19. cite os sentimentos
19. cite os sentimentos
Eu fechei a minha porta e desci as escadas sem nenhum sentimento novo, mas estava diferente. Aquela ocasião, tão igual a tantas outras, se parecia diferente pois não estava mais com Rodrigo, estava com um contrato novo, sem bloqueio algum e eu estava tranquila. Tranquilidade não era tão habitual quanto os outros pensavam.
Estava sem obrigações extremas também, além das que sempre tive com Aimée e a cafeteria, e estava... tudo okay.
Caminhando até a cafeteria, ajustei os cadernos e livros debaixo do meu braço e coloquei as minhas chaves dentro da bolsa. Eu estava carregando tudo aquilo para a pesquisa que estava fazendo para os livros. Eu já tinha escrito o de Apolo e Aimée, mas igual queria aumentar meu conhecimento sobre a mitologia para afastar da realidade deles e sim trazer a minha criatividade.
Eu sentia que estava presa às vezes entre o que eu estava criando e o que era a realidade, mas os últimos dias tinham mostrado que na verdade as duas chegavam bem próximas uma da outra quando o assunto era aquele grupo, eu que tinha que tomar as decisões certas. Tinha pensado isso quando era especificamente Zeus, durante todas as nossas conversas, mas aí ele era o mais diferente dos livros.
O Zeus dos meus arquivos era Zeus, e o que estava na minha vida era Renan. Sempre tinha sido.
Suspirando, passei as mãos no rosto, tentando tirar dos meus lábios o sentimento de ter beijado o canto da sua boca a última vez que tinha o visto. Esse sentimento vinha envolto em incerteza, pois, me perguntava, será mesmo que tiraria todo contato dele se aquele fosse o nosso último encontro?
A resposta era um rápido não. E mesmo que não fosse, não teria coragem de tirá-lo de mim.
Levantando o rosto, olhei para o movimento. Eu tinha apenas saído pra almoçar em casa enquanto tudo ficava nas supervisão de Aquiles e Aimée.
O primeiro estava agindo estranho até mesmo para os meus padrões. Normalmente me alegrava em ser séria e bruta com ele, era uma diversão não gostar dele pelo jeito que ele respondia a tudo, fazia eu não gostar dele muito mais fácil. Mas de repente ele estava simplesmente baixando a cabeça para meus xingões.
Ajudava na nova tranquilidade que estava sentindo, mas estava fora do padrão.
Deixando de encarar ele, que limpava pela segunda vez a mesma mesa, abri meu caderno novo e alguns livros de mitologia. Os leitores presentes na parte da biblioteca já eram frequentadores e sabiam onde cada livro estava, os que estavam tomando os cafés estavam sendo bem atendidos.
Conversas flutuavam pelo cômodo e ajudavam eu a me concentrar e criar uma nova parte de ficção para minhas histórias. A ideia principal era fazer o meu Zeus dos livros descer a Terra e conhecer uma sobrevivente de uma descarga de raio, adornada por uma cicatriz que ia do seu pescoço até o início do seu quadril.
Escrevendo todos esses detalhes, continuei passando para o papel todas as novas ideias que começava a ter, pensando em como só depois colocaria mais ou tiraria as que fossem ultrajantes.
Estava pronta para montar um novo quadro de ideias quando escutei Aimée limpando a garganta
— Eu to com saudade. — Disse, colocando a cabeça apoiada na mão e o cotovelo na bancada que eu estava. Os lábios levemente pra fora, olhos pequenos sinceros e os cabelos longos presos em cima da cabeça em fios revoltos.
Eu sorri de lado. — De quê? — Perguntei.
Não era saudades minhas, ela me tinha todos os dias e com certeza não era de Apolo, já que eles se viam todos os dias também.
— Daqueles bolinhos japoneses que tu fez uma vez. Me deu uma vontade muito grande de comer no almoço, mas aí não quis pedir.
— Podemos fazer uma janta lá em casa. Pode convidar Aquiles dessa vez. — Sem Zeus ele deve estar se sentindo só.
Estranhando meu comentário, Aimée franziu a testa. — Por que isso?
Levantando meus ombros, não me abalei por causa da sua pergunta. — Tu sabes que eu continuarei não gostando dele, porém ele tem se mostrado estranho ultimamente. Será bom pra ele.
— Eu vou avisar ele depois, mas mesmo se ele ou Apolo não queiram a comida, eu quero. To morrendo por aqueles bolinhos. Tu tem todos ingredientes em casa?
— Sim, tenho. — Sorri de lado novamente. Esperei que ela fosse sair daquela posição, mas continuou ali me examinando. — Pois não?
— Tu tá bem com toda função? Zeus e tudo mais... — Os seus olhos ficaram mais gentis ainda ao perguntar aquilo. Estava interessada no que eu estava sentindo, mas não sabia por onde começar a contar.
Nunca esconderia algo dela, mas ainda estava cedo demais para dizer o que queria guardar para mim só mais um pouco.
— Não estou bem, mas supresa. — Com minha resposta, tirei tudo do meu rosto. Reações, sentimentos, qualquer detalhe que fosse fazer ela ler a mais das palavras que iriam sair de dentro de mim. — Não sabia que podia sentir algo tão forte assim e não estava esperando conhecê-lo assim em pouco tempo. Estou feliz por pelo menos ter sentido algo.
— Não sente mais? — Questionou. Meus olhos falharam um pouco e fugiram do seu rosto, mas eu me recompus e guardei as lágrimas para depois.
Era difícil concordar com o pretérito, difícil pensar que aquilo estava no passado enquanto minha pele ainda fervia, mais difícil ainda era responder enquanto meu peito doía com a ideia de ele ter nos deixado. Então, eu apenas balancei minha cabeça de um lado para o outro.
Dizendo um não, mas não para os meus sentimentos, somente para a pergunta, negando uma resposta.
— Podemos mudar de assunto. — Disse depois de um tempo, pegando o lápis e mostrando que era pra ela continuar falando enquanto eu escrevia.
— Tu ainda não vai ser madrinha do meu casamento? — Ela perguntou.
Eu pousei a caneta no papel mas não escrevi nada. Sem levantar o rosto, dei de ombro. Aquela história realmente me incomodava. Eu não acreditava em casamento, era uma ideia antiga onde o pai de uma mulher entrega ela para outro homem, algo que a religião fazia todos quererem. Algo que, pra mim, simplesmente não tinha sentido.
Aimée sabia disso, mas ia continuar insistindo enquanto acreditasse que um pedaço de mim fosse concordar. — Eu não acredito em casamentos.
— Tudo bem, mas tu mesma disse que é um casamento imaginário... e é o meu casamento, amiga. Por favor?
— Quando ele se tornar realidade aí nós podemos conversar. — Respondi, a caneta contra o papel, cabeça ainda baixa.
— Certo... — Disse, mas algo na sua voz estava feliz demais. — Então tudo bem.
Depois disso, Aimée saiu do balcão, tranquila e em direção a sua sala, falando com os nossos funcionários e sorrindo para eles. Não querendo entender, voltei a escrever sobre algumas outras ideias que poderia trazer para a minha escrita.
Ao longo da escrita, algumas pessoas vieram tirar dúvidas comigo, mas Aquiles foi logo se fazendo de útil e mostrando onde que poderiam encontrar os livros, mostrando-se ainda mais animado quando alguma mulher aparecia. Pelo visto, pensei, ele não está tão estranho assim.
Virando a página atual do livro que eu estava, grifei partes importantes para quando fosse procurar depois, soubesse direito onde achar.
Olhando o relógio, percebi que algumas horas tinham passado e eu não tinha me movimentado dali. Aquela hora algumas semanas atrás eu estava olhando Zeus lutando, e então chorando pela primeira vez na sua frente.
E ele não estava mais lá.
Isso só era pior porque eu tinha virada as costas pra ele, querendo que ele entendesse que podia ir mesmo, eu já tinha aceitado. Já entendia, e a verdade era que o nosso tempo não fora o suficiente e eu não tinha conseguido tudo o que queria.
Porque naquele momento tudo o que eu queria era dizer eu senti amor, sim. Mesmo que isso não fosse fazê-lo ficar.
Balançando a cabeça, olhei de novo para o relógio e escolhi que iria ficar ali até às 17h, fechando a livraria um pouco antes e ir aprontar a janta para mim e o resto dos que sobraram.
Provavelmente envolta de manchas de farinha e com cheiro de cebola nos dedos, abria a massa dos bolinhos e a cortava em perfeitos círculos. O recheio já estava pronto, o caldo para o Lámen pronto para ir ao fogo e a única coisa que faltava era fazer tudo ficar pronto, mas esperaria que os outros chegassem para que eu começasse.
Limpei meu rosto, tirando como esperado alguns resíduos de farinha. Olhando para a minha casa, vi o restinho da claridade se indo, o céu já em um rosa, a tarde se despedindo.
Foram poucas as horas das tardes que passei com ele que faziam eu me perguntar como seguiria o caminho sem a intensidade dele ao lado. Ele devia também se perguntar como seguir sem a intensidade que ele estava acostumado... Colocando as mãos no rosto, desejei nunca ter dito pra ele que todos esperavam a sua saída. Não sabia o quanto eu ia realmente ia me importar.
Quando a minha lágrima estava pronta para cair, a campainha tocou, e eu fui até o interfone abrir para o resto das pessoas, conseguindo escutar pela minha janela as risadas desnecessárias de Aquiles.
Limpando de novo o rosto, abri a porta e deixei um espaço para que eles já fossem entrando, meu coração bombeando forte e os olhos queimando.
O primeiro a entrar foi o mesmo que não parava de rir e esfregar na cara dos outros como era a primeira vez dele na minha casa, depois veio Aimée e Apolo de mãos dadas. O casal passou, balançando as cabeças para Aquiles em reprovação, e deixaram a porta aberta.
De repente meu peito não tinha mais ar e eu fiquei encarando. Esperando o barulho dos passos dele, o seu corpo alto e musculoso, os cabelos loiros. Esperei ele entrar, sem piscar, só para que eu tivesse certeza que não perderia nenhum detalhe da quando acontecesse. Demorei, que quando eu voltei a piscar, todas as lágrimas que não tinham caído voltaram.
Aimée fechou a porta, e eu caí no chão da minha cozinha, limpando de novo e de novo meus olhos, porque ali eles não mereciam me ver chorar.
Durante todo o processo, Aimée me abraçou ao sentar do meu lado e Apolo não precisou que eu pedisse para que eles fossem embora. Eles o fizeram, depois de Aquiles reclamar que ele queria comida e fazer Apolo prometer que pelo menos alguma coisa eles iriam cozinhar.
Me sentia com raiva, dor, sem conseguir respirar e desejando que aquela moral toda de sentir algo parasse depois de um tempo.
— Iara... Amore, vai ficar tudo bem. — Aimée disse.
Queria responder que estava, porque ele não estava mais apanhando. Porque ele estava longe daquele idiota do Alli. Mas só consegui balançar a cabeça.
— Eu sei. — E eu sabia.
— Okay, okay.
Aimée me trouxe pra mais perto, pegando o seu celular. Ela disse alguma coisa que eu não formei por completo ao escutar, invadida pelo barulho dos meus soluções e a agonia dentro do meu estômago.
Fiquei ali enquanto ela me aceitou. Sentada mesmo quando ela teve que levantar para ter certeza que nada estava aceso no fogão e toda a comida estava guardada, fiquei abraçada nas minhas pernas olhando ela caminhar pela minha cozinha e pegar um copo de água para mim.
Tomei o líquido com rapidez, tentando lavar por dentro tudo o que estava acontecendo.
— Vai ficar tudo bem. Ele vai fazer a escolha certa, vai dar tudo certo.
Eu ignorei o que ela disse, amontoando todo resto que eu tinha de força, me levantando e indo para o meu quarto. Me perguntando se tudo aquilo parecia ser tão patético quanto eu imaginava.
Antes que eu pudesse prestar atenção, estava começando a dormir, enrolada nos meus edredons enquanto Aimée ficava parada na entrada do meu quarto, falando sozinha.
A tranquilidade realmente não existia, porque eu não estava tranquila. Só estava sem ele.
n o t a d a a u t o r a:
MEUS QUERIDOS, capítulo seguinte é o ÚLTIMO!
Deixem aqui seus comentários sobre o de hoje e teorias sobre o que realmente vai acontecer! Com quem a Aimée falou no telefone? Iara estar assim é exagerado?
Me digam o que estão achando!
Amo vocês!
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