16
À noite, estavam todos cansados e foram para a sala de estar após o jantar.
Bernardo brincava no chão sozinho e Aline pensou ser um bom momento para tentar uma aproximação.
- Olha só o que eu tenho aqui! - Abaixada, ela sacudiu uma caixa à sua frente. - Pecinhas de montar! Quer brincar comigo?
Com um enorme sorriso, Bernardo assentiu, animado.
Tia e sobrinho brincaram juntos, enquanto os demais assistiam televisão e conversavam entre si. Betina, contudo, estava de olho nos dois.
Aline apoiou uma peça sobre as outras que Bernardo havia colocado como base. Ele a encarou com um sorriso.
- Bigado... - A incerteza sobre como chamá-la deixou-o inseguro.
- "Tia Aline". Ou apenas "tia". - Ela pressionou os lábios com uma pontada de tristeza. - Você não se lembra mesmo de mim, não é?
- Dois anos, Aline! - intrometeu-se Betina, levantando-se energicamente do sofá. - E você simplesmente evaporou. Num dia está presente, no outro, se casa e desaparece. Como queria que ele se lembrasse?
Todos os que se achavam presentes ficaram em silêncio, mortificados pelo clima chato que se instaurou. Betina se abaixou diante de Bernardo.
- Vamos, filho, é hora de dormir. Vamos guardar as pecinhas.
Ela o ajudou a colocar as peças de volta na caixa de qualquer jeito, então se levantou e saiu com o menino nos braços, deixando Aline paralisada e entristecida.
Fernando se levantou para acompanhá-la, mas se deteve na porta.
- Não fica chateada com ela, Aline. A Tina, ela...
E saiu em seguida, desconcertado.
- Está todo mundo cansado. - Ivete se levantou. - É melhor irmos dormir. Amanhã é um novo dia.
Moacir concordou e desligou a televisão. Mas Aline ficaria remoendo a lembrança.
✨
Fernando entrou no quarto e fechou a porta atrás de si.
- O que foi aquilo? É esse o exemplo que quer dar pro menino? Como ele vai aprender a respeitar os outros, se vê que você, a mãe dele não respeita?
- Por que você quer discutir na frente do Bernardo?
Agachada diante da mala aberta, Betina escolhia algumas roupas.
Fernando se voltou para o filho, que os observava com grandes olhos, onde brilhavam lágrimas prestes a cair.
- Ô, filho... Papai não tá brigando com a mamãe e não é nada com você, tá bem? - Ele beijou seu rosto e sacou do bolso o telefone. - Aqui, pode jogar no celular do papai.
Bernardo se afastou para o lado oposto da cama e se sentou na poltrona.
- Ah, que ótimo! E o nosso combinado de não deixar o nosso filho na frente das telas?
- Estamos de férias, vamos dar uma trégua!
- E quer mesmo conversar como se ele não estivesse aqui?
Fernando olhou para Bernardo de relance.
- No momento ele está bem distraído.
Betina passou por Fernando, emburrada, e colocou as peças dobradas sobre a cama.
- Lembre-se de que a Aline ainda faz parte da família - continuou Fernando, abrandando seu tom. - Você está agindo como se ela tivesse feito alguma traição, ou algo do tipo.
Os olhos de Betina se encheram de lágrimas.
- Pois foi justamente como me senti! Traída. Minha única irmã, de quem eu tive que ajudar a cuidar a vida inteira, mas que quando eu mais precisei, ela me abandonou! - bradou. - Pra mim, ela deixou de fazer parte da família, sim. Você sabe o quanto precisávamos de toda ajuda que pudéssemos ter...
- Eu sei, Tina.
- Então por que fica defendendo ela?
Fernando se sentou na cama e puxou-a pelas mãos.
- Lembre-se de que eu estou do seu lado, está bem? Eu não te abandonei, Tina, e nem vou. Eu amo você... - Ele segurou uma de suas mãos e acariciou-a. - Percebo que não está bem. Será que essa viagem te fez mal?
Betina cobriu a boca com o dorso da mão, sentindo que poderia chorar a qualquer instante.
- Eu só concordei em vir porque achei que te faria bem - prosseguiu Fernando. - Você sabe, tanto tempo sofrendo em hospitais... Pensei que iríamos repor as energias para voltar pra casa.
- Eu sei... - balbuciou com a voz fraca e lábios trêmulos.
- A proposta era a gente poder relaxar. Mas parece que você está é se estressando, amor... - Ele exalou pelo nariz. - Se quiser, a gente pode ir embora, tá? É só falar.
E apertou sua mão afavelmente.
- Eu não sei o que fazer... - Ela enfim cedeu ao choro.
- Eu estou do seu lado, tá? – Ele tocou seu ombro e afagou seu braço. – Mas nosso filho tem o direito de conhecer a tia. É notável o quanto ela o ama. Você bem sabe o quanto se davam bem...
- Mas não o suficiente pra ter estado ao lado dele! – retorquiu com amargura. – Tudo sempre se resolve pra Aline... Tudo é mais fácil pra ela.
Em silêncio, Fernando abraçou-a e apoiou o queixo em sua cabeça, permitindo que ela chorasse, desabafasse. Mas ele também estava cansado.
- Me perdoa, amor... Você queria se divertir e descansar e eu...
- Você também vai. Só tente ser mais legal com a sua irmã, porque ela está tentando.
- Não posso garantir nada...
- Você consegue. - Ele beijou sua testa.
Bernardo deixou o celular de lado e foi se juntar a eles.
- Por que a mamãe tá chorando?
Betina não conseguiu responder. Era como se um nó apertasse sua garganta.
- A mamãe vai ficar bem, Bê - assegurou Fernando, acolhendo-o.
Betina abraçou seu filho.
- Eu te amo tanto... - Ela levantou seu olhar para o marido. - A vocês dois.
Os três ficaram assim, abraçados, e depois foram se preparar para dormir.
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