39
Quando Bernardo terminou de tomar sua casquinha, estava todo lambuzado. Mal parava quieto enquanto sua mãe tentava, em vão, tirar o excesso com guardanapos de papel. Aline sorriu ao ver sua empolgação, a saúde que o menino esbanjava.
As irmãs saíram com seus milk-shakes pela praça. Algumas pessoas olharam para Aline com curiosidade, mas disfarçaram quando ela olhou de volta. Bernardo afastou-se para brincar.
Betina estava atenta ao filho, observando cada pequeno movimento que ele fazia. Era como se mal pudesse acreditar que ele estava ali, com ela, e que tudo ficaria bem. Aline acompanhou o olhar de sua irmã.
— Ele é lindo, não é? — comentou, tirando-a de seu devaneio. — Também não me canso de olhar para ele.
— Tenho vontade de guardá-lo num potinho e protegê-lo de todo o mal —respondeu Betina, com um suspiro, e tomou um gole de sorvete.
— Eu mal posso imaginar como você se sente. — Ela contraiu as sobrancelhas.
Betina não respondeu. Não queria retornar ao passado, ao sofrimento que parecia não ter fim. Queria olhar para o futuro.
— E aí? O que quer fazer, agora que você está de volta à pista?
Aline baixou os olhos, sem graça.
— Viver o presente. — Ela chacoalhou seu copo.
— Tem planos?
— Eu ainda não sei o que me espera. Prometi que ficaria na surdina, então, por enquanto, só aproveitar o agora.
— Você não parece muito animada —constatou.
Aline inspirou fundo, lamentando ter deixado transparecer.
— Olha, a minha oferta ainda está de pé — insistiu a irmã. — Quando quiser conversar...
— Prefiro não falar sobre isso, Tina — atalhou. — Estou... confusa com os acontecimentos.
— Está bem. — Ela refletiu. — Quando você quiser um trabalho... Agora que seu rosto ficou conhecido, deve ser mais fácil para você conseguir algum papel! — sugeriu, animada.
Aline balançou a cabeça. Ela jogou o copo vazio na lixeira. Percebeu alguém a encarando e evitou olhar.
— Justamente por isso eu prefiro não arriscar. Se eu conseguir um papel dessa forma, nunca saberei se sou boa o suficiente.
Betina franziu a testa enquanto a irmã prosseguia:
— Quero fazer testes com pessoas que não me conhecem. Quero ser reconhecida pelo meu mérito. Eu quero ao menos uma chance, alguém para me dizer se sou realmente boa, ou se só estou me iludindo. Preciso acabar com essa dúvida de vez. É o que preciso.
— Vai ser meio difícil encontrar alguém que não te conheça...
— Eu sei. Por isso, andei pensando que talvez eu não consiga nenhum trabalho aqui no Brasil. Não quero ser reconhecida como "a ex-mulher do senador". Quero ser apenas a Aline. "Sabe aquela atriz, a Aline?". Talvez um nome artístico, não sei.
Betina refletiu por um instante sobre as antigas aspirações da irmã.
— Lembro que você queria atuar em uma produção de época. Ainda é o seu sonho?
— É, sim. Mas não precisa ser, necessariamente, um papel numa produção de época para eu testar minhas habilidades. Creio que qualquer coisa serve. Não posso ser exigente. Quero começar por baixo, ir conquistando meu espaço.
Betina terminou seu milk-shake e descartou a embalagem. Bernardo voltou para perto delas quando a mãe o chamou e, juntos, eles foram para a casa dos avós.
— Eu vi um cartaz anunciando testes para uma peça infantil, só não lembro onde — ponderou Betina, com uma mão no queixo.
Ivete surgiu na sala, espanando a poeira dos móveis.
— Já de volta?! Foi legal?
As irmãs assentiram, enquanto Bernardo contou sobre o passeio.
— Ah, foi durante a viagem! — recordou Betina. — Acho que você não ia querer, de qualquer forma.
Aline retirou os sapatos e ficou descalça.
— Há algo de encantador e mágico naqueles que atuam para o público infantil, mas o drama é a minha paixão. É onde eu me encontro.
— Oh, querida, ainda está nisso? — quis saber Ivete, fazendo com que suas filhas a encarassem.
— O quê, o meu sonho? — retorquiu Aline. — O que quer dizer?
— Ah, filha, não sei como te dizer isso... — Ela a encarou. — Talvez você não tenha talento.
— Como? — Ela piscou.
Betina olhou de uma para a outra, tensa. Ficou a postos para tirar Bernardo dali se o clima esquentasse.
— Nunca deu certo. Você tentou enquanto pôde, e eu te apoiei, mas você nunca conseguiu um papel. E talvez seja hora de você focar em algo mais pé no chão. Você está envelhecendo, Aline. Se já é difícil para as jovenzinhas, imagine... — Ela suspirou. — Talvez você possa me ajudar a organizar apresentações com as crianças, mas fora isso, não sei como você pode conseguir.
Aline cerrou um punho. A vontade de dizer que passara os últimos dois anos em um trabalho borbulhou por sua língua, ansiando por sair. Ao invés disso, rebateu, num tom duro:
— Muito obrigada, mãe!
E saiu batendo os pés em direção ao quintal. Ivete e Betina se entreolharam, sem graça. Betina tomou o filho nos braços e foi embora.
✨
Janeiro deu lugar a fevereiro e Ivete percebeu uma mudança na filha. Supôs que se devia ao fato de Aline passar muito tempo em casa.
Certa manhã, enquanto a família tomava café, Ivete sugeriu que Aline procurasse um emprego.
— Não sei se me ajudaria, mãe — respondeu ela, passando manteiga no pão. — As pessoas ficam me olhando... Algumas já vieram falar comigo, como que lamentando. Como se ter voltado para casa fosse uma derrota para mim.
— Não deve ser isso — protestou Moacir.
— As pessoas sabem ser maldosas — rebateu Aline. — Tenho certeza disso.
Ivete não falou nada. Estava ciente de que fofocas se espalham rápido em cidades pequenas, mas não queria aborrecer sua filha com o fato.
— Acho que não é uma boa eu procurar emprego — concluiu Aline, levando a caneca aos lábios.
— Tudo bem, mas você devia sair mais. — Ela se serviu de café. — Por que não combina com suas amigas?
— Minha amiga mais chegada foi embora. E as colegas estão esparramadas por aí. Em suma, só sobrou gente com quem não tenho muito em comum.
Ivete encarou o marido, buscando apoio.
— Aline tem o dinheiro dela — afirmou ele. — Pode muito bem ficar um tempo sem trabalhar. — Ele fitou os olhos na filha. — Eu guardei o que pude para você, deu uma quantia boa.
Aline sorriu. Era reconfortante saber que ainda tinha esse recurso, pois ela se sentia perdida.
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