27
Aline não pensou muito, apenas caminhou em direção à irmã.
— O que faz aí sozinha, Tina?
A irmã não respondeu, seu olhar estava perdido no horizonte. Aline se sentou ao seu lado.
— O que foi?
Betina piscou e baixou o olhar para seus pés, pensativa.
— Agora teremos um microscópio para lidar — disse Betina depois de um tempo.
Aline estudou-a, ciente de que havia algo mais profundo ali.
— Logo vocês vão pegar o jeito — incentivou, à espera de que Betina falasse mais.
— Vocês não precisavam ter se incomodado, de verdade.
— Mas você viu a felicidade do menino...
Betina abraçou uma de suas pernas e soltou um suspiro profundo, evitando olhar para a irmã.
— O que foi, Tina? — Aline afastou seu cabelo para trás do ombro, para que pudesse vê-la melhor. — Pode contar para mim, estou aqui para o que você precisar...
Lágrimas vieram aos olhos de Betina e ela sentiu seus olhos arderem.
– Você aqui, com a sua casa chique... — confessou, com amargura e ressentimento. — Conseguiu reconquistar nossos pais rapidinho.
Aline bufou.
— Por favor...
— O papai sempre está do seu lado, mas a mamãe te perdoou bem depressa, como se você não tivesse se afastado de nós por dois anos.
Ela virou um grande gole da cerveja. Aline arrastou-se pelo chão, aproximando-se dela o máximo que podia.
– Oh, minha irmã...
– Nós precisamos de você, Aline! – clamou Betina, com lábios trêmulos. – Seu sobrinho precisou.
Aline tomou sua mão.
– Uma coisa eu te garanto, maninha: não deixei de pensar em vocês um dia sequer. — Betina parecia cética, então ela continuou: — Quero que saiba que nada do que você está vendo aqui subiu para a minha cabeça. Eu continuo sendo a mesma pessoa que você conheceu e que te ama tanto. Aquela Aline de quem você foi babá por tantas vezes...
Betina fungou.
– Então por que não ligou, por que...? Você tem noção de quanto o Bernardo te amava? — O choro se intensificou, dificultando sua fala. — Por que se afastou num momento tão crítico? Precisávamos de todo o apoio que tivéssemos, mas você sumiu!
Aline deixou cair uma lágrima ante o estado de sua irmã.
– Lamento tanto por ter me ausentado, Tina... – Ela contraiu as sobrancelhas, sem deixar de culpar a equipe de Cícero. – Você deve me ter como a maior traíra do planeta, mas não sabe o quanto foi doloroso para mim o fato de ter ficado longe de vocês. – Ela passou um braço por suas costas e deitou em seu ombro. – Cê sabe que eu te amo, né?
Betina tentava se controlar.
– E todo mundo te ama, Aline. Acho que, se pudesse, o Bernardo teria te escolhido para ser a mãe dele. — E acrescentou, mais baixo: — Quem sabe ele pudesse ser uma criança saudável...
– Não me diga que sente alguma culpa por ele ter ficado doente?! – Ela levantou a cabeça e encarou-a, alarmada.
Mas Betina chorava tanto, seu corpo chacoalhava e a garganta se fechava. Ela mal conseguia levar a garrafa aos lábios.
— Talvez tenha algum problema nos meus genes... — confessou em meio ao desespero, tomada pela emoção. — Fernando e eu não queremos arriscar a ter outro filho, por causa disso.
– É claro que não, Tina! — protestou, incrédula. — O Bê já tem a melhor mãe do mundo, ele não escolheria outra! – Então acrescentou, num sussurro cúmplice: – Que a nossa mãe não escute...
Betina permitiu-se soltar uma risadinha e seu ânimo acalmou-se ligeiramente. Aline contemplou-a com olhos dóceis e cheios de carinho e admiração.
– Eu quero te ver feliz, Tina. Creio que seja tempo de voltar a sorrir, agora que você e sua família linda vão poder seguir adiante.
— Não teremos certeza até ver os resultados dos últimos exames. Se é que serão os últimos.
— Eles hão de ser, minha irmã! Confie!
Betina soltou um suspiro pesado, enxugando os olhos com as costas das mãos.
– Às vezes, quando fecho os olhos, começo a entrar em pânico, achando que vou acordar de novo naquele hospital. Não quero isso para a minha vida nunca mais, Aline. – Ela olhou-a nos olhos pela primeira vez, o rosto vermelho.
Aline apertou-a em seu abraço com afeto e compaixão.
– Já passou, ouviu? Já passou. E agora não pretendo mais ficar afastada de vocês. — Ela fez uma pausa, estudando o rosto de sua irmã. — Eu sempre admirei a sua força, mana. Você é uma inspiração para mim, sempre foi. Por sua causa, eu lutei contra todas as imposições e escolhi o que eu queria fazer. Você me inspirou a seguir meu sonho de ser atriz. Eu consegui convencer o papai a me deixar atuar desde jovem, e você me apoiou.
Betina a fitou com surpresa.
– Você sempre teve talento para interpretar - confessou.
– Eu vi a sua paixão, seu sonho de ser arquiteta – prosseguiu Aline. - Você queria projetar lares para as pessoas. Você defendeu esse sonho com tanta veemência, que era a sua verdadeira vocação, que me inspirou a lutar pela minha. Você sempre me inspirou, Tina, sempre. Desculpe por não ter dito mais vezes o quanto eu te admiro. Você foi uma filha obediente, é uma irmã maravilhosa, uma arquiteta talentosíssima, uma companheira para o Fernando e uma mãe melhor ainda para o Bernardo. Você é incrível! Eu te amo tanto... – Betina deitou a cabeça em seu ombro e Aline continuou a lhe fazer carinho. – Nossos pais sempre usavam você de exemplo quando eu fazia malcriação. – Betina levantou os olhos para ela, incrédula. – Você é importante demais para mim, bobinha! – Aline beijou o topo de sua cabeça.
Betina deixou a garrafa de cerveja de lado e deitou no colo de Aline, que fez carinho em seu cabelo por um longo tempo. O clima estava agradável e a quietude do pátio não causava desconforto.
− Você e sua família passaram por muita coisa - Aline quebrou o silêncio, temerosa. - Você consideraria fazer terapia, Tina? É importante que seja a família toda. Sei que o Bê é ainda pequeno, mas todos aqueles procedimentos devem impactá-lo de algum modo ao longo da vida. Agora ele consegue mostrar lindos sorrisos, mas tudo deve estar gravado no subconsciente dele. Temo que isso possa prejudicá-lo.
Betina assentiu, fechando os olhos.
− Eu mal tive tempo para pensar... Em qualquer outra coisa que não fosse o tratamento, o quão longe moramos de Barretos, em tudo o que passamos... Não pensei em mim e no Fernando, só no trabalho, que deixei para trás e no meu filho, que precisava tanto de mim. Eu só pensei nele. - Ela fez uma pausa, a voz fraca. - Meu casamento quase ruiu... – Aline ficou surpresa. – Mas a mamãe me aconselhou muito, assim como ela tem feito com você. Quem sabe, se você escutá-la, talvez também possa salvar o seu casamento.
− É diferente. – Ela desviou o olhar, acanhada.
− Se eu puder ajudar... – Betina virou a cabeça para cima, para encará-la. Havia em sua voz um anseio em poder ser útil à irmã, assim como ela a estava consolando.
Naquele momento, Aline esteve prestes a contar tudo a ela, chegou a um passo da confissão. Mas então se lembrou do principal motivo que a levara àquela situação: a saúde de seu sobrinho. Era simplesmente inconcebível revelar à sua irmã àquela altura; não quando elas haviam progredido em seu relacionamento. Conseguiram até dialogar!
− Tudo vai se resolver. – Foi a sua resposta, em meio a um turbilhão de pensamentos e emoções. Aline suspirou. – Só que eu ainda não estou pronta para me abrir com ninguém. Desculpe, Tina.
− Seja como for, só quero a sua felicidade - concluiu Betina, se ajeitando em seu colo. - É o que a família toda quer.
Aline acariciou seus cabelos castanhos. Betina estava quase adormecendo, portanto Aline achou melhor entrar, pois estava ficando tarde. Enquanto apoiava sua irmã, acompanhando-a de volta, Fernando veio ao encontro delas, preocupado, e tomou o lugar de Aline, conduzindo a esposa para o quarto. Aline os assistiu até que desaparecessem pelo corredor, admirando a união do casal, contente por ter tido aquele momento com sua irmã e torcendo para que no dia seguinte ela ainda se lembrasse.
Então voltou pelo corredor em direção ao próprio quarto.
Quando entrou, Aline deparou-se com Cícero ainda no closet, sentado na cadeira que havia lá. Ela temia encontrá-lo depois do incidente que tiveram mais cedo, não sabia como poderiam tratar do assunto.
Ao fitar seu rosto, porém, Aline achou-o pálido. Ela se aproximou e abaixou-se à sua frente, apoiando as mãos nos joelhos.
— Cícero, você está bem?
Ele levantou o olhar para ela.
— Meu pai morreu.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro