Capítulo 28
Sufocada. Atordoada, quase beirando a loucura. O olhar dela era como de um predadora sedenta para enterrar as garras e rasgar a carne de sua indefesa presa. Cada gesto da duquesa era executado com malícia. O jeito como rodeava a borda da xícara de porcelana sem tirar os olhos da sobrinha do marido, a língua saboreando o lábio inferior úmido de café, cada movimento seu era uma mímica sádica e lasciva entendida apenas por aquela que um dia conheceu seu verdadeiro lado.
A vontade em gritar doía em seu peito. Contar a verdade para o tio sobre todo o mal que Brígida lhe causou. Todavia, era incapaz de o fazer. Sentia medo.
Apressou os passos, andando até o claustro da mansão. Era um espaço enorme e arqueado, localizado no meio da mansão, com direito a céu aberto. Mileide amava ficar naquele lugar com o pai quando era criança. A grama era deveras verde e haviam bancos de concretos fora as várias roseiras deixando o lugar mais agradável de ver-se. Porém não tinha tempo para respirar e admirar o lugar. Estava sempre a correr e ser jogada de uma função a outra. Em um dos bancos, estava sentada a major. Seu semblante era de puro transtorno, fitando a flecha em suas mãos.
— Bom dia, major — a reverenciou.
— Mileide, já lhe disse que não precisas tratar-me com tanta cordialidade — Isidora levantou-se do banco, apanhando a túnica azul que estava jogada sobre o encosto de concreto.
Mileide analisava minuciosamente a haste da flecha na mãos da major. Estava com sangue seco, o sangue de Lorenzo. Permanecera silenciosa, com os olhos fixos na flecha.
— Foi isso que machucou o príncipe? — Mileide apontou para a flecha na mão de Isidora.
— Sim — Isidora solevou a flecha, fitando-a como se houvesse uma víbora entre seus dedos.
Ao ter posse daquilo em mãos, a major somente conseguia pensar na morte de seu pai adotivo. Seu pai morrera com uma flecha envenenada cravada no peito. Gerânio morrera defendendo a realeza, e agora seria a vez de Isidora. Alguém desejava ver o príncipe morto.
— No que está pensando, Isidora?
— Em caçar esse desgraçado que fez isto ao príncipe, e trancafiá-lo em uma masmorra.
Suas entranhas queimavam de ódio somente por imaginar o príncipe ferido gravemente a gritar de dor, com a perna ensanguentada. Fora um erro seu. Ficara confiante demais com o clima pacífico da cidade. Ah, se tal flecha atravessasse o coração do herdeiro do trono, Isidora não sabia o que faria.
— O príncipe é o meu melhor amigo — Isidora completou docemente. — Mantê-lo seguro é a minha responsabilidade. Afinal sou a major DiFerrazo, a única mulher a comandar uma tropa de homens. Minha missão é protegê-lo, mesmo que custe a minha vida.
De repente, o orgulho retornou e Mileide a olhava com um grande deslumbramento. Era forte, corajosa, sem contar que era extremamente bonita. Queria ser como ela, andar de cabeça erguida e impor respeito. Desejar saber manejar uma espada e lutar contra seus pesadelos.
— Preciso sair, Mileide — Isidora pôs a túnica com o símbolo do Pégaso sobre os ombros. — Vou reunir meus homens para fazerem uma patrulha pela cidade.
— Vais para onde? — Mileide juntou as mãos frente ao tórax.
— Irei investigar e caçar o verme que feriu o príncipe, nem que para isso, eu atravesse os nove círculos do inferno.
— És tão corajosa... — Mileide sussurrou não mais contendo sua admiração. — Queria ter esta coragem. Mas tudo que sei fazer é sentir medo.
Isidora sorriu e apanhou uma rosa vermelha.
— Todos nós possuímos bravura dentro de nós mesmo — Isidora entregou a rosa para Mileide. — E sabes o que acho? Que és uma garota mais forte do que imagina.
— Achas mesmo?
— Tenho certeza.
✦
As palavras da major de quando em vez, ecoavam pela mente de Mileide. Ora, lhe traziam conforto. Ora, lhe deprimiam.
És uma garota mais forte do que imagina.
Bufou.
Não, ela só seria forte se começasse a encarar as pessoas que lhe oprimiam, tragando seus sonhos. Não adiantava esforçar-se para parecer bem ou forçar um sorriso no rosto, seu interior estava rachado, e como um espelho quando quebrado, não havia formas de juntar os cacos e seguir em frente. Sempre haveria uma coisa ou outra para lhe lembrar do que ocorreu cinco anos antes.
Andava distraidamente quando foi pega de surpresa por um som familiar e gentil. Som de música. Estava vindo de uma sala esquecida da mansão, postergada até pela própria Mileide que achou-se perplexa diante daquele som tão terno. Há quanto tempo ela não alegrava-se escutando a doce melodia de um instrumento? Há quanto fora renegada a deixar de fazer o que mais amava, por conta dos caprichos da duquesa? Sem perceber, fora conduzida pela música, e balançava os dedos da mão esquerda, em um movimento involuntário, deixando-se levar por aquele sonido celestial.
Precisava encontrar a pessoa que tocava aquela música tão bela e ouvi-la bem de perto, só assim não sentir-se-ia tão vazia como naquele instante. Permitiu-se desfrutar de alguns segundos de liberdade, sem rememorar dos pesadelos, sem lembrar da cruel promessa da duquesa. Corria pelos corredores da mansão a procura da maravilhosa melodia. Abriu a porta certa, bem devagarinho sem fazer ruído, e deparou-se com Lorenzo, sentado em um dos bancos, de olhos fechados, tocando lira. Não teve intenção, mas suas pernas simplesmente não lhe obedeciam para levá-la para longe. Mileide estava quase certa de que os batimentos de seu coração podiam ser ouvidos com clareza. O rosto parecia uma verdadeira pimenta. Estava tão vermelho e quente que quem a visse daquela forma, poderia julgar que a garota estava com febre. Mordeu o lábio inferior e deu um passo para trás para fechar a porta, mas esta rangeu, denunciando a sua presença.
— Olá — o príncipe direcionou-se à ela. — Tudo bem, não precisas ficar acanhada. Venha até aqui.
Mileide posicionou as mãos frente ao avental do vestido, andando até ele.
— Perdoe-me por distrai-lo, Vossa Alteza.
— Não há com o quê preocupar-se. Somente precisamos parar de nos encontrar assim — seu sorriso tornou-se perfeito e meigo.
A jovem notou que Lorenzo ainda estava vestindo robe e com a perna ferida pela flecha, enfaixada. Observou ao lado do banco, uma muleta de madeira.
— Perdoe-me se estou intrometendo-me, Vossa Alteza, mas não deverias estar no quarto a descansar? Ainda estais ferido.
— Oh, não. Se eu passar mais um segundo naquele quarto, tendo como companhia o silêncio extremo, irei ficar completamente louco. — olhava firmemente para o rosto da menina, que não tirava os olhos da lira. — Sente-se aqui, por favor. — afastou-se dando mais espaço no banco.
— Não posso, Vossa Alteza! — parecia haver um vulcão no peito de Mileide. — Sou apenas uma mera criada.
— Eu insisto — seus olhos castanhos eram tão brilhantes, e seu sorriso tão sereno. — Por favor, sente-se junto a mim.
Assentindo, assentou-se no banco ao lado do rapaz. Cabisbaixa e demasiado perto dele, Mileide analisava cada detalhe do rosto do rapaz. Quase não havia pelos no rosto, e seus olhos não eram totalmente castanhos. Na íris havia uma fração do que poderia ser considerado avelã. Admirava-o com um sorriso simplório na face avermelhada. Rezava para que o som da lira fosse alta o suficiente para que seus batimentos cardíacos não fossem ouvidos. Oh, Deus. As batidas eram tão fortes que estremeciam seu peito.
— Gostas de algum instrumento, senhorita? — o príncipe indagou, deslizando os dedos pelas cordas da lira.
Mileide apenas assentiu, mas logo decidiu falar.
— Aventurei-me pelo mundo da música quando eu tinha sete anos. Mas resolvi parar.
— Por quê?
— Meu pai... ele morreu — fechou os olhos. — Entristeci-me ao ponto de não querer mais nada relacionado a música. E, desde a sua morte, fiquei sozinha. — não achou prudente dizer que aquela mansão era sua, e o que o duque de Florença era seu tio e um intruso.
— Meus pêsames — Lorenzo parou de tocar a lira. — Também sou órfão. Mas diferente de ti, eu não cheguei a conhecer meu pai. Todos dizem que ele foi um grande rei e meu sonho é ser como ele.
— Sei que serás um bom rei.
— Obrigado, Mileide. Estou sempre cercado de expectativas, é bom ouvir uma opinião diferente.
Ficaram olhando-se por bons minutos, até Mileide tomar a iniciativa de desviar a face.
— Posso te confessar uma coisa, Mileide?
Mileide assentiu dessa vez com ânimo.
— Quando cheguei a esta mansão, estava com medo de conhecer a minha noiva. Nunca a tinha visto e fiquei horrorizado somente por pensar se ela seria uma dama mesquinha e egoísta. Porém...
— Porém? — Mileide sentia a garganta ficar seca e os lábios ressecarem.
Ele estava a matando de curiosidade. O que o príncipe confessaria? Tantas ideias incoerentes passavam pela cabeça de Mileide. Que não amava a noiva, que desistiria do seu casamento arranjado, que encontrara o verdadeiro amor em outra pessoa.
— É meio bobo o que direi.
— Por favor, diga! — dissera com tremendo espanto.
— Estou perdidamente apaixonado...
— Sim?
— Pela senhorita Tarsila Amadeo.
Se o mundo fosse feito de vidro, teria se quebrado em um milhão de fragmentos. Todavia, este era o mundo de Mileide, construído sobre fractais de ilusão.
— Ah, ela é tão incrível. Tão destemida e bondosa... Nunca sentir isso por ninguém. — Lorenzo soava sonhador. — Será uma ótima rainha.
Mileide apenas balançava a cabeça, como um cachorrinho obediente. Seu coração parecia rasgado dentro do peito, estraçalhado. Que ele não visse as lágrimas em seus olhos. Que não visse que estava a um ponto de chorar. Com o coração sangrando, somente restava a Mileide concordar com tudo que era falado pelo príncipe apaixonado.
— Sim, creio que a senhorita Tarsila será uma rainha maravilhosa.
— Algo errado? — Lorenzo virou-se para ela, com uma sobrancelha arqueada.
— Não, Vossa Alteza, está tudo bem. — levantou-se do banco, arrumando o avental. — Apenas lembrei-me que logo o jantar será servido e que toda a ajuda é bem-vinda na cozinha. — caminhou até a porta.
— Mileide!
Quando Lorenzo chamou seu nome com tanta ternura, Mileide alimentou uma pequena — e tola — esperança de que o herdeiro do trono teria algo relevante para lhe dizer. Algo que poderia deixá-la feliz e saltar de alegria.
— Obrigado pela companhia. Apreciei conversar com vossa pessoa.
— Digo o mesmo, Majestade.
E reverenciando ao príncipe, saiu.
✦
Vincent estava cheio daquela mansão. Estava ansioso em retornar ao Clã e saber as boas novas. Almejava ter informações sobre Rubens e se o maldito abrira a boca. Sua função como atalaia não lhe reservava nenhum momento de aventura. O duque vivia trancafiado no quarto, tornando enfadonha sua função de atalaia. Em vez disto, Vincent ouvia as mil e uma histórias de Dracone. Não era de todo ruim, mas o cavalariço não saia a hora certa de silenciar-se.
— Seu nome significa "vencedor", certo?! — Dracone sorriu. — É um significado formidável.
— Teu nome me lembra de dragões. — Vincent polia a lâmina de Arcanjo. — Não leve-me a mal, mas teu nome é deveras intrigante.
— Quando eu fui embora de casa, em uma aldeia pobre, meu pai disse-me para jamais esquecer quem eu sou. — Dracone escovava a crina do cavalo. — Até que um dia, descobrir que eu era adotado. Sempre fui grato a minha família adotiva, mas precisava saber as minhas origens. A minha curiosidade era maior do que tudo.
Vincent estava pouco importando-se com a jornada do rapaz em busca de sua identidade. Tudo o que ele queria, era sair daquele celeiro, e retornar a fortaleza dos Assassinos. Contudo, não queria que sua afobação estragasse o seu disfarce. Deveria ficar ali e esperar eternamente.
Avistou Hórus voando ali perto. Pôs Arcanjo em seu dorso, deixando Dracone a tagarelar sozinho. Em um local seguro, Vincent ergueu o braço para a ave, e o falcão pousou sobre ele. Havia um bilhete amarrado ao pé de Hórus. Vincent desatou o fio e instigou a ave a voar novamente.
Leu o recado.
"O pássaro da morte recusa a ressoar sua tenebrosa canção."
O maldito Illuminato não confessara seus pecados.
Retorceu os lábios. Era um claro sinal de que o Illuminato recusava-se a delatar seus aliados.
Era frustrante. Guardou o recado com a intenção de sair da mansão. Iria ao bosque extravasar sua raiva. Necessitava esquecer os símbolos que tornaram-se ainda mais incômodos depois que tocara naquela bendita parede de pedra.
✦
As aias flutuavam de um lado para o outro pela cozinha, envolvidas pelo calor dos caldeirões e pelo aroma da comida que espalhava-se pelo ar. O peito de Mileide cambaleava e os olhos ardiam. A jovem sequer enxergava a faca que cortava as cenouras, por conta da visão turva causada pelas lágrimas. Entre a profusão de barulhos que ocorriam no local, tal como as aias que tagarelavam sem parar e som de seus passos apressados soavam sobre o assoalho. Havia um vazio e um silêncio ensurdecedor dentro de Mileide.
Tolice, cortava a cenoura com raiva. Ele jamais iria confessar-se a mim. Sou uma pobre coitada, vivendo de favor, e irei passar o resto de minha miserável vida sendo sombra de minha prima. Ora, ela está feliz. Casará com um príncipe, viverá em um castelo, enquanto meu palácio de areia, desmorona.
— Mileide! — uma voz ríspida a chamou. — Pare de cortar estas cenouras, agora!
Mileide piscou os olhos várias vezes. A cozinha estava vazia. Havia apenas ela e a empregada histérica.
— Estais a uma hora fazendo isto!
— D-desculpe-me... — ficara desengonçada. — Não queres mais que eu as corte?
— Não, menina tonta. A hora da refeição já acabou. — a aia recolheu a faca da mão de Mileide. — Estais mesmo com a cabeça nas nuvens, não é?
— P-perdoe-me. Prometo que não vou mais distrair-me.
— Agora não adianta vim com desculpas esfarrapadas. Tome! — jogara bruscamente sobre a menina, uma grande cesta de vime. — Lave os vestidos da duquesa. E veja se faça isso direito. Não vá rasgá-los.
Dizer "sim" para tudo e para todos era o que Mileide sabia fazer de melhor, e odiava-se por jamais dizer "não". E ali estava ela, no riacho, lavando os vestidos da duquesa, em plena escuridão da noite, tendo como companhia a lua cheia.
— Deves ser maravilhoso, viver sendo admirado, sem ninguém nunca lhe querer fazer mal ou humilhá-la. — falava para a lua.
Voltou a lavar os vestidos. Os ombros doíam e as costas pareciam chiar com o esforço da garota. Torceu o último vestido, jogando-o dentro do cesto de vime. Estava suada e exaurida. Tirou suas vestes de criada, ficando apenas de saia longa e espartilho, e sem pensar duas vezes, atirou-se na água do riacho. Mergulhou, deixando a água envolvê-la. Uma pena ser apenas água, pois jamais levaria embora o que um dia a manchou.
Ficou um tempo vogando sobre a superfície do riacho, contemplando a lua, até escutar barulhos estranhos. Assombrou-se, saindo rapidamente da água. Apanhou a primeira coisa que viu pela frente — uma pedra —, seguiu os ruídos e escondeu-se nos arbustos.
E eis que era o atalaia de seu tio Benito, com espada em punho, marcando o tronco de árvore com golpes e mais golpes.
Vincent treinava com o peito desnudo, o brilho da prata no peito brilhando na luz da lua, os olhos acostumando-se na escuridão. Precisava esvaziar a mente daquelas lembranças ruins, fora por isso que não pensou duas vezes em embrenhar-se no bosque, somente para empunhar Arcanjo. Rubens não dissera nada sobre a Seita, e Vincent estava a perder a paciência. Que ele dissesse, que revelasse onde Malquior estava escondido. Iria encontrá-lo, e Deus, não teria piedade daquele maldito traidor.
Mileide continuava a espiá-lo. Sua espada gemia nas mãos. Era diferente a maneira dele treinar, comparando com o jeito como a major treinava. Isidora parecia bailar e cada movimento era preciso, digno de uma bailarina. Já o atalaia, era agressivo, como um louco, aparentando querer derrubar a árvore. Mesmo na escuridão, com apenas a luz do luar contornando sua silhueta masculina, Mileide conseguiu notar o quão transfigurado estava sua fisionomia. Em vez da arrogância, a absoluta concentração estampava sua face.
Convencida de que o rapaz não havia notado sua presença, Mileide voltou às pedras do riacho, apanhou suas vestes de criada e a cesta de vime com as roupas da duquesa, e tomou o rumo de volta para a mansão.
Durante todo o percurso, Mileide relembrava do que vira no bosque. Vincent, imponente, empunhando sua espada. Achou-o corajoso e destemido, como Isidora. Assemelhava-se a um guerreiro. Ele não deveria temer a nada e nem a ninguém. Invejou-o por tal proeza e inocentemente, traçou um ingênuo plano que muito tinha a ver com ele. Talvez, ele a fizesse ser corajosa, como a major era, e enfim enfrentar a fiera.
✦
No dia seguinte, Mileide estava determinada a ir até o atalaia. Estava em frangalhos. Seus cabelos mal penteados, suas vestes amassadas e os olhos cansados, por não ter dormido absolutamente nada. Precisava da ajuda dele para vencer seus medos.
Ele estava sentado sobre um barril pequeno, girando a ponta da espada na terra, absorto.
— Com licença — Mileide pigarreou chamando sua atenção.
Vincent levantou a cabeça. Olhava para ela de forma vazia.
— Preciso falar com você, Vincent... — era a primeira vez que falava seu nome, e tremera por dentro por tê-lo dito.
— Estou um pouco ocupado.
— Deu para perceber... — sussurrou, olhando para a espada cuja ponta ainda girava no chão.
— Diga logo o quer, Flor Selvagem.
— Bem... — seu coração ia explodir. — Estou a incomodá-lo?
— Sim. — a interrompeu .
— Gostaria muito de perguntar-te algo — Mileide olhava-o apreensiva. — Bom, esqueça.
— Era só isto que iria falar-me?
— Er... Sim. Desculpe incomodá-lo.
— Foi por isso que estava bisbilhotando-me atrás dos arbustos ontem à noite?
Mileide estava mortificada com o que Vincent disse. Ele havia a visto, era óbvio. Seu esconderijo era por demais patético.
Virou-se, mas algo a puxava para ficar ali. Não queria ser fraca pelo resto da vida. Não estava em seus planos ser humilhada e escarnecida para sempre.
— Vincent! — o chamou mais uma vez. — Preciso de um favor teu.
O rapaz a fitou mais uma vez com seus incrédulos olhos escarlates.
— Por favor! — Mileide juntou as mãos frente ao rosto. — Juro que não farei nenhum pedido absurdo.
Vincent esperou a menina ganhar coragem para enfim falar.
— Ensine-me a lutar.
Ele não gargalhou ou sequer abriu um sorriso de escárnio. A encarou seriamente e então dissera:
— Quem desejas matar? — Vincent perguntou friamente.
A pergunta pegou Mileide desprevenida.
— N-não desejo matar ninguém! — seu coração agitou-se. — Apenas desejo defender-me. Não quero mais sentir medo.
O rapaz passou algum tempo olhando para ela. Como se tentasse desvendá-la.
— Já vi como corres — parou de girar a espada. — És deveras lenta e desengonçada, e sem contar que não tem porte físico para segurar uma espada.
A cada falha que citava, uma nuvem formava-se sobre o rosto de Mileide.
— Não posso transformar uma menina delicada em uma lutadora. — sentenciou.
— Não sou delicada!
— És como uma flor. Não uma flor qualquer — arregaçou a manga da camisa, a marca da mordida ainda existente na carne. — És uma Flor Selvagem.
— Desgraçado! Zombas do meu pedido?
— Estaria mentindo se eu dissesse que não.
Mileide apertou os punhos. Foi um erro ter feito tal pedido. Ele jamais a ajudaria.
— Engolistes o orgulho para falar comigo. E sei o quanto me odeias. Por que não pedistes ajuda para a major?
— A major está ocupada, patrulhando pela cidade. — Mileide sussurrou. — Desculpe-me por perturbá-lo. — deu meia volta.
— Espere!
Mileide olhou por sobre o ombro.
— Esteja aqui amanhã, na segunda vigília da noite. — Vincent dissera. — Me encarregarei de treiná-la.
— Você vai... — os olhos da menina brilhavam — ajudar-me?
— Não ficas a achar que te ajudarei por sentir alguma afeição por ti.
— N-não irás querer nada em troca? — ficou a imaginar se ele seria capaz de cobrar o preço em tê-la em sua cama.
— Flor Selvagem, sequer fazes o meu tipo. Fiques tranquila, porque não tenho o menor desejo em tocá-la.
Antes de irritar-se por completo e questionar sobre o esquecido beijo, Mileide suspirou profundamente e decidiu perguntar outra coisa.
— Então, por quê?
— Porque és determinada e isto já basta. — voltou a girar a espada na terra. — Vista roupas mais leves, que sejam fáceis para tua locomoção e sem tantos babados.
Mileide podia sentir uma flama aos poucos acender-se dentro dela.
✦
O brilho dourado das moedas de ouro no baú fascinavam imensamente Lucius. Seu coração deleitava-se de tal forma ao contemplar rubis e safiras, seus dedos tremiam ao tocar nos diamantes, sua alma fartava-se com as ametistas.
— Grande Mestre Lucius — Apus ajoelhou-se diante do idoso. — Em vossa presença, alegro-me. Perante tua face, engrandeço-me.
Lucius cerrou a porta, trancando o baú em um compartimento interno, ocultando-o na parede. Um óbvio esconderijo mas que ainda assim passaria despercebido caso algum servo desobediente quisesse possuir o seu tesouro. Passou a chave na porta, colocando-a em um cordão em seu pescoço e escondendo-a atrás de sua vestimenta. Virou-se para o subordinado e abriu um dócil sorriso engelhado.
— E o Príncipe Lorenzo? — indagou com uma paciência inquebrável.
Andou até a varanda dos seus aposentos, o lugar era todo decorado com ânforas de gesso branco com tulipas. Era semelhante a um jardim, porém em menor escala.
— Diga-me como está a Vossa Alteza, meu nobre Apus.
— Ao que me fora informado, o príncipe Sorentino está recuperando-se na mansão do duque de Florença — Apus permanecia de joelhos, fitando o chão. — A flecha que o atingiu não lhe causará sequelas.
— Isso quer dizer que o príncipe está bem — as mãos de Lucius estavam postas uma sobre a outra, frente ao tórax. Observava o horizonte, com um semblante enigmático.
— Sim, soberano Lucius. Significa que o Príncipe Sorentino está bem — Apus engoliu em seco
— Não gosto disso — a voz do vetusto era afiada. — Estou nesta cidade estranha e sem pecoras de sangue puro que possam servir de sacrifício perfeito para nossos deuses. — segurou uma tulipa nas mãos.
— Senhor, pretende sacrificar mais jovens? — Apus se sobressaltou. — Mas e se começarem a desconfiar de vossa pessoa?
— Tenha uma coisa em mente, meu caro Apus — apertou a tulipa na mão amassando suas pétalas. — Nenhuma alma é especial. Todos são malditos destinados a perdição, ansiando salvar-se em meio a este mar de fogo e tormento.
— E-eu entendo, mas...
— Sou um homem santo — sua voz elevou, sem perder a fleuma um momento sequer.
Levantou o queixo, orgulhoso, avistando o alvorecer que elevava-se atrás das colinas.
— Um homem justo e íntegro. Minha missão é amparar tais almas e guiá-las a verdadeira luz. Mas para isso devem abraçar seus medos e render-se aos meus pés — esfarelou as pétalas da tulipas, limpando a mão nas vestes. — Quero que informe ao Cavaleiro Negro para ficar atento. Sinto que aqueles Assassinos disgraziatos estão à espreita.
— Sim, meu senhor. Direi a ele.
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Sim, antes que venham me matar porque demorei um tempão pra atualizar, explicarei. Meu cartão SD estragou, levando com ele todos os meus capítulos salvos, tudo porque a anta aqui não salvou em um outro lugar (Tipo Google Documents) Fiquei tão chateada, que se o capítulo saiu ruim, foi culpa desse acontecimento. Estamos para conquistar os nossos 100K (sim, nossos! Isso foi tudo graças a vcs♥) E como eu estou me sentindo? Bom, deixarei o Gumball e o Darwin resumir isso.
🔴Como imagino Vincent e Mileide (criados no Artbreeder por mim). Imagem na mídia.
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