02✸. ° ▃ don't you ever wonder how we survive?
02. VOCÊ NUNCA SE PERGUNTOU COMO SOBREVIVEMOS?
BODYEATER ∬ ⋆ GRACE CHOI ⟢
este capítulo contém canibalismo
e temas pesados!
GRACE ARRASTOU A CADEIRA de rodinhas pelo chão de madeira do Asilo, o som áspero lhe causando um desconforto quase tão grande quanto tudo naquele hospício. A ponta de seus dedos finos massageou a lateral da cabeça, onde a dor começava a pulsar após uma hora lendo diversos documentos e laudos sobre o paciente que Strange lhe designara. Com um suspiro, ela guardou os arquivos de volta na pasta. Bruce teria que viajar a negócios para Star City com sua persona de playboy, mas isso não o impediu de deixar diversas ordens para Choi: o que procurar, como identificar quando alguém mentia - como se isso não fosse parte de sua profissão - e em quem ficar de olho. Ele entregou um pen-drive (ou batdrive) e a instruiu a colocá-lo no computador de Strange, afinal, ele estava fora de Gotham.
A porta rangeu afastando-a dos pensamentos, e um homem jovem entrou. Cabelos curtos e alinhados, um nariz proeminente e olhos azuis. Aquele era Eliot Daves. Ele se movia lentamente, as pupilas dilatadas e os lábios secos, como se a própria presença do ambiente o estivesse consumindo. Sentou-se na cadeira em frente a ela, e sua cabeça fez um movimento estranho, quase involuntário, como se estivesse tentando ajustar sua percepção do que estava ao seu redor. Grace analisou os pequenos tiques do homem, ponderando se deveria anotá-los ou não. Decidiu ignorar, afinal, com um laudo extenso como o dele, já deveria esperar algo assim. Após alguns segundos de Eliot olhando ao redor, ele a encarou, os olhos arregalados, como se tivesse acabado de perceber algo importante ou perturbador.
⎯⎯ Bem-vindo, Sr. Daves. Eu sou a Dra. Grace Choi, e estou aqui para ajudá-lo. ⎯⎯ Disse em um tom leve, apertando o botão da caneta para se preparar para escrever. ⎯⎯ Podemos começar com você me dizendo um pouco sobre o que trouxe você até aqui?
Grace pensou que ele evitaria encará-la diretamente nos olhos, como a maioria dos outros pacientes como ele faz, mas se surpreendeu. As pupilas de Eliot pareciam tremer enquanto ele analisava atentamente seu rosto, esboçando um sorriso mínimo antes de rir com desdém e desprezo. O som da saliva estalando em sua boca causava desconforto na psiquiatra. Daves começou a bater os calcanhares no chão, mas Grace não conseguia discernir se era por ansiedade ou um tique. Estreitando os olhos, Eliot assentiu levemente antes de abrir a boca para respondê-la, o som úmido da saliva mais uma vez incomodando Choi.
⎯⎯ Ah, você quer saber o que me trouxe até aqui, não é? Que coisa engraçada... ⎯⎯ coçou a cabeça com firmeza, deixando a marca das unhas mal cuidadas na nuca ⎯⎯ Eu sou só mais um idiota com um pedaço de cérebro que nunca se acerta, não é?
Grace franziu as sobrancelhas, questionando-se quão são estava o homem à sua frente, se ela se esforçasse o suficiente, poderia ouvir a voz de diversos vilões que Bruce enfrentava sob o capuz do Batman dizendo exatamente a mesma coisa. Se ao menos ele parasse de bater os pés no chão, talvez ela conseguisse pensar com mais rapidez. Choi anotou algumas palavras desconexas, esperando que, em algum momento daquela sessão, elas fizessem sentido. O som do relógio, fora de ritmo com o batuque dos calcanhares, fez seus pelos se arrepiarem. Ela aguardou que Eliot continuasse a falar, mas o silêncio prevaleceu, forçando-a a questioná-lo mais uma vez.
⎯⎯ Acredito que todos têm algo que os traz até aqui, Sr. Daves. Não sou aqui para julgá-lo. ⎯⎯ Disse com uma falsa empatia, olhando para ele com a expressão mais neutra que pode ⎯⎯ Apenas estou aqui para ouvir e ajudá-lo a entender o que está acontecendo com você.
Eliot riu, debochando da falsidade da psiquiatra, enquanto batia os calcanhares com mais força no chão. A madeira velha e corroída, coberta por um tapete persa marrom - que provavelmente já fora vermelho - emitia um som abafado, mas nem por isso menos irritante. Grace suspirou, estressada, e ignorou o pequeno sorriso no rosto do paciente, como se ele estivesse fazendo de propósito. A médica desviou o olhar para a janela, observando pássaros voando rápido, cortando o ar. Logo, sua atenção voltou para o pequeno caderno sobre a mesa. Fechou os olhos e contou até cinco, como se isso pudesse tornar o silêncio menos incômodo e, de alguma forma, fazê-lo responder com algo lógico.
⎯⎯ Ajudar...? ⎯⎯ Ele riu e suspirou, como se a ideia fosse absurda. ⎯⎯ Vocês, psicanalistas, sempre pensam que têm as respostas para tudo. Achar que sou um caso que pode ser tratado... é engraçado.
⎯⎯ Eu entendo. Mas já parou para pensar, Eliot, que talvez o que você se torna, o que você escolhe ser, seja uma maneira de fugir de algo? ⎯⎯ Grace respondeu em um tom amigável, esforçando-se para não soar ofensiva. ⎯⎯ O que você está tentando evitar?
Choi observou o crucifixo e o escapulário pendurados no pescoço de Eliot. Os colares estavam sujos, como se nunca fossem retirados, jamais limpos. Então, a psiquiatra se lembrou da ficha de admissão dele, que alertava sobre cautela ao abordar assuntos religiosos. Eliot percebeu o olhar dela fixo nas correntes. Seus próprios olhos baixaram para os colares, e ele levou os dedos ásperos e visivelmente ressecados até a cruz, murmurando o nome da Santíssima Trindade olhando para o teto coberto de teias de aranha, como se estivesse fitando Jesus nos céus. Então, Daves voltou os olhos para a médica, as pupilas quase consumindo toda a íris azul, como se estivesse sob efeito de drogas.
Grace franziu as sobrancelhas, analisando o transe em que ele parecia ter entrado. Os murmúrios escapavam de sua boca, mencionando algo sobre uma "limpeza". Se não fosse por seus anos de experiência na área, ela poderia ter se assustado com seus trejeitos. Rapidamente, anotou com uma letra apressada a menção à limpeza e decidiu questioná-lo sobre aquilo. Claro, sempre com a mão discretamente preparada para acionar o botão de ajuda sob a mesa. Ele pode ser louco, mas não é burro. Eliot a observou sem expressão alguma, talvez esperando que ela tentasse convencê-lo de que ainda havia uma chance para que ele pudesse ser normal novamente.
⎯⎯ Evitar... ⎯⎯ Ele repetiu com desdém, quase zombando. ⎯⎯ Você não entende... Não entende nada. ⎯⎯ exclamou, os olhos arregalados. ⎯⎯ O que eu vejo... o que eu faço... é parte de um grande plano. Você não pode ver o que eu vejo. Não posso falar sobre isso. Não posso.
⎯⎯ Esse plano... ⎯⎯Grace perguntou, encostando o queixo na palma da mão. ⎯⎯ Seria a tal da limpeza que você murmurou há pouco?
Eliot pulou na cadeira, assustando a médica. Ele arrastou as pernas de madeira pelo tapete, inclinando-se para frente, aproximando-se de Grace, que recuou um pouco, receosa. Franziu as sobrancelhas ao notar como a respiração do paciente se tornou descompassada, a boca cheia de saliva e um leve tremor nas mãos. Lambeu os lábios repetidamente, de maneira estranha e apressada, enquanto coçava a nuca mais uma vez - dessa vez, machucando-se de verdade. As unhas roídas e mal cuidadas deixavam pequenas marcas de sangue na pele, mas ele parecia não sentir. Choi franziu a testa, os dedos pairando sobre o botão sob a mesa, pronta para apertá-lo caso ele surtasse.
Os dedos ásperos de Eliot voltaram ao crucifixo e ao terço, agarrando-os com tanta força que, se quisesse, poderia quebrar as correntes. Seus nós dos dedos estavam brancos, a pele esticada sobre os ossos. A psiquiatra permaneceu estática, observando-o atentamente, analisando cada movimento seu. Ele lambeu os lábios com uma careta paralisada, como se tentasse umedecê-los, mas sem perceber o próprio gesto. Então, voltou o olhar dilatado na direção de Grace mais uma vez.
⎯⎯ Limpeza. Purificação. ⎯⎯ disse, sorrindo. ⎯⎯ O mundo está imundo, doutora Grace. As pessoas estão sujas com seus pecados, seus vícios, suas fraquezas. Eu sou a mão de Deus. Eu sou aquele que traz a purificação, que traz a verdade. ⎯⎯ Os lábios trêmulos de Eliot vibravam junto com sua voz, que foi enfraquecendo à medida que a intensidade em seu rosto aumentava.
⎯⎯ A limpeza que você fala, Eliot... você sente que está purificando você mesmo também? ⎯⎯ Os olhos de Grace se mantiveram cerrados e os dedos sob o botão ⎯⎯ Ou isso não é sobre você? Não é sobre o que você sente, mas o que você acha que deve ser feito?
Eliot se mexeu desconfortavelmente na cadeira, a expressão caída de raiva - ela havia acertado um ponto sensível. Ela não estava apenas sugerindo que a purificação não era necessária, mas também insinuando que ele próprio precisava dela? Seu maxilar trancou imediatamente, os olhos se arregalaram, e a boca se contorceu para baixo. O batuque dos pés se intensificou, ritmado e inquieto, como se tentasse conter algo que fervia dentro dele. Ele coçou a têmpora esquerda, tentando organizar os pensamentos antes de responder. Ela não podia saber dos seus pecados... Ele não deixaria que ela descobrisse.
⎯⎯ Eu... Eu não preciso de purificação. ⎯⎯ A hesitação foi quase imperceptível, mas estava lá. ⎯⎯ Alguém precisa fazer isso. O mal está em todo lugar, e eu sou a única pessoa que pode... limpar.
Ele parecia se convencer por breves segundos, mas o semblante logo mudou para um de certeza. Respirou fundo e olhou para o próprio colo em silêncio. O bater dos calcanhares parou por um breve momento, mas logo retornou, mais forte. Ele realmente não parecia se importar se aquilo incomodava a doutora; parecia mais uma tentativa de encontrar algum conforto para si mesmo. As mãos do paciente ficaram brancas devido à força com que ele segurava os braços da cadeira. Como se travasse uma luta interna consigo mesmo, ele movia a boca, como se conversasse com alguém, quando, na verdade, estava apenas preso em sua própria mente. Grace levantou a sobrancelha rapidamente, em um tique involuntário, cerrando os olhos ao observar a reação dele.
A doutora suspirou, exausta, esperando que o surto de Eliot passasse. Ele começou a ofegar alto, o peito subindo e descendo de forma descompassada e trêmula. Seus olhos permaneceram esbugalhados e dilatados, como se estivesse sob o efeito de uma intensa onda de alucinógenos. Grace notou que ele estava agora tentando se convencer. A ideia de "purificação" estava muito mais profunda em sua psique do que ele estava disposto a admitir. Ela precisava entrar na raiz disso, para descobrir o que realmente o motivava a se ver como o "purificador" do mundo. Eliot voltou a olhar para ela com uma intensidade perigosa, a médica pouco tremeu sob o olhar do homem, apenas encarou de volta.
Sentindo um tremor intenso percorrer seu corpo, Eliot engoliu a saliva acumulada na boca e cravou as unhas nas palmas das mãos, tentando se controlar. Ele sabia que não poderia simplesmente matar a médica ali. Seu maxilar trancado se relaxou aos poucos, mas os dentes doloridos denunciavam a tensão. Cerrando a mandíbula com força, ele mordeu a própria língua, sentindo o gosto metálico do sangue se espalhar pela boca. Grace entendeu aquilo como uma deixa para libera-lo, pensando que seria melhor não forçar mais nada de dentro dele, temendo que ele entrasse em mania.
⎯⎯ Eu acredito que você esteja muito... superestimulado agora. Talvez isso seja suficiente para a sessão de hoje? ⎯⎯ Grace clicou a caneta novamente, fechando o caderno antes de buscar a ficha de frequência dele.
Daves apenas concordou com a cabeça, ainda imerso em seus próprios pensamentos. Agarrou com força a caneta que ela havia colocado sobre a mesa junto da ficha e assinou seu nome. Em seguida, levantou-se, arrastando a cadeira no tapete mais uma vez, produzindo ruídos irritantes, Caminhou em silêncio, com a gola da camisa manchada de sangue, resquício dos arranhões anteriores. Ao chegar à porta, virou-se para a doutora e sorriu, os lábios levemente trêmulos, os olhos arregalados.
⎯⎯ A senhora deve tomar cuidado ao voltar para casa, doutora... ⎯⎯ Ele disse em um tom baixo. ⎯⎯ Sabe como Gotham está ultimamente, com o Ceifador à solta ⎯⎯ Com isso, se retirou do cômodo.
Grace inclinou a cabeça para o lado, ponderando se aquilo era uma ameaça velada ou apenas uma provocação para perturbá-la. Suspirou e rapidamente sacudiu a cabeça, afastando qualquer pensamento ruim sobre o serial killer. Em seguida, guardou os arquivos de Eliot dentro da pasta preta com o emblema do Asilo Arkham estampado na capa. Retirou o jaleco e o pendurou no braço, desligou o notebook e deslizou a bolsa sobre o ombro. Agarrando a pasta firmemente contra o peito, caminhou tranquilamente até o balcão da senhora Lewis e se inclinou levemente na direção da mulher idosa.
⎯⎯ Você teria as chaves do escritório do Doutor Hugo Strange? Preciso devolver esses papéis para ele. ⎯⎯ Tentou soar o mais doce possível.
⎯⎯ Não se preocupe, querida, eu posso colocá-los lá para você... ⎯⎯ Lewis começou, mas a doutora a impediu de terminar.
⎯⎯ Não! ⎯⎯ A voz soou um pouco desesperada, mas Grace logo se corrigiu. ⎯⎯ Eu posso fazer isso, a senhora não precisa se esforçar assim...
A velha, confusa mas grata, entregou as chaves para a Choi, que sorriu abertamente, agradecendo a senhorinha. Caminhou receosa na direção do escritório de seu chefe e, com as mãos trêmulas, abriu a porta. Nervosa, ela olhou atentamente para todos os cantos, mesmo sabendo que estaria sozinha ali. Lambeu os lábios ansiosa e procurou dentro da bolsa o pequeno pendrive que Bruce lhe entregara na última vez que se viram. Fechou a porta e a trancou por dentro, engolindo seco antes de caminhar até a mesa robusta de madeira escura de Hugo Strange. Com as mãos ainda um pouco trêmulas, procurou o botão de ligar no gabinete do computador do psiquiatra. Quando finalmente o encontrou, soltou um suspiro aliviado e comemorou baixinho antes de pressioná-lo.
O plano de fundo do doutor assustou Grace brevemente. Ela esperava ver a logo do Asilo Arkham, mas, em vez disso, encontrou uma foto de Hugo Strange encarando seriamente a câmera. Xingou-o baixo, sentindo o coração acelerar por um momento ao pensar que ele realmente estava ali. Respirando fundo, conectou o pen drive de Bruce e se preparou para transferir os dados manualmente, mas, para sua surpresa, um programa das Empresas Wayne apareceu automaticamente na tela. Um sorriso de alívio surgiu em seus lábios enquanto agradecia mentalmente a Bruce e Lucius por serem tão brilhantes, o programa iniciou uma tela de download e, logo em seguida, um relógio com o tempo restante para a conclusão do processo apareceu no canto da tela.
Grace franziu as sobrancelhas ao observar a mesa de Hugo. Era extremamente espaçosa, organizada com precisão quase obsessiva. No canto da mesa, uma pilha de papéis meticulosamente empilhados - fichas de pacientes mais antigos do Asilo. Ao lado, um pote preto de arame cheio de canetas caras e, no centro, uma luminária verde antiga, elegante e sofisticada, combinando perfeitamente com o resto do escritório.Choi afastou a cadeira e percebeu que havia três gavetas sob a mesa. A primeira continha apenas cópias de fichas vazias e outros documentos administrativos. A segunda abrigava pastas com informações detalhadas sobre a ala de psiquiatria do Asilo. Já a última estava trancada.
Quando concluído, o programa se fechou imediatamente, como se nunca tivesse existido ali. A psiquiatra soltou o ar preso na garganta, aliviada por finalmente poder sair da sala abafada de Hugo Strange. Até mesmo o ar ali dentro parecia mais denso, mas ela não soube dizer se era apenas sua ansiedade influenciando suas percepções. A cadeira do psiquiatra era grande, quase majestosa, mas, ao ser movida, as rodas arranharam o chão de madeira, produzindo um barulho horrível que fez Grace estremecer.Arrancou o pendrive do computador e o desligou rapidamente, pegando seus pertences e deixando a pasta de Eliot sobre a mesa. Em seguida, destrancou a porta, saiu apressada e a trancou novamente por fora, certificando-se de que tudo estava exatamente como antes.
Agradeceu à senhora Lewis pelas chaves e seguiu até a saída de Arkham, percorrendo o estacionamento em busca da vaga onde havia deixado a moto. Apesar de ter recebido o veículo de presente de Bruce, vivia levando broncas dele por usá-la sem respeitar as regras de trânsito. Colocou o capacete rapidamente e acelerou em direção ao Aeroporto de Gotham, torcendo para chegar a tempo de se despedir de Wayne e entregar-lhe o pendrive. Precisava que ele analisasse as informações o mais rápido possível. Acelerou um pouco acima do que a avenida permitia e seguiu cortando os carros até o aeroporto. Agradeceu pela primeira vez por o Asilo Arkham estar localizado na ilha mais próxima de Somerset, onde o aeroporto ficava, só teria que seguir a grande ponte que separa as duas cidades.
O aeroporto de Archie Goodwin estava movimentado, mas Grace estacionou a moto de qualquer jeito e retirou o capacete. Agarrou a bolsa contra o corpo e correu até a área dos jatos privados, os olhos procurando pelo pequeno - mas luxuoso - avião monomotor, estampado com o W das Empresas Wayne. A pequena escada do jato ainda estava para fora, o que significava que ela havia chegado a tempo. Grace correu e subiu os degraus, procurando por Bruce, que já estava sentado no banco do piloto, uma vez que ele sempre faz viagens solo. Ele ergueu o olhar e, por um instante, a surpresa brilhou em seus olhos ao vê-la ali. Wayne se levantou e ajustou o terno, dando poucos passos na direção de Grace. Um sorriso mínimo surgiu em seus lábios ao notar a franja bagunçada e arrepiada dela. Sem pensar muito, passou a mão suavemente pelo cabelo dela, ajeitando-o com um gesto carinhoso.
⎯⎯ O que eu disse sobre correr com a moto? ⎯⎯ Apesar de surpresa com o tom carinhoso na voz de Bruce, Grace sorriu e entregou o pendrive. ⎯⎯ Você já conseguiu? ⎯⎯ Ele perguntou, surpreso, pegando o dispositivo com uma expressão mais séria.
⎯⎯ Eu quase passei mal fazendo isso... ⎯⎯ Respondeu Choi, soltando um suspiro. ⎯⎯ Espero que faça bom uso do Bat-Pendrive.
⎯⎯ Eu vou, não se preocupe. ⎯⎯ Bruce ignorou a piada e assentiu, guardando o pendrive cuidadosamente dentro de sua pasta. ⎯⎯ Você deve ir, Grace, o avião já vai decolar.
Ela concordou e acenou com a mão, pronta para encerrar a despedida ali. Para ela, aquilo bastava. Mas para Bruce, não. O playboy estendeu a mão e segurou o pulso da coreana, puxando-a para perto e envolvendo-a em um abraço firme. Os braços fortes dele a envolveram com segurança, sem pressa. Grace ficou tensa no primeiro instante, surpresa com o gesto repentino. Mas, após poucos segundos, seu corpo cedeu, relaxando contra ele — como se pertencesse ali o tempo todo. Os braços curtos da mulher envolveram a cintura de Bruce, e ele a apertou, como se não quisesse ir—ou deixá-la ir—definitivamente agindo fora de seu habitual comportamento. Wayne a deixou ir, mas antes de solta-la, depositou um beijo na testa dela e fazendo uma careta desgostosa, como se tivesse relutado em romper o momento.
Grace se virou e desceu as escadas do jato, se afastando lentamente, observando Bruce recolher a pequena escada e fechar a porta do avião e andando até o banco do piloto novamente. O som da turbina ganhou força, e ela ficou ali, vendo-o partir. O rosto da coreana estava marcado pela surpresa, completamente estonteada pelos atos de Bruce. Claro, eles já estiveram próximos antes, muito próximos, mas, ainda assim, aquilo a pegou de surpresa. Ela balançou a cabeça, tentando afastar as cenas dos últimos minutos de sua mente, se virando e caminhando em direção ao estacionamento. Procurou sua moto, pronta para partir e deixar para trás o que acabara de acontecer, Ignorando a sensação de estar sendo observada, ela se convenceu de que estava apenas nervosa.
ELIOT FECHOU A PORTA do apartamento com força, sentindo a pressão nos olhos como se algo dentro dele estivesse prestes a explodir. As luzes, ainda que fracas, faziam seu olhar arder. O som do telefone tocando parecia amplificado, reverberando em sua cabeça como uma dor latejante. Com uma expressão de irritação, ele enfiou a mão no bolso e retirou o celular, sem nem se preocupar em olhar quem estava ligando. Apenas atendeu, colocando o aparelho contra o ouvido.Sua respiração pesada ecoava pela sala, contrastando com o silêncio do outro lado da linha. Estranhando a ausência de qualquer voz, Eliot retirou o celular do ouvido e olhou para a tela. A frieza de ver novamente o número desconhecido fez seu estômago revirar. Era a ligação do estranho.
⎯⎯ O que achou da doutora? ⎯⎯ perguntou o estranho, com um tom cansado.
Eliot fez uma pausa, respirando fundo. A última coisa que ele queria era pensar nela, mas a pergunta o forçava a isso.
⎯⎯ A asiática? Ela parece normal... inteligente. Um cérebro bonito e útil. ⎯⎯ respondeu ele, com uma leve indiferença, tentando disfarçar qualquer outra emoção. ⎯⎯ Eu posso...
⎯⎯ Não. ⎯⎯ respondeu a voz, firme e ríspida. ⎯⎯ Ainda não. Você tem que esperar mais, então terá não só o cérebro dela, como...
Eliot arregalou os olhos, sentindo um arrepio gelado percorrer sua espinha. Ele deu um pulo, o impacto fazendo seu coração disparar. Seus pulmões se encheram de ar rapidamente.
⎯⎯ O coração de Bruce Wayne. ⎯⎯ disse num tom fantasioso, sorrindo de orelha a orelha ⎯⎯ Falando em Wayne, eu acho que aquela doutora tem algo com ele...
Eliot não terminou de falar, imaginando como seria possível matar dois coelhos com uma cajadada só, caso conseguisse colocar as mãos nos dois. O sangue subiu para sua cabeça, fazendo-a pesar com um êxtase que o envolveu. Lambeu os lábios, sentindo o estômago roncar de desejo e fome, a boca cheia de água, quase babando. Ele se pegou perdido em seus próprios pensamentos, imerso em sua imaginação, sentindo o corpo flutuar. Sua respiração se tornou irregular, como se estivesse perdendo o controle sobre o turbilhão que tomava conta dele. Sentiu a calça ficar apertada e olhou para baixo, não se surpreendendo ao encontrar o próprio pênis ereto com desejo e ânsia por tê-los para si. Mordeu os lábios com força, lembrando-se da última vez que ficou daquele jeito.
Foi quando ele devorava o figado de uma mulher.
⎯⎯ Em breve, você poderá fazer a festa que quiser. Já dei um jeito no Wayne, agora é só dar um jeito na psiquiatra. ⎯⎯ Finalizou a voz, com firmeza. ⎯⎯ Com o Wayne fora do radar, ela não terá mais o pitbull a protegendo, então você faz o que bem entender.
O Estranho desligou sem esperar uma resposta de Eliot. O Ceifador se virou e caminhou até o banheiro, abaixando a calça e a cueca em um único movimento. Ele se encarou no espelho e sorriu de forma trêmula, se preparando para se aliviar.
GRACE JOGOU AS CHAVES da moto no móvel ao lado da porta e retirou os tênis dos pés, colocando o chinelo de casa. Andou em direção ao sofá, sentando com as pernas cruzadas e puxando o celular do bolso traseiro da calça. A noite havia caído sobre Gotham há pouco tempo, e Bruce provavelmente a ligaria a qualquer momento para avisar que estava bem e já havia chegado em Star City. Ela soltou o telefone ao sentir a nuca arrepiar, como se alguém estivesse a vigiando, novamente. Ela se levantou cautelosamente e procurou algo que pudesse servir de arma, caso alguém tivesse entrado em sua casa. Encontrou o atiçador da lareira próximo à televisão e o agarrou com força.
Caminhou em passos lentos e silenciosos, segurando o atiçador acima da cabeça, preparada para atacar qualquer um que estivesse ali. Abriu a porta da pequena varanda e não encontrou ninguém, apenas o gato da vizinha. Suspirou aliviada e voltou para dentro do apartamento, mantendo a mesma postura alerta, mas agora voltada para o corredor. Abriu a porta do lavabo e apontou o atiçador para dentro bruscamente, encontrando nada ali também. No quarto, a mesma coisa. Ao chegar no quarto de hóspedes, franziu a testa ao ver a janela aberta, o vento batendo na cortina e fazendo-a balançar de forma dramática. Grace tinha certeza de que havia fechado aquela janela pela manhã.
Com o rosto franzido, procurou por algum outro sinal de invasão, como Bruce a ensinara anos atrás, mas nada estava fora do lugar, fazendo-a questionar se realmente tinha fechado a janela pela manhã. Desarmando a postura tensa, seus ombros caíram, confusa. Voltou para a sala e passou os olhos rapidamente pela cozinha, sem encontrar nada também. Com um suspiro derrotado, mas aliviada, se sentou no sofá da sala escura e procurou pelo celular e pelo controle da TV. De repente, alguém ligou. Grace pulou de susto e xingou baixinho a pessoa que a estava chamando. Virou o celular e viu o nome de Alfred, acompanhado de um emoticon de coração.
⎯⎯ Senhorita Choi ⎯⎯ o mordomo disse, em um tom trêmulo e mórbido, quase como se estivesse noticiando a morte de alguém.
⎯⎯ Alfred, você quase me matou do coração! ⎯⎯ ela disse, com um tom divertido. ⎯⎯ Aconteceu alguma coisa?
Após breves segundos de silêncio, segundos que pareceram horas para a coreana, Pennyworth soltou um suspiro acompanhado de um pequeno soluço. Um soluço que Grace se lembrava muito bem, apesar de ter sido há muito tempo. Ela nunca poderia se esquecer do dia em que Thomas e Martha Wayne morreram. Alfred não chorou em frente ao pequeno Bruce, mas não conseguiu secar as lágrimas a tempo para que Grace não as visse. Aquilo ficou marcado para ela. A ansiedade do desconhecido a preencheu. Não precisaria de nenhum outro som além do soluço contido do mordomo para entender que algo muito sério havia acontecido.
⎯⎯ Alfred. ⎯⎯ Ela o chamou. ⎯⎯ O que aconteceu? Você está bem? O Bruce está...
⎯⎯ O Patrão Bruce está morto, Grace ⎯⎯ as palavras se desenrolaram trêmulas e afiadas da boca do velho Pennyworth ⎯⎯ o avião em que ele estava caiu, ninguém sobreviveu, nem mesmo conseguiram resgatar os corpos... Está passando em todos os noticiários.
Grace sentiu uma sensação de gelo subir pela espinha, como se o mundo ao seu redor estivesse desmoronando. As palavras de Alfred ecoavam em sua mente, o tom vacilante e o desespero em sua voz, mas ela mal conseguia processar a realidade do que acabara de ouvir. O mundo ao seu redor girava, os pelos de seu corpo se eriçaram e uma dor crescente se instalou em seu peito. As bordas de sua visão começaram a escurecer, e ela se sentiu tonta, mesmo estando sentada. A cabeça pesava, e tentou falar algo, mas as palavras ficaram presas na ponta da língua. Desacreditada, agarrou o controle da TV e ligou, buscando o canal de notícias de Gotham. Talvez, ao ver as imagens, ela finalmente acreditasse.
⎯⎯ Aqui é a repórter Vicki Vale. Para quem acabou de sintonizar conosco, o Bruce Wayne... bilionário, filantropo, último filho da primeira família de Gotham, faleceu... ⎯⎯ A voz de Vicki vacilou. ⎯⎯ Wayne estava pilotando seu... ⎯⎯ Ela tentou se recompor, engolindo o choro. ⎯⎯ Perdão... Wayne estava pilotando seu avião particular monomotor que caiu ao norte de Gotham no início desta tarde. Wayne era conhecido pelos seus voos solo e não havia tripulação ou passageiros a bordo.
A loira olhou para os papéis na mão, os dedos tremendo levemente enquanto seus olhos percorriam as palavras escritas, mas elas pareciam não fazer sentido algum. Grace sentiu sua alma se descolando do corpo, o tempo parecia ter congelado, e todo o seu corpo se arrepiou. A sensação de vazio tomou conta dela. A imagem de Vicki Vale também estava visivelmente abalada, seus olhos vermelhos e o cabelo levemente bagunçado, sua voz trêmula, completamente desprovida da firmeza característica da jornalista. O celular na mão da Choi caiu no colo da mesma, os olhos vidrados na tela da televisão.
⎯⎯ As autoridades ainda estão investigando o gravador de voo para desvendar o motivo da queda, mas já liberaram esse áudio da decolagem de Wayne. ⎯⎯ Disse Vicki, antes da tela mostrar uma imagem de Bruce sorrindo ao lado do avião.
⎯⎯ AKDC 1939, autorização recebida. Iniciando decolagem. ⎯⎯ A voz de Wayne soou firme e confiante, fazendo Grace franzir a sobrancelha, enquanto uma lágrima grossa descia pelo seu rosto.
⎯⎯ Últimas palavras de Bruce Wayne recuperadas...
Grace desligou a televisão sem se importar com o restante da matéria. Olhou para suas próprias mãos trêmulas e percebeu que Alfred havia desligado, deixando apenas uma mensagem pedindo que ela fosse até a mansão assim que pudesse. Discou rapidamente o número de Bruce e tentou ligar, passando segundos escutando o toque e, em seguida, a mensagem de voz na caixa postal. Fez isso uma, duas, três vezes, mas em nenhuma delas ele atendeu. Claro, ele está morto. Engoliu seco e tentou segurar o soluço dolorido e frágil que ameaçava sua garganta, mas não conseguiu. Quando percebeu, estava chorando compulsivamente, segurando o rosto entre as mãos.
Limpou o rosto com agressividade e se levantou, procurando pela jaqueta e as chaves da moto. Sua mente estava a mil, tentando encontrar justificativas e alternativas para não acreditar que Bruce Wayne realmente estava morto, que ele realmente a deixou. Ele sentia que ia morrer? Por isso a abraçou com tanta força contra o peito e beijou sua testa? Aquilo havia sido a despedida deles para sempre? Esses pensamentos se chocavam em sua mente, enquanto ela também tentava procurar um culpado para tudo aquilo.
⎯⎯ Ele não morreu. Ele não pode ter morrido... ⎯⎯ sussurrou para si mesma, enquanto ligava a moto.
# LINA'S MESSAGE!
( 1 ) veio ai segundo cap de comedor de corpo, que eu demorei MUITO pra terminar de escrever sabe deus pq, mas oq importa é que está presente entre nós. Eu escrevi ele escutando ferrugem, oq foi bem engraçado se eu posso ser sincera, escrever o maninho ficando durasso enquanto no meu ouvido tava tocando atrasadinha.
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