Prólogo
Eu não queria morrer. Não assim. Não de novo.
Eu já deveria ter entendido, realmente deveria, pessoas como eu não nasceram para se dar bem, eu sabia, sempre soube, mas ir para uma guerra, ser destroçada por ideais que eu nem sequer defendia era algo realmente novo.
Todos os caminhos pareciam assustadoramente apontar para a mesma direção: a minha morte.
Então eu me rendi.
Me rendi porque não queria os machucar, me rendi porque não queria ser machucada.
Essa luta não era minha, não deveria ser.
— Eu não quero lutar. — Eu comuniquei, eu sussurrei, eu implorei.
Eu não quero morrer.
Os olhos dourados, aqueles estranhos olhos dourados, falharam por um momento, Riley disse que era porque eles eram velhos, eles não pareciam velhos, e se eu fosse corajosa, ou estúpida, o suficiente, esse teria sido o momento perfeito para atacar, mas eu não era, eu não seria, eu não queria.
— Eu também não. — A voz soou melodiosa, misericordiosa. Um anjo que finalmente quebraria aquele ciclo de dor que eu estava desde o momento em que vim para esse mundo. Por um segundo eu acreditei, por um segundo eu gostaria de ter acreditado, mas quando você passa por tantas coisas ruins como eu já tinha passado, então só restam dois sentimentos dentro de você: a desconfiança e o medo.
Então ele sorriu, não um sorriso de escárnio como os com que eu já estava acostumada, ou um maldoso, era um sorriso compreensivo, como se entendesse minha situação, ele não entendia, ninguém entendia. Eu iria morrer. De novo. Talvez eu devesse morrer, eu sentia que devia, não tinha nada me esperando depois disso de qualquer forma, nunca tinha. Eu não queria. Simplesmente não podia ser, minha vida não podia ter sido só isso, um resquício de amor que é brutalmente arrancado de você, dor, dor, e de novo a já tão costumeira dor. Não podia ser só isso. Eu não merecia só isso. Eu não podia merecer.
Uma mulher de cabelos escuros parou atrás do homem antes que eu sequer pudesse perceber, eu me encolhi mais, ele não tinha me matado, mas ela iria, alguém iria, eu sentia, eu sabia, até o final daquela guerra eu estaria morta, não havia outro caminho para mim, Deus, nunca havia um outro caminho para mim.
— Ela é só uma criança. — Eu senti a pena em seu tom, não me convenceu, eu já tinha ouvido isso antes, nos médicos quando falaram que minha mãe não aguentaria mais, nos familiares mesmo depois que nenhum deles pode assumir minha guarda, nas vizinhas depois que descobriam o que meu pai fazia, nas professoras quando tive que sair da escola porque as marcas estavam ficando grandes demais para serem escondidas. Eu percebi cedo demais que pena era um sentimento muito fácil de ser interpretado, muito passageiro para realmente fazer alguma diferença em sua vida. Nunca tinha feito antes, porque agora iria?
Me deixei cair, eu já estava no chão, a grama fria em contato com minha pele sem causar nem mesmo um mínimo desconforto, entretanto agora era diferente, meus olhos se fecharam, meu rosto escondido entre os fios escurecidos de meu cabelo, eu não estava mais implorando, eu realmente não sei porque parte de mim pensou que funcionaria dessa vez, nunca funcionou antes. Se eu fosse humana estaria em uma crise, mas eu não era, até isso haviam me roubado, a minha vida, até isso me roubariam de novo.
Eu esperei, e esperei, esperei pelo golpe que nunca veio.
— Ó queria, o que fizeram com você? — Eu podia sentir sua respiração batendo no meu rosto, ela tinha se aproximado e eu só conseguia pensar porque diabos ela estava respirando, será que até nisso eu era defeituosa? Vampiros deveriam respirar?
Quando sua mão gelada afastou minhas madeixas e tocou minha bochecha ao invés do meu pescoço eu abri os olhos confusa, isso era uma nova forma de matar alguém? Lentamente para que eles sentissem mais dor? Uma espécie de maquiavélica tortura psicológica? Porque estava funcionando, e se tornava ainda pior pelo fato de isso não parecer algo que essa encantadora mulher faria, mesmo que eu tivesse plena consciência de que as aparências poderiam enganar, algo que tive que aprender desde muito cedo.
Eu não sei ao certo o que vi em seus olhos dourados, mas não gostei, voltei a fechar os meus simplesmente porque não estava acostumada a ser encarada com tanta intensidade por uma pessoa que não demonstrasse nem um único pingo de maldade, isso deixava as coisas imprevisíveis, e minha vida já era ruim o suficiente até quando eu podia prever.
— Mãe! — Eu ouvi o chamado e de alguma forma soube que se referia a mulher à minha frente, ela realmente parecia a uma mãe, não que eu estivesse acostumada com muitas. Eu senti sua mão ficando tensa na mesma velocidade que puxei meu rosto para longe de seu alcance, que droga eu estava pensando, eu não posso simplesmente morrer aqui, eu não posso. Abri os olhos sentindo o mesmo desespero de segundos atrás voltando com força total sobre mim, o que diabos eu estava pensando, que eu me renderia e todos simplesmente me deixariam ir? Que tudo bem se eles não deixassem porque eu já estava cansada demais para continuar tentando? Não estava tudo bem, nada na minha vida nunca estava bem.
Um garoto loiro estava vindo na nossa direção e eu instantaneamente soube que seria ele quem me mataria, não tinha como não ser; seu olhar irado, sua mandíbula travada, suas mãos apertadas em punhos, suas cicatrizes praticamente brilhando sob meus olhos, tudo nele gritava perigo, tudo nele gritava meu pai, tirando o fato de que ele era indiscutivelmente mais bonito, o que não fazia muita diferença no final das contas; ser morta sempre seria ser morta, independente de quem o fizesse, e acredite, eu entendia sobre isso.
O mais velho, o primeiro com que eu havia falado, o primeiro com que eu havia me humilhado, se pôs na minha frente.
Eu achava que ele estava protegendo a mulher, não fazia sentido, ele virou as costas para mim, eu era a ameaça, não se vira as costas para a ameaça, uma das várias coisas difíceis que a vida me ensinou cedo demais, mas lá estava ele, de costas para a garota que estava ali para matá-lo, não que eu fosse realmente fazer isso, não que eu conseguisse realmente fazer isso, mas ele não sabia, ninguém sabia, e mesmo assim ele simplesmente me cobriu.
Ele colocou a mão no ombro esquerdo do garoto quando esse já estava perto o suficiente para me fazer pensar que me matar seria menos doloroso do que ter de esperar para saber o que ele faria comigo quando pudesse, e então ele não deu mais nenhum passado na minha direção.
— Jasper. — O mais velho falou, eu senti o tom de repreensão em sua voz, porém mesmo assim era diferente de tudo o que eu já havia ouvido em minha, não tão longa, vida, e eu estava acostumada a ser repreendida. Não era só a chamada que um pai usaria em um filho rebelde, havia algo mais lá, algo além disso que eu simplesmente não conseguia identificar porque não estava acostumada com emoções que não se resumissem em medo, desconfiança e pavor.
— Pai. — O garoto respondeu e seu tom foi fácil para que eu pudesse entender, quase como se fizesse questão de me lembrar da minha realidade, ele estava preocupado, o tipo de preocupação que nos faz ficar com raiva, que nos faz querer eliminar todas as ameaças para que enfim pudéssemos ficar em paz de novo, não que eu entendesse muito sobre o conceito de estar em paz, mas eu entendia o de eliminar as ameaças, entendia porque naquele momento eu era ela, seus olhos fervorosos nos meus não me deixando por nenhum momento esquecer isso. Ele não estava de acordo com o pai — o que não era estranho na verdade, o senhor bonito ser pai do menino raivoso, eles eram indiscutivelmente parecidos, ainda que quase totalmente opostos, era um assunto que eu gostaria de divagar sobre se minha vida não estivesse em jogo no momento, como se ela não estivesse sempre sendo colocada em pauta — todavia mesmo assim não avançou, se o pai não havia o permitido, então ele não o faria, eu tinha percebido, e estava rezando mentalmente a todo segundo para que o pai não permitisse, para que ele não saísse dali e simplesmente deixasse o filho terminar o que havia começado.
— Ela se rendeu, Jasper. — SIM, eu me rendi, Jasper.
— Os Volturi, eles não vão... — Ele começou, e eu sabia, sabia, que não sairia nada bom dali mesmo que não tivesse nem a mais mínima ideia de quem eram os Volturi. Ele mesmo se cortou repentinamente, sua expressão se contorcendo em sua careta, quase como se sentisse dor, ele realmente achava que eu merecia tanto morrer ao ponto de não poder me matar o causar uma dor física? Droga, eu estava tão ferrada, eu sempre estava tão ferrada.
Ele contraiu as sobrancelhas parecendo divagar por um nanosegundo enquanto sua mão direita subia para coçar seu braço esquerdo, notei que parte das mangas de sua camisa não estavam e sua pele brilhava mais do que nunca com o que parecia uma série de mordidas, novas, antigas, tantas que eu mal conseguia distinguir e isso me fez tremer tanto que só percebi que estava realmente começando a abrir um pequeno buraco no chão onde meus joelhos se encontravam quando a mulher, que eu enfim notei estar ajoelhada a minha frente, pôs com delicadeza a mão esquerda em meu ombro, ô merda, eu estava tão ferrada, isso me assustou ainda mais e eu me afastei caindo sentada no chão gelado atrás de mim, a mulher permaneceu com a mão erguida no ar, sua expressão pensativa como se estivesse finalmente ligando os pontos de um fato muito importante, eu não estava animada para saber em que conclusão ela havia chegado, e se fosse a de que simplesmente não valia a pena me deixar ir? Eu não podia morrer simplesmente por ser uma pessoa traumatizada. Por um momento quis me bater, porque eu não podia tolerar a merda de um toque por pelo menos um mísero segundo? Eu morreria e agora a culpa não era de ninguém além de mim, e saber disso só tornava tudo pior.
A mulher desviou a cabeça para olhar para trás, para o seu filho.
— Você está bem, querido?
Eu quase chorei, céus, ela não tinha, realmente, me dado as coisas, mas seria tão fácil quebrar o seu pescoço agora, e eu queria tanto sobreviver, mas eu simplesmente não conseguiria, eu sabia, eu nunca conseguia, e era por isso que toda a vida vida havia sido uma grande merda, porque eu nunca conseguia reagir quando precisava, e eu sabia disso, eu simplesmente não conseguia fazer nada, e isso me frustrada tanto. Mais rápido do que um piscar de olhos o garoto se encontrava atrás de mim, suas mãos segurando as minhas de modo que eu não pudesse fazer nada nem se quisesse.
Ele tinha desobedecido seu pai, o que realmente não parecia que iria fazer, e agora me mataria, não importava, nada importava mais, eu colapsei, eu simplesmente colapsei.
— Sim mãe, são só as mordidas. O veneno pinica um pouco.
Eu gostaria de falar que entendi o que ele falou, que ouvi o que ele falou, podia ser sobre mim, sobre a minha vida, sobre o que fariam comigo, as vezes até sobre como me matariam, mas eu não entendi, eu não ouvi, eu não ouvi nada, eu não podia ouvir nada, a única coisa que eu podia fazer era sentir as mãos dele em meus pulsos, ele podia tirar a minha vida agora, e eu não me importaria se isso significasse que eu não precisaria mais sentir o seu toque em minha pele, Deus, eu me sentia queimando, eu queria queimar, queimar e morrer simplesmente para que isso sumisse, que ele arrancasse os meus braços ou qualquer outra coisa somente para que parasse.
Eu não sei o que aconteceu, como eu disse, não consegui focar em mais nada que não fosse aquilo, pode ter sido rápido, em alguns segundos, ou minutos, talvez até horas, eu não faço ideia, eu realmente não faço, só sei que quando voltei a mim ele já estava de volta ao lugar que havia estado antes, na frente de seu pai, como se nunca tivesse saído, ele tinha, a queimação em meus pulsos tão fortes como se ele ainda estivesse os tocando, não com os seus dedos, como de fato havia feito, mas com ferro fervente, com o mesmo material que usam para marcar o gado, eu me sentia um gado, eu sentia que essa marca nunca mais desapareceria, assim como as todas as outras que também não desapareceram. Seus ombros ainda estavam tensos, a postura impecável, a expressão selvagem, entretanto algo em sua face o entregou, não que eu tivesse conseguido o fitar por muito tempo, mas pude ver, ele deslizou, deixou que eu visse, ele parecia mais confuso do que raivoso, mais incomodado do que com vontade de matar, tentei não me apegar a isso, eu não deveria me deixar levar por tão pouco, mas eu realmente não queria o que quer que fosse que o destino tivesse reservado para mim, o destino já havia sido uma vadia comigo por muito tempo, eu queria algo diferente, eu queria acreditar que merecia algo diferente, mesmo que meus pulsos ardessem a cada mínimo movimento me recordando a todo momento quem eu era, me recordando a garota quebrada que eu era, eu queria acreditar que merecia a chance de um conserto, que eu não era um caso perdido, que eu poderia ter alguém para sentir minha falta quando morresse, que minha vida não terminaria de forma tão miserável da mesma forma que havia começado.
— A tirem daqui, os Volturi não vão perdoar se descobrirem sobre isso. Vocês sabem.
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