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Bolo


Certos prazeres na vida não podem ser narrados com perfeição. Talvez o de morder um chocolate, sentindo o sabor do açúcar misturado com cacau pela língua enquanto o doce é degustado; o de beber um grande copo de refrigerante depois de uma longa caminhada no sol quente, com as pedrinhas de gelo batendo nos lábios e nos dentes enquanto o copo é virado; ou mesmo o de morder um enorme sanduíche, com carne de primeira e bacon, depois de algum tempo de fome; tudo isso era algo realmente fácil para Antônio Carlos descrever. Porque nada, absolutamente nada se comparava a sensação maravilhosa de degustar um bolo.

A torta de limão que o perdoasse. Ela era sim deliciosa, com sua massa de biscoito fininha derretendo na língua e se misturando a mousse, sem falar do suspiro que se dissolvia na boca, deixando aquela vontade de quero mais, até que se pudesse partir para o próximo pedaço. O brownie também deveria superar a decepção, mesmo coberto com aquela fina camada de chocolate e com as castanhas emprestando a crocância perfeita para a consistência pesada da massa de chocolate.

Bolos não eram traiçoeiros como pudins de leite – sempre dando trabalho para sair da travessa, ou melando alguma coisa com o caramelo –, nem doces demais como um pote de marshmallows, muito menos sem graça como um pote de morangos – morangos são frutinhas azedinhas! Bolos tinham suas massas fofinhas e areadas, leves como plumas ao serem fatiados. E ainda podia ficar melhor. Quem sabe com um brigadeiro branco de recheio e uma calda de chocolate em cima? Nada doce demais. Os bons bolos nunca ficam doces demais, e fazem uma mistura perfeita com qualquer que seja o recheio ou escolha de bebida para acompanhá-lo.

Naquele dia, Antônio Carlos era um homem fácil de agradar. Bastava que alguém chegasse com um pedaço de bolo e o entregasse em suas mãos dizendo: Coma. Parecia até que tinha sonhado com bolo. Mas as coisas já tinham começado erradas. Acordara atrasado e sequer pudera tomar café da manhã antes de sair de casa com a gravata ainda na mão. Só conseguira colocar algo dentro da barriga depois das nove e, por infelicidade do destino, apesar de o pão com queijo do Marcelo ser uma maravilha, não era bolo de chocolate.

Dai viera mais uma desagradável rodada de aula e, por felicidade, a hora do almoço. Desceu com os amigos pensando onde poderiam comer. Bastava que esperassem Nestor e ele proporia a todos um bom almoço no Centro. O problema começou quando Natan correu atrás da sua carona, gritando que iria para o RU. Tudo bem, ainda restava Lucas e Nestor para lhe fazerem companhia na busca de um restaurante que tivesse bolo de sobremesa. Estavam no CA esperando o moreno e, quando ele entrou, já foi logo dizendo.

- Vamos para o shake que hoje eu estou é com fome.

Antônio Carlos baixou os ombros, fazendo sua típica cara de cachorro que caiu do caminhão da mudança enquanto o amigo batia em suas costas.

- Mas eu queria que a gente fosse almoçar no Centro hoje.

- Desculpa, cara, mas eu tô meio liso por esses dias. Eu prometo a você que quando a bolsa sair a gente vai.

Foi Nestor quem respondeu, com a mão sobre o ombro do amigo.

- Mas eu queria ir atrás de um canto que tivesse bolo, porque eu tô com vontade de comer bolo desde que eu acordei.

- Você vai encontrar, tenha fé! - Nestor disse tentando animá-lo - E desculpa, de verdade, não poder ir com você.

Sua última esperança era Lucas, mas a perdeu quando o viu já com a bolsa no ombro, olhando-o de maneira condescendente.

- Foi mal, cara, mas eu tô gordo demais para me jogar em bolo, e já tinha combinado com o Nestor que a gente ia para o shake.

- Tudo bem...

Antônio Carlos disse em um miado, colocando a mochila nas costas para poder pelo menos sair da faculdade com os amigos. Separaram-se na porta e, solitário, ele se conformou em almoçar no restaurante perto do banco - onde tinha batata frita, mas nenhum bolo que realmente prestasse. Voltou a ter alguma esperança quando pensou que alguém no banco poderia ter bolo, mas tudo foi em vão. Nem os tradicionais brownies estavam a venda, nem mesmo para matar o desejo de um pobre homem amargurado.

Quando chegou ao francês já tinha perdido as esperanças. Ninguém ia lhe dar bolo, ele não ia encontrar um bolo gostoso para comprar e ia dormir com vontade. E, ainda que fosse uma pessoa particularmente bem humorada, já estava ficando realmente mal humorado no ônibus que o levaria para casa - que, por um acaso do destino, atrasara um pouco mais do que o habitual e o faria chegar realmente tarde. Não estava mais longe quando percebeu que o celular estava tocando. O nome de Lucas brilhava na tela e ele respirou fundo para se acalmar antes de atender.

- Diz, mano...

- Onde tu tá?

- No ônibus, mano. Quase chegando em casa.

- Pois chegue logo!

- Por que?

- Meu irmão, chegue! Eu tenho que desligar! Tchau.

Antônio Carlos nem conseguiu dizer tchau antes de desligar. Já não estava mais com raiva, mas chateado quando desceu na sua parada e caminhou até sua casa. Tocou a campainha antes de procurar as chaves largadas na mochila, e sua mãe abriu a porta antes que ele achasse, recebendo-o com um sorriso.

- Tem uma surpresa para você lá dentro.

Ele entrou sem saber exatamente o que era, até ver Nestor e Lucas espremidos na sua cozinha.

- Mano, o que diabos vocês estão fazendo aqui?

- A gente ficou com peso na consciência e, como eu ia dormir na casa do Lucas a gente resolveu passar aqui antes e trazer bolo.

Foi só então que Antônio Carlos viu o que estava sobre a mesa. A cobertura de chocolate parecia macia só de olhar para ela e não importava que tipo de bolo estivesse embaixo dela, o importante era que era bolo, e que seus amigos tinham levado para ele. E não era nem seu aniversário para eles terem o dever moral de fazê-lo.

- Eu amo vocês, mano!

Disse abraçando os dois de uma vez só, aquele tipo de abraço de urso que só Antônio Carlos sabia dar.

- Deixa de ser fresco. Nem é um bolo que eu fiz, delicioso e cheio de amor.

Comentou Lucas, exaltando suas próprias habilidades culinárias.

- Não importa! É bolo, e vocês trouxeram ele com amor para mim, então tá ótimo.

Não demorou mais do que um minuto para que o bolo fosse cortado, copos de refrigerante aparecessem – e a xícara de café de Lucas, que fizera questão de tomar do café da tia de Antônio Carlos – e que os três estivessem sentados na mesa da cozinha, cada um com seu bom pedaço de bolo. Claro que Antônio Carlos, mesmo sendo o mais enjoado dos três, foi o que mais comeu e ficou reclamando por estar passando mal depois. Claro que Lucas o chamou de mal agradecido e esgalamido e claro que Nestor riu dos dois, mandando Antônio Carlos ir tomar chá de boldo que passava, rindo ainda mais com o tom ainda mais amarelado que o rosto do amigo assumiu com a sugestão.

Quando os três se despediram já era quase tarde e o enjôo de Antônio Carlos já havia passado. Já podia dormir contente não só por ter bolo, mas por ter amigos de verdade.




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