Capítulo 45- Dias de chuva
Olá, pessoal, para quem gosta de Broken, mais um capítulo postado. Espero pelos comentários. Desculpem-me pelos erros ortográficos, vou corrigi-los quando puder. Beijos. Rosana.
GILBERT
Gilbert se espreguiçou na enorme cama de casal na qual dormira uma noite inteira sem interrupções. Ele ainda mantinha os olhos fechados, porque queria manter um pouco mais daquela sensação boa de se sentir leve, de se sentir amado e de se sentir completo. Ele rolou um pouco da posição em que se encontrava, e deixou sua mente deslizar pelos vales mais secretos de seu cérebro, tentando encontrar uma única vez em seu passado que tivesse se sentido assim.
O rapaz se lembrou das competições da escola onde sempre envolvia um tipo de satisfação pessoal, a empolgação de ganhar um campeonato inteiro de futebol, a adrenalina ao ser o primeiro a cruzar a raia da piscina depois de cumprir um percurso inteiro dentro da água, a alegria de fazer uma apresentação perfeita no hipismo, em uma integração sincronizada entre homem e cavaleiro. Porém, nada se comparava a felicidade de amar alguém e ser retribuído, de ver nos olhos da pessoa amada o mesmo brilho que havia no seu, e sabe que nunca mais estaria sozinho, pois encontrara a alma gêmea do seu coração.
O rosto de Ruby se materializou em sua mente, e Gilbert percebeu que já era hora de deixar suas lembranças mais ternas dela guardadas em um baú do passado, pois o que estava vivendo naquele instante não havia mais lugar para a história que escreveram juntos, e por isso, ele liberou sua mente, e a deixou ir sem nenhuma mágoa e seu coração. Só então, o rapaz abriu os olhos bem devagarinho, ainda sentindo a preguiça de todos os seus membros relaxados ao despertarem, pois depois de uma noite de amor com Anne tudo o que ele desejava era ficar naquela cama para sempre, e de preferência em companhia da mulher que proporcionara a ele os momentos mais intensos que vivera naquela semana.
No entanto, um dia inteiro de trabalho na clínica estava a sua espera, e seria entediante, ele já podia sentir, mas era sua responsabilidade e não podia simplesmente desaparecer, ou esquecer que sua missão era justamente ajudar pessoas cujas vidas estavam em pedaços como um dia a sua estivera, no entanto, agora tinha mais disposição para mostrar-lhe que a luz da cura não estava tão longe assim.
O quarto estava escuro quando Gilbert se levantou, porém, ele não precisava de luz para saber que Anne não estava na cama, porque antes mesmo de abrir os olhos ele não sentira a presença dela na cama, mas não era um fato incomum já que ultimamente ela sempre se levantava antes dele, e criara uma obsessão por cozinhar que ele até achava saudável, pois a mantinha ocupada e não deixava que ela caísse naquele estado de inércia como no passado em que ela se escondia dentro da própria mente, isolando-se do convívio social.
Gilbert acendeu a luz, e procurou por sua calça de moletom que deixara em uma cadeira ao lado da cama. Logo a vestiu e não se dando ao trabalho de colocar também uma camisa, o rapaz saiu do quarto, caminhou por todo o corredor até alcançar a cozinha que até aquele momento se mantinha silenciosa, sem os ruídos que ela costumava fazer ao preparar o café da manhã para os dois.
Então, Gilbert entrou na cozinha e observou que Anne não estava lá e nem deveria ter estado momentos atrás, pois o fogão onde ela preparava panquecas e ou ovos mexidos estava imaculadamente limpo, não havia nenhuma bandeja em cima da mesa de madeira marrom, onde ela diariamente arrumava as refeições que iriam fazer, e também a torradeira onde ela gostava de fazer suas torradas com geleia não fora usada.
Ele passou as mãos pelos cabelos, e depois esfregou os dedos sobre seu queixo onde dava para sentir os fios de sua barba que cresciam, pois ele não se barbeara na noite anterior, e pretendia fazer isso logo que se levantara naquele dia. Intrigado pela falta de sua noiva ali, onde era seu cantinho sagrado de toda as manhãs antes de se arrumar para ir para o trabalho, ele fez o caminho de volta até o quarto, a procurou no banheiro, e depois foi até a sacada onde ele detestava que Anne ficasse, mas ela nunca fazia o que ele lhe pedia.
A ansiedade começou a apertar seu peito de forma que ele começou a imaginar mil e uma coisas e nenhuma era pensamentos que o tranquilizassem. Onde Anne tinha se metido tão cedo ? Será que tinha saído para ir a padaria onde às vezes ela ia comprar um pãozinho doce que ela adorava?
Cada vez mais nervoso Gilbert pegou seu celular que deixara sobre a escrivaninha do quarto , e discou o número de Anne que caiu na caixa postal. O rapaz passou as mãos pelos cabelos novamente que àquela altura já era uma massa de fios desordenados, e tentou pensar onde ela deveria ter ido. Foi então que seus olhos pousaram na mesinha ao lado da cama, e seu coração multiplicou as batidas ao ver o anel de noivado que dera para Anne junto com um envelope que parecia ser uma carta.
Ele se aproximou sentindo seu peito se apertar, porém não queria antecipar dentro de sua cabeça o teor da carta. Assim, ele pegou o anel e o guardou no bolso, depois se sentou na cama olhando para o envelope branco onde estava escrito o seu nome, sua mão tremeu, e ele soube que o que quer que estivesse escrito ali dentro quebraria todo por dentro. Assim, não tendo mais como fugir daquela situação, ele abriu o envelope, desdobrou a folha de papel perfumada e começou a ler:
Querido Gilbert
Essa é a carta mais difícil que já tive que escrever, pois pela primeira vez em minha vida eu tenho que abrir mão da coisa mais importante para mim que é você é estou destroçada por dentro.
Você não faz ideia de como deixar você me magoa, mas sei que é o certo a se fazer, para mim, para você e para seu filho que terá a presença do pai dele quando nascer.
Eu sei que é difícil para você entender o motivo da minha partida, mas quero que saiba que não estou indo embora por falta de amor, pelo contrário, eu te amo demais, e é por isso que te deixo livre para viver sua vida como merece ao lado de uma mulher que não seja tão quebrada e confusa como eu.
O amor que você me deu foi a coisa mais preciosa da minha vida. Você me ensinou a ter orgulho de mim mesma, a lutar por meus sonhos, a ser mais forte e nunca desistir em ir em busca da minha felicidade por mais distante que ela possa parecer, e é por essa razão, que estou partindo, pois não poderia ser feliz passando por cima de outra pessoa. Josie precisa de você assim como seu filho, e não tenho direito de tirar deles a chance de ter de você toda a atenção e amor que merecem. De certa forma, eu nunca senti que tanto você quanto o sentimento que sente por mim me pertencesse, mas eu quis acreditar que alguém como eu que nunca soube o que era ser amada por alguém de verdade merecesse um homem como você, e por tudo o que me deu eu agradeço, por cada momento a seu lado, por cada lágrima minha que enxugou, por cada minuto que me fez sorrir, e por ter me ajudado a recuperar minha autoestima como mulher , apesar dos traumas que me fizeram acreditar que nunca seria uma mulher completa de verdade.
Você é um homem maravilhoso, e sempre vou me sentir a pessoa mais sortuda do mundo por ter te conhecido, e compartilhado esse amor imenso que carrego e sempre carregarei em mim. Meu coração é seu assim como eu sempre serei sua, pois ninguém será capaz de me fazer feliz como você me faz, e nunca ninguém conseguirá me conquistar da maneira como você me conquistou, venceu todos os meus medos, e me mostrou como seria ter um futuro ao seu lado. Eu nunca vou te esquecer, você é o amor da minha vida, o único homem com quem eu tenho sonhado todo esse tempo, o único que terá tudo de mim para sempre.
Eu te amo demais.
Da sua Anne
Gilbert terminou de ler a carta como se estivesse em transe. As lágrimas rolavam sem que ele as percebesse, pois o rapaz sentia como se seu coração tivesse sido arrancado e nenhuma dor que já tivesse sentido se comparava aquela. Ele não conseguia acreditar que Anne tinha ido embora. A impressão que tinha era que ela abriria a porta e viria em sua direção dizendo que tudo fora uma grande brincadeira, e o beijaria como na noite anterior quando tiveram uma noite incrível juntos.
Agora ele entendia porque ela fizera questão de preparar um jantar especial para ambos, e depois fizera amor com ele de maneira intensa como nunca fizera antes. Anne estava se despedindo, dizendo-lhe adeus sem que ele tivesse ideia de que era essa sua intenção. Ela o deixara e por mais que ela tivesse lhe explicado suas razões, tudo o que Gilbert sentia e pensava era que ele não fora suficiente para fazê-la ficar. Ele não lhe dera segurança, não acabara com os demônios que ela ainda carregava dentro de si, e assim, ele a perdera e não conseguia lidar com isso. Doía demais, e ele sabia que não passaria até que ele tivesse Anne de volta para sua vida.
Outro pensamento girava em sua cabeça como um redemoinho, deixando-o inquieto, preocupado e com medo. Para onde ela tinha ido se os únicos parentes que tinha moravam a quilômetros dali? O que a fizera fugir daquela maneira? Tinha que haver outro motivo, pois ele não acreditava que fosse apenas por causa do filho que ia ter com Josie. Ele precisava encontrá-la e convencê-la a voltar para casa, pois ele nunca seria feliz sem ela, e nenhuma mulher no mundo era capaz de fazê-lo se sentir como ela fazia. Anne disse que ele fizera muito por ela, porém, ele era que tinha que agradecer, pois ela o salvara, impedindo que ele se tornasse um homem seco e árido por dentro, ela lhe mostrara que ele ainda podia encontrar satisfação em uma vida que pensara estar perdida para ele. Gilbert se tornara outro homem por causa dela, então, não podia deixá-la ir ou ele simplesmente não saberia o que fazer com aquela dor atravessada em seu peito, como se uma faca tivesse sido fincada em seu coração.
O rapaz pegou o travesseiro onde Anne costumava dormir todas as noites, o abraçou e disse como se ela pudesse ouvi-lo:
- Baby, por que fez isso com a gente? Por que me deixou se te amo tanto?
O relógio despertou, avisando-lhe que já era hora de começar a se arrumar para ir para o trabalho, mas, Gilbert percebeu que não teria condições nenhuma de atender ninguém naquele dia. Suas emoções estavam um caos, sua cabeça começara a doer, e ele não poderia dar a nenhum paciente seu a assistência que ele precisava se não conseguia ajudar a si mesmo.
Deste modo, ele discou o número de Jerry que atendeu ao primeiro toque e disse com a voz em um tom grave:
- Jerry, você poderia por favor cancelar minhas consultas hoje? Estou se condições nenhuma de atender meus pacientes.
- Isso é sobre a Anne, eu suponho.- Jerry disse parecendo preocupado.
- Sim, como sabe?
- Porque tenho a carta de demissão dela em minhas mãos. O que aconteceu, primo?
- Eu não sei. Ontem tivemos uma noite maravilhosa juntos, e hoje acordei e encontrei uma carta dela me dizendo que me ama , mas que precisava ir embora. – Gilbert contou com a voz cansada.
- Como você está?- Jerry perguntou, pois se lembrava bem como Gilbert ficara depois da morte de Ruby, e temia que dessa vez a queda fosse pior.
Gilbert deu um longo suspiro, pousou seu olhar no quadro que Anne lhe dera no dia do seu aniversário e que ocupava um lugar de destaque na sua sala. Depois, ele olhou para as próprias mãos que tremiam sem parar e respondeu:
- Perdido, dolorido, magoado.
- Primo, se precisar de apoio, é só dizer que largo tudo aqui e vou até o seu apartamento. Você sabe que estou com você em tudo.- Gilbert sentiu um certo alento em seu coração ao ouvir o que o primo dissera, mas, não podia esperar menos dele. Eram irmãos, apesar de não terem nascido da mesma mãe.
- Obrigado.- foi tudo o que conseguiu dizer, pois seus olhos começaram a marejarem de novo.
- Fique tranquilo. Eu seguro as pontas por aqui.- Jerry disse, antes de desligar.
Gilbert ficou sentado em sua cama, ainda com o travesseiro branco de Anne nas mãos, e sentiu que explodiria se não falasse com alguém, por isso , se lembrou da única pessoa que poderia lhe dar algum consolo naquele momento. Assim, ele se vestiu rapidamente, pegou as chaves do carro e foi em busca de um pouco de paz para o seu coração.
ANNE
A manhã era ensolarada, mas Anne sentia como se tudo estivesse nublado dentro dela, porque deixara para trás sua felicidade, o homem que amava, ela deixara para trás parte de si mesma que nunca teria de volta.
Sentada em uma cadeira de balanço, estrategicamente colocada no meio do jardim, Anne olhava para a grande quantidade de flores que tinham seus canteiros muito bem cuidados por sua dona, e tentava se alegrar com toda a beleza natural que havia por ali, mas sorrir não era um ato fácil para ela naquele dia, assim como comer e beber, pois fazia meia hora que tinha uma xícara de cerâmica nas mãos decorada com alguns desenhos de nuvens onde continha chá de camomila que Irina preparara para ela, e sequer uma gota da bebida havia sido sorvida por ela, além de um prato pequeno com um sanduiche de presunto e queijo que permanecia intocado por Anne.
Ela chegara ali de madrugada, chorando desesperada sem saber o que fazer com a angustia que parecia querer estraçalhar com seu coração. Os cabelos estavam completamente despenteados, suas mãos tremiam, o nariz estava vermelho, e os olhos inchados. Anne carregava com dificuldade a mala de couro marrom que trazia consigo, e quando chegara na porta, ela deixara sua bagagem repousar no chão, enquanto ela apertava a campainha, rezando para que Irina estivesse em casa, e que a deixasse ficar ali pelo menos nas próximas horas.
Cinco minutos depois, ela ouviu o barulho da porta se abrindo, e Irina surgiu na sua frente vestindo um robe preto por cima de sua camisola de algodão e calçando um chinelinho colorido que ela costumava usar quando estava em casa. Acostumada a suas longas noites de plantão, Irina tinha o sono leve e por isso, ao ouvir as batidas em sua porta, ela correu para atender, pressentindo más notícias, porque ninguém apareceria ali naquela hora se não fosse algo sério. E quando se deparou com Anne naquele estado desesperador, ela perguntou preocupada:
- Anne, meu amor. O que aconteceu?
- Por favor, Irina, me ajuda.- Anne disse soluçando, e se agarrando a boa mulher, que a abraçou, e deixou que ela chorasse em seu ombro enquanto continuava a perguntar:
- O que foi, querida? Você e o Gilbert brigaram?- Anne sacudiu a cabeça negando, e começou a chorar mais ainda ao ouvir o nome do noivo.
Irina esperou que ela desabafasse, falando com ela baixinho palavras de carinho, tentando fazê-la se acalmar. Depois de quase quarenta minutos de choros e soluços, Anne se acalmou o suficiente para contar à enfermeira tudo o que tinha acontecido, e durante todo o relato da ruivinha, Irina ficou calada, pois queria entender o que a levara a tomar uma atitude como aquela. Anne por sua vez se sentia aliviada em ter alguém que a pudesse ouvir, e embora tivesse omitido a parte das fotos que vinha recebendo, todo o resto ela conseguira colocar para fora. Quando terminou de falar, se sentia exausta como se todas aquelas emoções tivessem esgotado cada gota de energia de seu corpo, e por isso, ficou calada , cansada demais para falar qualquer outra coisa.
- Anne, você tem certeza que é isso mesmo que quer?- Irina perguntou, enquanto servia a ela uma xícara de café que acabara de passar enquanto ouvia a história da ruivinha.
- Não é o que eu quero, mas, sim o que preciso fazer.- Anne respondeu, olhando para o líquido escuro dentro de sua xícara, fugindo do olhar preocupado da boa enfermeira.
- Você tem consciência de que Gilbert vai sofrer com sua decisão? Aquele rapaz simplesmente te adora. Acha justo ele passar por essa decepção depois do que sofreu com a morte da primeira esposa?- Anne não queria ouvir nada daquilo, pois já tinha pensado em cada uma das coisas que Irina estava lhe falando, e tudo aquilo, o que mais doía era causar dor ao homem que só lhe dera amor.
- Eu também estou sofrendo, Irina, mas, eu não seria feliz, sabendo que estou impedindo uma criança de ter o pai dela em sua vida em período integral.
- Anne, o Gilbert vai assumir o filho dele com a Josie. Por isso, não tem necessidade de você se separar dele.- Irina não entendia como Anne podia jogar fora um amor tão bonito por conta de algo que ela não acreditava que fosse verdade. Ela nunca dissera nada a Gilbert, mas, tinha dúvidas de que o filho de Josie fosse mesmo dele. No entanto, aquele assunto não lhe dizia respeito, por isso, evitava de se envolver, mas, Irina conhecia bem mulheres como Josie que se valiam de tudo para conseguirem o que queriam, e sem querer, Anne estava entregando para aquela cobra o amor de sua vida de mão beijada.
- Irina, você se esquece que sou órfã, e que sei muito bem o que é crescer sem pai e mãe. Eu só saí do orfanato porque meus tios foram muito bons para mim e me levaram para viver com eles em sua fazenda, e se não fosse por isso, eu nem sei onde estaria hoje.- Anne respondeu, tomando um gole do seu café, e depois, colocou a xícara de volta sobre o pires, pois não tinha vontade de comer ou beber nada, e tudo o que queria era se deitar em uma cama e dormir o resto da vida.
- Minha querida, eu entendo o seu ponto de vista, mas, acho que se precipitou. Você poderia ter conversado com Gilbert melhor a respeito disso, e tenho certeza de que tudo se resolveria. Para quê causar sofrimento aos dois desnecessariamente.?
- Agora está feito, Irina, e se não se importa posso ficar aqui hoje? Prometo que arrumarei um lugar para ficar amanhã mesmo.- Anne disse com a voz cansada, e reprimindo um bocejo.
- Claro, meu amor. Por mim pode ficar aqui o tempo que quiser. Vou adorar ter companhia. Faz tanto tempo que moro nessa casa sozinha.- a boa enfermeira disse, mostrando-se totalmente animada com a ideia de Anne ficar ali com ela.- Venha comigo, que vou te mostrar seu quarto.- Irina pegou na mão de Anne com sua direita , e com a esquerda levou a mala da menina para o quarto, e logo que se acomodara, ela pegou no sono, e só acordara com o sol entrando pelas frestas da janela, e por hábito, ela procurou por Gilbert a seu lado, e quando passou os dedos pelo travesseiro vazio, foi que ela se lembrou de tudo, e a dor que sentiu foi maior e pior do que a do dia anterior, e assim, ela ficou na cama, chorando feito uma criança, sentindo a falta de seu noivo em cada centímetro de seu corpo, e sabendo que dali em diante seria sempre assim, aquela solidão e vazio que não mais a abandonariam.
Como muito esforço, Anne se levantou, vestiu-se com um vestido simples de algodão todo branco, penteou os cabelos, observando pelo reflexo no espelho seu rosto todo inchado de chorar, mas, não fez nada para disfarçar. Estava sofrendo, então, não fazia sentindo tentar esconder algo que todos podiam ver em seu rosto.
Assim, ela deixou o quarto e foi até s cozinha, procurando por Irina, mas, sua boa amiga não estava lá. Logo, Anne encontrou um bilhete escrito em papel rosa que Irina deixou pregado na geladeira, explicando que ela tinha ido para sua aula de ginástica, e que havia chá quente no bule em cima do fogão, e um sanduiche de presunto e queijo que ela deixara pronto na geladeira caso Anne tivesse fome.
Sentindo-se mais solitária do que nunca, a ruivinha decidiu tomar seu café no jardim de Irina, pensando que entre as flores que tanto amava pudesse encontrar paz para a angústia de sua mente. No entanto, mesmo que não quisesse se lembrar, Gilbert estava lá, dentro de sua cabeça, sorrindo para ela, dizendo que a amava, abraçando-a com carinho, tocando-lhe os cabelos, fazendo-a sentir a falta dele de maneira tão desesperadora, que ela quase pegou o celular, ligou para ele, lhe pediu perdão e implorou que ele a deixasse voltar para casa, pois não estava aguentando ficar sem ele, porém no último minuto, ela desistiu.
Ela tinha tomado uma decisão baseada em certos princípios nos quais acreditava, e não poderia, de repente, voltar atrás e esperar que Gilbert a recebesse braços abertos, depois de tê-lo deixado no meio da noite por ser a covarde que era. Por mais que a amasse, Anne duvidava que ele a perdoasse um dia, principalmente por ter atirado seu pedido de noivado na cara dele. Não se podia brincar com os sentimentos de um homem assim, principalmente um homem como Gilbert que sempre lhe dera amor, e que nunca lhe pedira nada em troca. Ela só esperava que ele um dia pudesse compreendesse sua atitude, e pudesse se lembrar dela com carinho e não com rancor.
Irina voltou duas horas depois e a encontrou sentada no mesmo lugar, com a xícara de chá praticamente cheia e o sanduíche de presunto de queijo intacto. O coração generoso dela se inquietou ao ver sua menina tão triste, e logo imaginou que Gilbert não deveria estar em melhor estado. Era uma pena que não pudesse intervir, pois Anne lhe fizera prometer que não diria a John que ela estava ali, pois , se o pai de seu noivo soubesse de seu paradeiro, faria aquela informação chegar ao rapaz o quanto antes, e Anne não se sentia forte o bastante para enfrentar a raiva de Gilbert e muito menos sua decepção por ela.
- Querida, o que faz aqui fora sozinha? Vamos entrar e assim tomamos uma xícara de chá juntas.- ela disse, tentando parecer alegre, pois não queria que Anne soubesse o quanto estava preocupada com sua sanidade mental. Irina já presenciara muitas de suas crises emocionais, e não queria vê-la de novo naquele estado em que parecia que toda a vida era sugada dela e apenas o sofrimento e a dor podiam ser vistos em seus olhos. Depois que ela começara a namorar Gilbert, esses momentos se tornaram cada vez mais raros, e Irina até pensara que Anne estava livre de vez daquele tormento, mas agora, ao ver o quanto ela estava fragilizada e triste, Irina não poderia descartar nada, embora estivesse fazendo o que estivesse ao seu alcance para ajudar Anne a passar por aquela situação da forma mais serena possível, apesar de saber por conta de sua experiência como enfermeira que crises assim poderia acontecer independente de seu estado de ânimo, pois, quando alguém entrava em uma vibração diferente não importava ter amigos por perto, pois tais sentimentos eram como um vulcão que ia sendo alimentado por circunstâncias e situações, e quando explodia nunca era por causa de algo recente e aleatório, e sim por um conjunto de coisas que iam se acumulando dentro de alguém. Porém, isso no caso de Anne era terrivelmente preocupante, principalmente, por ela já ter tentado acabar com a própria vida, e assim como Gilbert, Irina tinha medo do que Anne podia fazer quando perdia o controle de si mesma. Por isso, Irina estava satisfeita que a ruivinha viera procurá-la, pois assim poderia ficar de olho nela por Gilbert, e não morreria de preocupação por não saber o que ela tinha em mente.
- Não estou com vontade, Irina. Acho que vou ficar aqui mesmo.- Anne disse desanimada, passando as mãos pelas pregas do vestido.
- De jeito nenhum. Nós vamos entrar, tomar um chá juntas, e depois vamos fazer palavras cruzadas, pois quero minha companheira de jogo de volta. Vamos aproveitar que hoje estou de folga do trabalho, e podemos passar a tarde toda juntas, o que acha?- Anne viu o carinho com que Irina a olhava, e se sentiu grata por ter alguém como ela sempre pronta a lhe dar uma injeção de ânimo. Por esta razão, ela assentiu, se levantou da cadeira onde estava sentada, com o prato de sanduíche e a xicara de chá que trouxera com ela para o jardim nas mãos, e em companhia de Irina ela caminhou para dentro de casa.
GILBERT E ANNE
Gilbert dirigia seu carro a toda velocidade, fato que não aconteceria em um dia normal, pois o rapaz sempre fora o tipo de pessoa de seguir regras e agir de forma politicamente correta, mas naquele dia em que suas emoções comandavam suas ações, ele sequer se preocupou se ultrapassou vários sinais vermelhos, pois tudo o que lhe importava era chegar em seu destino.
Assim que estacionou o carro na frente da casa de seu pai, Gilbert entrou apressadamente na sala de estar, onde o rapaz sabia que John Blythe estaria lendo seu jornal, pois era uma situação que se repetia desde que ele era apenas um menino, e como seu pai era extremamente metódico, isso não mudara com os anos.
Seus passos apressados no corredor, fizeram John levantar seus olhos da parte favorita do jornal que lia, retirou os óculos e deu um grande sorriso para Gilbert que parou na porta com a angústia apertando seu peito deixando-o sem ar.
- Filho, que surpresa boa. Pensei que a essa hora estaria no trabalho. - Gilbert tentou responder, mas a voz falhou, e em vez de palavras uma avalanche de soluços saíram de sua garganta, enquanto ele olhava para o pai desconsolado.
- Gilbert, o que está acontecendo?- John perguntou assustado com o estado do filho que sempre era ponderado e comedido, e naquele instante parecia completamente transtornado. O rapaz atravessou o espaço que o separava do pai a passos largos, e como um garotinho que fora um dia, ele abraçou seu pai que tinha se levantado do sofá por conta da agitação que o acometeu ao ver seu filho naquele estado, e chorou feito criança, molhando a camisa de John que não sabia o que fazer para acalmar o rapaz, o que o fez pensar que deveria ter acontecido algo extremamente sério, pois nem no velório da esposa John vira Gilbert chorar como se o mundo tivesse acabado.
Após dez minutos de um choro sentido, Gilbert se afastou do pai, enxugou os olhos com a manga da camisa e disse com a voz um pouco trêmula:
- Desculpe-me, papai. Eu não pretendia me descontrolar assim.
- Quer me contar o que está acontecendo, meu filho? Eu nunca te vi assim.- John disse, colocando uma mão no ombro do rapaz em uma tentativa de confortá-lo.
- A Anne me deixou papai.- ele disse com uma voz tão triste que fez John dizer:
- Como é? Me conte essa história direito.- e assim Gilbert contou sobre a carta que Anne deixara junto com seu anel de noivado, e como ela andava estranha nas últimas semanas, e ele não conseguira descobrir o que estava acontecendo, pois toda vez que ele chegava perto de saber, ela fugia do assunto, e fingia que tudo estava bem, até que ele acabara achando que estava fantasiando coisas demais na sua cabeça, e ali estava o resultado, ele perdera Anne por falta de sensibilidade.
- Você acha que o fato de Josie estar grávida a influenciou nesta decisão?- John perguntou, coçando a cabeça preocupado.
- Não sei, papai. Anne às vezes é tão complexa até para mim que tenho convivido com ela todo esse tempo.
- Mas você a ama, mesmo assim.- John afirmou com um sorriso e Gilbert concordou.
- Sim. Tudo sem ela não faz sentido. No entanto, às vezes penso que ela foi embora porque não fui suficiente para ela.- ele disse com um suspiro agoniado, e seu pai lhe respondeu em um tom firme e um olhar encorajador.
- É lógico que foi suficiente, Gilbert. Você tem feito de tudo para fazê-la feliz. Anne não foi embora por isso. Talvez ela precise apenas de tempo para organizar os pensamentos. Aquela menina te ama. Não tenho dúvidas disso.
-Sinto falta dela, papai. Como vou ficar sem ela, me diz?- Gilbert estava tão desesperado que seus cachos estavam todos desfeitos pela quantidade de vezes que ele passara as mãos por eles.
- Se pensa assim, então por que ainda está aqui? Vá atrás dela.
- Como vou fazer isso se não faço ideia de onde ela está?- Gilbert perguntou, se sentindo completamente perdido.
- Já pensou em perguntar para Irina? Talvez ela possa te ajudar.- Gilbert olhou para o pai surpreso. Como não pensara nisso?-
Deste modo, o rapaz se aproximou novamente do pai, deu-lhe um beijo no rosto e respondeu:
- Obrigado.
- Eu estou aqui para ajudar.- John respondeu ao ver o filho se encaminhando para a porta. Era incrível constatar, que os filhos, por mais que quisessem parecer adultos, eles sempre voltavam para casa de seus pais quando seus problemas se resumiam a coisas do coração.
Gilbert chegou na casa e Irina com mais esperanças do que quando saíra do seu apartamento. O ar tinha mudado, e o sol que brilhara até poucas horas tinha desaparecido, e a sensação de chuva eminente se tornava forte a cada minuto, enquanto o vento que começara a soprar mais forte, bagunçava os cabelos de Gilbert ainda mais.
Logo que saiu do carro, ele caminhou com toda a segurança do mundo, embora o coração batesse em se peito ansioso. Suas batidas na porta foram mais exigentes que o tocar da campainha seria, e por isso, logo Irina apareceu com seus olhos um tanto surpresos por vê-lo ali.
- Diz que ela está aqui, Irina.- ele perguntou sem fazer rodeios.
- Sinto muito, mas ela não está.- Irina respondeu se odiando por mentir para ele, mas, ela tinha prometido para Anne e não podia trair a confiança dela.
- Então, apenas me diz que sabe para onde ela foi.- Gilbert disse visivelmente desapontado pela resposta de Irina. Ele tivera tantas esperanças de encontrar Anne ali, e convencê-la a ir para casa com ele.
- Ela me ligou me contando o que tinha acontecido, mas, ela não me disse nada sobre para onde estava indo. Eu perguntei, tudo o que ela me disse foi que me deixaria saber quando estivesse devidamente instalada.
- Então, pode me fazer um favor?- Gilbert perguntou, enquanto tirava do bolso o anel de noivado de Anne.
- Claro, querido. O que quiser.- Irina respondeu, penalizada pela tristeza do rapaz.
- Assim que se encontrar com Anne, entregue a ela esse anel, e lhe diga, que eu o dei para ela, e não aceito devolução. Mesmo que ela tenha me deixado, eu continuo considerando-a minha noiva, pois não vou desistir dela nunca. Anne pode ir até o fim do mundo, e ainda assim vou encontrá-la, pois o meu amor por ela é para sempre, e nenhuma mulher no mundo vai me fazer feliz como ela me faz. Nós pertencemos um ao outro, e não aceito que tenha me deixado pelos motivos que me deu. Meu coração inteiro é dela, eu sou dela e isso é tudo que Anne precisa saber.- ele terminou de falar, beijou Irina no rosto e foi embora.
Naquele momento, Anne saiu de onde estivera escondida desde que ouvira as batidas fortes dele na porta, e intuíra que poderia ser Gilbert.
-Você ouviu?- Irina perguntou, entregando-lhe o anel e abraçando Anne com força, no minuto em que a ruivinha assentira e começara a chorar, fazendo Irina sentir uma tristeza imensa por ver duas pessoas tão certas uma para outra separadas, e sofrendo daquele jeito.
Lá fora a chuva desabava sobre a cidade com sua fúria incontestável, enquanto Gilbert dirigia para casa e sentia como se houvesse uma tempestade desabando dentro dele também. Sem Anne tudo o que conseguia pensar era que o sol deixara de existir para ele, e que daí em diante todos os dias seriam de chuva dentro do seu coração.
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