Capítulo 31
Segundo "La Divina Commedia" que foi escrita pelo poeta italiano Dante, o Inferno era composto por exatos nove círculos. Mas aquele lugar poderia ser considerado como o décimo círculo do inferno.
Em um bordel rústico, nas vielas esquecidas por Deus em Florença, ocorria uma enorme festividade. O ritmo delirante da música tocando no bar, acompanhada por tambores e violinos, espalhava-se por todos os lados, dando ainda mais alegria ao lugar. As meretrizes ofereciam, insistentemente, seus "serviços" aos homens ali presentes. Os bêbados, agitados por conta dos efeitos da bebida, e brigavam entre si, derrubando mesas a quebrar garrafas, lavando-se em sangue sob os gritos desvairados e agudos das meretrizes.
E eis que encontravam-se três rapazes, de vestes sóbrias, frente ao estabelecimento. Chegaram bem a tempo de vislumbrar um homem ser arremessado pela janela. O corpo chocando-se contra o vidro, indo parar a poucos metros de distância dos pés de Ícaro.
— Depravação — o arqueiro dissera.
— É disso que estou falando, Ícaro! — Jervaise agitou o punho fechado no ar. — Diversão sem limites. Acho que o simples vislumbre deste lugar causou-me um prazer espantoso. — concluiu com o requinte de um Assassino sedutor.
— Pare de galhofas, Jervaise, e entrem no bordel — retorceu os lábios ao falar tal palavra. — Procurem o tal Florestano DiLeria. Ficarei do lado de fora, e encontrarei um ponto melhor, para ver vós de dentro desse lugar. — dissera. — Estarei de olho, como uma águia.
Saudou-os e então Ícaro adentrou a escuridão. As vestes tão escuras assimilando-se às trevas.
— Vamos, Vince — sorriu para o rapaz de olhos rubros, estalando a mão em seu ombro, por pouco desequilibrando-o. — Acho que o Cavaleiro Vermelho deseja nos ver.
Vincent alteou o capuz da capa, e afastando a mão de Jervaise de seu ombro, entraram no bordel.
— Sinto uma nostalgia por estar participando desta missão junto a ti — Jervaise continuou. — É como se ainda fossemos do bando do Tubarão, e estivéssemos ao clímax de roubar um grande baú de ouro.
— Porém não viemos roubar nada, mas matar — Vincent replicou friamente.
Matar. Não enganou-se com os próprios dizeres que brotavam automaticamente de sua boca. Iria matar alguém. Há quanto tempo não sentia a sensação do corpo entrando em êxtase ao contemplar os olhos do alvo aos poucos perderem o brilho, ou o sangue do mesmo lavando suas mãos?
— Querem alguma coisa, lindinhos? — sugeriu uma das garotas do bordel. — Aceitam uma sugestão?
— Estou louco para ouvir tua sugestão, gracinha. — Jervaise abriu um sorriso de canto, maroto.
— Sugiro que divirtam-se e sintam-se a vontade para apostar o que quiserem. — mordeu o lábio inferior muito vermelho, com uma malícia perceptível, lançando os olhos no outro rapaz.
Aproximou-se de Jervaise, desinibida, com uma das mãos apoiadas na cintura torneada, enquanto a outra mão, passeava pelo tórax do loiro. Vestia uma longa saia carmim aberta em fenda na parte da frente, deixando à amostra a perna com meias altas e de renda preta, presas por uma cinta-liga. O espartilho vermelho com bordado de flores e fitas pretas avantajava ainda mais seu busto. No pescoço, uma tira preta cujo cordão que descia pelo busto enorme, jaziam imitações de rubis. Os olhos muito maquiados e a boca derramada em vermelho e no gosto do vinho, escondiam suas verdadeiras feições. O cabelo era um amontoado de chamas douradas presas por enfeite em forma de rosa prateada.
— Apostas? Vai ajudar-me com as cartas, meu amor? — Jervaise sussurrava perto da orelha da garota, a boca perdendo-se em meio aos muitos cachos.
— Se fores um bom garoto, posso ajudar com as manhas.
— Hmmm, fiquei interessado nestas manhas.
— Nossa — a garota tateou a Bela Rainha —, tens uma espada grande!
O Assassino apoiou as mãos na cintura da mulher, puxando-a para perto dele, e Vincent, meneando a cabeça, presumia que Jervaise abandonaria a missão toda por um "rabo de saia".
Diabos! Jervaise distraía-se facilmente quando uma mulher era posta em seu caminho. Mas diante dos galanteios do loiro, Vincent sentiu-se como um menino ingênuo comparado a Jervaise, mesmo sabendo que a diferença de idade entre eles eram pouco mais que um ano.
Vincent posicionou um lenço de linho sobre as narinas. Ele detestava o cheiro de ópio e vinho que espalhava no ar daquele lugar. Era tóxico para seus sentidos.
— Não está acostumado com o ambiente? — o loiro sussurrou para o comparsa, com a dama de lábios vermelhos que despejava beijos em seu pescoço.
—Quanto mais rápido sairmos daqui, melhor será. — Vincent ergueu a face, o rosto sombreado a luz das velas. — Esse lugar me enoja.
— Agora está falando igual ao Ícaro.
Jervaise segurou a garota pelos ombros, ávida pelos beijos do loiro. Olhou profundamente nos olhos, como se despejasse mais um de seus encantos na alma da garota.
— Leve-nos para uma mesa, doçura. — dissera quase encostando os lábios na boca da garota.
— Oh, sim — dissera, entorpecida.
Guiou-os para uma mesa, com algumas manchas de bebida e canecas viradas.
— Querem alguma bebida? — a garota levou o dedo indicador ao lábio vermelho. — Seu amigo não me parece está bem. — ela mantinha os olhos sobre Vincent, que permanecia de cabeça baixa.
— Sirvam-nos do bom e do melhor, doçura — piscou um dos olhos.
Assim que a garota afastou-se, em um rebolado nada discreto, Vincent achegou-se a Jervaise, e sussurrou para ele:
— Florestano está jogando cartas, naquele lado, atrás das cortinas vermelhas — Vincent respondeu, com a mão sobre a testa. — Se quer agir, esta é a hora.
— E para quê a pressa? — cruzou os braços sobre o peito. — A noite é uma criança. — fitou Vincent, com um risinho.
— Queria que levasse esta missão a sério — bufou.
— Aqui está, amorzinho — uma outra garota apareceu com as bebidas, e curvou-se, propositalmente, colocando a bandeja na mesa, fazendo com que seu busto ficasse exposto. — Querem mais alguma coisa? — ergueu-se de modo quase dramático.
— Sim, doçura — Jervaise puxou a mão da garota de cachos loiros, quase derrubando-a sobre ele. — Podes dizer-me se conhece Florestano DiLeria?
— Bom — ela mexeu no cabelo, prendendo uma mecha atrás da orelha sedutoramente —, ele é o dono do bordel. As garotas e eu chamamos de "Papá".
— Ah — Jervaise deslizou o dedo polegar pelo lábio inferior da garota. — Me digas mais uma coisa, querida. — achegou-se perto da face dela. — Por acaso, seu "Papá" não estaria por aqui, estaria?
— Oh, sim — apontou para o outro lado do saloon. — Papá está apostando.
Jervaise pendeu a cabeça para o outro, desviando da visão do busto da garota de espartilho vermelho e avistou uma mesa na qual havia risadas e goles de rum e cartas de baralho sendo jogados para o alto.
— Obrigado, minha lindinha — beijou-a na face. — Diga ao teu Papá que meu amigo e eu estamos desejosos por uma partida de pôquer.
— Mas, meu Papá...
Calou-a com um beijo repentino.
— Sei que darás o recado.
A garota de lábios vermelhos piscou os olhos, como se estivesse presa em uma ilusão e caminhou desengonçada pelo salão, até a mesa onde encontrava-se seu patrão.
— Isso foi maldade — Vincent tamborilava os dedos, sobre o tampo da mesa.
— Digamos que é o que eu sei fazer de melhor. As mulheres me amam. — Jervaise gabava-se.
— Como vamos matá-lo? — Vincent desconversou, incomodado com o aroma inebriante daquele lugar.
— Não devemos fazer tanta bagunça. Usaremos flor-da-noite. O Sr. Sameque sempre diz que venenos são para novatos, mas neste caso, acho que não faria mal algum — piscou.
— Flor-da-noite? Usarás um veneno paralisante contra um Cavaleiro Illuminato?
— Tenho quantidade o suficiente para causar um grande estrago!
A garota retornou a mesa de Jervaise e Vincent, muito animada, e com os olhos cintilantes.
— Papá está aguardando por vós. — anunciou em uma voz sedutora.
Andaram até a mesa, sob os olhares dos apostadores.
— Ora, veja se os novatos não decidiram perder tudo para mim. — enxotou a mulher sentada em seu colo. — Vamos, sentem-se!
Jervaise parecia muito à vontade quando sentou-se ruidosamente na mesa. Vincent sentou-se de forma discreta, com o capuz sombreando o rosto. Florestano analisava os jovens encapuzados, enquanto embaralhava as cartas.
— Minha funcionária disse-me que desejavam apostar contra mim?
— Exatamente — Jervaise inclinou-se sobre a mesa. O sorriso repuxado na face, tornando-o malicioso.
Audaciosos, dissera alguém na pequena multidão de espectadores. Certamente não tem amor à vida.
— Antes, revelem vossos rostos.
— Tsc, tsc — balançou o dedo indicador em uma negativa, seguido do estalido da língua nos dentes. — Nada disso. Quero jogar e não marcar um encontro com vossa pessoa.
Tirou um saco de moedas atado à cintura e o jogou sobre a mesa. Naquele mesmo movimento, sem que Florestano percebesse, Jervaise havia posto algo em sua bebida.
— Minha parte da aposta — Jervaise dissera, desafiador.
Florestano avaliou o peso da aposta e rosnou. Ao distribuir as cartas para os jogadores sentados à mesa, Jervaise bateu a mão sobre as cartas e as apostas que ali haviam.
— Apenas nós dois, camarada. Você e eu.
— Que audácia! — Florestano sibilou. — Que espécie de jogador és tu, moleque?
— Ora, Papá, achei que fosse mais desafiador. Ou teme perder para um relés moleque?
Aquilo soou como uma provocação. Impacientemente Florestano expulsou a todos os jogadores da mesa, ficando apenas Jervaise e Vincent.
Iniciaram a partida, e Florestano retornou a distribuir as cartas.
Vincent analisava a situação, e agradeceu por Jervaise não tê-lo colocado naquilo, pois não tinha ideia do que raios deveria fazer. Não sabia jogar pôquer, mas Jervaise aparentava um entusiasmo além do previsto com as cartas em mãos. Jervaise era um grande apostador. O motivo de ser tão bom naquele jogo, fora exatamente por isto. Houvera um tempo em que o loiro era viciado em jogos de azar.
— Digam-me, garotos, são de que lugar?
— E isto o interessa por qual razão? — Jervaise tinha um naipe preso entre os lábios. — Pensei que só nosso ouro importasse.
— Teu amigo é calado — Florestano olhou para Vincent, que permanecia de cabeça baixa. — O que ocorreu a ele? Um gato comeu a língua dele?
Vincent apertou a mandíbula, bufando por dentro.
— Quem? Meu emudecido parceiro? — Jervaise indagou, afetado. — Não, ele apenas não gosta de despejar palavras sem sentido e perguntar coisas inconvenientes.
As sobrancelhas de Florestano uniram-se ao ponto de se roçarem.
— Estou curioso... não é comum vermos jovens em bordéis. Ainda mais trajando roupas tão peculiares e apostando tanto ouro.
— Coisas da vida — deu de ombros. — A vida é feita de momentos, e sendo jovem, não desejo desperdiçá-las.
— E esbanjar tudo em uma mesa de apostas é viver intensamente para ti? — Florestano provocou.
— Estais perdendo o foco do jogo, Papá.
O jogo tornou-se acirrado, com cartas sendo postas e moedas sendo tiradas.
— Sabes, vós não sois nada estranho para mim — Florestano revistava as cartas nas mãos. — Definitivamente, não. Pressinto que somos conhecidos de algum lugar.
— Sabe o que é mais engraçado? — Jervaise por fim tirou o capuz. — Você sequer está jogando pra valer.
— Queira perdoar-me — Florestano sequer parecia nervoso.
— Deverias beber tua bebida, caro Papá.
— Ficarei mal acostumado com a tua companhia, loirinho. — bebeu a caneca com rum de uma vez. — Estranho. Minha bebida está com gosto envelhecido.
— Tenho tanto a perguntar-te, caro Papá. Tens um vasto império. Não o construístes como se fossem cartas de baralho, não é mesmo?
— Sabem o que dizem das cartas de baralho? — Florestano coçava as mãos nos olhos.
— Elas sempre caem.
— É como se pudesse ler meus pensamentos.
Florestano suava, e a todo instante coçava os olhos. A garganta coçava e recorria a caneca com rum.
— Sinto que estou queimando por dentro.
— É o que acontece quando bebes poção feita com flor-da-noite.
— M-me envenenastes? — jogou os braços sobre a mesa, derrubando cartas e as moedas de ouro, por fim caindo no chão. Ninguém reparava em Florestano por conta da agitação no bordel.
— Ah, por favor, pelo menos morra com elegância — Jervaise lançou um sorriso letal. — Vincent, meu caro amigo, faça-nos o favor de fechar as cortinas para este mau ator.
Vincent levantou-se e despretensioso, fechou as cortinas que separavam aquele canto do restante do salão.
— Agora nos fale, rato imundo — Jervaise pôs o pé sobre a face de Florestano. — Onde estão os outros ratos como você?
Florestano arquejava. A face tornando-se azul e a espuma branca saindo da boca.
— Melhor dizer. Tempo é algo que detesto perder.
Vincent olhava para o cadáver no chão, que olhava para ele de olhos escancarados e boca aberta, e para o loiro, dominante, com a sola da bota sobre o rosto de Florestano. Aquilo era ser um Assassino. Mostrar-se impiedoso e zombador com o alvo.
— Não direi nada...— Florestano tremia-se no chão.
— Maldito. Basta dizer onde está o seu líder. Onde o enfiaram?
— S-sou leal ao Grande Mestre Lucius.
— Últimas palavras?
— Queimem no inferno. — Florestano dissera com a língua pesada.
— Não faz diferença.
Jervaise agachou-se e quebrou o pescoço de Florestano. Tocou no ombro de Vincent. Era hora de partir. Impediu a garota de lábios vermelhos de adentrar o local, guiando gentilmente pela cintura pelo salão.
— Querida, creio que teu Papá queres descansar — beijou-a no pescoço.
— Oh, já vão embora? — perguntou, saudosa.
— Sim, meu amor. A vida me espera.
Assim que passaram a porta, gritos ecoaram pelo salão. Era o sinal perfeito para os dois jovens sanguinários sumirem na escuridão sem deixarem pistas.
(...)
Encontraram-se com Ícaro, alguns metros dali, e pelo semblante do arqueiro, aquela missão poderia ser dada como fracassada.
— Francamente, Jervaise. Não podes simplesmente ouvir uma confissão, e aí sim, matar o alvo?
— O velhote que teve sede de beber a água do pote. — Jervaise pôs as mãos atrás da cabeça, despreocupado.
— Isso é verdade, Vincenzo?
Vincent anuiu.
— Recebemos uma pequena missão de interceptação — Ícaro sinalizou para Hórus. — Testemunhas viram uma movimentação estranha ao norte. Tenho quase certeza de que são os Illuminatos.
— Mais agitação para uma noite — Jervaise celebrava. — Vamos lá, Vince, a não ser que tenha algo melhor para fazer.
Vincent sabia o que aquilo significava. Era a hora de lutar até perder a consciência e a sanidade.
✦
A costureira traçava a linha e a agulha ao redor do corpo de Tarsila, dando vida ao vestido de noiva. A duquesa resolvera por fim, chamar suas amigas da alta sociedade para testemunharem o quão bela era a futura rainha.
— Oh, que linda está Tarsila!
— Uma verdadeira preciosidade.
— O príncipe ficará fascinado por ti.
Mileide abriu a porta devagarinho. No peito, não aparentava haver um coração, mais uma pedra de gelo. Havia acabado de retornar do cemitério e suas roupas e cabelos estavam cheios de folhas secas e terra. Assim que ela adentrou o quarto, a duquesa retorceu a boca, com asco.
— Aqui estou — Mileide adentrou o cômodo, timidamente. — Mandou-me chamar, Tarsila?
— Senhorita Tarsila — Brígida a corrigiu.
— Ela chama-me do que bem entender, mamãe. — Tarsila vociferou.
O quarto estava cheio de um mulheril estranho e tagarela. Encaravam Mileide como se ela não fizesse parte daquele lugar e nem daquela família. Intrusa.
— O que achas deste vestido, Mileide? — Tarsila virou-se para Mileide, ignorando a costureira ranzinza. — Parece que meu busto ficas maior.
— Minha filha — Brígida interveio, — não precisa dos conselhos de uma mera criada.
— Mamãe, ela é a minha prima e a minha amiga. E se digo que preciso da opinião, é porque é importante para mim.
Brígida uniu as sobrancelhas, encolerizada por Tarsila ser tão apegada a Mileide.
— Então diga logo a sua opinião, Mileide, já que a minha filha a considera tão relevante. — Brígida revirou os olhos e suas amigas sorriram.
— É um vestido muito bonito, senhora — Mileide apertava as mãos. — Creio que o príncipe ficará sem palavras por ver sua noiva tão bela.
Tarsila, sem tirar os olhos do vestido refletido no espelho, falou para a prima:
— Mileide, a chamei aqui porque mamãe tem uma coisa muito importante para lhe falar.
Brígida virou-se para a sobrinha do marido e abriu os braços para ela. As mulheres ali presentes pareciam jubilosas com o ato, rindo e quase entrando em frenesi por conta da atitude da duquesa.
— O que...? Não entendo. — Mileide passava os olhos de Tarsila para a duquesa.
— Infelizmente, Tarsila insiste para que sejamos mais amigáveis — Brígida dissera a meia voz. — Acho que preciso me familiarizar com a dama de companhia da noiva. Aproxime-se, Mileide.
— Por que? — Mileide continuava a desconfiar. — O que eu fiz de errado?!
— Ora, aproxime-se, querida. — entoou Brígida
Depois de todas as... coisas horríveis que me disse e fez a mim... O coração de Mileide era agitado. A duquesa finge gentileza diante de suas amigas íntimas.
— Venha cá, querida. — a duquesa dissera docilmente.
Brígida abraçara Mileide. Porém o abraço logo transformou-se em desconforto, e a duquesa parecia uma víbora a apertá-la. Cravou as unhas no dorso flagelado de Mileide, logo em cima do lugar onde haviam cicatrizes de chicote, fazendo-a arquejar de dor.
— Se pensas que vais roubar o noivo de minha filha, estais muito enganada. — sussurrou de modo que apenas Mileide ouvisse.
— Duquesa, eu não...
— Shhh! — continuou a sussurrar. — Eu não menti quando disse que te jogaria em um prostíbulo. Cometa qualquer besteira ou deslize que eu juro que a minha piedade, acabará.
Cada palavra que saia da boca da duquesa, era como uma navalha que cortava lentamente, cada chance de Mileide em aproximasse de Lorenzo.
— Ora, acho que já somos amigas agora, não achas, Mileide?
Mileide assentiu, tristonha.
Para Tarsila, tudo estava resolvido. Mas, para Mileide, era somente o começo de um intenso e longo inferno.
✦
Mileide esperou por Vincent no celeiro velho, por breves horas, sentada sobre o feno. Nem mesmo Dracone, da qual Vincent por vezes conversava, sabia o paradeiro do atalaia. Brincava com a espada de madeira na mão, golpeando o ar. As palavras da duquesa preenchiam sua cabeça.
— Um dia eu serei forte — sorriu. — E não terei mais medo de Brígida, ou quem quer que seja...
As portas do celeiro abriram-se de modo inesperado. Era o atalaia.
— Agora foi a minha vez em esperá-lo — Mileide lhe abriu um sorriso de cumplicidade, descendo do monte de feno.
Vincent desabou no chão, com a mão sobre o abdômen. Em seu rosto, haviam alguns respingos de sangue.
— Oh, meu Deus! — Mileide correu até ele, deixando a espada de madeira cair de sua mão.
— Deixe-me, estou bem.
— Não está, não! — Mileide tinha uma expressão horrorizada estampada na face. — Meu Deus, estais passando mal.
— Deixe-me, Flor Selvagem. — ranhou.
— De modo algum.
Relutante, cedeu a garota, pois Vincent mal conseguia ficar de pé. Apoiou-o no ombro e o colocou sobre o colchão de palha. Ainda estava muito assustada. Recorreu até o bebedouro dos cavalos onde molhou um pano.
— O que aconteceu, Vincent? — chamou seu nome com demasiada urgência. — O que aconteceu contigo? Como ficou machucado assim?
Obviamente, que nunca diria como havia se machucado. Vincent jamais falaria a respeito da luta que tivera contra seis Illuminatos ferozes debaixo do luar em uma estrada deserta e escura, e que ele, Jervaise e Ícaro mataram os tais sujeitos que estavam a transportar mulheres inocentes para um ritual macabro de sacrifício humano. Também não contaria em como elas foram gratas e retornaram para seus lares.
— Nada com o que devas te preocupar... — dissera, rabugento, afastando o pano dela de sua frente.
— Como não me preocupar? Estais mal!
— Deixe-me sozinho, Flor Selvagem.
Mortificada, a garota olhou para ele.
— Não o abandonarei. Que tipo de pessoa eu seria, se fizesse isto?
— Não quero receber cuidados pelas mãos de uma garotinha de treze anos. — Vincent dissera quase irritado.
— Tenho dezesseis anos.
— Quê?
— Disse que tenho dezesseis anos! — repetiu, irritada.
Olhou para ela, o que poderia ser considerado uma expressão de surpresa.
Ele apenas virou a face, encarando a parede de ripas, fazendo pouco caso dela.
— Vincent. — dissera baixinho.
Vincent virou-se abruptamente para fitá-la, erguendo as sobrancelhas, em uma clara sugestão de que não deveria contradizê-lo. Era tão diferente de como quando o príncipe olhava para ela. Vincent tinha uma espécie de olhar feroz carregado de rancor. O olhar de alguém angustiado e quebrado pela vida.
— Vais deixar-me te ajudar ou não?
Permitiu que deixasse repousar o pano em sua testa, limpando-o.
— Pensei que estivesse bêbado, mas não sinto cheiro de bebida forte vindo de ti.
— Eu não costumo beber, Flor Selvagem.
— Então, por que estais tão mal, e por onde esteve esse tempo todo?
Vincent não respondeu.
— A propósito, fiquei preocupada de verdade.
— Claro, se eu morrer, quem irá ensiná-la... — concluiu, irritado.
— Não por isso! — Mileide dissera alto e quase sem fôlego. — Não gosto de pensar em perder ninguém... Nem mesmo...
Parou de falar. Ele olhava-a profundamente, perdendo-se em seus olhos escuros.
— Nem mesmo você! — ela concluiu. — Por mais irritante que você seja, dói pensar na ideia de que, um dia, não estará mais aqui.
— Obrigado por preocupar-se, Flor Selvagem. — agradecera sem sequer permitir surgir um sorriso em seu rosto.
Vincent podia sentir a sinceridade nos honestos olhos escuros da discípula.
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