14.2
Annabeth's POV
Estávamos deitados no telhado, como era de costume. O sol já estava se pondo e cada centímetro do meu ser implorava para que eu permanecesse ali parada, com preguiça de me mover. Percy tinha se aconchegado perto de mim e eu tinha descansado a minha cabeça no seu peito, sentindo suas mão deslizarem pela extensão dos meus cabelos.
Quando eu era menor, tinha a mania de contar cada pedacinho do meu dia para as estrelas que nunca me abandonavam. Acho que essa era inclusive uma das razões para que eu despejasse o meu coração, saber que elas sempre estariam ali. Diferente da minha mãe, que nunca tinha demonstrado dez minutos seguidos de empatia, eu sabia que os pequenos astros estariam comigo independente de onde eu estivesse, então eu conversava com eles. Contava sobre minhas aventuras, sobre as minhas descobertas e pequenas alegrias diárias.
Agora, vendo o sol ir embora e as estrelas ficarem mais evidentes no céu, precisei contar sobre Percy. Precisei contar sobre nossa amizade, sobre como ele tinha me ajudado a sair da minha própria zona de conforto, como tinha me amado de uma forma que ninguém tinha tido... Enquanto eu sentia seu cheiro invadir minhas narinas e me deixar em paz, murmurei religiosamente sobre como aquele garoto tinha virado minha vida do avesso, e sobre como eu amava esse lado.
- Você tá rezando? - ele perguntou, me abraçando apertado.
- Não, eu não acredito em religião - respondi, me aninhando ainda mais no seu abraço. - Eu tava só... pensando alto.
- Você não acredita em nada? Nadinha? - Percy questionou. Não consegui captar nenhum julgamento na sua voz, o que me deixou aliviada.
- É claro que eu acredito, todo mundo acredita em alguma coisa, é uma das premissas do mundo - expliquei. - Eu acredito em mim, em você, no nosso futuro e no nosso esforço. Acredito também que tem alguma coisa maior, mas não tenho como saber o que é.
- E você não tem medo? - ele sussurrou. - Quero dizer, da pressão que as pessoas colocam, sempre falando de inferno e punição... você não sente medo?
- Não, nem um pouco, porque toda religião tem as suas semelhanças e diferenças... se fosse assim, eu teria que me preocupar com todas as religiões do mundo, não acha? Devem ter pelo menos 100 diferentes crenças que punem aqueles que não acreditam exclusivamente nelas, eu estaria em uma loteria de qualquer forma - apontei. - E além do mais, eu já pesquisei muito sobre o deus cristão, e gosto do que ele prega. Não acho que ele mandaria uma pessoa que ama para um lugar como o inferno, não se fosse uma pessoa boa.
- Bem, é isso que a bíblia diz - ele comentou.
- Eu sei que sim, mas não preciso aceitar, preciso? - perguntei, vendo ele rir e depositar um beijo na minha cabeça.
Percy suspirou e olhou para cima, fitando a mesma estrela que eu: parte da constelação de Orion.
- Você disse que todo mundo acredita em alguma coisa...
- Correto.
- Você realmente acredita em tudo que fazemos aqui? - virou seu rosto na minha direção, o brilho do entardecer iluminando suas feições curiosas.
- Não acredito na parte dos deuses e monstros, não de verdade. Acho que eles podem sim existir em alguma forma, mas não é como se fossem nos perseguir em uma floresta abandonada - ri. - Agora, na forma que a gente se aproximou, o que esse lugar e esse faz de contas fez por nós... eu acredito. Acredito em nós, Percy.
- Eu também - ele respondeu, se levantando levemente para beijar meu nariz, o que me deixou com uma expressão desconcertada e o fez gargalhar.
O céu, sempre impressionantemente azul, agora começava a ficar preto. Os últimos dias tinham sido agraciados por chuvas fortes e perigosas, onde árvores caíam e estradas ficavam interditadas, então nos empertigamos antes mesmo de a primeira gota cair. As estrelas pareceram ficar mais silenciosas, como se prevessem o estrondo que o céu traria sobre elas.
- Você está disposta a embarcar em mais uma aventura hoje, Annie Bell? - o apelido escorregou da sua boca com a facilidade de sempre, me deixando boba.
- Vai chover, Percy. A gente vai ficar doente - lembrei, descendo pela escada que nos levava até o chão. - E também vamos ficar igual cachorros molhados.
- Mas o vento tá sussurrando, Anna. Ele tá dizendo pra gente continuar aqui no nosso lar, independente do tempo - ele respondeu, parecendo sério. - Por que a gente não vai nadar um pouco no riacho?
Encarei seu rosto por alguns segundos, reparando na rapidez com a qual a chuva tinha passado a cair. Nenhum barulho de trovão tinha sido ouvido, então mirei os céus e suspirei fundo. Minha cara carregava zombaria quando respondi.
- Tá bom, Peter Johnson. Mas quem chegar por último vai ter que nadar só de roupa íntima - eu falei, saindo correndo logo em seguida.
Percy ainda estava na escada, então se atrapalhou ao tentar me alcançar. Eu tive a vantagem por alguns segundos, correndo por entre as árvores, até o momento em que ele me alcançou. Apertei o passo, me mantendo na mesma velocidade que ele, até chegarmos na beirada daquele penhasco.
Somente uma pessoa conseguia descer por aquele barranco íngreme e escorregadio, então ele deixou que eu fosse na frente, sabendo que eu não o obrigaria a tirar as roupas naquele frio.
Mergulhamos com roupa e tudo, mal conseguindo ouvir alguma coisa por cima do estrondo que a chuva agora fazia. A água despencava do céu, fazendo com que inclusive nossa visão ficasse embaçada. Tremi instantaneamente com o contato frio com a minha pele, minhas roupas se colando logo em seguida.
Percy riu, realmente riu, enquanto jogava água no meu rosto, como se já não houvesse líquido suficiente no caminho. Gargalhei junto com ele, chegando a dar alguns gritos animados.
Antes que eu percebesse, nós dois estávamos gritando. Em um lugar onde ninguém conseguiria nos ouvir, muito menos por cima da chuva, começamos uma competição de gritos, onde uma voz se sobrepunha à outra, derramando como lágrimas todos os problemas que nos sobrecarregavam.
Eu e Percy mergulhamos por entre as pedras, nos beijamos debaixo d'água, fizemos uma batalha aquática e começamos uma nova aventura do zero: uma onde barcos nos cercavam, com o intuito de carregar nossos corpos para o raso, nos levando como prisioneiros de guerra em seguida. Cada puxada a mais que o riacho dava eram como sereias agarrando nossos pés e cada gota que nos cegava era como o deus dos mares, se unindo com o irmão para nos deter.
Nadamos mais um pouco e depois atravessamos a ponte de volta, sentindo a madeira macia pela chuva em contato com os nossos pés. Nós não nos preocupamos em correr para casa, já que já estávamos encharcados, mas andamos de mãos dadas até em casa.
Conversamos sobre diversas coisas no caminho, mas principalmente sobre o som do vento que ele afirmou, de verdade, ter ouvido. Falamos sobre o som da chuva que nos fazia falar mais alto e falamos sobre músicas, onde acabei contando pra ele que minha canção favorita era Breathe (2 AM). Ele disse que nunca tinha escutado, mas que colocaria o vídeo da letra no youtube antes de ir dormir. Ele disse que não tinha uma favorita, mas pareceu querer dizer algo a mais sobre o assunto, antes de fechar a boca.
Tudo bem, ainda teríamos anos e anos para conhecer um ao outro, e eu adoraria conhecer cada centímetro desse homem extraordinário na minha frente.
Me despedi dele com um beijo assim que chegamos na rua casa, quase conseguindo sentir o aquecedor da sala esquentando meus ossos. Dessa vez não havíamos apostado corrida na volta. Seus lábios estavam quentes, mesmo com o tempo, e cada mão estava em um lugar. Seus dedos esquerdos estavam enfiados no meu cabelo e seu braço direito rodeava minha cintura, ao mesmo tempo que eu não conseguia tirar minhas duas mãos do seu rosto.
Finalizei o beijo com um selinho e encostei minha testa na sua enquanto ele abria um sorriso.
- Tchau, Annie Bell - ele falou, colocando as mãos no bolso da jaqueta molhada.
- Tchau, Peter Johnson - eu disse, caminhando em direção à minha entrada. Já na varanda, me virei para trás e o vi parado lá, para garantir que eu entrasse em segurança.
Seu sorriso apaixonado foi a última coisa que eu vi antes de entrar em casa.
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