Morra no caminho.
E na ocasião de sua partida, Ictar se despediu de Lolá com um aceno de cabeça enquanto a mãe, senhora esbelta e absurdamente parecida com a filha, só que envolta em sedas ricas, afagava-lhe os cabelos emaranhados recomendando que cuidasse bem de si mesmo e também de Dom Einov. Mas foi Ivela quem o garrou pelo pescoço e soluçou violentamente.
Quando chegou a vez de Felps, o rapaz subiu nas pontas dos pés para beijá-lo, mas o Caçador apenas pressionou sua testa com seus lábios robustos e deu-lhe as costas para entrar na navegadora imperial, a embarcação dourada e redonda, que o levou dois, quatro, seis metros no ar, antes de disparar na direção do frio nortenho.
Após isso, cada um rumou para sua própria rotina, menos Ivela que saiu chorosa através do pátio, aparentemente voltando para a vila sem olhar para trás.
Ela só tornou a aparecer dois dias depois e muito séria e silenciosa escovou os cabelos de Felps e os enfeitou com seus grampos dourados.
–Eu sinto muito. – Disse Felps e era verdade. Começava apensar se tinha feito a escolha certa, já que Marion simplesmente ignorara a sua presença desde a partida do irmão e somente Lolá aparecera para perguntar-lhe se queria ver como funcionavam as cozinhas.
–Não sente nada – Retrucou Ivela cruelmente.
– Também não estou feliz, sabe? Eu sinto que... – De que adiantava falar se a amiga não parecia interessada? – Sabe ao menos onde eu posso encontrar Marion se quiser falar com ele?
–Falar– Fez Ivela amargamente. – Sei...
E como ela não respondesse, Felps teve que ir a procura de Marion sozinho, e falou com pessoas que apontaram em várias direções diferentes.
Alguns diziam que estava na Vila Branca, outros que ele tinha saído com Lolá para caçar mestiços em Afig, mas Lolá, que já tinha chegado de Afig há horas, apontou seu gancho de prata na direção de Vila de Dentro e assim, Felps suspirou com alívio indisfarçável e rumou pelo caminho que já conhecia.
A vila parecia mais festiva do que da ultima vez que a vira, e até o beco negro de fuligem ganhara bandeiras coloridas com o brasão em M dos Macnamara.
Sozinho, Felps tocou a sineta de Gorgoncor e foi recebido na taberna cheia de barulhos e cheiros.
– Vem comemorar, menina linda! – Disse-lhe um desconhecido e era velho e parecia bastante bêbado. Sorte que Gorgoncor apareceu gingando entre as mesas e depois de limpar as mãos no avental manchado de laranja, abraçou Felps tirando-o alguns centímetros do chão.
–Olha só quem veio comemorar com a gente! – Gritou o mestiço – Ficou sabendo da novidade? Os Belvereths escolheram o velho! A vila está livre finalmente, e Marimac é nosso!
Em pé, ao lado do flautista Marion sorriu abobado quando as pessoas brindaram repetindo as palavras de Gong. Ele veio ao encontro deles cambaleante e vendo-o Felps achou que ele até parecia até outra pessoa. Seus cabelos estavam desgrenhados e trazia olheiras enormes sob os olhos. Até mesmo suas vestes estavam tortas e tinha as faixas frouxas, como se estivesse bêbado demais para afivelá-las corretamente.
–Ninguém mais vai caçar ninguém – Explicou oferecendo-lhe o braço– Ictar finalmente vai deixá-los em paz e eles sabem que não vou obrigá-los a ir para o norte nem pra puta que pariu...Não é fantástico? Não é uma maravilha toda essa merda? Mas você também não me parece feliz. – Ele riu – Gong, traga irlan pra nós.
–Você devia estar bebendo assim?
– E o que acha que eu devia estar fazendo, Borboletinha? Hein? O que raios eu devia estar fazendo nesse inferno desse lugar?
O taberneiro retornou para seu posto atrás do balcão e eles o seguiram, de modo que Felps pensou que jamais conseguiria se sentar naquela banqueta estreita, então ficou de pé, enquanto Marion, zonzo, se empoleirava com dificuldade num daqueles bancos perigosamente altos.
–Dom Marion... – Começou – Eu estive pensando...Se você é o novo responsável pelos comboios então poderia...?
–Não. – Marion encarou Felps com olhos turvos. – Eu sei o que vai dizer, na verdade até demorou pra dizer... Mas não vou enviar você para o norte, garoto. Se veio me pedir isso, desista.
–Se não me enviar então eu vou sozinho.
–Sozinho? – O outro riu – Como?
–Posso...Posso pegar um cavalo ou...
Até Gorgoncor riu daquilo. Felps sentiu as bochechas arderem
–Você já esteve no norte, criança? – Disse Gong – Sabe como é lá?
–Eles vão te comer vivo, – Comentou um rapaz estranhamente desbotado que estava com a cabeça deitada sobre o balcão – Vão te morder, depois vão abrir sua barriga e nem sua trancinha vai chegar na estrada Marçall.– O bêbado disse aquilo e riu fininho, em seguida ergueu o dedo indicador para pedir mais irlan.
Marion bebericou da sua caneca antes de comentar:
–Você nem consegue entrar num bar sem se apavorar. É, eu vi quando entrou. Parecia uma criatura de outro mundo. – Ele riu mais ainda depois ficou sério. – Tente ir para o norte sozinho, garoto, devia tentar mesmo. Os darfs vão despedaçá-lo e os birneses vão levantar seu vestido em cada beco aí, antes que chegue ao lago Cólon você estará rastejando, tentando seguir viagem com o cu pra cima, como uma cadela, o que é claro, vai ser o seu fim.
Marion disse aquilo e riu alto, riu tanto que Felps, o rosto fumegante de vergonha, agarrou sua caneca de irlan intocada e a usou para matar o riso do outro, molhando-o todo.
–Não fale assim comigo!
–Eu aposto como Ictar sairia de lá a pé para buscar "sua Borboleta" se lhe mandasse uma mensagem. Mas você não quer isso. –Marion tirou seu lenço de seda do bolso interno do casaco e em vão tentava se secar com ele, uma mecha de cabelo negro gotejante, grudada em sua testa – Você quer me ouvir pedindo que fique, não é? Pois eu não direi nada disso. Se quiser mesmo ir atrás de Ictar, vire-se e vá sozinho. Morra no caminho se quiser, seja devorado pelas feras ou violado pelos homens, não me importo. Você não vai chegar no norte vivo.
–Vai morrer antes da estrada... – Guinchou o desconhecido bêbado.
–Vai lá – Repetiu alguém.
– Vá e morra. – Concluiu Marion – Eu não me importo.
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