31
Aline acordou com Cícero chamando-a, à sua procura pela casa. Sonolenta, ela abriu a porta e saiu para o corredor.
— Ah, oi! — Ele sorriu. — Queria me despedir de você.
— Já está indo? — Ela esfregou os olhos com as mãos em punho.
— Estou. Eu já te incomodei demais.
— Que é isso...
Cícero deu um passo em sua direção.
— Desculpe por fazer todo mundo ir embora.
Aline fez um gesto de dispensa com a mão.
— Não é culpa sua, fica tranquilo. E obrigada por me ajudar com eles! Não estava sendo fácil.
— Eu gostei muito de conhecê-los, de passar esse tempo com vocês. — Ele segurou sua mão.
— Eu apreciei também. — Ela observou suas mãos unidas.
A garganta de Cícero oscilou, os olhos atentos buscando os dela.
— Poder conhecer você foi... Inesperado.
— Espero que isso seja bom — gracejou ela.
Mas o rapaz não apresentava qualquer traço de diversão. Seu semblante era sério, solene.
— É bom. — Engoliu em seco. — É definitivamente bom.
Aline ficou apreensiva e puxou sua mão de volta.
Cícero sentiu seu coração acelerar. Algo lhe dizia convictamente que ele devia falar algo para testar sua reação, para sondar se haveria alguma chance de Aline aceitar ir a um encontro com ele.
Aline percebeu sua inquietação e não soube interpretar.
— Boa sorte com a sua mãe! — Ela sorriu.
— Obrigado! — Ele ajeitou sua roupa. — Bem... Então eu já vou.
Ele foi saindo a passos hesitantes.
— Cícero — chamou ela, fazendo-o parar. Cícero mostrou maior avidez do que pretendia por ouvi-la. — Eu deixei conversado com o Osvaldo para ele te levar. Por favor, não faça pirraça, e aceite.
Aline estava preocupada que Cícero não estivesse bem o bastante para assumir o volante.
Os olhos de Cícero se iluminaram e ele sorriu ao vê-la demonstrar tamanho cuidado. A descoberta deste traço de caráter na moça o deixava maravilhado.
Aline enrubesceu ao ser admirada como uma obra de arte.
Com certo acanhamento por parte de ambos, Aline acompanhou-o até a garagem e observou os dois homens prepararem o carro para sair. Quando deixaram a garagem, Aline seguiu-os até a calçada, acenando enquanto Osvaldo levava o hóspede embora.
Ao ver-se sozinha, Aline recobrou os sentimentos da manhã, atingida pelo vazio da ausência de sua família e agora pela partida de Cícero. Ela jamais havia esperado sentir tanto pela ida dele, mas algo em si havia mudado; ela se sentia diferente.
Refletiu se devia ter se esforçado para que ele ficasse mais, pois estava disposta a ajudá-lo a enfrentar a dor do luto. Ela não sabia porquê, mas queria estar perto dele. De algum modo, gostara de sua companhia.
Aline fechou a porta da garagem e voltou para casa, onde até algumas horas antes havia vida e agitação e agora se mostrava... vazia.
O silêncio era quase palpável.
Ela engoliu em seco. Desejava não ter de enfrentar aquele dia: a monotonia depois da animação, a calma depois da turbulência, a solidão depois de tamanha companhia.
Desejou ter algum outro lugar para ir.
Sem essa opção, contudo, Aline soltou um suspiro e resolveu trocar de roupa a fim de se exercitar.
✨
Os dias passavam.
Carla retornou e trouxe para Aline uma lembrancinha do nascimento de sua neta: um par de sapatinhos de biscuit — um pequeno imã de geladeira —, que Aline guardou com carinho.
Sem entender, Aline se pegava ansiosa por uma mensagem, uma ligação, por quaisquer notícias de Cícero. Queria falar com ele, saber se estava bem.
Aline retomara a rotina que tinha antes da vinda de sua família. Para ela, isso não havia mudado. Mas Carla achou-a entristecida, abstraída, desanimada... melancólica até.
Quando Osvaldo voltou para casa naquele dia, após deixar Cícero em segurança no endereço de sua mãe, Aline chamou-o para jogar pingue-pongue, uma distração dos sentimentos que a envolviam.
Aline pensava constantemente em Cícero, algo pesava em seu peito. Aquele silêncio da parte dele era quase intragável. Ela repreendia a si mesma, dizendo que não tinham intimidade para tanto, mas mesmo assim se pegava frustrada ao chegar ao fim de mais um dia sem saber como ele estava. Aline não lhe mandaria mensagens, não atrapalharia seu tempo de qualidade com a mãe, não tinha esse direito. Não quando ele precisava claramente de uma cura.
Certo dia, ao receber uma mensagem e se decepcionar mais uma vez por esta não vir de Cícero, Aline se deu conta: estava apaixonada.
Aquilo a assustou. Ela precisou de alguns minutos para absorver o choque antes de ler a mensagem do assessor:
Prepare-se
Estamos agendando uma entrevista para você em um programa.
Logo te envio os detalhes
Ela bloqueou a tela do aparelho e retomou a linha de pensamentos de alguns minutos antes. Todo o cuidado e preocupação que tinha por Cícero eram sintomas de algo mais profundo que estava sentindo por ele... Por que estava chocada, ela se perguntou?
Aos vinte e seis anos, Aline Álvares Magalhães de Carvalho se via novamente apaixonada, e dessa vez pelo homem que era seu suposto marido.
Como lidaria com isso?
Não era como se pudesse compartilhar seus sentimentos com alguém. Havia questões mais complexas envolvidas... Certamente seria aconselhada a lutar por esse amor, mas sabia que Cícero estava interessado em outra pessoa.
O pensamento cortou seu peito. Não seria sua primeira decepção amorosa, é claro. Ainda assim...
Aline abriu uma mensagem do novo grupo de sua família, sorrindo ao receber as boas novas de que seu sobrinho estava completamente curado. Ele agora poderia viver uma vida normal!
Aline sorriu. Desejou estar junto deles para comemorar. Aliás, alguma comemoração seria o bastante diante daquela notícia maravilhosa? Estavam todos gratos a Deus pela vitória.
Ela rolou a tela para ler todas as mensagens e foi atingida pelo vazio: a saudade de casa, da família, da cidadezinha onde moravam. Aline deixou o celular de lado e decidiu se levantar, à procura de algo para se distrair.
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