tão longe de sua mente assim. - ele disse quase gargalhando, fazendo Anne se sentir desconfortável e se perguntar o que ele poderia querer com ela justamente naquele momento tão atribulado em sua vida.
-O que quer?- ela perguntou, desejando que ele dissesse logo o que queria e a deixasse em paz.
-Não consegue adivinhar?- ele perguntou, e para terminar logo com aquela situação para a qual não tinha a menor paciência no momento, Anne pediu:
-Pode ser mais específico? Estou ocupada no momento. - Anne mentiu.
-Pois acho bom arrumar tempo para ouvir o que tenho a dizer ou nunca mais vai ouvir falar de seu doutorzinho arrogante. - Anne sentiu todo o seu corpo tremer. Como Daniel sabia de Gilbert? E por que estava tão zangado?
-Tudo bem. Estou ouvindo. - ela disse, apertando o telefone com a mão que o segurava por puro nervosismo.
-O Dr. Blythe está comigo e se quiser vê-lo com vida, você vai vir até mim no endereço que vou te dizer.
-Por que Gilbert está com você?- ela não conseguia chegar ao que Daniel queria lhe dizer. Estava com medo e confusa, mas não podia fugir daquela conversa. Daniel parecia ter as respostas que precisava, e não desistiria até obtê-las.
-Eu o sequestrei, e fiz isso por você. Se não tivesse me afastado de sua vida nada disso estaria acontecendo. Você desistiu de nossa amizade para se juntar a Gilbert Blythe, mas isso pode ser consertado. Se o quer vivo, venha me encontrar. - ele insistiu, e Anne quase implorou ao dizer:
-Por favor não o machuque.
-Vai depender só de você. Quer que ele seja libertado? Faça o que estou dizendo.
-Como posso saber que não está mentindo? - Anne perguntou para ganhar tempo. Aquilo que Daniel sugeria podia muito bem ser um blefe. Ela faria qualquer coisa por Gilbert, mas precisava saber que não estava se arriscando por uma mentira. Antes que Daniel lhe respondesse, ele mandou para ela uma foto que dava a Anne a certeza que desejava. Nela Gilbert estava amarrado em uma cama sem poder se movimentar, o que fez o coração dela se apertar ao ver as condições que o homem que ela amava estava. Ele tinha uma natureza gentil demais para ser tratado daquela maneira. Gilbert não merecia aquilo e muito menos por causa dela.
- Diga-me exatamente o que quer. - Anne pediu, com lágrimas escorrendo pelo rosto, enquanto ansiava por ver Gilbert como se lembrava dele e não preso como um animal sem poder se defender.
-É óbvio. Eu quero você. - Daniel respondeu sem rodeios, e Anne agiu sem titubear quando disse:
-Está bem. Me mande o endereço que irei te encontrar.
-Apenas um aviso. Venha sozinha e não fale com a polícia, pois se fizer isso, eu saberei imediatamente e acabarei com a vida de seu doutor no mesmo instante. - Anne ouviu-o dizer e se perguntou onde fora parar o amigo jovial e alegre que a apoiara em muitos de seus momentos solitários? Mas logo sua mente lhe mostrou que tal como no passado, ela fora enganada e Daniel Darson nunca fora quem ela pensara ser. Ela se odiou por todos os momentos em que odefendera quando Gilbert lhe dissera para se manter longe dele. Agora a realidade lhe provava, que seu noivo sempre estivera certo, e que o ciúme que ela pensara ser a causa da antipatia que Gilbert sentia por Daniel, não era mais nada do que a intuição dele sobre o caráter de um homem que acabara de se revelar a ela como insensível e dissimulado.
Em poucos segundos, o endereço que pedira surgiu na sua tela, e antes de encerrar a ligação, Daniel disse:
-Espero que se lembre do que eu disse. Venha sozinha, se eu desconfiar que você contou para alguém, você nunca mais verá seu doutorzinho com vida.
-Eu entendi. - Anne disse com o peito pesado, ouvindo Daniel desligar o telefone do outro lado.
Ela esperou por alguns segundos para que as batidas de seu coração voltassem ao normal, pois só naquele instante foi que percebeu como sua frequência cardíaca estava alta. Não queria pensar em Gilbert na maneira como o tinha visto na foto. Aquilo era cruel demais para alguém que só tinha amor a ofertar em seu coração. Daniel estava fazendo aquilo por vingança, e depois de ter conhecido a maldade humana em sua forma mais crua, Anne sabia que ele não estava brincando e não duvidava que ele mataria Gilbert se ela não fizesse o que ele lhe pedira.
Todavia, não podia agir somente pela emoção, e correr ao encontro de Daniel Darson, deixando que sua sorte ou destino fosse decidido por aquele monstro. Ela faria o que ele pedira, mas deixaria algo para trás. Se Gilbert pudesse ser salvo naquele processo todo, ela ficaria feliz, pois ele a salvara tantas vezes e chegara sua vez de retribuir.
Anne entrou em casa e aproveitou que Irina tinha voltado para a cozinha, e Moody e Billy estavam conversando com John que parecia um pouco melhor, apesar dos ombros tensos que ela podia perceber de onde estava. Assim, ela passou despercebida por eles, caminhou diretamente para o quarto de Gilbert onde encontrou papel e caneta, utilizando-os para escrever um bilhete rápido, explicando para onde estava indo e tendo o cuidado de deixar anotado o endereço, pois desta forma poderiam fazer uso daquela informação como desejassem.
A ruivinha saiu do quarto, passou pela copa onde deixou o bilhete em cima da mesa e rumou para a porta dos fundos, chamando um táxi que chegou exatamente quando ela atravessou o portão e se viu do lado de fora da casa. Com a voz firme, ela disse para onde o motorista devia levá-la, mas por dentro ela tremia de medo e de ansiedade para encontrar Gilbert logo e livrá-lo de seu cativeiro. Todo tempo ela dizia mentalmente, como se Gilbert pudesse ouvi-la. " Me espere, meu amor. Estou chegando. Ninguém vai machucar você."
A viagem durou cerca de quinze minutos, mas para Anne que sentia seu nervosismo em altos picos de tensão, parecia que cada quilômetro percorrido levava uma hora para ser vencido. Quando por fim se viu em frente ao endereço que Daniel havia lhe passado, ela desceu do carro, pagou o motorista e caminhou em direção a porta, louca para acabar com aquela situação, e no momento em que ia tocar a campainha, a porta se abriu e Daniel surgiu em sua frente com uma expressão irônica no rosto que lhe disse:
-Então você está aqui. Pensei que demoraria mais, no entanto não perdeu tempo em vir salvar o seu doutor. - ele parecia zangado, e Anne tentou se manter calma para não dar a ele o prazer de ver o quão amedrontada ela estava.
-Onde ele está, Daniel?
-Você não vai vê-lo.- ele respondeu, olhando-a com um desprezo e ódio que Anne nunca tinha visto no rosto dele, mas que lhe lembrava muito alguém.
-O que?- Anne perguntou, chocada com a negativa do rapaz.
-Achou mesmo que eu ia permitir que vocês se encontrassem? Você sempre foi uma tola, Anne. Acredita em qualquer coisa que lhe digam, desde que alimentem suas ilusões idiotas. - Anne não estava gostando daquela conversa, e nem da maneira como Daniel a olhava, mas reunindo toda a sua coragem ela falou:
-Você disse que se eu viesse até aqui, Gilbert seria libertado.
-E você acreditou? Eu sequer penso em mantê-lo vivo. - a voz era fria e cruel quando o rapaz lhe revelou seu plano, e Anne implorou com lágrimas nos olhos:
-Não faça isso, Daniel. Eu aceito qualquer condição sua, mas por favor, não tire a vida de Gilbert.- ela se ajoelharia se fosse necessário, mas não podia permitir que Gilbert fosse sacrificado daquela maneira. Sua vida não valeria nada sem ele.
-Quando vejo o quão patética você parece ao implorar pela vida desse homem, mais inclinado eu fico para eliminá-lo do meu caminho de vez. - O ódio era perceptível na voz de Daniel, e Anne começou a pensar que não conseguiria realizar o que viera fazer ali, por isso fez uma última tentativa e perguntou:
-O que quer? Me diga, eu faço qualquer coisa.
-Qualquer coisa?- ele perguntou, fazendo Anne engolir em seco ao perceber o olhar cheio de luxúria que ele lhe lançou. Mas ela não podia desistir, pois a vida de Gilbert dependia de sua capacidade de convencer Daniel a não levar seu plano adiante.
-Sim. - ela respondeu, apertando as mãos em punho e quase apertando os dentes pela onda de nojo que a acometeu ao pensar com o que estava concordando.
- Você sabe o que eu quero. - ele respondeu, se aproximando dela.
-Está bem. Faço o que quiser. - Anne respondeu, mantendo seus olhos presos nos de prendedor de Daniel.
-Espere aqui um instante que já volto. -Daniel disse, trancando a porta da sala, e deixando-a sozinha por alguns instantes.
Com rapidez, ele foi até o quarto onde Gilbert estava para comunicar Josie de sua decisão. Assim que entrou, a viu sentada perto da cama do rapaz que mantinha os olhos fechados e parecia dormir. Desta forma, ele a chamou para fora do quarto e disse:
-Anne está aqui.- os olhos da enfermeira brilharam, e ela respondeu:
-Quero falar com ela.
-Ficou louca? Você sabe que vai se expor.- Daniel disse, não acreditando que Josie fosse idiota aquele ponto.
-Não importa. Quero olhar para aquela garota medíocre que um dia pensou que podia ter meu homem, e ter o prazer de esfregar na cara dela que eu venci. - Ao ver olhar de zombaria de Daniel, ela se lembrou do que ele lhe dissera naquela manhã, e com certa apreensão, ela perguntou:
- Você mudou de ideia, não mudou?
-Sim, mas não graças a você. No entanto, terei que fazer uma pequena mudança de planos, mas valerá a pena. - ele sorriu novamente de forma maldosa dessa vez, mas ela sequer perguntou qual seria a mudança de planos que Daniel acabara de falar que ele teria que fazer, pois desde que não envolvesse ela e Gilbert, a enfermeira não estava interessada.
-Posso falar com a Anne agora?
-Claro, por sua conta e risco.Venha comigo.- Daniel disse, pensando que seria divertido ver aquele embate entre duas mulheres que disputavam a tanto tempo o mesmo homem, embora ele continuasse achando que Josie era uma tola por deixar Anne saber que ela estava envolvida no sequestro de Gilbert Blythe.
Josie entrou na sala e viu Anne na janela olhando para o nada. Ela parecia perdida em seus pensamentos, e observando-a melhor Josie não conseguia entender como Gilbert tinha se apaixonado por uma garota tão sem graça que mais se assemelhava a uma criança introvertida e sem atrativo nenhum. Talvez aquela vulnerabilidade toda fosse o que o atraía em primeiro lugar, a sensação de proteger e dar a ela o abrigo que ela parecia precisar o tempo inteiro, mas ainda assim Josie acreditava que a mulher perfeita para Gilbert era ela e não aquela garotinha problemática e cheia de traumas.
-Olá, Anne.- A ruivinha se virou e ficou extremamente chocada ao ver Josie parada no meio da sala, olhando para ela com uma expressão satisfeita no rosto que ela não entendeu.
-Josie? O que faz aqui?
-Nao consegue imaginar?- Josie respondeu de forma quase agressiva.
-Você está envolvida com Daniel nessa história?- Anne deduziu rapidamente, pois não havia outra explicação para a presença da loira naquela sala.
-Acho que chegou à conclusão mais óbvia. -Josie afirmou. -
-Por que está fazendo isso?- Anne perguntou, sem conseguir acreditar naquela situação.
-Acho que você ter atrapalhado meu romance com Gilbert é uma boa razão. - Josie respondeu, sem um pingo de compaixão pela garota jovem e também grávida à sua frente.
-Essa nunca foi minha intenção, Josie, mas eu me apaixonei e ele também, e sinto muito que você tenha sido magoada por isso.- Anne disse com sincera compaixão em seus olhos que deixou Josie ainda mais zangada. Que direito ela pensava que tinha ao demonstrar claramente sua pena por ela? Anne era digna de pena e não ela.
-Se importa tanto que além de tudo o que fez para roubá-lo de mim, você ficou grávida dele também. - Josie a acusou como se Anne tivesse feito tudo de caso pensado, o que fez a ruivinha protestar e dizer:
- Você não pode pensar que planejei tudo o que aconteceu entre mim e Gilbert. Eu não seria capaz.
-Agora não importa, pois vim até aqui para te dizer que você perdeu e quem no final vai ficar com ele sou eu. - a loira afirmou, saboreando cada palavra assim como saboreou em seu íntimo o olhar chocado que Anne lhe lançou.
-O que quer dizer?- Anne perguntou, ainda mais confusa que antes.
- Você nunca mais vai ver Gilbert. Vou embora para outro país e vou levá-lo comigo. Quem foi mais esperta dessa vez, minha querida?
Anne ia falar, mas Daniel não permitiu, pois aquela conversa já tinha ido longe demais, e ele estava louco para sair dali em companhia de Anne.
-Essa conversa termina aqui. Vamos Anne, precisamos sair daqui.
-Como assim? Você disse que me ajudaria a fugir do país com Gilbert. - Josie disse, sentindo o impacto das palavras do rapaz.
-Eu disse? Sinto muito, mas acho que terá que se virar sozinha. - ele respondeu, olhando para Josie com uma expressão indecifrável no rosto.
-Você sabe que não tenho meios para isso. Minha família nunca concordaria com algo assim. - Josie estava desesperada e não escondia de ninguém esse sentimento.
-Problema seu, minha querida. Vamos, Anne. Não quero perder mais tempo.- ele disse, puxando Anne pelo pulso. Quando chegaram na porta, a ruivinha olhou para Josie com uma expressão triste e disse:
-Por favor, cuida dele por mim. - e assim foi levada em direção a um carro que estava estacionado atrás da casa, e que logo arrancou dali com Daniel e ela dentro.
Ao ouvir o som do carro indo embora, Josie pensou na própria situação. Ela acreditara em Daniel, e ele mentira e a usara para conseguir o que queria, deixando-a sozinha em toda aquela confusão. Ela tinha pedido demissão do seu trabalho na clínica naquela semana, não tinha para onde ir, não tinha dinheiro para levar seus planos adiante, e logo percebeu que não havia saída para sua situação.
Assim, ela caminhou de volta ao quarto onde Gilbert estava, e quando o rapaz a viu entrar, ele a olhou com preocupação e perguntou:
-O que aconteceu, Josie?
Sem responder, ela cortou as cordas que lhe prendiam os braços e os tornozelos e disee:
-Você está livre.- Gilbert a olhou espantado e disse:
-Por que está me libertando?
-Para que possa voltar para casa e seguir com sua vida como antes. Eu pensei que pudéssemos ficar juntos, mas a história toda mudou e não posso mais sustentar essa situação sozinha.- ela estava exausta, mas a morte de todas as suas ilusões era o pior de tudo, pois Josie sabia que não sairia impune daquela história, enquanto Daniel tinha tudo o que sempre desejara. Que tola fora por acreditar nele, porém agora era muito tarde para se lamentar.
-Como assim sozinha? E Daniel?- Gilbert quis saber, completamente sem entender a atitude de Josie.
-Daniel fugiu com sua querida Anne, e me deixou para trás. Acho que ele sempre planejou isso, mas esqueceu de me contar. - ela disse sarcasticamente.
-O que? Anne esteve aqui?- Gilbert recebeu aquela notícia em uma agonia insuportável. Ele não conseguira protegê-la daquela vez, pois Daniel fora mais rápido.
-Sim, ela veio até aqui salvar você. Aquela garota patética caiu na armadilha que Daniel armou para ela. Mas pelo menos ela conseguiu convencer aquele crápula a manter você vivo.- Josie respondeu com a voz totalmente vazia.
-Não. - Gilbert disse baixinho. Sua princesa perfeita tinha se sacrificado por ele, e agora estava nas mãos infames de Daniel Darson, e ele não podia deixar que o rapaz a machucasse. Iria até o inferno para regastá-la e trazê-la para casa.
-Tome, ligue para a polícia se quiser. Eu não tenho mais nada a perder. A prisão é a menor das minhas preocupações. - Josie falou, entregando a Gilbert seu celular, deixando-o mais uma vez surpreso com sua atitude. Talvez ainda houvesse uma veia de bondade dentro dela, ele pensou.
Sem perder tempo, e aproveitando que Josie estava disposta a colaborar com ele, Gilbert ligou para a polícia, dando o endereço que ela acabava de anotar um um pedaço de papel e lhe entregado. E enquanto esperava pela chegada dos policiais, as palavras de Daniel sobre sua própria essência ficaram rondando sua mente como um inigma difícil de desvendar. Mas então sua mente juntou cada pista, cada palavra que ele jogara no ar em todos os momentos que tivera o desprazer de atendê-lo em suas consultas, desafiando Gilbert com sua inteligência mordaz, e assim, com grande horror o rapaz entendeu a verdade que estivera diante de seus olhos aquele tempo todo. Por mais absurdo e impossível que aquilo pudesse ser, Daniel Darson era apenas um nome, pois a verdadeira identidade daquele rapaz medonho e traiçoeiro era Roy Gardner.
Olá, pessoal. Desculpem a demora. Esse capítulo foi difícil de escrever. Espero que me deixem seus comentários para que eu saiba o que acharam. Obrigada por ler. Beijos.
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