Sorrisos Cheios e Promessas Vazias
CAPÍTULO SEIS:
SORRISOS CHEIOS E
PROMESSAS VAZIAS
Uma. Duas.
Três vezes.
Felix respirou fundo, olhando pela janela da cozinha, enquanto o tilintar de talheres se fazia na mesa. Os dois adultos presentes mantinham uma conversa com sorrisos, e o outro adolescente fazia parte dela vez ou outra. Ele era o único que se mantinha quieto.
— Yongbok.
Ele preferia se manter quieto.
— Yongbok. Estou falando com você.
O olhar do garoto voltou para a mesa, encarando o homem que não tinha semelhança de traços alguma consigo, à sua frente.
— Mais tarde, vamos cortar seu cabelo. Ele está longo demais.
Para um garoto.
Era isso que essa frase significava.
— Eu gosto assim, querido. — A mulher gentil ao lado do homem disse. Como se tentasse suavizar a situação. — Acho que combina com ele.
Felix viu o olhar por trás dos óculos do homem. Viu seu rosto endurecer, e o desgosto por trás do sorriso que fingia ser compreensivo.
— Não acho que seja apropriado, querida. Veja o de Bang Chan. Está no tamanho perfeito.
Felix continuou quieto. Seu prato, estava quase intocado. Não conseguia manter o apetite olhando para aquele homem.
— Na verdade, eu ia gostar de deixar o meu crescer também. Acho que fica bem mais estiloso. — Bang Chan disse, e Felix se virou para ele, sem muita expressão. O mais velho apenas balançou a cabeça, como se dissesse para ele que estava tudo bem.
Os Bang se mostravam sempre compreensíveis demais com ele.
O que era ainda pior.
Felix sabia que ele odiava isso.
— Bobagem. Não se deixe levar pelos outros. Eu sei o que é melhor pra ele. Afinal, somos família, não somos?
Não. Não somos.
— Sim senhor. — Felix respondeu, sem olhá-lo nos olhos.
Não compartilhamos nada além de um sobrenome.
♪
— Eu gosto. É lindo. Simplesmente o mais lindo que eu já vi. — Hyunjin suspirava, logo depois de Felix comentar que queria mudar seu penteado, para escutar a opinião dele. — O seu cabelo! Óbvio. Estou falando dele.
O Lee sorriu, vendo o garoto atrás do caixa da loja de discos vazia ficar atrapalhado, sem encara-lo nos olhos.
Felix sabia muito bem tudo que estava acontecendo.
— Mas se você quiser cortar, acho que tudo bem... O que te fizer feliz é o certo, não acha?
Felix não soube responder, o olhando curioso.
Sabia também que não podia acontecer por muito mais tempo.
♪
— 'Tá indo pra Nineteen de novo?
Felix parou na porta assim que a voz de Bang Chan alcançou seus ouvidos. Ele assentiu com a cabeça, e sentiu os passos do mais velho se aproximando.
— Tem ido muito lá.
— 'Tá com ciúmes dos seus amigos? — Felix rebateu de imediato, como uma brincadeira que tinha medo que fosse verdade.
Por mais gentil que Bang Chan fosse consigo, tinha medo de o aborrecer ao ponto de ele nunca mais o tratar dessa maneira.
— Fala sério, garoto. — Bang Chan ri, e passa a mão pelo cabelo solto de Felix, o bagunçando completamente. — Como se eu fosse ter ciúmes do Hyunjin.
E ele sai na frente, deixando Felix sem palavras. O Lee pisca algumas vezes, quando finalmente o Bang se vira para ele de novo.
— Vamos?
♪
Ir até a loja de discos tinha se tornado um hábito. Sabia que Bang Chan também tinha esse hábito, então tinham começado a ir juntos. Em alguns dias, foi apresentado à Seulgi e Ash. Não conversou muito com eles, apesar disso. Os dois preferiam se bicar entre si, enquanto Bang Chan lia revistas sobre o mundo pop — Algo que não combinava em nada com sua personalidade — e o único que parecia notar sua presença o tempo todo era Hyunjin. Como sempre.
Eles também não conversavam muito. Trocavam algumas palavras aqui e ali, às vezes, um segredo ou pensamento incomum. Nenhuma dessas coisas parecia séria demais quando compartilhada entre eles. Mas, em contrapartida, eles trocavam muitos olhares.
I'll be watching you
(Every breath you take)
(Every move you make)
(Every bond you break)
Hyunjin estava quase sempre olhando para Felix, e deixava isso muito óbvio. Quando ele conversava com alguém, ou quando simplesmente olhava para algum disco que julgava ser interessante. Ele não era uma pessoa discreta, e o Lee sempre captava seus olhares, vendo Hyunjin os desviar logo depois. Sorriam toda vez.
Já Felix, o olhava quando Hyunjin não conseguia notar. Quando ele atendia alguém com um sorriso gentil, ou quando ria com seus amigos. Os momentos mais genuínos de Hwang Hyunjin eram capturados pelos olhos vazios do Lee, o fazendo se sentir cheio de um sentimento que nunca tinha presenciado antes.
(Every step you take) I'll be watching you
E, queria ser nem que fosse só um pouco, alguém ingênuo, e imaginar que continuaria sentindo por muito tempo.
♪
Uma.
Duas. Três vezes.
Felix respirou fundo, pressionando o pano molhado em seu rosto mais uma vez. Ardia, e estava um pouco vermelho. Mas ia sumir logo. Depois de tanto tempo, ele já sabia muito bem como fazer sumir.
Se olhou no espelho mais uma vez, enquanto Bang Chan batia na porta do banheiro.
— Você não vai hoje? — Ele perguntou do lado de fora.
— ... Não. Pode ir sem mim. — Felix respondeu, tentando manter a voz firme.
Por alguns segundos, escutou a respiração do Bang por de trás da porta, como se ele quisesse dizer alguma coisa. E então, silêncio. Ele provavelmente tinha ido embora.
Foi quando se viu, mais uma vez, sozinho naquela casa. E finalmente, os olhos se permitiram arder, deixando algumas lágrimas caindo, enquanto ele abria a porta do banheiro.
Mas Bang Chan não tinha ido embora. Ele estava ali, apoiado na parede oposta da porta, esperando o Lee sair, pacientemente.
Felix não soube o que dizer. Nunca tinha deixado ninguém o ver chorando além das vezes que não conseguiu segurar na frente daquele homem, se arrependendo depois. Então não sabia como agir.
Felizmente, não precisou. Bang Chan não disse nada, e o puxou para os braços dele, o abraçando com força. Por alguns momentos, Felix manteve seus braços imóveis, do lado de seu próprio corpo, não reagindo.
Depois, não se segurou. Fechou os olhos e começou a soluçar, deixando as lágrimas saírem, e finalmente retribuindo o abraço, apertando Chan contra ele também, quase como se quisesse se esconder ali.
Aquela foi a primeira vez que ele abraçou Bang Chan.
E a última também.
♪
Felix voltou a ir para a loja de discos uma semana depois. No intervalo de Hyunjin, os dois foram para os fundos, naquele mesmo lugar onde tinham se encontrado no dia de chuva. E, quase como se Felix também tivesse se lembrado disso, ele puxou um cigarro do bolso, o colocando na boca e acendendo logo depois.
— Por que você fuma? — Hyunjin perguntara.
— Eu não sei te dizer.
Ficaram um pouco quietos, e Felix notou o olhar do garoto em cima do objeto em sua mão, então, o ofereceu.
— Se eu aprender a fumar... Vou parecer tão legal quanto você?
Felix riu.
— Você não precisa disso pra parecer legal, Hwang.
Você já é legal o suficiente pra mim.
— Ei, amanhã... É sábado, você não trabalha, não é? — Hyunjin assentiu, e Felix virou o rosto para o chão, levando o cigarro para a boca de novo, puxando o ar para si, e soltando para o lado contrário do garoto. — Quer ir no cinema comigo?
— Só nós dois? — Hyunjin perguntou de imediato, e Felix concordou com a cabeça.
— É. Sou legal o bastante pra você ir no cinema comigo?
Hyunjin sorriu. Um daqueles sorrisos genuínos que Felix sempre observava no rosto dele. O coração do Lee errou uma batida.
Que merda.
— Você é legal o bastante pra eu ir com você pra qualquer lugar, Yongbok.
Felix não respondeu, e Seulgi apareceu na porta dos fundos, dizendo que o intervalo de Hyunjin tinha acabado. E o garoto se sentia tão envergonhado, que só concordou, seguindo Seulgi rapidamente para dentro, dizendo que deviam voltar para Felix, sem o olhar.
O cigarro caiu das mãos do Lee, que continuava chocado com as palavras que tinha escutado.
♪
Felix acordou cedo. Passou grande parte do seu dia olhando pela janela, observando os pássaros que voavam na árvore do lado dela. Contando. Um. Dois. Três pássaros.
O relógio na parede apontava não só as horas, como o dia em que estavam.
15 de Setembro.
O dia da morte da pessoa que seu pai mais amava. Felix também gostava de pensar que foi a única que ele já deve ter amado.
Ele saiu de seu quarto, tendo certeza de que não havia ninguém em casa. Bang Chan tinha ido para a casa de Seungmin. A mãe dele provavelmente estava de plantão no hospital da cidade. Não sabia onde seu pai estava. Tentava não pensar nisso.
Perto do horário de encontrar Hyunjin, Felix olhou para a foto amassada que mantinha escondida debaixo de um piso solto no seu quarto. A mulher com traços idênticos aos seus sorria nela, vestindo um vestido azul, com seus cabelos negros batendo apenas nos ombros. Felix se encarou no espelho.
Era como se ele fosse um relance dela. Um quebrado e mal feito.
Seu cabelo não era tão bonito quanto o dela. Suas sardas não eram tão espalhadas, seu sorriso não brilhava. E seus olhos não pareciam cheios de vida como os dela. Quando se olhava no espelho, Felix via alguém tão invisível e sem graça quanto um rascunho inacabado de um artista fracassado.
Felix respirou fundo três vezes antes de largar a foto em cima da sua cama, e ir encontrar Hyunjin.
♪
— Ferris Bueller? É esse que você quer assistir?
— É. Você me chamou, mas eu quero muito ver esse filme. Por favor!
Felix riu vendo Hyunjin juntar suas mãos e pedir com um bico em seu rosto. Pôde notar que ele tinha claramente se arrumado pra ocasião. Seu cabelo estava penteado, suas roupas aparentavam ser novas e estavam ajeitadas, como se a mãe dele tivesse as passado ou algo assim. Tinha escutado de Bang Chan que, os pais de Hyunjin, apesar de não serem tão presentes, tinham uma boa relação com o filho, na medida do possível.
Felix teria inveja dele, se Hyunjin não fosse... Hyunjin.
Entraram na sala juntos, e se sentaram lado a lado, com os dois animados para assistir o filme.
Apesar do mais velho ter passado grande parte dele olhando mais para as reações do garoto ao lado dele, do que para o telão.
♪
— Incrível! — Foi a primeira coisa que Hyunjin disse assim que saíram da sala, e Felix sorriu, concordando.
— Eu daria tudo pra viver um dia daquele jeito. Igualzinho aos protagonistas. — Felix disse, como quem não quer nada, e Hyunjin parou de andar.
Ele olhou confuso para o garoto.
— O que foi?
— Deveríamos fazer isso. Na verdade, temos que fazer isso, Yongbok!
Felix o olhou por alguns segundos, antes de rir.
— Você nem tem um carro, Hwang. E duvido que saiba dirigir.
— Eu aprendo! E um carro a gente arranja depois! É sério!
Felix riu de novo, os olhos de Hyunjin brilhavam na direção dele.
— Você nem vai lembrar de mim daqui uns anos, Hwang.
Ele não conseguia mentir dizendo que ele próprio esqueceria Hyunjin. Sabia que já não era possível.
— Impossível. — Hyunjin rebateu de imediato, falando sério. — Eu nunca vou esquecer de você.
A seriedade fez o sorriso de Felix vacilar, e assim que Hyunjin chegou perto dele, e segurou sua mão com delicadeza, seu rosto congelou por completo.
— Eu nunca vou esquecer disso. — Ele encostou devagar a mão de Felix no peito dele, onde seu coração batia forte, e Felix não respondeu, sua respiração ficando abafada. Hyunjin deu um sorriso fraco, e levantou o mindinho de Felix, cruzando o seu próprio nele. — Promete. No futuro, quando eu tiver um carro, e souber dirigir, vou ir atrás de você. E você vai ter que aceitar passar um dia assim comigo.
Felix sorriu. Um sentimento caloroso passou pelo seu corpo, e ele entrelaçou seu mindinho no de Hyunjin.
— Eu prometo, Hwang.
Felix nunca tinha feito uma promessa antes.
♪
Um. Foi tudo muito rápido. Felix entrou em seu quarto, e não conseguiu reagir, vendo seu pai em pé, com a foto de sua mãe nas mãos, com um olhar indecifrável.
Dois. Felix não viu quando a mão dele se chocou contra seu rosto. E não sentiu de imediato. Ele não disse nada. Nada. Nem quando rasgou a foto, e muito menos quando puxou o Lee pelos cabelos, o levando para o banheiro.
Três. Felix não reagiu quando sentiu seu cabelo começar a ser cortado, de qualquer jeito. Os fios caíam pelo chão do banheiro, e Felix apenas olhava para o chão, sem deixar nada escapar, além da sua respiração pesada. Ele sabia porque o pai estava fazendo isso. Por causa dela. Sempre seria ela.
O cabelo de Felix lembrava o dela. O rosto dele lembrava o dela. O sorriso também. Talvez seja por isso que seu pai nunca gostou de ver ele sorrindo.
Foi quando ele terminou, que levantou o rosto de Felix, dizendo uma única coisa.
— É sua culpa. Nunca vou te deixar esquecer disso. Você vai ser pra sempre uma doença, Yongbok. A doença dela.
E ele largou a tesoura de qualquer jeito no chão ao lado do filho, saindo do banheiro. Felix escutou quando a porta da casa foi fechada com força, e se levantou, se olhando no espelho.
Ele carregaria pra sempre a culpa da mãe ter morrido no dia em que nasceu.
15 de Setembro. Nunca foi o aniversário de Felix. Sua vida nunca foi um motivo de comemoração.
Não até hoje, com Hyunjin.
As lágrimas começaram a descer, e Felix se agachou, se permitindo sentir, só um pouco.
Nunca tinha feito uma promessa, e, por mais que ela fosse tão importante pra si, doía. Era uma promessa vazia.
Porque sabia que nunca ia conseguir cumpri-la.
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