Capítulo 21- Um minuto de felicidade
Olá, pessoal. Consegui adiantar mais um capítulo. Espero que gostem e comentem. Beijos
ANNE
Um raio de luz surgiu pelas frestas da janela do quarto do hotel, despertando Anne instantaneamente. Ela abriu os olhos, sentindo a cabeça latejar enquanto tentava organizar seus pensamentos sobre o dia anterior, e então sentiu um braço masculino em volta de sua cintura, e somente nesse momento, ela percebeu que tinha suas mãos espalmadas no peito musculoso de Gilbert Blythe. Tal gesto ousado a fez se sentir constrangida, e por isso, ela puxou pela mente uma explicação para ambos estarem assim, deitados tão próximos, vestindo quase nada de roupas, e foi então que ela se lembrou.
Seu estômago se revirou exatamente como no dia anterior, ela começou a tremer violentamente a ponto de seus dentes baterem um no outro. Ela se aproximou mais de Gilbert em busca de calor e conforto, pois um frio terrível a atingiu em cheio como se estivesse em meio ao inverno rigoroso do Canadá, e as lágrimas então vieram fazer-lhe companhia mais uma vez naquela manhã.
Naquele instante, Gilbert abriu os olhos ao sentir gotas quentes e molhadas caírem sobre o seu peito. A confusão em seu rosto era nítida, pois seus sentidos ainda estavam entorpecidos pelo sono, mas, logo atingiram um estado de alerta máximo ao ver Anne trêmula e chorosa a seu lado.
- O que foi, meu bem? - ele perguntou com sua voz completamente rouca por ter acabado de acordar, e segurando o rosto dela cuidadosamente com as duas mãos.
- Por favor, Gilbert, me ajude. Sinto muito frio. - Ela se agarrou ao pescoço dele, colando por instinto seus corpos cobertos apenas por suas roupas íntimas, sentindo o calor da pele de Gilbert amenizar um pouco o tremor que se espalhava por todos os seus membros. De repente, as mãos de Gilbert estavam em sua testa, e Anne ouvi-o suspirar pesadamente e dizer:
- Meu Deus, você está ardendo em febre. - Com delicadeza, Gilbert afastou as mãos de Anne de seu, pescoço, e saiu da cama. Ela protestou quando o calor que a aquecia lhe foi roubado, mas, logo, ele retornou com um copo de água e um comprido, fazendo-a se sentar por um minuto na cama, tomar a medicação, e depois a deitou novamente entre os lençóis ,cobrindo-a com uma manta que estava dobrada aos pés da cama, e deitando-se ao lado dela, enquanto as mãos dele lhe afagavam os cabelos, e seu olhos preocupados não abandonavam seu rosto. Mas, ela precisava dele mais perto, por isso, Anne implorou baixinho:
- Por favor, Gilbert. Me abraça. - Ele moveu o corpo mais perto dela, afastou a manta, e a puxou para ele, encaixando seus quadris, enquanto Anne enroscava suas pernas no meio das dele. As mãos de Gilbert desceram por suas costas, e a acariciaram devagar, tentando fazer Anne relaxar. Em pouco tempo, ela voltou a adormecer, levada pelos efeitos do medicamento e a exaustão de suas emoções que a esgotaram psicologicamente desde a noite anterior.
Contudo, o pesadelo a pegou em meio ao seu sono tranquilo, e dessa vez ele tinha um rosto. Anne sentiu as mãos de Roy Gardner agarrá-la, enquanto ela tentava fugir, mas, ele ria e estava em todos os lugares para onde ela tentava correr, e de repente ela o sentiu se aproximar e ela se viu em um beco sem saída, e foi nesse momento, em que Roy estendeu a mão para segurar em seu pulso que ela gritou e acordou:
- Ei, calma, foi só um pesadelo. - Ela ouviu a voz reconfortante de Gilbert, que a abraçou enquanto ela chorava.
Ainda assim, Anne não conseguia esquecer o terror de seu sonho, e por isso, ela levou as mãos à cabeça tentando acalmar seus pensamentos, mas Roy ainda estava em sua mente, zombando dela, seu sorriso de escarnio, seus olhos maldosos. Suas mãos desceram para o rosto, e Gilbert a impediu exatamente no momento em que suas unhas se preparavam para rasgar a pele da sua própria face, pois em sua concepção perturbada somente a dor física aliviaria a sua dor psicológica. Por isso, o jovem psiquiatra afastou suas mãos do rosto e disse com sua voz firme, porém, suave:
- Não faça isso consigo mesma .Ele não merece sua dor .- Gilbert puxou o queixo dela em sua direção, e logo continuou:- Olha para mim.- Anne obedeceu, e viu nos olhos castanhos uma misericórdia que não conseguia encontrar em si mesma, e aquilo amenizou um pouco seu desespero, e sua necessidade de se ferir de alguma maneira, para que o terror fosse embora, e seu coração parasse de bater feito louco em seu peito. Ele então segurou seus pulsos, a forçou olhar para eles, enquanto o rapaz deslizava seus dedos suavemente pelas cicatrizes brancas visíveis naquele local, que atestavam a destruição que tentara infligir a si mesma no auge da sua loucura, e ela tentou afastar o olhar dali , envergonhada por aquele ato que mostrava o quanto fora covarde por não conseguir enfrentar seu drama, procurado assim pelo caminho mais fácil, porém, não menos dolorido, porém Gilbert de novo não permitiu. Ele a fez olhar de novo para as cicatrizes e disse:- Não precisa ter vergonha, Anne. Não tem ninguém aqui te julgando. Quero apenas que olhe para isso, e se lembre até aonde seu silêncio a respeito de tal violência a levou. Você não merece isso, ninguém merece tal destino. Não quero que se machuque mais dessa maneira. Você não está sozinha, e quando se sentir pronta, me diga como sente a respeito de tudo isso do que se lembrou. Colocar para fora toda a revolta, a raiva e a dor, é muito importante para que você encontre seu caminho de volta. Deixe-me conhecer a intensidade dos seus sentimentos, por piores que possam ser, e me deixe ajudá-la a encontrar paz. - Os dedos dele tocaram seu rosto com carinho, e ela fechou os olhos ao sentir a voz de Gilbert adentrando seus ouvidos e chegando ao seu coração.
Compaixão, foi tudo o que ela encontrou naquelas palavras, e era um sentimento que ela nunca pensara encontrar e lugar nenhum para si mesma. A vida toda se sentira fora do lugar, como se sua real identidade tivesse sido roubada quando ela fora arrancada de sua família biológica, e jogada no mundo para aprender a sobreviver sozinha. Gilbert estava lhe oferecendo um bote salva vidas para que não se afogasse no mar do seu desespero, contudo, ela sentia que ainda teria que nadar nas próprias ondas para por fim conseguir chegar à margem inteira. Ela abriu os olhos e fez um único pedido com a voz trêmula:
- Eu quero tomar um banho, eu me sinto suja. - Gilbert beijou seus dois pulsos e disse:
- Você não está suja, Anne. Quem fez isso com você é que tem a alma afundada na lama. Para mim, você continua sendo a mesma garota linda e angelical que conheci a alguns meses. Você é incrível.- ele lhe deu um beijou no rosto, e Anne desejou com todas as forças acreditar nele, mas, não conseguia se ver assim. Então, Gilbert se levantou da cama, e disse:- Mas, se quer mesmo tomar um banho, venha comigo.
Ela se levantou da cama, e tentou ficar de pé, mas sentiu tudo ao seu redor rodar. Ela olhou para Gilbert, sentindo que não conseguiria dar todos os passos necessários até alcançar o banheiro.
- Não consigo andar, não tenho forças. - Ela disse em um fio de voz.
- Você não se alimentou direito ontem a noite. Venha, eu te ajudo. - Ele se aproximou, a pegou no colo, e Anne mais uma vez se agarrou ao pescoço dele, e encostou sua cabeça no peito quente de Gilbert onde podia ouvir-lhe o coração. As batidas cadenciadas eram como uma canção melódica que a fazia se sentir tão bem que Anne desejou ficar assim com Gilbert até que todo o seu mundo voltasse ao seu compasso normal.
Ele a colocou no chão, assim que entraram no box, e ele lhe perguntou acariciando-lhe os cabelos:
- Acha que consegue tomar banho sozinha ou precisa da minha ajuda? - ela o olhou um tanto espantada pela pergunta. Nunca em toda a sua vida partilhara uma intimidade assim com alguém, muito menos com um homem, pelo menos não que se lembrasse, e não conseguia imaginar que ela e Roy Gardner tivessem tido esse comportamento comum a casais. Ela balançou a cabeça ao perceber que estava de novo pensando naquele homem vil, e depois encarou Gilbert de novo que esperava por sua resposta. Nos olhos dele não viu nem um tipo de malícia ou algo que indicasse segundas intenções. Havia apenas preocupação e desejo de ajudar, e assim ela respondeu:
- Acho que consigo sozinha.
- Tudo bem. Vou esperar do lado de fora. Por favor, não demore porque você precisa comer, e depois vou verificar sua temperatura, pois enquanto sua febre não baixar, não podemos sair daqui, e vou ter que avisar o Jerry de novo. - Anne assentiu.
Ela fechou a porta, e somente naquele instante se deu conta de que continuava apenas de lingerie, e que dormira com Gilbert a noite toda desse jeito. Um arrepio involuntário subiu pelo seu corpo, mesmo não conseguindo sequer pensar em uma intimidade maior com um homem naquele momento, Anne não conseguiu não se lembrar do calor do corpo de Gilbert contra o seu, e a segurança que sentiu quando ele a abraçou. Tentando não se deixar levar por suas fantasias, ela tirou a lingerie, tomou um banho rápido, se apoiando todo o tempo na parede, pois suas pernas ainda não conseguiam sustentá-la muito bem. Em seguida, ela desligou o chuveiro, se enxugou e vestiu um roupão fino, pois suas roupas tinham ficado no outro quarto. Quando ela abriu a porta, Gilbert estava lá esperando por ela, como ele tinha prometido antes.
- Tudo bem? - ele perguntou segurando em seu pulso.
- Sim. Ainda me sinto zonza, mas, os calafrios foram embora.
- Que bom, venha comigo. -Ele disse fazendo-a se sentar em uma mesa que havia no quarto, onde o café da manhã estava deposto. Pelo que tudo indicava, ele havia pedido o serviço de quarto enquanto ela tomava banho, e arrumado a mesa logo em seguida. Contudo, antes de começarem a comer, ele voltou a verificar sua temperatura, e dessa vez ele lhe pareceu mais aliviado ao olhar para o termômetro:
- Graças a Deus, sua temperatura voltou ao normal. Vamos tomar café, e depois nos vestimos e voltamos para casa.
- Gilbert, eu não sei se consigo comer. Meu estômago continua enjoado.
- Anne, lembra-se do que eu lhe disse? Não deixe que toda essa experiência ruim te destrua. Você é mais forte do que pensa. - Ele lhe sorriu, e Anne respirou fundo. Ele quase a fazia acreditar que ela realmente conseguiria superar tudo aquilo quando lhe sorria daquela forma tão verdadeira, e então se perguntou a si mesma por que Gilbert não aparecera em sua vida antes que toda aquela desgraça se abatesse sobre ela, roubando-lhe o sonhos? Tudo teria sido incrivelmente diferente se ela e Gilbert tivessem se encontrado anos atrás, mas, de repente, lhe ocorreu que mesmo que isso acontecesse, não teria sido possível que ele se aproximasse dela e tivessem um relacionamento diferente do que tinham agora. Ele estava casado e com uma garota linda por quem ele fora completamente apaixonado, e ela não teria tido nenhuma chance em ser mais do que uma amiga.
- Está bem. Eu vou tentar. - Anne deu um sorriso fraco, e fez um esforço para comer a torada e tomar o suco de laranja que Gilbert lhe havia servido. Ele a observava tão intensamente que ela sentia como se ele quisesse ler seus pensamentos. Por fim, ela conseguiu comer tudo o que ele lhe serviu, e foi para o seu quarto trocar de roupa para voltarem para a clínica.
A viagem de volta foi tranquila, e apesar dos últimos acontecimentos, Anne dormiu o tempo inteiro. Quando entraram pelos portões da clínica, ela despertou com um beijo de Gilbert em sua testa. Ele abriu a porta do carro, pegou na mão dela e a ajudou a se levantar.
- Consegue andar? - ele perguntou atenciosamente, com seus olhos castanhos observando-a com atenção como fizera o dia todo. Ele estava preocupado, ela podia sentir, por isso, ela colocou o melhor sorriso que conseguiu no rosto e disse:
- Consigo sim. - Assim, ele apenas segurou em sua mão e caminhou com ela em direção a seu quarto.
No caminho, eles encontraram Irina que veio ao encontro deles sorridente e perguntou:
- Que bom que voltaram. Como foi a viagem, querida? - Anne olhou para Gilbert e depois abaixou a cabeça, mas, não antes de vê-lo balançando a cabeça para Irina como se dissesse que aquele assunto era proibido. Em seguida, ela ouviu-o dizer:
- Irina, pode me esperar no consultório? Preciso de dar algumas instruções.
- Claro, Dr. Blythe. - A boa enfermeira respondeu, olhando para Anne preocupada.
Gilbert e Anne entraram no quarto dela, e antes de se despedir o rapaz disse:
- Bem, Anne. Seria bom que você descansasse o resto do dia. Procure dormir e se alimentar, e não pensar em nada que a deixe nervosa. Amanhã eu volto para ver como está. -
- Obrigada, Gilbert, pela viagem, e por todo o resto. - Ela não queria se lembrar de como aquela viagem acabara, mas, não podia deixar de reconhecer que se Gilbert não estivesse lá aquilo tudo teria sido terrivelmente pior.
- Você sabe que pode contar comigo, Anne, de todas as formas. Eu preciso voltar para casa agora, mas, se precisar de mim é só pedir para Irina me ligar que eu venho correndo. - Ele se aproximou, acariciou o queixo dela com carinho e disse:- Você é muito importante para mim.
- Você também. - Ela respondeu, e depois ficaram se olhando por um longo minuto. Gilbert aproximou o rosto do dela, e Anne tinha quase certeza que ele iria beijá-la, mas, ele desviou a direção dos lábios e a beijou no rosto, deixando-a desapontada, mas, o que ela deveria esperar, depois de tudo o que havia contado a ele sobre o seu passado? Como ela esperava que ele olhasse para ela a não ser com pena?
- Preciso ir.
- Está bem.
Ele deu-lhe um último sorriso, e depois foi embora, deixando Anne imersa em seus próprios pensamentos.
GILBERT
O jovem psiquiatra caminhou até seu consultório onde Irina o esperava. Seus pensamentos conturbados o acompanhavam durante o pequeno percurso, enquanto ele tentava a todo custo manter sua posição como médico de Anne naquele caso, mas, seu lado de homem apaixonado parecia querer se manifestar a todo momento, por isso, a revolta que sentia não era pouca. No entanto, ele precisava se manter no controle da situação, ou Anne não receberia a ajuda adequada que precisava naquele momento.
- O que aconteceu nessa viagem, Dr. Blythe? - Irina perguntou assim que ele entrou no consultório.
- A viagem em si foi boa. Visitamos os tios de Anne, e pude conversar com Marilla, tia dela que me contou sobre a infância sofrida dela. - Ele se sentou em sua mesa e inclinou a cabeça para trás deixando-a repousar no encosto da cadeira. O problema todo aconteceu quando tivemos que passar a noite em um hotel por conta da chuva.
- Ah, sim. Jerry me avisou que vocês não voltariam no mesmo dia, por conta desse problema.
- Bem, Irina, tudo o que posso te dizer é que ela se lembrou do seu passado com Roy Gardner. - Ele disse fixando seu olhar no teto.
- E isso não é uma coisa boa?
- Sim e não.
- O que quer dizer? - Gilbert desviou o olhar o teto e olhou direto para Irina.
- O que ela se lembrou me fez entender o teor de seus pensamentos e o medo que ela sentia toda vez que se lembrava de algo relacionado a ele.
- Foi tão ruim assim? - Irina perguntou apreensiva.
- É pior do que imaginávamos.- Gilbert parou um instante, e pensou em como contaria aquilo para Irina, sabendo que ela amava Anne como a uma filha, mas, depois entendeu que não havia outra forma a não ser dizer a verdade.- Ele abusou dela como mulher, Irina. – O olhar chocado que a enfermeira lhe lançou fez Gilbert temer que ela pudesse passar mal com a notícia, mas então ela disse com uma voz cheia de raiva;
- Canalha!
- Eu penso da mesma forma. Roy Gardner era um ser humano cruel e nojento. - Gilbert disse deixando Irina saber qual era sua real opinião sobre aquele crápula que machucara Anne daquela maneira.
- Pobrezinha. Como ela lidou com tudo isso? - Irina perguntou tocando o próprio rosto, consternada com toda aquela história
- Anne teve uma crise nervosa, chorou demais, se arranhou inteira e somente depois que se acalmou, eu consegui falar um pouco sobre o assunto com ela. E então ela me pediu que passássemos a noite juntos, pois ela estava com medo de dormir sozinha. - Irina o olhou de maneira estranha e então, perguntou:
- Gilbert, vocês não...- ele entendeu imediatamente a insinuação e tratou de explicar melhor o que acabara de relatar.
- É claro que não. Acha que depois de tudo o que Anne me contou, eu a colocaria em uma situação assim? Eu a amo, Irina, e nunca me aproveitaria disso para ter algo mais íntimo com ela.
- Gilbert, me desculpe, eu não quis dizer que seria errado, uma vez que estão atraídos um pelo outro. Eu só acho que não seria o melhor momento para isso. - Irina disse sem jeito.
- Eu não deixaria que algo assim acontecesse entre nós naquele momento, sem contar que duvido muito que Anne me permitiria ir muito longe. Ela está traumatizada demais para desejar um relacionamento desse.- Gilbert disse se sentindo frustrado Não por causa de Anne que não tivera culpa de ter encontrado um homem horrível que traiu sua confiança e se aproveitou de seus sentimentos, mas, sim por conta de toda a situação que a afastava mais ainda dele emocionalmente.
- E o que você pretende fazer?
- Eu vou cuidar dela até que ela se cure e esteja pronta para aceitar o meu amor. - Ele disse com convicção.
- Mas, e se levar muito tempo para ela se recuperar? Acha que consegue lidar com isso? - Irina perguntou com simpatia.
- Eu posso esperar por ela. Não me importa quanto tempo leve. Se teve uma coisa que compreendi nessa viagem foi que preciso de Anne tanto quanto ela precisa de mim, e não vou abrir mão dela nunca. - Ele disse com sua voz inflamada por um sentimento do qual ele mesmo ainda não sabia da intensidade até aquele momento.
- Espero que consiga ajudá-la, Gilbert. Vocês dois merecem ser felizes juntos.
- Obrigado, Irina. Vou fazer o que puder para que ela se recupere logo, e por isso, também gostaria de pedir algo.
- Claro, pode dizer. - Irina disse assumindo sua costumeira postura de enfermeira experiente e atenta as necessidades dos pacientes.
- Eu queria que ficasse de olho em Anne muito mais do que tem feito. Não deixe qualquer instrumento por perto com o qual ela possa se ferir. Guarde com você qualquer medicação que eu prescrever, e oriente o pessoal da cozinha para que quando ela for fazer suas refeições que nenhum utensilio de metal seja permitido em sua mesa ou bandeja.
- Acha que ela pode atentar contra a própria vida de novo? - Irina perguntou preocupada.
- No estado em que ela se encontra e levando-se em conta seu histórico de suicida, eu não me espantaria se ela tentasse algo assim quando ninguém estivesse olhando. - Gilbert disse angustiado. Ele sequer conseguia pensar em Anne fazendo algo para tirar a própria vida e tendo sucesso dessa vez. Ele não suportaria perde-la dessa maneira, sua vida estaria acabada sem ela, e dessa vez ele nunca conseguiria recomeçar de novo. Sem Ruby fora difícil, mas sem Anne era totalmente impossível.
- Pode deixar que ficarei de olho nela o tempo todo. - Irina disse se levantando.
- Obrigado, Irina. Eu vou para casa, e se Anne precisar de mim seja por qual motivo, não hesite em me ligar. - A enfermeira assentiu e o deixou sozinho.
Logo em seguida, Gilbert deu uma passada na sala da administração para ver se seu primo Jerry se encontrava por ali. Não era um dia que ele normalmente trabalhasse, mas, às vezes, ele precisava aparecer na clínica no domingo para resolver algum problema, e aquele era um desses, pois Gilbert tinha visto o carro dele no estacionamento da clínica assim que chegou lá com Anne.
- Posso entrar? - ele perguntou no momento em que chegou na sala de trabalho do primo.
- Claro. Vejo que chegou bem. Como está Anne?
- Ela está bem. - Gilbert respondeu. Não queria falar com Jerry ainda sobre o que descobrira no caso de Anne, pois estava cansado, e se conhecia o primo, ele o encheria de perguntas e só sairiam dali no fim da tarde. Tudo o que ele precisava era ir para seu apartamento, e ter um pouco de tranquilidade para pensar.
- Ótimo. Quer falar comigo sobre algo em especial?
- Não, eu só passei para te cumprimentar. E como foi seu encontro com Diana?
- Não foi. - Jerry disse, deixando seu sorriso morrer ao falar naquele assunto.
- Por que?
- Não sei. Ela me ligou na última hora para cancelar, e nem me deu uma explicação muito convincente. O que me faz imaginar que ela está fugindo de mim.
- E vai desistir? - Gilbert perguntou observando as reações do primo.
- Não. Eu vou descobrir onde ela mora, e vou atrás dela. Diana não vai escapar de mim tão fácil, e para isso Anne pode me servir como informante muito bem. - Ele disse cheio de confiança.
- Como assim? - Gilbert perguntou arqueando uma sobrancelha sem entender a colocação do primo.
- Você acredita que a Anne é a amiga que ela vem visitar? -
- Que consciência! - Gilbert disse surpreso.
- Eu também acho. Assim que eu tiver uma oportunidade, vou falar com Anne e pedir o endereço de Diana.
- Acho um ótima ideia, primo, mas, não faça isso hoje, pois a Anne está um pouco sensível depois da visita que fez aos tios, sabe como é quando os internos saem daqui depois de certo tempo, e se encontram com seus familiares.- Gilbert disso, pensando que Jerry não precisava saber do real motivo de Anne ficar incomunicável naquele dia.
- Fique tranquilo. Falo com ela outro dia da semana. - Jerry garantiu.
- Bem, vou para meu apartamento. Qualquer coisa me liga. – Gilbert disse se despedindo e logo estava dirigindo para o seu apartamento.
Quando chegou lá, arrancou os sapatos, largando-os em qualquer lugar da sala, e também a camisa, pois ele transpirava demais por conta do calor. Foi até a geladeira, abriu uma cerveja e foi tomá-la, sentado no sofá da sala, e enquanto se deliciava com a bebida gelada, ele repassou em sua mente tudo o que acontecera no dia anterior.
Apesar de já ter visto de quase tudo em sua carreira psiquiátrica, e tratado de mulheres vítimas de abuso de todos os tipos, Gilbert não conseguia acreditar que algo assim tivesse acontecido com Anne. Como Roy Gardner pudera macular uma garota tão doce com sua sujeira? Como pudera usar a inocência e pureza dela para conseguir manipulá-la como quis? Ele com certeza a conquistara com seu charme de rapaz rico e bem sucedido, percebendo que uma garota tão linda, mas frágil e carente de todo tipo de atenção seria uma presa fácil. Ela lhe contara que Roy dissera que a amava, mas homens como ele não amavam ninguém. Seu egocentrismo exagerado só permitia que visse a si mesmo como pessoa importante, e olhava todos os outros como meros instrumentos para atingir um fim, porque assim se sentia forte, inatingível e cada vez mais incentivado a fazer tudo outra vez na primeira oportunidade.
Gilbert tomou mais um gole de cerveja e ficou brincando com o lacre da lata, e se lembrando do rosto desesperado dela ao contar-lhe a verdade, e do ódio que ele sentiu contra um homem que não merecia ter tido um destino tão misericordioso como a morte. Ele deveria ter permanecido vivo, e sofrido na própria pele toda a tortura que infligira aquele anjo puro. Depois que ela adormecera, ele permaneceu um bom tempo, vendo-a dormir em um sono inquieto que fez seu coração doer por ele não poder livrá-la daquilo naquele mesmo instante. Ele sabia como funcionava um trauma desses, e como só o tempo poderia curar e cicatrizar as feridas ainda abertas em seu espírito.
Irina lhe perguntara se ele conseguiria esperar o tempo que fosse para ter Anne como mulher em sua vida, e ele dissera a verdade. Esperaria o tempo que fosse possível, pois seu amor por ela era mais profundo do que pensara. Só ele sabia como era difícil se controlar quando estava perto dela, mas, a certeza de que um dia ficariam juntos era a razão que precisava para resistir aos apelos de seu desejo por ela.
Ele fora testado de todas as formas naquele fim de semana, principalmente quando ela lhe pedira para que dormissem juntos, porque ela precisava da presença dele para aplacar seus demônios. Acordar com ela fora outro teste de resistência, pois quando Anne pediu que ele a abraçasse, ela simplesmente escorregou para o meio das pernas dele, deixando seu corpos tão próximos que ele podia sentir a intimidade dela roçar a sua, e a pouca roupa que usavam só piorava tudo. Ele tivera que apelar para todo o seu bom senso, e dizer a si mesmo várias vezes que ela estava frágil, que aquele não era o momento para se excitar com o corpo dela colado no seu, mas, fazer isso fora o mesmo que estar no deserto sedento por água, e mesmo com o líquido precioso ao seu alcance não bebê-lo. Felizmente, ela não percebera que seu gesto inocente tinha despertado um furacão dentro dele que só seria aplacado quando pudesse tê-la por inteiro.
Ele terminou sua cerveja, e foi para o banho, tendo o cuidado de deixar a temperatura da água bem gelada, mas, sem nenhuma esperança de que isso fosse o suficiente para arrancar Anne Shirley Cuthbert de sua mente.
GILBERT E ANNE
A semana passou voando, mas, Anne nem percebeu, pois ela permaneceu todo o tempo trancada em seu quarto, não permitindo nem que a janela fosse aberta. A penumbra lhe dava conforto e segurança, enquanto a luz do sol só deixaria transparecer sua alma suja e deformada, e ela não queria que ninguém visse, porque seu segredo seria descoberto, ela seria desmascarada e ninguém nunca mais iria querer se aproximar dela.
Eram pensamentos claramente depressivos, e se ela pudesse usar seus instintos livres de qualquer influência, Anne entenderia que eram pensamentos incoerentes, pois a última coisa que poderia fazer era se culpar por algo que outra pessoa com a mente distorcida infligira a ela, mas, como toda vítima de abuso, ela se responsabilizava, pensando que se Roy Gardner a usara daquela maneira torpe era porque ela não fizera nada para evitar e porque atraíra por algum motivo aquele tipo de pessoa e comportamento para si.
Assim, sua punição era se privar do jardim onde estavam seus adorados roseirais e suas amigas borboletas que tanto alegravam suas manhãs, e se enterrar naquele quarto escuro onde suas piores lembranças vinha atormentá-la toda vez em que ela fechava os olhos e baixava a guarda, permitindo que seus fantasmas a assombrassem mais ainda do que antes.
Irina estava sempre por perto, e redobrara sua atenção e cuidados, e embora a boa enfermeira não lhe dissesse nada, Anne sabia muito bem o que se passava em sua cabeça quando ela passava por ser quarto vinte vezes por dia, fingindo que era apenas um visita de rotina. Irina temia que ela se ferisse de verdade, e não tivesse ninguém por perto para socorrê-la a tempo daquela vez.
Gilbert vinha visitá-la todos os dias depois do trabalho, e embora ele insistisse para que ela saísse do quarto e tomasse um pouco de sol. Ele realmente não a forçava a fazê-lo, porque talvez entendesse que Anne deveria fazer as coisas porque tinha vontade, e não porque ele achava sadio para ela. Felizmente, ele também não tocava no assunto Roy Gardner, e Anne se sentia aliviada por Gilbert não fazê-lo, pois ela já se sentia mal demais por tudo o que acontecera, e revivê-lo verbalmente não era o que desejava, embora soubesse que um dia teria que fazê-lo, mas, enquanto não se sentisse forte o bastante para colocar tudo para fora, ela não se arriscaria a passar por tudo outra vez.
Então, naquela quinta feira, tudo continuava igual. Ela permanecia em seu quarto olhando para o teto, tentando manter sua sanidade mental, quando Irina entrou o que seria a sexta vez naquele dia.
- Olá, meu amor. Preciso ver sua temperatura. - Ela disse animadamente, e Anne se sentou na cama sem sorrir. Ela não estava zangada ou com raiva naquele dia, somente pensava que sorrir sem vontade não mudaria nem um pouco como seu dia estava acontecendo até ali.
- Que ótimo. A temperatura está normal. Isso quer dizer que você está livre da febre emocional, pelo menos por hoje. Como se sente? - Irina perguntou se sentando na cama ao lado de Anne.
- Bem. - Ela respondeu mecanicamente.
- Sua resposta não me pareceu muito sincera. - Irina a examinou com mais atenção deixando Anne nervosa.
- O que quer que eu diga?
- Que tal se me dissesse a verdade de como está se sentindo? - Anne suspirou alto antes de responder.
- Eu sei que Gilbert te contou tudo, então, deve saber como eu me sinto nessa situação.
- Na verdade. Eu não sei não. Nunca passei por uma situação como essa na vida, então não posso sequer imaginar como alguém que sofre uma coisa tão abominável possa se sentir. Porém, o que sei é que não adianta se trancar aqui como tem feito, se escondendo do mundo, porque não vai encontrar a solução para sua dor no escuro do seu quarto, e sim na luz do sol do lado de fora. Eu sei que é uma garota valente, por isso, minha querida, precisa lutar.
- Lutar pelo que, Irina? - Anne perguntou desanimada, e a enfermeira segurou em sua mão e disse:
- Lutar por si mesma, por sua vida, pelo seu amor.
- Não tenho mais vontade de lutar por mim, e minha vida acabou a muito tempo e só fui descobrir esse fim e semana, e quanto ao amor...- Anne parou um pouco para pensar, e depois terminou seu pensamento.- Duvido que Gilbert ainda queira alguma coisa comigo depois do que eu lhe contei.- Irina a olhou espantada e perguntou:
- Por que pensa dessa maneira?
- Porque é verdade. Antes ele queria apenas passar momentos de prazer comigo, mas, depois do que soube a meu respeito, até esse desejo deixou de existir. Ele não me quer mais, Irina.- uma lágrima escorreu de seu rosto, e Irina balançou a cabeça pensando no quanto ela estava enganada, mas, não podia falar nada, pois isso era um assunto de Gilbert e não queria que pensasse que ela estava querendo interferir no relacionamento dele e de Anne.
- Anne, como pode pensar uma coisa dessas?
- Então, me responda, Irina. Quem iria me querer depois de eu ter sido abusada por um homem como eu fui?- o olhar magoado dela fez Irina querer abraçá-la e dar todo o conforto que ela precisava, mas, ela sabia que o único consolo que ela queria e precisava era o de Gilbert.
- Anne. Gilbert gosta de você, independentemente do que te aconteceu. Como pode pensar que algo assim te define como pessoa?
- Gostar não é amar, Irina. - Ela disse triste.
- Querida, deixe-me te perguntar uma coisa. Se Gilbert chegasse aqui e dissesse que te ama, acha que seria capaz de viver esse amor nesse momento?
- Eu não sei. - Ela respondeu olhando para os próprios pés.
- Então, pense sobre isso, pois o amor é um presente que precisamos estar prontos para receber. Se você não está preparada, creio que seria inútil ouvir de alguém as palavras "eu te amo."
Depois que Irina saiu, Anne pensou bastante sobre o que conversaram, e chegou à conclusão que ela tinha razão. Ela sabia que amava Gilbert de todo coração, mas, não se sentia preparada para dizer isso a ele, e nem receber de volta esse amor. Ele nunca dissera que sentia por ela qualquer outra coisa que não fosse afeição de amigo, ou desejo carnal por ela, por isso, ela sabia que o que ele queria dela era somente físico. Não podia culpá-lo, pois entendia que havia uma atração forte entre os dois, e até no fim de semana anterior quando ele descobrira o que acontecera entre ela e Roy Gardner, seus olhares lhe diziam exatamente isso, mas, então, aquilo parecia ter mudado, porque tudo o que via nos olhos dele agora era compaixão, preocupação e nada mais, e isso a magoava também.
Saber que ele sentia algo por ela, mesmo que fosse passageiro a fizera se sentir especial para alguém, e sem isso ela voltara a ser apenas uma paciente anônima como tantas outras que ele já tratara antes dela. Ela nunca chegaria ao patamar que a esposa dele ocupara na vida dele, e sempre seria uma mera substituta de quem ele se cansaria e procuraria por outra que pudesse dar-lhe algo mais. Talvez Josie pudesse ser a mulher que daria a Gilbert o que ele precisasse, e embora ele tivesse lhe dito que terminara o namoro com a enfermeira por sua causa, agora que perdera o interesse nela, o rapaz podia voltar com sua antiga namorada e ser feliz como merecia ser.
Anne passou as mãos pelo rosto e percebeu que chorava. Ela não queria perder Gilbert dessa maneira, mas, não tinha como impedi-lo, e por isso, ela não tinha o direito de desejar algo para si que nunca lhe pertencera. Logo, ela enxugou as lágrimas, e se deitou na cama, ficando na mesma posição em que Irina a havia encontrado antes.
Às quatro e meia da tarde, Gilbert apareceu em seu quarto e disse:
- Vamos, levante-se e se arrume, que vou te levar para um lugar. - O sorriso dele era lindo, mas o convite completamente estranho. Eles teriam uma consulta dali a trinta minutos, e ela não estava entendendo o que ele estava planejando.
- E a nossa consulta? - ela perguntou se endireitando na cama.
- Vamos ter nossa consulta em outro lugar. - Ele respondeu continuando a olhá-la de um jeito enigmático, fazendo-a entender que ele não lhe diria nada sobre o que tinha em mente para aquele dia, por isso fez exatamente o que ele lhe pediu.
Ela tomou um banho rápido, e vestiu um vestido azul simples de algodão, sapatilhas brancas, e deixou os cabelos soltos sem usar qualquer tipo de maquiagem. Não estava com humor para se enfeitar naquele dia, mas, quando voltou para o quarto, ela não pôde deixar de notar o olhar e admiração de Gilbert que lhe disse:
- Você está linda.
- Obrigada. - Ela respondeu se sentindo tímida com o olhar dele que percorria seu corpo da cabeça aos pés. -
- Pronta?
- Aonde vamos, Gilbert? - ela perguntou enquanto o seguia para fora do quarto.
- É uma surpresa. - Ele disse, levando-a até o carro, abrindo a porta para ela e dizendo todo cavalheiro:- Pode entrar, princesa. - Anne sorriu de leve, sem deixar de notar como Gilbert parecia charmoso com seus cabelos despenteados e roupas esportivas.
Ele dirigiu cerca de dez minutos, e então, parou em um parque que Anne nunca tivera a chance de conhecer antes. Era repleto de árvores, quiosques, canteiro de flores, e havia até uma fonte onde vários peixinhos nadavam, deixando Anne completamente encantada. O lugar era lindo, e como o céu estava nublado, a temperatura especialmente agradável tornava o dia perfeito para se passar algumas horas ao ar livre.
Gilbert abriu o porta malas do carro, e de lá tirou uma toalha e uma cesta de piquenique, fazendo Anne perguntar curiosa:
- O que exatamente viemos fazer aqui, Gilbert?
- Como você está vendo, vamos fazer um piquenique. - Ele estendeu a toalha perto da fonte onde a sombra de uma árvore cobria quase tudo, colocou a cesta de piquenique de onde surgiram vários tipos de comida e bebida.
- E a nossa consulta? - Anne perguntou assim que se sentou na toalha que ele estendera no chão.
- Achei que você precisava de algo diferente hoje. - Ele respondeu, tocando o ombro dela com a mão direita, onde Anne sentiu como se formigasse.
- Por que está fazendo isso, Gilbert?
- Porque sou seu amigo e gosto de você. - Ao ouvir a palavra amigo, ela torceu um pouco o nariz, mas, não disse nada, uma vez que fora ela que sugerira aquela situação.
Assim, ela ficou calada, enquanto Gilbert arrumava toda a comida que trouxera em cima da toalha. O que ela não sabia, era o teor dos pensamentos do rapaz que não parava de admirá-la , deslizando o olhar por todo o rosto dela registando cada detalhe , gravando-os na memória para que quando estivesse sozinho, ele pudesse se lembrar de Anne exatamente assim, perfeita em seu vestido simples, cabelos soltos ao vento, e a pele branca brilhando como se estivesse coberta por uma camada fina de luz. Se ele não estivesse apaixonado por ela, começaria a amá-la naquele instante, porque aquela garota era tão maravilhosa como nenhuma outra que ele tivesse conhecido. Nem mesmo Ruby tivera o poder de fazê-lo ficar emudecido diante de uma beleza etérea como aquela. Sua esposa tinha sido uma bela mulher, mas, Anne tinha algo que Ruby nunca tivera, uma alma pura e imaculada. -
- Como se sente hoje? - ele perguntou entregando-lhe um copo de suco de laranja.
- Achei que tivesse dito que isso não era uma consulta. - Ela respondeu dando um gole grande na bebida.
- E não é. Eu perguntei apenas porque me importo com seu bem-estar. - Ele disse sem parar de olhá-la.
- Estou melhor, obrigada. - Ela respondeu não permitindo que o assunto se aprofundasse. Ela não queria pensar em seus problemas pelo menos naquele instante, e para seu alívio, Gilbert não fez mais nenhuma pergunta daquele tipo, conduzindo a conversa para outros assuntos aleatórios. Assim, a tarde se tornou bastante divertida com Gilbert fazendo piadas, a boa comida, a música que tocava no carro dele, e a companhia daquele homem incrivelmente fascinante, fazendo-a esquecer de todos os seus traumas e saborear cada segundo daquele dia como se fosse uma garota comum em um encontro com o rapaz que ela gostava. Era tão fácil viver tudo aquilo com Gilbert e se deixar levar por aquele brilho no fundo de seus olhos castanhos, e acreditar que os sentimentos dele por ela eram tão profundos quanto os que viviam no coração de Anne por ele.
Enquanto conversavam, Anne deixava o seu olhar percorrer o parque, registrando os detalhes mais interessantes que pudesse absorver em sua mente, e foi então que viu um balanço preso a uma árvore mais a frente, e perguntou a Gilbert:
- Aquele é um balanço? - Gilbert seguindo com os olhos para onde ela apontava e disse:
- Sim. Gostaria de ir até lá?
- Podemos? - ela perguntou incerta, dizendo a si mesma que era velha demais para brincar em um balanço.
- Claro que sim. Você pode fazer o que quiser, princesa. - Gilbert disse se levantando e ajudando Anne a fazer o mesmo.
Eles caminharam juntos até o balanço, e assim que Anne se sentou nele, Gilbert começou a empurrá-la, e assim que se viu cada vez mais alto, Anne gargalhava, se sentindo livre como nunca se sentira antes. Era apenas um brinquedo infantil, mas para ela que vivia presa dentro de si mesma, estar em pleno ar, sentindo o vento em seus cabelos era a melhor sensação do mundo.
Gilbert ouvia risada de Anne, e gargalhava junto com ela. Aquele som cristalino enchia seus ouvidos, fazendo seu coração inchar de felicidade. Saber que naquele instante, Anne se divertia e voltava a ser uma garota alegre da sua idade o fazia se sentir tão leve quanto ela, principalmente por saber que era ele quem lhe causava esse sentimento tão bom. Quando ele parou de empurrá-la, e o balanço foi perdendo a velocidade, Gilbert disse:
- Adoro o som da sua risada.
- E eu amo o seu sorriso. - E assim eles ficaram se olhando quase que hipnotizados, mas, então gotas finas de chuva começaram a cair, fazendo Gilbert dizer:
- Vamos recolher as coisas do piquenique antes que tudo fique encharcado.
Desta forma, eles correram até a toalha que estava no chão, colocaram tudo dentro da cesta, e foram para debaixo de um quiosque que estava perto de onde o carro estava estacionado. A chuva começou a engrossar, e ambos ficaram observando-a cair sobre o parque deixando um cheiro suave no ar de grama molhado, e flores silvestres. Anne olhou para Gilbert, e ele parecia completamente encantado pela chuva, e sem conseguir se conter ela levou as mãos ao rosto dele, fazendo-o olhá-la nos olhos no mesmo instante.
- Obrigada por essa tarde incrível. Você me proporcionou um momento muito feliz.
- Por nada. Valeu a pena ver esse sorriso de volta a seus lábios.
Seus olhares se prenderam como se falassem um com o outro silenciosamente. Sem pensar, Anne aproximou seu rosto do de Gilbert e o beijou, deixando que através de seus lábios colados seu coração falasse por ela. Gilbert retribuiu o beijo, deslizando seus lábios sobre o de Anne de maneira suave, suas línguas brigaram por espaço, e eles aprofundaram o beijo até que se separaram por falta de ar.
A música Perfect de Ed Sheeran começou a tocar naquele instante, e Gilbert prendeu seus braços na cintura de Anne e começou a se mover com ela suavemente. A garota o olhou surpresa e perguntou:
- O que estamos fazendo?
- Estamos dançando. - Ele respondeu puxando-a para seu peito.
Então, Anne enroscou seus braços no pescoço de Gilbert, encostou sua cabeça no peito dele, e se deixou levar pela música e pelo rapaz que a tinha sem seus braços, pensando que o amanhã não importava, porque pelo menos naquele instante Gilbert Blythe era completamente seu.
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