18
As mulheres se reuniram para preparar arroz, mandioca, farofa e vinagrete para acompanhar o churrasco. Aline estava também empenhada em fazer suco e deixar mais uma sobremesa pronta. Ivete orbitava ao redor de sua filha caçula aonde quer que ela fosse, ciscando à procura de uma brecha.
Como Aline falava apenas o básico, a mãe perdeu a paciência e resolveu perguntar na lata:
- Por que você ficou tão estranha quando o Cícero chegou?
- Eu não fiquei, não - rebateu prontamente.
- Você ficou, sim, senhora.
- É indiscutível que você se transformou com a chegada dele - interveio Betina, decidida, porém, a não se meter. - Mas isso aí é com vocês dois. Devíamos deixá-la em paz, mãe.
- De jeito nenhum!
Ivete pendurou um pano de prato sobre o ombro e espalmou as duas mãos sobre a mesa, forçando a cabeça para baixo, para encarar sua filha. Aline terminava de decorar seu pavê com morangos.
- Chega de rodeios! Aline, você vai me dizer agora o que está acontecendo!
- Mãe! - retrucou Betina.
- Francamente! Você não achou estranho o fato de não haver fotos dele pela casa? A coisa deve ter ficado feia para se chegar a esse ponto, e então ele aparece na própria casa como se fosse um mero conhecido e a Aline praticamente o expulsa.
- Mamãe! - repetiu.
- Deixe-a, Tina.
Farta de tudo aquilo, Aline empurrou a travessa de pavê e se levantou, batendo as mãos sobre o tampo da mesa, com os olhos fixos em sua mãe.
- Quer realmente saber, não é? Pois aqui vai: eu vou pedir o divórcio. Isso é o que está acontecendo.
E como um furacão, ela se retirou para a despensa - deixando sua mãe paralisada e boquiaberta -, onde se serviu de um pouco de licor de cereja. Ainda era cedo para perder as estribeiras, refletia, mas Aline já considerava tudo aquilo um erro. Estava arrependida por tê-los convidado.
Escorada nas grossas prateleiras, com ares de derrota, Aline ouviu quando Betina disse:
- A senhora ainda se surpreende? Pra mim ficou muito claro desde o início que ela só estava se casando por interesse.
Sua mãe murmurou algo ininteligível.
- O tempo que levou pra eles se casarem mal deu pra se conhecerem, mãe, e agora eles estão em crise, é por isso. A base desse casamento foi o puro interesse, mas agora ela deve estar vendo que o dinheiro por si só não pode sustentar uma relação. Pra mim, ela só está colhendo o que plantou.
- Como pode falar assim, Tina? - indagou a injuriada mãe. - Como pode ser tão cruel? Sua irmã precisa de ajuda, de orientação... Não é nada fácil...
- A senhora já sabe o que penso a respeito, mas se quiser ir lá e passar a mão na cabeça do seu bebê, pode ir. Só que assim ela nunca vai crescer, nunca vai aprender que suas ações têm consequências.
- Você está sendo má, Betina - redarguiu com firmeza e desapontamento.
Chateada, Aline virou um grande gole da bebida na boca e pegou a sua caixa de chocolates importados. Ela se permitiu escorregar até o chão, onde se sentou, e pôs-se a comer enquanto chorava.
Ivete saiu à procura do marido, deixando Betina terminar o preparo da refeição. Aline escutava os ruídos e depois a cozinha ficou silenciosa com sua saída.
Portanto, Aline guardou a caixa de volta, com os chocolates que sobraram, colocou o licor de volta no lugar e cambaleou levemente até sua biblioteca, onde permitiu-se cair sobre o sofá e dormir o suficiente para se recuperar do torpor da bebida.
✨
Aline se sentiu melhor ao acordar. Sua preocupação agora era sobre como faria para sair e enfrentar os outros.
Ela pegou um livro, e sua leitura a estava conduzindo ao mundo da imaginação, quando uma batida suave atraiu sua atenção para a porta.
- Pode entrar.
Para sua surpresa e indignação, era Cícero.
Ele ficou sem jeito ao ver sua cara de poucos amigos e limitou-se a ficar à porta.
- É... Sua mãe falou algo sobre eu dormir aqui e... Eu não sei o que devo fazer ou dizer, porque nós supostamente somos casados, então...
- Dormir?!
Perplexa, ela caminhou até a janela e puxou a cortina que a cobria. Lá fora, o dia dava lugar à noite. Ela não havia se dado conta de que passara a tarde na biblioteca.
- Eu não acredito nisso! Por que você tinha que voltar aqui hoje?
- Você por acaso sabe há quanto tempo eu não comia um churrasco? Como poderia recusar essa oportunidade?
- Você faz isso para me irritar, não é? Depois de toda aquela tensão da manhã... Você decide voltar assim mesmo, e nem avisa pra eu poder me preparar. E agora está me dizendo que vai dormir aqui. - Sua vontade era de estrangulá-lo. - Onde, exatamente, pretende dormir?
- Onde eu não for incomodar.
- Você não tem vergonha na cara, mesmo! Olha só, isso já é demais! Se fosse qualquer uma aí nesse acordo com você... mas poxa vida, porque você acha que sou uma otária? Por que você me trata desse jeito? Não pode respeitar a minha vontade ao menos uma vez?
Ele soltou um suspiro.
- É sério, Aline, sua família me recebeu muito bem. Me senti à vontade com eles.
- Há quanto tempo está aqui?
- Devo ter chegado lá pelas 15:00 e ainda havia carne assada - disse satisfeito.
Foi quando Aline percebeu que não havia sequer almoçado e arregalou os olhos. Levando a mão à cabeça, ela cedeu:
- Tá bom... Pode dormir aqui, na biblioteca.
Parado à porta entreaberta, Cícero voltou-se para o corredor.
- Você não vem? - indagou uma voz abafada.
- Já vou, dona Ivete. - Ele sorriu.
- Espera, minha mãe está aí? - Aline afastou o cabelo para trás com vigor.
- Ela já foi. Estava me chamando para jantar. E você, vem?
- Isso não pode estar acontecendo!
Ela foi até o banheiro da biblioteca para lavar o rosto. Cícero entrou e caminhou até a porta entreaberta, de onde ficou observando.
- Você está bem? Parece alterada.
- Eu não devia ter bebido! - afirmou em desespero.
- Deixe disso! Tem mais cerveja esperando por nós lá fora.
- Eu nem gosto de cerveja! - Ela fez uma careta.
- Seja lá o que for...
- Minha mãe pode ter ouvido nossa conversa. Se ela descobrir...
Fernando chamou do corredor:
- Gente, vem jantar! Estamos esperando!
Cícero saiu, seguido pela atordoada Aline. No corredor, Fernando entregou a ele uma long neck já sem tampa.
- Obrigado, cara! - Cícero abriu um sorriso genuíno, ao que Fernando assentiu.
Os dois brindaram com suas garrafas e seguiram pelo corredor, alheios à mulher que os seguia, parecendo um zumbi.
Seus pais ficaram preocupados ao vê-la.
Durante o churrasco, Aline aceitou um copo de cerveja, o que despertou a atenção de todos sobre si. Ela o sorveu de um só gole. Alguns terminaram de jantar e ficaram em seus lugares, conversando; Aline, porém, mal participava, alheia a tudo.
Quando todos terminaram de jantar, Ivete recolheu os pratos e desapareceu casa adentro.
- Nossa, a tia tá bebendo um tantão - sussurrou Bernardo para sua mãe.
Sentada entre Cícero e o pai, Aline sorriu tristemente ao ser chamada pelo título e ergueu seu copo, como se para fazer um brinde.
- É verdade - retorquiu Betina. - Vamos entrar? Está esfriando.
Os olhares se voltaram para Aline, preocupados. Ela os ignorou e pediu que lhe servissem mais.
- É melhor maneirar aí - Moacir tocou seu braço, para baixá-lo.
- Pai, por favor, pai... - Ela começou a chorar.
- Pra quem não gosta de cerveja, você... - começou Cícero, porém o choro dela se agravou.
- Por favor, papai... Não deixe ela falar essas coisas... Não deixe ela ficar me pressionando.
Moacir estendeu o braço e acolheu a filha, que tombava em sua direção.
- Ela quem, filha?
- A mãe... E a Tina, elas são más...
- Não fale assim... - Ele afagou suas costas.
Cícero trocou um olhar com seus companheiros.
- E aí? A gente prepara um café forte pra ela?
- Eu não tô bêbada! - protestou Aline. - Eu só não aguento mais...
- Quer que o pai te ajude a entrar? É melhor você ir dormir.
- Não... - Ela fungou, se endireitando. - Não, eu tô bem.
Aline secou os olhos e respirou fundo, se levantando em seguida.
- Preciso arrumar a cama para o Cícero. - Ela se retirou a passos lentos. - Boa noite, gente - disse com a voz fraca.
Cícero olhou confuso para os outros dois.
- É... Acho que eu vou... Boa noite!
E saiu atrás dela pela casa.
- Aline...
- Que é?
Quando passavam pela cozinha, Ivete a chamou:
- É... Aline.
- Agora não, mãe - gemeu.
- É que surgiu uma emergência - disse, um tanto sem graça.
Aline se deteve.
- Me diga que não é nada grave...
- Ah... Vou ser direta: - Ela olhou de um para o outro. - A privada do meu quarto entupiu e eu simplesmente não posso dormir lá esta noite.
- Não me fale uma coisa dessas... - Ela cobriu os olhos com uma mão.
- Você teria... Outro lugar para que seu pai e eu possamos dormir?
- Prefiro ir eu mesma desentupir essa privada.
- Não. Não dá! - Ela se colocou em seu caminho. - Mas tenho certeza de que o seu pai pode consertar... Quando ele tiver um tempo.
Aline deu meia volta para ir chamar seu pai, porém desistiu logo em seguida.
- Tá bem, podem dormir na biblioteca. Cícero dorme no meu quarto.
Exausta, Aline saiu pela casa, à procura da mala que ele devia ter trazido, deixando Ivete com um ar de satisfação.
- Aline, espere! - Ele correu atrás dela. - Que história é essa? O que foi que eu perdi?
- Você não percebeu o que ela tava fazendo?
- Hã... Não?
- Vá buscar sua mala, antes que eu me arrependa.
Aline se arrastou de volta até sua suíte, enquanto Cícero trazia sua mala do carro. Ele foi encontrá-la no closet, atirando seus pertences ao chão e resmungando.
- Você. Está. Diante. Da pessoa. Mais. Ardilosa. Que já. Existiu.
- Aline... - Ele olhou ao redor, perdido. - Quer me explicar o que...?
Ela atirou um edredom para que ele segurasse.
- Não estava falando sério, estava? Deve ter espaço em outro cômodo...
- Minha mãe não ia sossegar, então me dei por vencida. Mas você, meu amigo, vai dormir no chão. Eis aí a sua cama.
Ela atirou mais um edredom para ele. Cícero apanhou-o, porém deixou o primeiro cair. Ainda confuso, ele fitou os cobertores.
- Não duvido nada de que ela tenha entupido a privada de propósito. Amanhã eu mesma vou averiguar.
- Ah, qual é? Sua mãe não poderia ser assim tão dissimulada...
- Pois disso não tenha dúvidas. Agora chega de discutir. Forre esses edredons no chão e durma. Mas olha, este aqui é o quarto de uma dama, então aja de maneira decente. Não quero saber da tampa da privada levantada, nem de pasta de dente na pia, fui clara?
- Como água.
- E tem mais: Eu vou tomar banho primeiro, porque estou exausta.
Aline foi para o banheiro, deixando-o a sós com sua mala. Ainda sem entender, Cícero colocou os cobertores sobre uma cadeira que havia ali perto e se abaixou para abrir a mala.
Aline saiu do banho quente mais relaxada e confortável em seu pijama de flanela, aproximou-se da cama e se enfiou em meio às cobertas.
Cícero forrou seus cobertores no chão, em frente à porta que dava para a varanda, não muito longe da cama.
- Será que você poderia me arranjar um travesseiro?
Aline arremessou um de seus travesseiros com má vontade e o acertou, mas Cícero achou por bem não dizer nada. Cícero entrou no banheiro para se preparar para dormir, e quando saiu, ela já dormia.
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