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Carta


                        De modo que quando acordou sozinho e no meio da noite, o fogo da lareira morria, e a porta entreaberta do aposento dava passagem à uma corrente de ar frio, ao filete de luz alaranjada e também a também à duas vozes iradas que vinham desde o corredor. 

                    Felps demorou uns instantes até entender qual das três coisas o tinha despertado, mas então ouviu Ictar gritando:

                   –Eu não pedi!

                    E suas dúvidas se foram, sendo logo substituídas pela apreensão quando percebeu um som oco seguido de um ganido de dor que já tinha ouvido antes. A porta gemeu, abriu-se e o Caçador passou por ela como uma avalanche.

                    –Eu não quis acordar você – Disse lançando-lhe um olhar. – Volte adormir, se puder.

                   Mas Felps não poderia, porque Marion seguiu o irmão e limpava o sangue do nariz na manga da camisa branquíssima.

                     Assim como Ictar, ele lançou-lhe um olhar, mas sua expressão ao ver Felps ali, foi bastante diversa. Mesmo assim guardou silêncio por um instante, segurando o nariz avermelhado que inchava rápido, até que finalmente apontou-lhe um dedo magro e acusador e Felps se lembrou das coisas que Ivela tinha dito a respeito dele.

               –Não vai levar o garoto com você, não é?

               –Ela poderia vir se quisesse.– Foi a resposta de Ictar.

               –É Belvereth, vão matá-lo lá.

                Ictar olhou para o irmão com o cenho franzido, analítico e Felps achou que ele parecia até estar prendendo a respiração, como alguém que faz todo o silêncio para escutar passos na floresta, então Caçador disse:

              – Por que quer que eu a deixe?

               Foi a vez de Felps prender o ar.

              –Não se trata disso, Ictar, você sabe...

              –Sim, eu sei,  ah, eu bem sei do que se trata. Você quer ir no meu lugar, Marion.

              – O senhor foi chamado para Belvereth? –Felps não pôde refrear a pergunta, porque seu estômago se revirava ante as possibilidades daquela conversa.

               –Acarta acabou de chegar. – O Caçador respondeu aquilo quase sem piscar, ainda encarava o irmão com cuidado. –Nesta era eles não querem um idiota covarde. Disseram que precisam de uma companhia responsável pra Dom Einov.

               –Responsável?Como você pode ser responsável se quer levar o garoto para morar numa vila de darfs?

              –Eu não a obrigaria, – Ictar finalmente se voltou para Felps –Mas se for comigo, sabe que eu cuidaria de você, não sabe, Borboleta?

               Felps mordeu o lábio, o coração batucando dentro do peito. Portão Branco não era o lugar mais seguro do mundo, mas sem dúvidas Belvereth era o mais perigoso de todos. 

                Os irmãos estavam em silêncio, ambos olhando-o com apreensão.Caçador, os olhos como grandes lagos de calma, teria sorrido ou lhe dito algo como: "Não tenha medo, Borboleta". Mas Marion não. Marion não se importaria com o medo nem com nada mais. Ele não hesitaria em amassar as sedas do seu vestido nem ligaria para o frio na sua pele.

                  Eles eram calma e furacão e Felps olhou de um para o outro, incapaz de decidir sobre qual das duas forças deveria ignorar. De uma coisa tinha certeza. Ictar realmente o protegeria e era bom estar com ele.Mas havia Marion e não sabia se queria mesmo deixá-lo.

               –Eu não sei... – Fez Felps e não teve mais coragem de encarar nenhum dos dois, e também não teve tempo para concluir o que dizia porque Marion o cortou.

                 –Viu só, Ictar? – Disse o Dom – Ele não sabe. Deixe-o em paz.

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