Prólogo
Aline retirou o panfleto da bolsa e abanou-se com ele. Esbaforida por causa do calor, ela estava prestes a chegar ao seu destino, quando recebeu uma ligação.
– Aline, onde você está? – A voz alarmada foi perguntando, antes que a moça tivesse a chance de cumprimentar.
– Estou em São Paulo, pai. A mamãe não avisou? – Ela se deteve na calçada, junto ao portão, amassando o panfleto com ansiedade. – Estou indo fazer um teste de elenco. Aconteceu alguma coisa?
– Tenho que acompanhar a Tina até o hospital. A coisa está feia. – Sua voz foi acompanhada por ruídos do telefone. – Precisava que você fosse ao mercado, mas vou ver se a sua mãe pode ir.
– E o Fernando?
– Ele está no trabalho. Alguém tem que trabalhar, não é?! Quando você vai parar com essas bobagens e encarar a realidade? Você está vendo a situação da família, Aline. Poderia deixar de ser egoísta, e arranjar um emprego de verdade para contribuir. Precisa ajeitar sua vida.
Sentindo a mágoa pungente, Aline se esforçou para manter a voz controlada.
– Eu...
– A Tina chegou. Tenho que ir. Tchau.
– Está bem. Mande notícias.
E ele desligou.
Aline tirou o celular do ouvido e observou até que a tela apagasse.
Desnorteada, ela o guardou de volta na bolsa e desamassou o panfleto, para conferir o endereço. Ao certificar-se de que estava no lugar certo, ela adentrou o pátio do teatro. A fila era tão grande, que Aline entendeu como sendo uma mensagem do universo para que ela desistisse.
A jovem, contudo, havia vindo do interior somente para participar do teste, portanto, ela procurou uma sombra para se abrigar. Apoiada em uma pilastra, Aline refletiu como ultimamente tudo parecia atingi-la como um golpe. Ela precisara trancar a faculdade para que sua família usufruísse do dinheiro, seu namorado a deixou, no momento em que ela precisava de apoio... E estava desempregada havia meses.
Aline encostou a cabeça na pilastra, soltando um suspiro ao se lembrar do pálido garotinho. Ela abriu uma foto dele, ansiosa para que o tempo passasse.
As pessoas ao seu redor estavam compenetradas em estudar textos, ocupando-se de memorizar falas, enquanto ela não tinha energia para tanto. Alguns murmuravam para si mesmos, enquanto outros ensaiavam em grupos. Aline invejou um casal em especial, que demonstrava companheirismo e parecia encarar aquele ambiente com leveza. Aline sentiu que não poderia mais fazer o teste. Seu olhar percorreu o local, enquanto ela se abanava, avistando um bebedouro.
Fadigada pelo calor abafado, ela entrou na fila para a água. O tempo parecia estender-se preguiçosamente. Aline se apoiou na parede do teatro, com o olhar fixo nas pontas de seus tênis brancos, revolvendo na memória a conversa que tivera com o pai. Seu ânimo se arrefecia quase que por completo.
A atmosfera, porém, pareceu mudar quando dois homens vestidos de terno e usando óculos escuros passaram pelo portão e foram se abrigar sob uma árvore a certa distância. De seu lugar estratégico, eles estudavam a multidão. Aline percebeu a tensão geral que se instaurou, e levantou os olhos. Corpos cobriam a sua visão. O mais baixo dos homens deixou a árvore e avançou, mantendo certa distância daqueles que se aglomeravam.
– Quando começam os testes? – arriscou um rapaz.
– Em breve, eu suponho. – Foi a resposta dele.
O homem conversou com algumas moças, começando por aquelas que se encontravam mais próximas da porta dos fundos, e foi até o final da fila praticamente, então voltou para junto da árvore. Aline viu quando ele meneou a cabeça para o colega de forma quase imperceptível. O outro, contudo, indicou com o queixo na direção dela, fazendo com que o primeiro se virasse.
Aline enrijeceu, conforme ele se aproximou. A aglomeração lhe trouxe uma falsa sensação de segurança, ao perceber que ele não poderia chegar até ela.
– Mocinha! Ei!
Aline fitou-o com a testa franzida, ansiosa por se esconder melhor atrás das outras pessoas.
– Você mesma! Pode vir comigo um instante?
Os demais atores abriram espaço, acompanhando-a com olhares curiosos e carregados de suspeita, conforme ela se reunia com os homens à sombra da árvore, lamentando perder seu lugar na fila.
– Como se chama? – quis saber o mais alto.
– Aline – respondeu timidamente.
– Temos interesse em você para um trabalho, Aline – emendou o outro. – Reparei que não está usando aliança, nem anel de noivado. Estou certo em presumir que você está solteira?
Incomodada com a pergunta, Aline fitou a própria mão, estudando o local onde costumava usar seu anel de compromisso.
– Não entendi. Qual é a relevância disso para o emprego?
– É um assunto sigiloso. Podemos conversar com maior privacidade?
– Vocês não fazem parte da equipe do teatro, não é?
– Não – confirmou ele. – Mas precisamos de uma atriz para um trabalho um tanto... Inusitado.
Aline deu um passo para trás, estranhando aquela conversa. O mais alto parecia ter o olhar cravado nela, como se pudesse enxergar através de sua alma.
– Se não são do teatro, então o que pretendem?
– Acalme-se – alertou ele.
– Ah, isso ajuda muito! – protestou ela, revirando os olhos, incomodada com seu escrutínio.
O homem retirou um talão de cheques e uma caneta do bolso interno do paletó.
– Não sei não... – interveio o mais baixo. – Talvez o chefe não a aprove.
– Por quê? Não vejo motivo. – Ele pôs-se a rascunhar algo. – Ela não é muito bonita, não está comprometida, e certamente não é famosa.
Ele ficou em silêncio, considerando. Aline cerrou o punho, prestes a correr de volta para a multidão, quando o homem destacou o cheque e entregou a ela.
– O que acha dessa quantia? Está boa para você? É só a proposta inicial, nós podemos ajustar.
Aline segurou o cheque, estupefata, levando uma mão à boca.
– Que tipo de golpe é esse? – Ela pousou os olhos iluminados em seu interlocutor. – Nunca vi tanto dinheiro na minha vida... Não pode ser sério.
– É sério, sem dúvida – assegurou.
– E o que eu teria que fazer?
– Precisa se passar pela esposa de um... Eu não diria de uma celebridade, mas uma figura pública.
– Isso está me cheirando a essas coisas de sugardaddy. – Ela olhou de novo para o cheque, recuando. – Agradeço a oferta, mas eu gosto de ganhar a vida honestamente.
O homem mais baixo interveio:
– Fique com o cheque, Aline. – Ele fez um gesto de dispensa, então retirou um cartão do bolso. – Este aqui é o meu contato. Quero que pense com cuidado e ligue para mim, então podemos acertar a questão do contrato.
– Eu não sei... Não estou me sentindo bem com isso. Sou só uma atriz iniciante...
– Esse pode ser o papel da sua vida – retorquiu ele, ajeitando sua gravata, e fez menção de sair.
– Peço que entre em contato comigo, mesmo que seja para recusar. Preciso ter certeza da sua resposta. Creio que posso contar com a sua discrição, não é? – Ele deu meia-volta para acompanhar seu colega, então voltou o rosto para Aline. – Tenha plena certeza do que vai me responder, pois não tenho tempo a perder. E esteja ciente de que não vamos esperá-la para sempre.
Atônita, Aline sentiu-se patética, enquanto os observava partir em um carro escuro. O chão pareceu faltar-lhe e ela recostou-se no tronco da árvore, sentindo os olhares sobre si.
– O que foi que acabou de acontecer? – murmurou para si mesma. – Os caras do MIB acabaram de me fazer uma proposta...? Não vejo motivos para esse tipo de apelo, a não ser que seja um cara velho, ou feio. Ou ambos.
Desconcertada, ela tratou de sair dali, ciente de que a audição estava acabada para ela. Aline caminhou a passos lentos pela calçada, sem rumo, até se lembrar de que havia visto uma lanchonete na quadra por onde passara mais cedo. Ainda com sede, ela dirigiu-se para lá, e ao entrar, seguiu direto para o banheiro, na tentativa de colocar as ideias no lugar.
A bolsa vibrou e Aline pegou o celular, deparando-se com uma notificação de sua mãe, avisando que não poderia buscá-la na rodoviária quando chegasse. Aline enviou uma mensagem de voz, pedindo para ser inteirada dos acontecimentos. Ao sair do aplicativo de mensagens, ela demorou-se contemplando sua foto de plano de fundo, na qual a família estava alegre, reunida. A festa de aniversário foi o último momento de paz que eles tiveram, meses antes de seu mundinho ser completamente abalado. Bernardo estava radiante na ocasião.
Logo sua mãe respondeu:
Ah, ainda naquela
Os médicos não dão outra esperança
A Tina chorou tanto, tadinha... Estamos entrando em desespero
Aline engoliu em seco e apoiou a bolsa sobre o tampo da pia, deixando o celular sobre ela, então jogou um pouco de água fresca no rosto. Quando enfim se endireitou, ela encarou seu reflexo, observando a resolução tomar forma em seu semblante.
Aline pegou o celular e discou o número que havia no cartão.
– Alô. Quero saber se estarei segura topando esse acordo.
✨✨✨✨✨✨✨✨✨✨✨✨✨
Aviso:
Se você se deparar com alguma proposta desse tipo, foge.
Apenas saia correndo, porque com certeza é golpe.
Bjinhos 😘💋
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro