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05

Cícero arrastou-se até a sala de estar, onde Carla ainda estava entretida com a televisão e uma tigela de pipoca. Ele seguiu para o sofá adjacente ao dela e esparramou-se.

– Tudo bem com o senhor? – quis saber ela, fitando-o pelo canto do olho.

– Estresse – resmungou ele, soltando uma respiração pesada. – Estresse, raiva, nervoso, esquente de cabeça...

– Posso ajudar de alguma forma?

– Que tal parar com isso de "senhor"? – Ele massageou a testa. – Sou só eu, lembra? Aquele pirralho narigudo.

Carla assentiu em concordância, incapaz de conter uma risadinha.

– Ah, seu nariz não é tão grande.

– Quando eu era menor, parecia que ele ocupava a maior parte do meu rosto.

– Mas agora é bem proporcional.

– É, eu melhorei com o tempo.

Cícero remexeu-se no sofá, e só então prestou atenção ao que passava na tela.

– Você nunca se cansa dessas novelas mexicanas? – Ele fitou Carla. – Já deve ser a quinquagésima vez que isso está reprisando!

– Eu gosto. – Ela deu de ombros.

– Ah, Carlinha, você não muda... – Ele riu.

Cícero repousou a cabeça nas almofadas, encarando o teto. Ele esperou até os comerciais para poder propor um filme.

– Ah, não! Deixe aí! – Ela fez uma careta. – Estou aproveitando para descansar hoje, porque amanhã faremos uma faxina daquelas.

– Quem?

– Eu e a dona Aline, e sempre contratamos duas diaristas para essas ocasiões.

– Ela te ajuda com as tarefas?

Carla assentiu.

– E sempre forçamos os seguranças a limparem o alojamento. Só posso dizer que seus assessores não poderiam ter escolhido melhor companhia para mim.

– Quer dizer que você não gosta da minha companhia? Isso magoa, sabia? Seus filhos vão ficar com ciúme.

Carla atirou um milho não estourado nele.

– Se emende, rapaz!

– Por que as mulheres dessa casa ficam me agredindo? – Ele passou a mão pelo local que ardia em seu rosto. – Não quero ficar no caminho de vocês.

– Desocupe seu quarto quando solicitado, e estará tudo certo. Caso contrário, você será coagido a ajudar.

– Entendido. – Ele bateu continência. – E onde está a Madame Chatonilda?

– Não fale assim, Cícero! Ela é legal. – Ela o fitou. – É uma boa pessoa. Mas seus assessores ficam fazendo hora com a cara dela.

– É, foi o que ela disse. – Ele soltou um suspiro, refletindo. – Bom... Se ela te trata bem, já está bom para mim.

– Ah, não tenha dúvidas. – Ela ajeitou a tigela no colo. – A dona Aline me convida para ver filmes, jogamos jogos de tabuleiro e até cantamos no karaokê... Às vezes ficamos na biblioteca.

– Eu não sabia que aqui tinha uma biblioteca.

– Pois é. Seus assessores concordaram que não precisávamos de três quartos de hóspedes, já que vocês nunca se hospedavam aqui, e consentiram que um deles fosse reformado e transformado em biblioteca. A dona Aline criou um espaço legal lá. É bem aconchegante nos dias chuvosos.

– É mesmo? Ninguém me avisou.

– Ela está lá agora. Quer que eu vá chamar?

– Não. Deixe-a quietinha na dela. Preciso de sossego para minha cabeça.

Carla o encarou, estranhando seu modo de falar.

– Nós discutimos – explicou depressa.

– Devo me preocupar?

– Eu só não entendo o que está faltando a ela, sabe? – Ele fixou o olhar na parede. – Deixamos tudo acertado para cuidar de suas necessidades. Fico pensando se talvez ela queira pegar mais dinheiro com a separação. Você sabe se ela tem problemas com apostas, esse tipo de coisas?

Carla balançou a cabeça em negativa, fazendo um beicinho confuso.

– Por acaso você sabe o que ela fez com o dinheiro que recebeu desse contrato? Será que já gastou tudo?

– Ela nunca me contou. – Ela deu de ombros. – Imagino que esteja bem guardado em algum lugar... Mas não é da minha conta.

Então ela concentrou-se na novela. Cícero ficou em silêncio contemplativo.

– O que o está estressando? – inquiriu Carla, durante os comerciais.

– Ah, eu te contei que não estou satisfeito em Brasília, não é? – Ela assentiu. – E com essa história, eu descobri que meus assessores ainda estavam estudando táticas para fazer Aline repensar o contrato, quando eles garantiram no início do ano que estava tudo certo... Ao que parece, dar um gelo nela garantiria a eles mais tempo para pensar. Se a Aline sair agora, vai atrapalhar nossos planos. – Ele bufou, massageando a testa. – Eu fico me lembrando das palavras do meu pai. Nem tive como contar a ele que pretendo voltar para cá, por causa do sermão. Além disso, ele me encheu porque eu não estava usando meu prendedor de gravata. Mas acho que eu o perdi. – Ele suspendeu os ombros.

Carla enfiou a mão no bolso de seu uniforme e retirou um objeto.

– Está falando disso aqui? Eu o encontrei no chão da cozinha. É bom você cuidar melhor dele, já que é tão importante para o seu pai.

– Ah, Carlinha, obrigado! Eu já mencionei o quanto você faz falta lá em Brasília?

– Já. – Ela assentiu. – E aí? Como ficou a história da secretária?

Cícero hesitou, soltando o ar pelo nariz.

– Ela pediu demissão. Não consigo falar com ela desde que cheguei. Estou preocupado.

– Complicado, hein?

Cícero bateu nas almofadas, na tentativa de amaciá-las.

– É. Pois é. Mas já estou voltando, então... – Ele se acomodou. – Agora vou tirar um cochilo. Você fica aí, na companhia da Maitê Perroni, Lucero, ou quem quer que seja.

Naquela noite, Aline não se juntou a eles para o jantar, o que deixou Cícero aliviado, pois não se sentia preparado para encará-la. Carla levou a comida para ela em seu quarto.

                                  ✨

Na manhã seguinte, Cícero mostrou-se mais animado ao entrar na cozinha.

– Bom dia, Carlinha! – Ele esquadrinhou a cozinha com o olhar, estranhando a falta de vassouras, baldes, rodos e produtos espalhados por toda parte. – Ué! Pensei que já estariam no pique a essa hora, que a casa estaria de pernas para o ar, na maior agitação com a faxina...

– Pois é – concordou Carla. – Mas a dona Aline está com cólica, então disse para adiarmos.

A cozinheira ocupava-se em ferver água. Cícero se aproximou, servindo-se de um pouco de café.

– É mesmo? Será que era por isso que ela estava tão nervosa? – Ele acrescentou um pouco mais de açúcar. – Imagino que agora é que ela deve estar difícil de lidar mesmo... Se ontem estava rabugenta, hoje deve estar uma verdadeira onça.

– Pelo contrário. – Carla pôs-se a procurar pela bolsa térmica. - Ela está sofrendo.

Cícero ficou sem graça de repente.

– É... Acho que devo desculpas a ela.

– Eu concordo. O que pudermos fazer para viver em paz... tanto melhor.

– Disse a mulher que gosta de novela mexicana – gracejou, cortando uma fatia do bolo de coco. – E daí se ela é um porre, não é mesmo?!

– Cícero! – Ela fitou nele um olhar de advertência.

Ele riu sem graça.

– Carlinha, eu queria... – começou.

A cozinheira voltou-se de costas para ele, pois a água havia terminado de ferver. Ela a despejou na bolsa térmica e tampou.

– Aqui. Por que não leva isso para ela, como uma oferta de paz?

Cícero pousou sua xícara de lado, dando-se por vencido.

– Tudo bem. Mas não sem antes comer mais uma fatia de bolo. Preciso de forças para enfrentar esse desafio.

Carla meneou a cabeça, sorrindo, como quem diz: não toma jeito mesmo!

– Avise que eu vou levar um cappuccino para ela mais tarde.

– Por que você não me mima assim?

– Você já teve a sua cota de mimos.

Ela o acompanhou até a entrada da cozinha, de onde ficou observando enquanto Cícero dava passos incertos e hesitantes pelo corredor e batia à porta do quarto da moça.

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