04
No dia seguinte, quando Cícero chegou da casa de seu pai, Carla percebeu de imediato que ele não estava bem. Debruçada sobre o balcão na companhia de Aline, ela o escrutinou.
– Seu Cícero...
Antes que ela pudesse concluir, porém, Cícero bateu com uma revista no balcão.
– Esta porcaria parece estar por toda parte! – Ele bufou, exasperado.
As duas analisaram a revista, enquanto ele contornava o balcão e se servia de um pouco de água gelada.
– Meu pai não me via pessoalmente há meses, e a primeira coisa que ele fez quando cheguei na casa dele, foi me mostrar isso. É o cúmulo! Como é que essas pessoas conseguem fotos? E o mais importante: Como é que isso foi parar nas mãos do meu pai? – Com grandes goles, ele esvaziou o copo e se serviu de mais. – Era só o que me faltava, meu velho lendo revistas de fofocas!
– É meio difícil de passar despercebido, com essa foto gigante na matéria de capa – observou Aline, apesar do apelo silencioso que a consternada Carla fazia com o olhar. – Cícero, você devia prestar mais atenção ao que faz. Está agindo como se fosse uma pessoa livre!
– Porque eu sou, queridinha. – Ele a fitou com desdém.
– Não, você não é! – Ela mostrou o dorso de sua mão, apontando para a aliança que ali trazia. – Caso não tenha se dado conta, aos olhos da lei e dos brasileiros, você é um homem casado. E deveria agir como tal, já que eu sou obrigada a seguir as regras que me foram impostas!
– Eu já ouvi um monte do meu pai! Não sou obrigado a aguentar você também! – Ele pousou o copo ao lado do bebedouro com força. – O que querem de mim? Uma confissão? Pois, sim, estou apaixonado pela Lucilene! E não fiz nada de mais!
Cícero, então, afastou-se a passos largos. Aline soltou uma bufada de ar, observando até que ele desaparecesse pelo corredor. Ela voltou-se para Carla, que folheava a revista com preocupação.
– Qual é o problema dele? O Cícero não reagiu assim nem quando bati nele. – Ela estalou a língua. – Meu nome também está envolvido na história! – Ela apoiou as mãos sobre uma banqueta. – Eu preciso falar com ele. Será que nunca vou conseguir?
Carla levantou os olhos para ela.
– Ele tem uma relação complicada com o pai. Aliás, com a mãe também. Tiveram uma separação conturbada. Dê um tempo para ele se acalmar.
Aline tirou o cabelo do rosto, prendendo-o atrás das orelhas.
– É triste, de fato. – Ela se afastou do balcão. – Mas daqui a pouco ele vai embora e não fica nada resolvido!
Aline foi para a área de serviço e lavou os vários pares de calçados que a esperavam. Quando terminou a tarefa, ela foi bater à porta do quarto onde Cícero estava hospedado. Ao não ser atendida, concluiu que ele não se encontrava. Aline estava prestes a ir procurar por Carla, quando ouviu, ali perto, que a TV da sala de estar estava ligada. Ela bateu à porta e a empurrou em seguida.
– Ah. Pensei que fosse o Cícero.
Ela fez menção de sair, mas Carla gesticulou.
– É só seguir a algazarra, que a senhora o encontra.
Com os ouvidos atentos, Aline voltou pelo corredor. Carla aumentou o volume quando ela saiu rumo ao alojamento dos seguranças. Conforme se aproximava, Aline discerniu os gritos e percebeu que se tratava de uma partida de truco.
Cruzando os braços, Aline observou a certa distância, recostada no muro que dividia as duas casas, enquanto os três homens berravam a ponto de ficar roucos, bebendo e dando tapas na mesa da pequena área. Após um tempo, Osvaldo recolheu as cartas, satisfeito, o que fez com que Aline entendesse que a partida estava encerrada. Ela aproveitou a deixa para se aproximar.
– Olá, meninos! – Ela sorriu. – Cícero, será que nós podemos conversar?
– Agora não. – Ele bebericou de sua cerveja, fitando Osvaldo. – Distribua de novo. Vou tentar a sorte.
– Aceita logo que você perdeu.
– Eu mereço uma revanche!
– Vai ser depenado – interveio Mário, com ar cético.
– Anda logo, embaralha isso direito!
– Se eu fosse você, pararia agora – devolveu Osvaldo. – Isso está ficando vergonhoso. Você já me deve um engradado.
– Nada disso! Eu quero tentar mais uma vez. – Ele pressionou um dedo sobre a mesa. – Distribua as cartas. Por favor.
– Cícero... – insistiu Aline, ficando impaciente.
– Agora. Não! – Foi sua resposta, encarando-a com os dentes cerrados.
– Até quando você vai ficar me enrolando? Pensei que tivesse vindo para me ajudar com o meu problema, para interceder a meu favor!
Cícero levantou-se com tudo, arrastando a cadeira ruidosamente, e atingiu a mesa com um golpe.
– Mas como você é chata! Acabei de falar que não! Será que não sabe esperar?
Os seguranças ficaram sem reação. Indignada, Aline elevou a cabeça com despeito.
– Mais do que já venho esperando? Não vou ouvir suas afrontas! – Ela gritou. – Eu não pedi que você viesse! Por que não mandou um daqueles trastes no lugar?
Aline saiu batendo os pés, entretanto parou a meio caminho, voltando-se para ele irritada.
– Quero o divórcio o quanto antes! Vamos acabar com essa palhaçada!
Ela, então, seguiu de volta para a casa. Atônito, Cícero fitou seus companheiros, sem graça.
– Eu perdi o clima, pessoal. – Ele empurrou sua cadeira para junto da mesa. – Depois acertamos o que estou devendo.
Cícero partiu atrás dela, alcançando Aline no pátio da frente.
– Espere aí! – chamou ele. – Você bateu com a cabeça, ou seu amor pelo dinheiro fez você assinar o contrato sem ler?
Aline fechou os punhos, virando-se para ele trêmula de raiva.
– Acho que o maluco aqui é você! – vociferou. – Veja lá como fala! Você não me conhece!
– Que história é essa de divórcio? – Ele gesticulou no ar, confuso. – Temos um prazo a cumprir!
– Acontece que já expirou! Eu venho tentando contatar a sua equipe há meses! Foi por isso que te deixei as mensagens!
Cícero se deteve, tomado pela surpresa.
– Que mensagens? Eu não recebi nada.
Aline forçou uma respiração profunda, temendo perder o controle.
– O que veio fazer aqui, então?
– Preciso de motivos? – Ele trincou os dentes. – Devo lembrá-la de que esta é a minha casa?
Em um esforço, Aline levantou a cabeça, com a dignidade ferida.
– É, tem razão. Então resolva isso, para que eu saia logo da sua casa, pois cumpri a minha parte com louvor! Procure outra otária para aceitar esta situação!
Aline fez menção de se retirar.
– Espere! Você não pode sair agora, Alice. Vai me prejudicar.
– Errado. Você se prejudicou! E meu nome é Aline! Quantas vezes tenho que explicar?! Que saco!
– O que está te faltando?
– Quer uma lista?
De repente Cícero caiu em si, temendo que estivessem chamando atenção.
– Você tem noção de quantas pessoas queriam ter a vida que você tem? – Ele assumiu um tom mais manso.
– Pois contrate alguma delas!
– Quer, por favor, se acalmar?
Ele olhou ao redor, procurando disfarçar. Do outro lado da rua, um grupo de crianças passava em seus patinetes, patins e bicicletas. Algumas pararam para olhar, curiosas, enquanto as outras estavam mais empenhadas em brincar.
– O que foi? Agora está preocupado? – debochou, olhando ao redor, para em seguida concentrar-se nele. – Já entendi. Você veio porque seus assessores mandaram, para esperar a poeira baixar. E seria conveniente que fôssemos vistos juntos. Tem algum paparazzo escondido por aqui? – Ela acompanhou seu olhar. – Tomara que gostem do que estão testemunhando. É, com certeza isso daria muito que falar naqueles programas de quinta categoria.
– Aline. Acalme-se, pelo amor de Deus!
Ela mudou sua expressão subitamente, abrindo um enorme sorriso ao avistar uma conhecida entre as crianças e levantou a mão em um aceno.
– Deixe eu te dizer uma coisa, Cícero – disse entredentes, em meio ao sorriso congelado –, eu só não faço um escândalo porque isso não é do meu nível, mas bem que você merecia!
Assim que as crianças seguiram em frente, Aline saiu pisando duro e desapareceu dentro da casa, batendo a porta. Atordoado, Cícero ficou imóvel no lugar, absorvendo tudo que se passara.
– Não é possível... – falou consigo mesmo, coçando a cabeça. – Minha equipe disse que estava tudo certo. Como o tempo passa rápido quando se está ocupado...
Cícero contemplou a fachada da casa, o pequeno jardim, a rua. Passando a mão pelo cabelo, ele caminhou até o limite da calçada, de onde observou as propriedades vizinhas e as crianças, que já estavam bem adiantadas. Desnorteado, ele sacou seu celular e fez uma ligação impaciente para um de seus assessores.
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