Capítulo 26
Na noite anterior, Mileide observou como as aias desfaziam a trança de Tarsila com fios prateados e penteava o longo cabelo negro, ao mesmo tempo que desfaziam os cadarços do espartilho para tirá-lo de seu corpo para fazê-la vestir uma camisola leve. Tarsila estava animada na noite anterior, enquanto sua imagem no espelho refletia uma jovem de beleza arrebatadora. Seus lábios mexiam-se demasiado rápido ao falar do noivo e as bochechas coravam ao citar cada parte dele que admirava.
— Ah, o príncipe é um homem tão romântico. O levei para o claustro da mansão, para ver as rosas, e ele apenas segurou minha mão, nem se atreveu a beijar-me — Tarsila mergulhou a pequenina toalha na bacia de porcelana com água e esfregou-a no rosto. — Disse-me no jantar que deseja casar na estação das flores.
Mileide apenas assentia naquele instante. Um aglomerado de sentimentos conflitantes fazia sentir-se feliz pela prima, porém simultaneamente estava triste, como se estivesse sendo sugada por um redemoinho de infortúnios.
— Formam um belo casal. — elogiou, cabisbaixa.
— Ah, obrigada, prima — Tarsila recebia com agrado o elogio. Era exatamente aquilo que gostaria de ouvir. — Nos acompanhará amanhã no desfile do príncipe por Florença, Mileide?
— Desfile? Amanhã?
— Ideia de papai. Meu noivo até relutou, mas ninguém consegue vencer a teimosia do duque de Florença.
— E-eu não sei, minha prima... — Mileide baixou a vista. — Devo ficar na mansão e cuidar de meus afazeres. — queria dizer o quanto almejava ficar longe da duquesa, mas preferiu não.
— Vives a trabalhar, Mileide. E és tão jovem. — Tarsila virou-se para a prima, segurando-se no encosto da cadeira. — Eu te imploro para que venhas conosco. Ponha aquele vestido que lhe dei, e arrume um tempo para ti. Estais necessitando de um descanso.
Apanhou as mãos de Mileide, colocando-as frente ao rosto.
— Quero que seja a minha dama de companhia.
Levou algum tempo para Mileide consentir com a ideia, mas no fim a empolgação de Tarsila venceu e ela concordou.
Lembrando daquilo que conversara com a prima enquanto descascava batatas no modo automático, Mileide sentia um bolo ácido preso na garganta. Tarsila não seria gentil quando descobrisse o que ela sentia em relação ao príncipe, ou sobre seu passado sujo. Tinha medo de perder aquela amizade. Perder Tarsila, a única pessoa que considerava como uma amiga. Uma irmã.
Uma empregada carrancuda e enrugada como uma ameixa seca invadiu a cozinha, com as aias agarrada em seus calcanhares, direcionando-se à Mileide.
— Menina, vá cuidar de tuas tarefas. — olhou-lhe atravessado. — A duquesa exiges que vá limpar o piso do salão de festas.
— Mas... fiz isso ontem.
— Pouco me importa!
Mileide parou de descascar as batatas, descansou a faca no banquinho, e passou pela empregada furiosa, rumo à porta dos fundos da cozinha. Por vezes uma raiva aguda a queimava de dentro para fora, exigindo que a sua voz saísse, a articular palavras grosseiras contra aquelas criadas de língua grande, cegas em obedecer sua senhora. Aquelas mulheres a desprezavam olhavam para seu cabelo curto e no fundo de seus olhos escuros e mesmo as palavras não saindo de seus lábios, Mileide sabia que aquelas mulheres teriam ódio eterno dela. Um ódio artificial criado quando a duquesa iniciou os boatos sobre a conduta de Mileide. Por mais magoada e enraivecida que estivesse, a garota nunca replicava, por sentir medo. E de cabeça baixa, obedeceu o que lhe fora posto.
(...)
Carregando os pesados baldes de madeira cheios de água (e como pesavam, e a corda arisca cortava os dedos), Mileide viu a major treinando com facas. Não eram simples facas de cozinha daquelas que estava acostumada a cortar cebolas, mas sim eram adagas. Isidora lançava-as com precisão, fincando-as no tronco da árvore.
Sequer suava com o exercício. O cabelo longo e castanho devidamente trançado. Vestia uma camisa masculina com as mangas arregaçadas e por cima desta, um corpete azul-escuro. Trajava calças (também masculinas) e botas de montaria. Os criados tinham razão em comentar o quão masculina era a major. Se não fosse pelo cabelo comprido e as maçãs delicadas do rosto, facilmente seria confundida com um rapaz.
A major tomou um impulso para trás, que transformou-se em um salto e lançou três adagas de uma vez no tronco já marcado pelos golpes.
— Isso foi incrível! — Mileide dissera em voz alta.
A major sorriu para a agitada espectadora que lhe retirou de seu estado de fleuma. E foi então que Mileide percebeu que distraíra a major com sua animação tola.
— P-perdoe-me, major — virava-se para ir embora. — Não deveria ter falado isso.
Isidora meneou a cabeça com o doce sorriso ainda permanecendo em seu rosto. Retirou as adagas do carvalho guardando-as no cinto, e andejou até a criada.
— Não precisas pedir desculpas, afinal nada fez de errado.
— C-como consegues fazer isso? — Mileide surpreendera-se com as habilidades da major. — Fez parecer deveras fácil!
— Treino todos os dias desde menina.
Mileide ficou boquiaberta. A major não era muito mais velha que ela, porém aquela garota à sua frente tinha força e energia para enfrentar adversários mais fortes.
— Você precisa de ajuda, senhorita? — Isidora apontou para os baldes segurados por Mileide.
— Não, não! — as bochechas esquentavam de vergonha. — Eu estou bem. — deu meia-volta.
Antes de Mileide retirar-se da presença da major, sentiu a mão direita mais leve, e todo o peso que sobrara concentrava-se na outra mão.
— Eu faço questão de ajudá-la. — insistiu suavemente.
Os lábios de Mileide repuxaram-se em um sorriso sem graça.
— Não é necessário, major.
— Faço questão que me chame pelo nome. Sou Isidora DiFerrazo. — abriu um terno sorriso. — E teu nome?
— Mileide Amadeo.
— Amadeo? — arqueou as sobrancelhas. — És por acaso parente do duque?
— Sobrinha.
— E por que estais a trabalhar como criada? Por que não come à mesa junto de seus parentes?
Deveria contar a verdade para a major? Dizer que era ignorada por seus parentes e constantemente humilhada pela duquesa de Florença. Revelar que em troca de um teto e um prato de comida era obrigada a trabalhar a exaustão? Preferiu não. Não pretendia aborrecer a major com seus infortúnios.
— Eu meio que aprecio. — respondeu Mileide. — É um passatempo para mim.
— Um passatempo deveras estranho que você pratica.
— Ora, e você estava a lançar adagas no tronco da árvore.
— Touché.
Entreolharam-se e sorriram. Mileide adentrou o salão e visivelmente não parecia sujo. A major até mesmo insistira para limpar o chão com Mileide, mas foi interceptada por um de seus homens da Guarda Real que precisava informá-la sobre como seria o esquema de segurança para o tal desfile. Despedindo-se da criada, a major partiu acompanhada pelo guarda.
Limpando o assoalho do salão, Mileide viu o príncipe e os regentes de seu tio Benito e a duquesa planejando como fariam o casamento do herdeiro do trono com Tarsila. Tratou de focar-se no que fazia mas era difícil, ainda mais com a presença de Lorenzo.
— Aqui será colocado um arco adornado de rosas vermelhas com fitas de cetim verde. — abria os braços para a entrada do salão. — O que achas, Majestade?
— Entendo pouco de decoração, mas sei que ficarás ótimo. — Lorenzo respondeu com doçura.
Mileide não conseguia parar de olhá-lo. Era tão lindo.
— Estais pronto para o desfile, Vossa Alteza?
— Um pouco nervoso.
E então ele a olhou. O coração da garota fez questão de martelar bruscamente. E o príncipe sorriu com educação para ela, uma criada. E seu mundo iluminou-se. Foi um sorriso tão rápido, mas que mesmo assim, deixaria guardado na memória.
Ninguém estragaria seu pequeno momento de deleite. Nem a duquesa e muito menos o atalaia vulgar. Falando no diabo, o atalaia não estava em nenhuma parte da mansão. Passara o dia todo fora. Mileide bufou. Não perderia tempo pensando nele.
— É um vadio! — murmurou esfregando o chão com força.
✦
Ícaro bebia seu sexto copo de uísque, limitando-se a dar pequenos goles, em uma taberna esquecida por Deus que localizava-se nas vielas escuras e fétidas de Florença. Ninguém deveria beber tão cedo mas seu dia fora demasiado sufocante na Fortaleza dos Assassinos. Treinos e reuniões e mais treinos.
Sentia o coração pesado e a cabeça perturbada. A guerra entre Illuminatos e Assassinos estava a ganhar proporções cada vez maiores. Logo chegaria o infeliz dia em que as duas forças enfrentariam-se em uma batalha equivalente à uma Cruzada. Haveria sangue, morte e nenhuma vitória. Malditos Illuminatos!
Foi por conta do sangue inocente derramado, que Ícaro repudiava os Illuminatos. Odiava ser um Rutilo.
Sem perceber, mergulhara nas mórbidas lembranças.
A boa vida em Roma. O filho unigênito do conde. Herança dos Illuminatos. Uma pequena pecora de cinco anos servindo como sacrifício. Seu passado era agora vermelho como o sangue, deixado para trás como as cinzas de uma fogueira. Não ousaria lembrar-se, ao menos escapara do infeliz destino.
Precisava beber. Beber para esquecer. Beber para suportar. Descobrira que carregava agora o fardo da paternidade. Estava nervoso com a ideia.
Ser pai. Seu único exemplo foi o conde Ruggero, e Deus, que péssimo pai foi o conde! Sempre arrogante, sempre mesquinho. Mais leal à Seita do que com a própria família.
Jervaise bateu a mão em seu dorso, espantando o arqueiro.
— Seja prudente, amigo — de costas, o loiro apoiou os cotovelos no balcão. — Ou acabará como o velho Juvenal.
— Bebo para satisfazer-me, não para ficar ébrio. E dificilmente ficarei louco com essa porcaria de bebida. É pura água misturada com conhaque velho! — explicou-se. — E enquanto a história do velho Juvenal, ele morreu porque o coração não suportou a pressão da jovem sedutora que levou para a cama.
— Diabos! Tens resposta para tudo, Ícaro. — Jervaise gargalhou. — Cada qual com seu cada um, e eu com meu suco de tomate.
Jervaise levou a mão ao bolso interno do traje e tirou a rolha da garrafinha com os dentes, bebendo o conteúdo dela.
—Repulsivo. — Ícaro detestava quando Jervaise bebia suco de tomate na sua frente.
— E quanto a ele? — olhou na direção do rapaz na extremidade distante do balcão.
Era Vincent o tal rapaz quieto em seu devido canto. Naquele momento, Vincent estava a pensar sobre o próximo alvo — seu primeiro alvo em anos. Era um homem extremamente rico que vivia a esculpir estátuas e colecionar obras de arte. Um amigo muito chegado do duque de Florença. Vincent ergueu os olhos para os dois Assassinos. Tinha o olhar cheio de questionamentos.
— Esse alvo, Vince, é somente teu. Não é um peixe tão grande mas dá para o gasto — Jervaise sorria. — Descobrimos que ele é um dos Cavaleiros da Seita, reside aqui em Florença — o loiro continuou.
— Chama-se Rubens Barcamonte. — Ícaro completou.
— Rubens... — repetira friamente. — O que devo fazer? — Vincent interrogou.
— Faça o que quiser com ele! — Ícaro exclamou. — O esprema como uma laranja e o faça dizer onde estão os outros maledettos Cavaleiros!
— Então pelo visto não fazem ideia de quem seja os outros Cavaleiros? — Vincent indagou com certo rancor.
Ícaro fingiu tomar outro gole apenas para não respondê-lo.
— Torturas?! Agora está falando a minha língua! — Jervaise pôs as mãos detrás da cabeça.
Vincent poderia arrancar os dentes do tal Rubens, cortar seus dedos, furar seus olhos, esfolar a sua pele, queimá-lo, afogá-lo, e pensou no quanto aquilo lhe excitava.
— Não diga sandices. Essas coisas não podem ser feitas por impulso ou podem acabar em um desastre. — Vincent dissera na defensiva. — Preciso estudar os hábitos do tal Illuminato, preciso encontrar uma maneira de tirá-lo de cena, e...
— Tem um dia, Vincenzo! — Ícaro exclamou, interrompendo-o.
Só então Vincent percebera que Ícaro bebera demais. Seu timbre era rude e seu semblante aparentava cansaço. Assentiu, a fim de não contrariá-lo.
Outra vez, Jervaise bateu no ombro do arqueiro, indicando que era hora de partir.
— Que fique claro uma coisa, Vincenzo. — Ícaro parou na entrada da taberna.
Vincent olhava na sua direção.
— Lutamos por uma mesma causa — falara com altivez, — mas não compartilho de teus ideais.
— O que queres dizer com isto?
— Eu luto por justiça! — Ícaro articulou quase furioso. — E tu? Pelo que lutas?
Os Assassinos saíram da taberna, deixando Vincent sozinho.
✦
Naquela tarde quente de céu azulado, o príncipe desfilava em cima de um cavalo branco pelas ruas de Florença, seguido pela charrete da família de sua noiva — o duque não fazia-se presente —, escoltados por seus guardas. Um cortejo de pessoas extasiadas seguia-o sob uma chuva de pétalas de rosa. Entre essas pessoas, uma jovem criada olhava-o com paixão.
Agora que Mileide estava contemplando um verdadeiro príncipe não conseguia tirar os olhos dele. Estava completamente fascinada. Não era somente um príncipe em beleza, como também em educação. Seria ele, um príncipe dos contos de fadas?
Mileide ficou tão encantada pelo rapaz de cabelos ruivos que mal percebeu o atalaia do duque falando consigo. Falando, não! Lhe lançando provocações.
— Vejo que ficastes empolgada com este projeto de homem. — escarnecia.
— Não importa o quanto tentes ofendê-lo, caro atalaia, o príncipe jamais será rebaixado por conta de tuas palavras — bateu o pé no chão. — E, por favor, afaste-se de mim!
— O duque teme uma fuga de sua parte — Vincent tinha os olhos na multidão. — Mas estou vendo que não receberei nenhuma moeda de ouro, por este servicinho extra.
— Se achas muito esperto não és, atalaia? — Mileide semicerrou os olhos. — Fique sabendo que não temo a ti.
— Disse a garota que tem medo da duquesa.
— Eu não... — Mileide apertou os punhos. Era tão óbvio o medo que sentia por Brígida? — E-eu...
— Bom, mas é lógico que isso não me interessa — Vincent continuou com os braços cruzados, contemplando o desfile demorado. — Só estou aqui para servir de guarda do duque Amadeo.
Mileide silenciou-se. Mesmo não a conhecendo, aquele rapaz conseguia ver através dela. E ela sentiu-se exposta somente por estar ao seu lado.
A calma não perdurou no desfile e no minuto seguinte uma histeria estampou no rosto de cada cidadão que o assistia.
Lorenzo acabara por cair do cavalo, fazendo todos ficarem assustados. E não foi por menos. Havia uma flecha cravada na sua perna esquerda. O príncipe gritava de dor, os olhos bem apertados e a mão sobre a coxa, quase tocando a flecha.
— Estamos sob ataque! — dissera um dos homens da guarda real.
— Protejam o príncipe! — ordenou Isidora em voz alta.
Os guardas prepararam-se com as espadas em punho, cercando o príncipe, e a major dispensava a multidão agoniada. Tudo que Tarsila conseguia fazer era gritar como uma louca e Mileide permaneceu plantada no chão, vendo sombras e vultos correrem assustados.
— São os Assassinos?! — indagou em voz alta um dos soldados.
O sangue de Vincent ferveu diante daquele enunciado. Olhou diligente para o telhado dos casarões. Quem quer que fosse, não atirou para matar o príncipe e sim para causar toda aquela insensata euforia. Algum infeliz se passando por Assassino. O rapaz trincou os dentes.
— Leve-o de volta para a mansão do duque de Florença! — a major ordenava os soldados aos berros. — Precisamos tratar deste ferimento!
Carregaram o príncipe para a charrete da noiva, pálida como uma folha de papel, que encarava o noivo cuja calça cor de pérola estava empapada de sangue. Lorenzo gemia de olhos fechados, apertando os dentes, não suportando a ponta de ferro da flecha que lhe abria o espaço em sua carne. Voltaram em disparada para a mansão do duque. Aos poucos a multidão enlouquecida voltava a razão, e no lugar da histeria, vieram burburinhos sobre os supostos Assassinos quererem matar o príncipe.
"A flecha pegou somente nele", diziam.
"As autoridades precisam fazer alguma coisa!"
"Florença está condenada."
Ouvindo o indesejado, estava Vincent. Andava entre o amontoado de pessoas na Piaza Duomo e atrás dele, a jovem criada, sem um pingo de cor nos lábios. Os olhos, tão assustados quanto de uma gazela. Sussurrava uma prece.
— Por que estais a seguir-me? — Vincent perguntou sem ao menos virar-se para ela.
— Estou amedrontada! — Mileide enfim conseguia falar sem gaguejar.
— Não gosto de companhia e nem de pessoas medrosas.
— Não quero ir sozinha para casa.
— Não estou indo para a mansão do duque.
— E para onde vais? — Mileide agilizava os passos. Não queria perdê-lo de vista.
Vincent não respondeu.
— E se voltarem a atacar com flechas?
— Não vão atacar.
— Como falas com tanta certeza?
— Porque não irão mais atacar. Já conseguiram o que queria.
— E o que seria?
— Causar pânico e desconfiança.
— Meu Deus! Por que tudo isso? — Mileide pôs a mão sobre o peito. — Será se o príncipe ficará bem?
— Vais ficar falando até aborrecer-me? — olhou-a sobre o ombro. — Necessito de quietude.
— És o único, atalaia, que não ficastes assustado com nada! Como consegues ficar tão calmo a tudo que acabou de ocorrer?
Vincent virou-se para ela, detendo-se em andar. Mileide o fitava muito zangada com seus grandes e marejados olhos negros.
— Meu pai era um homem calmo — dissera a garota, — mas ele transmitia paz através de sua personalidade. Você é um sujeito calmo, atalaia, porém é como se houvesse uma aura sombria sobre tua cabeça. Apenas sinto-me perturbada ao teu lado.
— Já acabastes?
Mileide anuiu com raiva.
— Ótimo. — Vincent retornou a andar dessa vez com pressa. — Voltes para casa sozinha, Flor Selvagem.
— Sozinha? — Mileide arregalou os olhos andando mais rápido. — Mas, por quê?!
Sequer Vincent respondera. Embrenhou-se entre a multidão, sumindo. E Mileide viu-se obrigada a ir sozinha para casa
✦
— É este o casarão. — Vincent dissera a si mesmo, orgulhoso.
Enfim, conseguira achar a casa do Illuminato. Estava deveras tarde, o céu completamente negro e as ruas ainda sem as lamparinas acesas. A culpada pelo seu atraso fora a criada medrosa e tagarela. Se por um lado Vincent enfureceu-se com o pavor desmedido da pequena tola, por outro lado sentiu-se orgulhoso por ela ficar ao seu lado.
— Melhor esquecer isto. — repreendeu-se.
O casarão do Illuminato era de uma aparência degradante e feia. Casa mal cuidada como se fosse desabitada. O jardim com plantas mortas, muito sujo e escuro. Vincent se pôs diante da porta, tratou de fechar os dedos em um nó e batê-la. Após ouvir um quase incessante destrancar de porta — julgou que poderiam haver quarenta trancas —, por fim ela abriu-se.
Um homem calvo com alguns fios na lateral da cabeça muito semelhantes a fiapos de algodão, olhava para Vincent com certo temor.
— Sr. Rubens Barcamonte? — Vincent o questionou.
— Oh, sim. — abriu um pouco a porta, tentando ver por sobre o ombro do rapaz. — E você seria...?
— Sou Ryder, atalaia do duque de Florença. — apresentou-se de forma cortês.
— Um subordinado de um velho amigo... Ora, entre!
Escancarou a porta para o atalaia. Se o lado de fora do casarão era feio, o mesmo podia-se dizer do lado de dentro. Era abarrotado de esculturas, telas e outras tralhas. Vincent sentiu-se sufocado só de estar ali.
— Em que posso ajudá-lo? Queres um chá ou um conhaque?
Percebeu que o homem calvo ainda vestia um robe carmim e felpudo e meias.
— Conhaque, por favor — Vincent disfarçou. Odiava bebidas fortes.
— Ótima escolha. — apressou-se para servi-lo.
— Sei que está um tanto tarde, mas o duque confessou-me sobre a tua coleção de obras de arte e estou curioso para vê-las. — fingiu perfeitamente enquanto recebia o conhaque. — E ele ainda deu bastante ênfase ao dizer que foram feitas pelas tuas mãos.
— Ele disse isso? — Rubens pareceu espantado.
Vincent assentiu.
— Qual é mesmo a tua idade, caro Ryder? — Rubens perguntou enquanto revirava suas tralhas.
—Dezoito.
— Tão novo. E já és um apreciador de obras de arte?
— Podes acreditar que sou. Nunca é cedo ou tarde para começar a apreciar a verdadeira arte. — Vincent tornou a fingir. Os olhos semicerrados. O cheiro incômodo do conhaque.
— Ora, isso é maravilhoso. Por favor, insisto para que adentres o meu ateliê — dirigiu-se às portas duplas fechadas. — Estou neste momento criando algo fabuloso!
Vincent arqueou uma sobrancelha. Aquele maldito não demonstraria surpresa por ver seus olhos?
— E esta? — perguntou ao ver a pintura de uma mulher com um discreto sorriso.
— Encomendei de um jovem pintor. É uma bela obra, claro, mas não chega aos pés do meu talento! — exclamou com orgulho. — Chama-se Leonardo de alguma coisa... Seu interesse é mesmo nas minhas obras de arte, caro Ryder? — Rubens olhava-o conspirador.
— Sim, posso lhe garantir.
— Ora, pensei que quisesses trabalhar comigo — fizera um biquinho ridículo. — Vais querer trabalhar para Benito eternamente? Um velho aleijado que recebe os cuidados pelas mãos de uma menina?
— Não, o duque de Florença é um bom patrão.
Vincent tremeu e uma gota de conhaque caiu no carpete. Tremia-se de raiva.
— Está nervoso, rapaz?!
— Pensei no ataque de hoje. O Príncipe Sorentino foi ferido.
— Sim, uma lástima. Florença está sucumbindo nas mãos dos foras-da-lei!
— Ouvi alguém falar nas ruas sobre uns tais "Assassinos".
Rubens parecia ter visto o diabo em pessoa.
— Tudo o que precisa saber sobre eles, meu caro Ryder, é que são demônios ceifadores de almas.
— Isso faz-me lembrar de um verso que li recentemente.
— Estou curioso para escutá-lo — bebia o conhaque já em temperatura ambiente.
— "Os ímpios na sua arrogância perseguem furiosamente o pobre; sejam apanhados nas ciladas que maquinaram".
Rubens olhava pasmo para Vincent. O copo caiu de sua mão, estilhaçando-se.
— Exijo saber por que dissestes isso?
— Porque sei que é isso que um Assassino diria.
— Quem é você, Ryder? — berrou. — Quem o mandou aqui? — pegou uma das ferramentas afiadas de talhar mármore a apontá-la para Vincent. — Juro que chamarei os guardas!
Pacientemente, Vincent repousou seu copo intocado de uísque em uma banqueta, e tornou a fitar o calvo. O olhar gélido, a voz mortal.
— Seu tempo acabou.
Rapidamente, Vincent pôs seu braço ao redor do pescoço de Rubens, sufocando-o. O calvo debatendo-se, querendo largar-se. Vincent não iria matá-lo — apesar da vontade —, apenas adormecê-lo. Precisava das confissões daquele maldito. Assim que Rubens amoleceu em seu aperto, Vincent o largou fazendo-o desabar no chão como um saco de batatas podre.
— E que comece a caça aos Illuminatos. — Vincent sussurrou sedento por vendetta.
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A frase que Vincent recita é o Salmos 10:2.
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