9. ela conhece o resto do grupo
9. ela conhece o resto do grupo
Seria realmente impressionante se eu tivesse chegado em casa naquele sábado, depois de trabalhar em um final de semana o qual era pra ter sido minha folga, e não ficasse surpresa com algo relacionado a Aquiles... e eu não estava feliz com isso.
O jeito que tinha começado a prestar atenção que ele estava se esforçando para que eu me alimentasse melhor, por exemplo, tinha sido fonte de surpresa durante algumas semanas seguidas. Não era o fato dele cozinhar, porque isto estava nas regras e dividir o apartamento com ele significava que muitas noites nem o via quando chegava em casa, ou se quer quando ele saía de manhã então nem via ele cozinhando. Mas eram as mensagens que eu me negava a responder, e os pequenos bilhetes que ele colocava em cada nova marmita que de repente apareciam na geladeira.
Outra coisa era a constante lembrança dele quando, desde algumas semanas também, eu chegava em casa e de repente um novo filme esperava ser iniciado no meu tocador de DVD. O tocador era mais velho que quase tudo naquele apartamento, uma das poucas coisas que eu tinha comprado com o meu dinheiro e sem pedir permissão a Lucas quando estávamos juntos.
Não sei o que Aquiles esperava que eu fizesse, se queria que eu assistisse e desse uma nota para os filmes e corresse atrás dele para contar. Mas eu vi aquele primeiro filme achando que era só coincidência. E então quase toda noite eu me encontrava no sofá vermelho, tremendo ao pegar o controle e apertar o play. Eu assistia, e guardava comentários dentro da minha cabeça, e esperava o próximo dia que ele fosse deixar um novo filme para eu ver.
Me surpreendia porque não sabia direito os seus motivos. Estávamos morando juntos, e o que eu sempre queria desde o início era ter exatamente aquilo que estava acontecendo: ele fora de casa na maioria das noites, eu fora de casa antes que ele se quer pensasse em acordar. Morar, mas não conviver.
Só que essas pequenas coisas me surpreendiam tanto quanto os poucos momentos que a gente convivia, porque nessas coisas ele se fazia presente, e continuava preenchendo meu silêncio.
Naquele sábado, no entanto, eu não cheguei em casa e vi a televisão ligada com um filme me esperando ou um recado no balcão em um Post-It rosa com uma cantada e a descrição do que tinha para eu comer. Eu cheguei em casa, com os saltos amassando meus dedos, cansada e frustrada por não conseguir tirar o dia de folga, e fui infelizmente presenteada com a visão de Aquiles, o que era uma supresa em si.
Ele estava em pé no meio de todo o apartamento, entre a cozinha e o sofá, e eu só conseguia revirar os meus olhos pra a sua presença, ainda ignorando os pensamentos de como o preto da calça e o claro da camiseta que ele usava combinavam, e como por ele estar usando aquilo a roupa ficava arrumada demais mesmo que fosse confortável.
Mexendo no celular, ele demorou alguns segundos para perceber que eu tinha entrado, só levantando o rosto e balançando a cabeça para tirar o cabelo loiro dos olhos quando eu bati a porta e comecei a tirar os sapatos.
Esperei que ele não fosse falar nada e só me acompanhasse com os olhos, do jeito que ele normalmente fazia quando finalmente nossos horários batiam. Porém, ele me seguiu com os olhos e acabou falando, a sua voz estranhamente mais grossa me surpreendeu de novo e trouxe a raiva que eu não deixava de alimentar de dentro do meu peito.
— Boa noite, sonho. Vai demorar muito pra se arrumar? — Perguntou, guardando o celular no bolso da calça. Suas mãos se juntaram em um bater de palmas, como se eu soubesse exatamente o que estava acontecendo.
Olhando para ele com meia sobrancelha levantada e a outra cerrada, escolhi não responder. Não queria saber o que ele estava querendo dizer com aquilo e talvez, esperava, fosse só uma pegadinha, algo que ele perguntara de propósito para me ver irritada.
Só que, então, quando eu não respondi e só virei para ir até a cozinha, Aquiles me chamou de novo com a voz mais séria que antes.
— Lívia... vai demorar ou não? — Questionou, levantando as mãos até a altura dos ombros, as palmas pra cima.
Pegando um copo do armário e me servindo de água do filtro da torneira, me encostei contra a pia e encarei ele, bebendo um longo gole de água. — Contando que eu já estou com meu pijama separado, alguns segundos.
— Pijama? Sério? — Dobrando os braços na sua frente, Aquiles me encarou com um sorriso no rosto, tão safado quanto o que ele mostra os seus caninos, e caminhou devagar até o calendário que eu tinha pendurado perto da geladeira. — Qual a última vez que tu olhou o calendário?
— Eu olho ele todos os dias, Aquiles. Fui eu que coloquei ele ali. — Respondi, revirando os olhos e soando o mais cínica possível. Estava estressada e precisava descansar para no outro dia colocar a minha semana em ordem, o que até aquele momento Aquiles talvez nem percebesse como era importante.
— E tu chegou a olhar hoje de manhã? — Perguntou, apoiando um ombro na parede ao lado do calendário.
Eu cerrei mais ainda minhas sobrancelhas, completamente confusa com todo aquele ar de desafio e diversão que estava começando a vir dele. Os olhos azuis de moleque acompanhando meu rosto, a boca carnuda com o sorriso quase obsceno.
Tentei achar dentro das lembranças daquele dia o momento que eu olhei, como sempre fazia, o calendário. Mas nada eu consegui lembrar depois de receber o telefonema do meu chefe pedindo para eu me apresentar no escritório.
Demorou para eu forçar minhas pernas a chegarem mais perto daquela parede do calendário e automaticamente mais perto de Aquiles. Fazer isso significava que eu admitia não ter olhado e que admitia estar errada em alguma coisa. Eu o fiz, apreensiva, e olhei a letra rápida e levemente itálica de Aquiles que cobria aquele sábado com as palavras "Chá de Fraldas" seguidas de vários pontos de exclamação e algumas bolinhas para decorar o quadrado sem graça.
Fechando vagarosamente os meus olhos, não acreditei no que estava acontecendo. Do meu lado, escutei um risinho sem força e logo após a voz dele conforme ele se afastava de mim.
— Eu espero no sofá. — Comentou, seguindo até o móvel e se atirando. Eu olhei pra ele enquanto ele agarrava uma almofada, o mesmo gesto que eu fazia quando tentava me prender a algo que lembrasse que eu ainda conseguia abraçar.
Piscando rápido, comecei a me mexer para agilizar aquela noite. Não era como se eu não quisesse participar daquilo, como eu já estava sendo basicamente forçada desde o início a fazer, mas tinha me esquecido de toda a situação desde quando tivera ajudado a pintar o apartamento com Apolo e Iara.
E estaria presenciando a vida deles de novo, com ressentimento da minha.
Passando as mãos no meu rosto, passei pelo corpo tranquilo de Aquiles no sofá e fui para o meu banho, me arrumando o melhor que pude. O outro estava vestido normalmente, então decidi colocar uma calça jeans e uma blusa branca um pouco mais arrumada, com mangas longas e de punho solto.
Eu peguei a bolsa e calcei uma bota preta que eu possuía há alguns anos, mas que só melhorou conforme usada. Eu me encarei no espelho de corpo inteiro no canto do meu quarto, sem certeza do porque minha respiração estava agitada e minhas mãos caminhavam demais por cima das minhas roupas.
Dissse que iria... mas naquele momento tudo o que eu desejava era ficar em casa e não fazer parte daquela comemoração.
Tapando meus olhos com a parte de trás das minhas mãos, cocei os olhos e suspirei. Meu rosto sem maquiagem estava ficando cada vez mais vermelho, eu sabia, mas eu tentei desembaçar o olhar e me acalmar.
Ia dar tudo certo, no final.
Rolando os ombros, ajustei minha postura e saí do meu quarto, bolsa na mão. O apartamento agora cheirava ao perfume de Aquiles e ele estava sentado de um modo diferente. Do outro lado do sofá, com o rosto virado para a entrada do meu quarto, estava com o cotovelo no encosto e sua mão caía para fora do sofá, como se estivesse alcançando para onde eu apareci.
Ele me examinou da cabeça aos pés, e por segundos pareceu confuso ao me olhar, então ele sorriu, e eu já esperei o comentário.
— Sabe aquela história que tu demoraria segundos pra vestir o teu pijama?
— Sei... — Respondi, sabendo exatamente o que ele ia falar.
— Acho que eu demoraria o mesmo pra tirar essa tua roupa... — Falou, mexendo a cabeça na minha direção e abrindo um sorriso, me assustando como parecia sincero, e ainda fazendo com que eu quisesse dar uma risada de tão charmosas e divertidas que ele tornava as suas cantadas.
Balançando a minha cabeça e tirando a visão dele da minha mente, segui até a porta sem olhar para trás. — Só... vamos acabar com isso.
Minhas mãos chamavam ele, apressando-o. Atrás de mim Aquiles deu uma risada e seguiu, fechando e chaveando a porta. — Se o "isso" que tu se refere é o chá de fraldas, tudo bem... assim a gente volta mais rápido pra casa.
Eu esperei ele fechar o apartamento, virada de costas. Sua voz continuava com o tom sedutor e eu escutava nela o seu sorriso de caninos à mostra, a diversão que ele sentia em me fazer irritada com todas aquelas investidas.
Quando percebi que ele tinha fechado tudo, continuei a caminhada e fomos até o nosso lobby sem conversar: ele girando no seu dedo indicador as chaves e eu me questionando como ele conseguia falar tudo aquilo com tanta naturalidade.
Não era como se não tivesse prática. Eu via as mensagens chegando no seu celular sempre quando estávamos conversando, fui alvo dele durante meses, mas aquele jeito brincalhão era uma pequena novidade.
Saindo do nosso prédio, Aquiles continuou com um sorriso leve no rosto, e levantando um dos seus braços, abriu a porta para que eu entrasse no seu carro, nunca tirando os olhos de mim.
Revirando os olhos para ele, dobrei os braços na frente do meu corpo. Tinha medo, mas mascarei isso com o rosto revolto até que ele percebesse que queria que ele deixasse eu entrar sozinha no carro. Sem perigo de ele colocar a mão no final da minha coluna, sem chance dele tocar no meu braço como forma de me ajudar a subir no carro que era alto.
Claro, ele não sabia disso, então continuou com aquele sorriso enquanto balançou a cabeça e saiu de perto de mim.
Eu encarei o assento do carro, aquele espaço pequeno entre o carona e o motorista, o brilho do couro preto e senti o cheiro de menta que vinha enquanto suspirava, agora agarrando o meu próprio corpo e sentindo as minhas costelas abrirem e voltarem ao normal conforme minha respiração aumentava. Não pensei tanto sobre a questão, e dei o primeiro passo para entrar no veículo assim que vi que Aquiles já estava começando a ligar o motor.
Escutando o coração bater nos meus próprios ouvidos, não consegui relaxar.
O sorriso do outro já tinha se ido, e agora ele começava a dirigir com uma tranquilidade que eu desejava sentir.
— MPB, rock e alternativo né? — Ele perguntou, fazendo o mesmo retorno que Apolo tinha feito algumas semanas atrás.
Como o irmão, estava focado na direção, mas a cada volta que Aquiles dava e todo o momento que sua mão alcançava o câmbio para trocar de marcha, a pele da minha perna se arrepiava com a ideia de que ele fosse tentar tocar meu joelho.
— Sim. — Respondi, a voz trêmula. Não queria que o clima tivesse mudado tão rápido, ou que eu fosse a causa dessa mudança, mas meu peito comandava o que eu sentia e a queima que estava acontecendo dentro dele fazia uma agonia crescente se espalhar por todo meu corpo. Não tinha sido assim com Apolo.
Eu fechei os olhos, tentando me acalmar. Minhas mãos abraçaram mais ainda a bolsa que estava no meu colo e através de todo o meu corpo uma frustração laçou meus músculos, até que uma música começou a tocar, e ao abrir os olhos e encarar o perfil de Aquiles, vi ele desviando o olhar da rua para mim rapidamente, seus lábios se mexendo e cantando baixinho conforme o vocalista começou.
Conhecia a música, os altos cantados com perfeição, o baixo que era a atração principal e o solo de guitarra tão perfeito, as letras que significavam mais pra mim do que ele podia imaginar. Naquele momento, eu que encarava Aquiles, esquecendo de repente o peso dos meus ombros e notando como quem fugia naquele momento era ele. Pelo modo como ele seguia cantando e evitando voltar a me olhar, eu também não imaginava o quanto aquelas letras tão solitárias significavam para ele.
Divergindo meu olhar de volta pra rua no momento em que aqueles minutos sonoros terminaram, esperei a próxima começar do mesmo jeito que esperava um dia encontrar alguma solução para tudo o que eu sentia. Era como se aquela viagem no carro nunca fosse terminar, uma música nova sempre fosse começar, e mesmo que eu não me mexesse, o tempo continuaria e eu estaria no mesmo lugar.
E quando Aquiles estacionou no prédio antigo dele, foi o motor do carro desligar que ele fez exatamente o que eu não conseguia: ele mudou. Demorou alguns segundos, mas eu percebi que aquela fragilidade repentina de simplesmente aproveitar músicas do meu lado tinha saído do seu corpo e ele logo voltou para aquele cara que me irritava quase todos os dias, insistente e desconhecedor de limites.
Voltando a olhar pra mim com aquele leve brilho avermelhado nos olhos e o sorriso mais forçado que o normal, Aquiles mexeu a cabeça, me chamando para o elevador. Mantendo alguns passos de distância entre nós dois, a ficha de que eu estaria indo em uma festa de família com ele caiu.
Não qualquer festa, e sim a comemoração de uma nova vida que ia entrar na família dele, o sobrinho ou sobrinha dele... e eu estava como acompanhante, algo que nunca se quer tinha acontecido quando eu estava com Lucas.
Entrando no elevador, fiquei no canto oposto da onde Aquiles estava, e sem pensar acabei pegando meu celular, olhando nos contatos e nas mensagens para ver se algo novo tinha acontecido e não estava falando sozinha, implorando que o meu ex voltasse. Me sentia ridícula, e realmente era, esperando ele responder algo e voltar pra mim.
Ridícula em não admitir que tinha sido assim o nosso relacionamento inteiro. Ridícula em cultivar ainda para todos os outros que queriam saber, como Aquiles e a própria família que eu estava prestes a conhecer, que eu ainda tinha Lucas.
Saindo do elevador e seguindo Aquiles, vi ele ir até a porta do apartamento antigo dele e sem que batesse na porta ou anunciasse nossa chegada, foi logo abrindo a maçaneta e entrando. Compreendia que ele era dono do lugar, mas me parecia que aquele ato de deixar a porta aberta e me deixar para trás, do nada, significava algo a mais. Algo a mais que eu não encontrei a paciência naquele momento para tentar entender.
O barulho de pessoas conversando e rindo viajou pelo corredor até meus ouvidos, fazendo meus passos diminuírem e eu voltar a me sentir apreensiva com tudo aquilo. A quantidade de pessoas querendo se apresentar, mãos estendidas, ombros batendo uns nos outros procurando por espaço.
Antes de entrar, me imaginei dentro de uma caixa preta, sem saída, sufocada e agoniada e tentando respirar o ar que cada vez ficava mais fino. A cada toque que eu se quer fosse receber essa era a minha reação... e ele tinha simplesmente me deixado ali.
Apoiando minhas costas na parede do corredor, coloquei uma mão no peito e, de coração acelerado, não encontrei dentro de mim a coragem para entrar no apartamento. Pelos toques, pela vida que eu não tinha e nunca ia ter, por tudo o que estar ali trazia.
A dualidade que Aquiles tinha trazido para a minha rotina sendo demais para aguentar.
Respirei fundo, olhando de volta para o elevador e tentando encontrar a energia suficiente para minhas pernas fazerem o trajeto de volta, estiquei uma das minhas mãos na parede gelada quando a voz de Iara veio de alguns passos longe.
— As pessoas não vão te tocar. — Disse, me tirando do meu transe.
Com a respiração acelerada, queria mais que tudo esconder aquele meu pavor, mas não consegui e não encontrei motivos para esconder dela.
Apoiada no batente e de braços cruzados, a mulher de pele dourada me fitou com olhos profundos demais, de um jeito que sabia exatamente pelo que eu estava passando. Ela acenou para mim, como se estivesse concordando com meu pensamento, também, e continuou ali somente para me olhar.
Iara, de longe, colocou a mão no próprio peito. O tom da sua pele morena contra o rosa claro da sua blusa formava um contraste que era visualmente, para mim, fonte de tranquilidade. E eu segui aquela respiração calma dela até que conseguisse sair da parede, encontrando força onde eu não tinha.
Quando eu me mexi, ela olhou para dentro da casa, e me chamou com a cabeça antes de entrar para o espaço de novo.
Eu consegui seguir desta vez, e fui até a porta com a força que encontrei, sendo distraída de toda aquela ansiedade no momento em que percebi toda a decoração e o resultado final de toda a arrumação no apartamento.
Logo na entrada eles tinham posicionado um móvel para usar de apoio para chaves e colocar os tênis sujos. Era branco e simples, e tinha um espelho quadrado pendurado logo em cima. Mas o espelho não estava sozinho naquele dia, pois um tipo de guirlanda feita com folhas de louro decorava meu reflexo. Era mais fina e sem muito preenchimento, mas estava pendurada logo na frente do espelho, e no seu meio a frase "é uma menina" em letra cursiva numa placa de metal.
Sobre o móvel branco, caixinhas de papel verde pastel acinzentado cobriam todo o espaço, fechadas com pequenas fitinhas pretas.
O resto do apartamento tinha detalhes como luzes de natal, balões do tom de verde e outros na cor branca com bolinhas pretas. A mesa de jantar estava coberta de pequenos doces e enfeites de plantas. Era algo simples, até mesmo minimalista, e o que eu não esperava combinar tanto com um chá de fraldas.
Porém, o que combinava bastante era a quantidade de pessoas na volta de Apolo e quem eu automaticamente tinha certeza que era Aimée.
O casal por nenhum segundo soltou a mão um do outro, mesmo que estivessem conversando animadamente com pessoas diferentes. Uma dor se fez no meu peito ao ver o modo como Aimée acariciava sua barriga proeminente por baixo do seu vestido soltinho e preto. Seus olhos puxados e os cabelos castanhos compridos estavam simples, como se ela tivesse acabado de sair do banho, e pelo menos aquilo fez eu mais calma por não ter me arrumado.
Não tinha conhecido ela até aquele momento, mas tinha visto de relance fotos que Apolo estava arrumando para expor naquele apartamento, fotos que estavam no móvel da TV e em cima da mesa do chá de bebê.
Eu fiquei parada naquele lugar, olhando pros dois, vendo Iara conversar com outras pessoas, e presenciando a idiotice de Aquiles fingindo que não estava roubando os doces da mesa principal.
Minha cabeça movia-se em um não para aquilo, mas não consegui parar as minhas pernas de irem na sua direção.
— Muito obrigada por me deixar sozinha. — Falei em um sibilo, segurando a alça da minha bolsa no ombro com mais força.
— Quê? — Aquiles perguntou, uma confusão passando pelo seu rosto enquanto ele voava com os olhos por mim, a entrada e os outros convidados.
— Ai, Aquiles, não te faz. — Repreendi ele, balançando a cabeça e prendendo meu cabelo em um rabo de cavalo, querendo expulsar um pouco do calor que estava começando a sentir.
— Mas eu...Eu só não —
— Aham, ok. — Interrompi sua fala. — Da próxima vez que for fingir que me quer por perto, pelo menos tenta mostrar.
Não entendia aquela nova raiva, mas estava querendo além do que conhecia esfregar o quanto estava sentida por estar ali. Virando logo após minha fala, procurei Iara naquele meio de pessoas e encontrei ela perto do sofá. Ela conversava com uma outra mulher que parou de falar assim que eu cheguei perto. Automaticamente pensei que tinha parado por minha causa, mas Iara balançou a mão na direção da outra, como se estivesse dando um tchau momentâneo.
— Tu conheceu minha melhor amiga? — Perguntou, olhando para Aimée, que ainda tinha a mão grudada na de Apolo, enquanto os dois falavam agora com a mesma pessoa.
— De vista, sim.
Ela acenou com a cabeça. — Ele começou a agir de forma estranha?
— Sim...— Respondi.
Me assustei em ter ela me perguntando e eu já saber que se tratava de Aquiles, mas mais do que tudo, fiquei sem saber o que falar sem voltar ao modo como ela tinha dito que as pessoas não iam me tocar.
— Como que tu sabe? Sobre o que tu disse lá na porta, não sobre o palhaço do Aquiles... — Perguntei, revirando os olhos e sentindo as palavras como vinagre na minha boca.
O meu questionamento não pareceu uma novidade para Iara, e ela levantou os ombros enquanto o seu rosto permaneceu sem expressões. — Sabendo. É meu trabalho notar as coisas e me inspirar na vida das pessoas.
— Ah, — Foi a minha resposta, — entendi.
Acenando com a cabeça, encarei seus olhos me examinando.
Tinha formado uma amizade com o meu colega Matheus, mas aquela amizade parecia estar longe do que eu poderia ter com todos que invadiram até aquele momento a minha vida depois de Aquiles se mudar. Amizades, no final, significavam perguntas e conhecer um o outro, e eu com certeza não estava pronta para aquele tipo de profundidade.
Virando nos meus calcanhares e dando a volta no sofá, fui até a cozinha me esconder um pouco para pensar e esclarecer o que eu realmente estava fazendo da minha vida.
Me apoiando contra a pia, tranquei minhas mãos envolta do meu corpo. Não estava ali por muito tempo e já estava me sentindo tonta com toda a conversa e as risadas, a felicidade de todo mundo por estar fazendo parte de uma festa que literalmente comemorava uma nova vida.
Examinando todos as caixas de doces para reposição que cobriam boa parte do lugar e, ignorando algumas pessoas que vinham até ali só para utilizar aquelas mesmas caixas, percebi que as bebidas alcóolicas ainda fechadas em um espaço grande do chão, e a minha garganta apertou.
— Ei, tu tá aí! Pensei que Aquiles fosse te apresentar pra mim, mas também é querer demais dele. — A voz feminina veio até meus ouvidos e eu tirei os olhos das champanhes e dos vinhos no chão.
Olhando para a porta da cozinha vi Apolo abraçado por trás em Aimée, as mãos do homem espalhadas na barriga da sua mulher enquanto ela acariciava seus braços e não parava de demonstrar o afeto que sentia por ele. Meu coração apertou mais um tanto e meu cérebro escolheu notar, além de tudo, como todos esperavam pouco de Aquiles e como eu só era mais uma que estava fazendo a mesma coisa.
Limpando a garganta mas não soltando o meu próprio corpo, me retirei da pia e olhei o casal, forçando um sorriso de lado para os dois.
— Oi, oi. — Disse, rápido.
Os dois sorriram como resposta, intoxicados pelo próprio amor que talvez nem percebessem o quanto eu estava invejando toda aquela situação e como isso só adicionava ao fato de eu ser ridícula. Não era como se eu quisesse que eles sofressem, só que... Eles eram lembrança.
— O Apolo disse que tu ajudou a organizar o apartamento e eu só queria dizer que eu agradeço muito por tu ter ajudado. Também, nem sei o que que ele ia fazer com o lugar...
— Ele não é formado nessas coisas? — Falei, juntando minhas sobrancelhas, de repente de mau humor e impressionada em como ela nem se quer se afetou com o tom da minha voz.
— Ser arquiteto não significa que ele realmente sabe sobre decoração. — Ela respondeu, rindo da própria esperteza e olhando para cima para o seu marido que também usava um sorriso no rosto.
Eu balancei minha cabeça, tentando trazer um sorriso de verdade para o rosto. — Bem, foi um prazer... — Falei sem forças, cansada de ter aquela raiva me corroendo na frente deles.
Sem notar, ainda, os dois continuaram conversando mais entre si do que me deixando fazer parte da conversa. Implicando com coisas um do outro, pareciam estar logo no início de um relacionamento que está fadado para dar certo. Isso era outra coisa que eu reconhecia neles e que eu não tive.
Eu ria algumas horas, das piadas deles e quando um dos dois realmente interagia comigo para afirmar que "eu podia não acreditar", mas Apolo tinha feito algo, e Aimée tinha feito outra coisa.
Quando eles estavam começando a conversar demais comigo e começando de novo a ativar minha ansiedade, uma pessoa chegou que fez todos os outros pararem de conversar no espaço da sala. Os dois da minha frente me chamaram com as mãos e foram até a sala, me deixando alguns passos para trás e permitindo que eu escolhesse ficar encolhida e apoiada no batente da porta da cozinha.
Olhei para a cena como se tudo estivesse em câmera lenta. O homem de cabelos loiros compridos e presos em um coque bagunçado, de altura grande demais e que era puro músculos, entrando no apartamento com um sorriso de lado para todos e especialmente para o casal.
Andava como se estivesse acostumado com aquela atenção e que não se importava com o que todos estavam comentando em cochichos ao seu redor. Ele abraçou Aimée, colocando a mão carinhosamente na sua barriga. Ao virar para Apolo, apertando sua mão antes de puxar o outro para um abraço, o gigante deu um gargalhada.
Estavam conversando e todos os outros começaram a voltar de novo para suas próprias falas, mas nunca parando completamente de comentar sobre o novo inquilino.
Examinei todos os toques deles, excluída pela falta de capacidade que eu tinha de conviver sem afastar todo mundo. Eu sabia que afastava, era algo maior que eu, mas não estava pronta, então acabei só olhando o que eu não podia ter.
Notando o jeito que eles eram... leves. Leves como Aquiles e como todos os outros que não dividiam as mesmas memórias que eu, como os que tinham mas superaram as coisas da vida melhor que eu.
Notei como os copos cheios de bebidas, e só alguns com sucos, começaram a aparecer mais e a minha garganta voltou a fechar. Eu estava completando dois anos sem beber uma gota de álcool, dois anos desde aquela semana que foi a mudança necessária para eu ficar assim, sem saber o que fazer. Dois anos em que eu decidi trabalhar em dois lugares, pagar a minha faculdade e me distanciar dos poucos que eu convivia para só conviver com Lucas.
Eu podia estar ali, naquele chá de fraldas, e mesmo assim me perder nas lembranças que eu tinha, mas então eu ignorei minha mente e voltei a olhar pra todos os outros e para o meu colega de apartamento, principalmente.
Como que aquela cena tinha se feito eu não sabia, mas Aquiles agora estava com o nariz vermelho, pendurado no homem gigante que tinha entrado alguns minutos antes. De repente eu acabei sorrindo de leve, olhando a forma como ele tinha se grudado com os braços em volta do pescoço e uma das suas pernas prendia-se por trás do corpo do outro. Conseguia me ver indo até lá, rindo das suas maneiras e me apresentando para o novo gigante que parecia alegrar a todos, principalmente aquele homem que mais parecia uma criança de tão feliz.
Eu visualizei tudo aquilo, e acabei caminhando, supresa pela intoxicação de calma que ver aquele Aquiles tão verdadeiro causava.
— Não sabia que tu era uma preguiça além de galinha. — Cheguei falando, fazendo o outro homem rir e virar o rosto pra mim.
— Tu veio me socorrer? — Ele perguntou, sorrindo e não fazendo nenhum movimento pra tirar o outro que continuava com o corpo pendurado.
— Sonho, — Aquiles começou, agora me olhando e colocando a bochecha contra o peito do brutamontes. — esse aqui é o Zeus. Meu melhor amigo.
Ele sorriu como se toda aquela situação não fosse bizarra suficiente. — Vocês realmente tem uma sociedade grega secreta, não pode ser.
— Por aí. — Aquiles respondeu e Zeus revirou os olhos.
— Tá, cara, já deu pra matar a saudade. — Falou Zeus, tirando as mãos de Aquiles da volta do seu pescoço sem nem um esforço.
Vindo do canto mais bem guardado do meu peito, uma risada airada veio até mim, e Aquiles ajudou com toda a função de Zeus em desprender ele do seu corpo, pois com minha risada ele logo se largou e ficou me encarando como fazia, abrindo um sorriso próprio.
Eu fechei a cara automaticamente, porém ele continuou ali, fazendo eu ficar um pouco mais cansada para todas as coisas dele, mas não querer sair.
Ainda sorrindo, Aquiles virou pra Zeus, terminando de nos apresentar. — Zeus... Essa aqui é a Lívia. A gente mora junto agora.
— Moram juntos? — Zeus perguntou, logo depois de acenar com a cabeça na minha direção e fechar seu rosto. Ele tinha traços fortes e eu não pude deixar de perceber como ele mudava seu rosto conforme o assunto do mesmo jeito que Iara.
— Uhum, basicamente como um casal. — Aquiles disse, fazendo eu revirar os olhos.
— O mais longe possível de ser um casal. Eu odeio esse guri, e estou usando ele só pra pagar as contas. — Falei, minha palma aberta tapando o rosto de Aquiles da minha visão, a voz irritadiça.
Quando eu falei isso, Aquiles não pode retrucar porque foi chamado pelo irmão, o que deixou eu e Zeus sozinhos, olhando pra cara um do outro. Eu notando de novo que seu rosto mantinha um certo entendimento do que eu tinha dito e ele provavelmente percebendo que eu não gostava de falar sobre minhas contas.
Não era como se fosse um segredo que eu precisasse guardar à sete chaves. Tinha escrito para Aquiles todos os meus gastos e estava desenvolvendo uma tabela para que nós dois colocássemos os gastos do dia a dia que não estavam certos no mês. Mas especificar que não sobrava nenhum dinheiro no final do mês que não fosse gasto com comida, faculdade, transporte e contas da casa não era exatamente um assunto para um chá de fraldas.
— Ele tá morando contigo há quanto tempo? — Perguntou, colocando a mão nos bolsos.
— Não sei. — Respondi, e realmente não sabia a data exata, mas estávamos passando do nosso segundo mês dividindo o apartamento, o que parecia ter sido um ano para mim com toda a energia que estava gastando naquelas últimas semanas.
Zeus então acenou com a cabeça e se perdeu, olhando para algo atrás de mim. Seguindo a direção que seus olhos olhavam tão fixamente, vi Iara mexendo na mesa de doces. Voltando para ele, limpei a garganta.
— Acho que daqui a pouco as brincadeiras vão começar... sabe me dizer onde que fica o banheiro?
A minha pergunta era só para que ele não se sentisse mal em me deixar sozinha, se é que alguém poderia sentir isso. Ele estendeu o braço na direção da onde eu já sabia estar o banheiro e eu segui, agradecendo com um balançar da minha cabeça.
Eu caminhei até o banheiro que ficava entre as portas dos quartos, mas não entrei. Me encostando de novo em uma parede, vi o brutamontes seguir até Iara, pegando a sua mão de um jeito tão delicado que parecia nem tocar na ponta dos seus dedos e não demorou muito para perceber que eles eram mais um casal no meio de todos os outros ali.
Já tinha notado quem eram as poucas solteiras amigas de Aimée porque Aquiles ficava entre roubar os doces, encher a cara e largar cantadas para todas que quisessem escutar ele.
Coçando meu rosto, esperei alguns minutos naquele escuro improvisado que minhas mãos tapando meus olhos forneciam, e só saí dali quando Aimée anunciou que as brincadeiras iam começar.
Chegou um ponto na noite, com todas as risadas e a festa em função da gravidez que eu acabei me acalmando e tive razão ao não sentir tanto medo, pois a atenção voltou para Aimée, e de alguma forma conhecer todo o grupo deles, com toda a confusão de amigos e alguns familiares (como os pais de Aimée), faziam com que o clima não pesasse em mim e o foco não viesse para a estranha ignorada e escorada no canto.
Estávamos naquele momento voltando para casa, em um carro daqueles de aplicativo, por insistência minha. Aquiles tinha bebido cada vez mais, e mesmo que aquela sua personalidade intoxicada me fizesse lembrar, fazia com que eu tivesse mais razão ainda, porque foi o motivo de nós termos sido os primeiros a saírem de lá.
— Foi divertido hoje. — Ele falou pela terceira vez no carro, ainda no caminho do apartamento.
Como das outras duas vezes, eu simplesmente acenei sem saber o que realmente responder a ele.
Ele tinha se soltado e tinha me apresentado da mesma forma que tinha feito com Zeus para todos os que quisessem saber e também para os que não estavam interessados. Sabia que gostava de me colocar na posição envergonhada e de raiva que ficava todas as vezes que ele falava que éramos um casal, mas eu deixei.
— A gente já tá chegando? — perguntou.
Seu corpo estava molengo e um tanto caído no banco de trás. Eu sentei com ele, com mais medo do motorista tentar puxar assunto e tocar no meu joelho do que medo de Aquiles tentar alguma coisa. Pelo menos com Aquiles eu poderia sair inocentada se acabasse quebrando os seus dedos.
— Sim, Aquiles. Estamos bem pertinho, é logo ali. — Falei em uma voz mais quieta e sem vontade de conversar.
Quando o motorista estacionou na frente do nosso prédio, eu agradeci e saí pelo meu lado, tomando cuidado caso estivesse vindo outro carro. Aquiles agradeceu de novo o motorista por ter nos levado até em casa e começou a conversar com o homem de uma forma que em alguns segundos, antes de sair pela porta, já sabia que o homem tinha uma filha.
Eu ignorei aquela situação com um revirar de olhos e comecei a entrar no nosso prédio, escutando Aquiles cantarolar alguma coisa atrás de mim com alguns passos de distância que me mantinham a salvo, e com alguns risinhos esporádicos, ele continuou assim naquele meio silêncio até chegarmos no apartamento e eu abrir a nossa porta.
— Eu realmente me diverti hoje... — Repetiu.
— Eu já entendi isso, Aquiles. — Falei, já perdendo a paciência. — E eu sei que tu bebeu e que foi divertido e tudo isso... e deu. Vamos dormir.
Conforme eu fui falando, acabei largando a minha bolsa no chão da entrada, tirando os sapatos dos pés e indo até o sofá, contradizendo o que eu mesma tinha dito. Não fui até meu quarto para dormir e não identifiquei direito o que me fez sentar na sala, vendo meu reflexo na televisão desligada.
Atrás de mim, enxerguei Aquiles parado e apoiado no balcão da cozinha, sua cabeça indo de um lado para o outro e usando um sorriso pequeno e cansado no rosto. — Eu gostei de hoje...
Sua voz saiu mais baixa que o normal, e eu automaticamente sabia que tinha estourado além do que devia. Fiquei esperando por alguns segundos que ele me xingasse por ser tão difícil de lidar, do jeito que eu estava acostumada, mas ele seguiu parado no balcão.
Me virando e me encaixando na ponta do sofá, peguei uma almofada e abracei ela contra o meu corpo. Olhando pra ele, respirei fundo e segui vendo ele sair do balcão e sentar no chão.
— Eu vou ser tio, Lívia. To muito feliz. — Falou assim que suas costas tocaram o sofá, abrindo um sorriso que eu conseguia ver a felicidade através do branco perfeito dos seus dentes. Com aquilo, acabei abrindo um pequeno sorriso também.
— Eles já sabem qual vai ser o nome?— Perguntei.
— Eles sabem os nomes, mas querem que seja supresa... e eu to achando que eles vão dar um nome normal pra criança, o que vai fazer minha mãe enlouquecer! — Falou, rindo e provavelmente imaginando o que seria a loucura da mãe dele.
— Acho que tu e os outros dois são o suficiente... — Comentei, revirando os olhos pra disfarçar como aquele jeito dele estava me afetando.
— O nome do Zeus não é Zeus mesmo, mas ele não sabe que eu sei. — Falou, mexendo a mão na minha direção como se aquilo não tivesse importância.
Aproveitando aquele estado que ele estava, acabei deixando a curiosidade fugir do meu controle por alguns segundos. — E é só isso que ele não sabe?
A pergunta era para ser mais do que parecia, era para ver se ele escondia coisas da sua família e de mim, coisas que iam além dos nossos conhecimentos. Pra saber se ele sentia vontade de beber do mesmo que um dia eu senti, se ele me contava o porquê dele colocar os filmes pra eu ver e insistir tanto que eu comesse, insistir tanto em mim pra depois ficar me deixando confusa quando não aparecia.
— Nah, sempre tem mais, e a pessoa que eu mais sou sincero hoje em dia é contigo.
— Por favor... Eu duvido. — Falei, deixando o ar sair pelo nariz em descrença.
— Sério! — Ele falou, virando o corpo pra mim e eu continuei não acreditando, era difícil demais. — Por que tu tá fazendo isso?
Sua pergunta fez o nível de tensão aumentar do nada, e os seus olhos nas minhas mãos me deixaram nervosa.
— Não é por querer. — Disse, parando de trançar as franjas que tinham na almofada e que eu nem tinha percebido estar fazendo. Sob os olhos dele, não soube o que falar, ou se eu devia admitir que ele estava me deixando nervosa além do normal.
— Lívia, obrigado por ter ido hoje. — Começou, trocando novamente de assunto e usando de novo um pequeno sorriso no rosto. — Pensei que tu não ia. A gente nem se falou essa semana e por tu não ter visto no calendário... vi que tu não tava muito preparada.
Fechando os olhos, respirei fundo e senti a mescla do seu perfume e da bebida que vinha do seu hálito. Ele ainda mantinha a pior das dualidades para mim. — Foi erro meu, não vi o calendário.
Me doeu admitir o erro, mas senti que valeu a pena quando ele continuou quebrando o que eu era acostumada, sem me xingar e reafirmar que o erro tinha sido meu.
— No final valeu a pena.
Com um sorriso inteiro e direto pra mim, ele continuou sentado e apoiado com o ombro no sofá, até que o sorriso correu do seu rosto e ele olhou para o nada. Sua cabeça virou pro lado, me dando a perfeita vista de todas as retas que ele tinha na sua estrutura facial: a mandíbula marcada, o nariz reto, os lábios rosados e luxuosos e também o que sobrara de um chupão no seu pescoço, antes de ele levantar rápido e ir para a cozinha.
— To com fome. — Falou rápido, parecendo uma criança feliz que só vai ficar mais alegre ainda quando estiver alimentada.
Eu virei o rosto para longe dele, apenas escutando ele pegando um prato e colocando a comida de escolha para esquentar no microondas. Aquiles seguiu cantarolando uma música inventada, sobre fome e a comida, e com assobios certeiros ele continuou fazendo com que eu sorrisse sem que soubesse estar fazendo isso.
Escondi o tal sorriso assim que ele voltou, um pano embaixo do prato pra que ele não queimasse a mão, um garfo já indo direto até sua boca.
E eu tomei aquela oportunidade de novo. — Como que tu consegue ser tão... fofo, enquanto bêbado?
De boca cheia, ele riu e respondeu ainda mastigando, provando que conseguia ser fofo quando estava daquele jeito, algo que eu não conseguira. — Ainda acho que sou mais sexy.
Levantando uma das suas sobrancelhas, ele me olhou como se estivesse querendo me seduzir e eu deixei escapar outro sorriso, pois era completamente falho ele tentar me seduzir daquele jeito, principalmente porque era brincalhão demais e suas palavras estavam sendo dito como uma brincadeira.
— Eu acho que vou agradecer por tu não lembrar de nada amanhã. — Falei, ainda sorrindo pra ele, sentindo minhas bochechas doendo.
Me olhando, e engolindo a comida que restava, Aquiles juntou o cenho. — Eu queria lembrar... Tu vai lembrar de tudo o que eu falar?
Fechando o sorriso mas mantendo os lábios elevados, olhei pra ele. — Vou, sim. — Respondi, ignorando os pensamentos que vieram logo depois, dizendo que eu só ia porque não estava bebendo e que seria uma ótima ideia talvez esquecer de tudo o que eu tinha passado aquela noite, do medo até aquele sorriso que praticamente era uma traição a Lucas.
Aquiles limpou sua boca com a língua, e então o meu sorriso caiu. — Então posso dizer que tu é linda? Sem tu te irritar?
— Aquiles, isso é a bebida falando. — Disse, puxando mais minhas pernas, querendo me afastar dele, me afastar daquela conversa.
— Não é. Eu já tinha pensado antes, porque tu é linda mesmo. Sem brincadeira.
Pra me confundir um pouco mais, ele riu depois de falar aquilo e eu não sabia para onde olhar, ou se devia fugir daquele momento. Ele estava sendo sincero? Me questionei, e mesmo sem resposta decidi manter a mesma política da verdade.
— Eu odeio que tu fica charmoso enquanto bêbado, e eu só conseguiria me afundar mais. — Falei, esperando que ele não se lembrasse e pensando que falar com ele sobre aquilo era o mesmo que conversar com a parede.
Me levantando do sofá, fui logo para longe e na direção do meu quarto. De alguma forma ele estava entendendo, mas não compreendia, e eu não sabia se queria continuar ali falando coisas que talvez nem tivesse começado a pensar que podia.
Porque sem que ele compreendesse o que ele se tornar tão amável fazia com a minha sobriedade, como que eu queria acompanhar ele enquanto bebêssemos, a conversa não ia adiantar em nada se não para me lembrar do meu problema.
Ele não sabia, e talvez Iara estivesse certa ao falar que ele era o mais egoísta de todos, porque eu tinha certeza que mesmo que eu contasse tudo o que tinha acontecido comigo, enquanto ele estivesse sóbrio, minha regra ia ser sempre quebrada e a vontade dele sempre ia ser mais importante do que meu bem estar.
— Lívia, posso só —
— Boa noite, Aquiles. — Eu falei, interrompendo ele de vez. Dando boa noite e chamando-o pelo seu nome, do mesmo jeito que eu fazia quando dava boa noite para Lucas, mas me sentindo diferente. Porque naquele momento, tudo o que eu pensaria era sobre o meu atual colega de apartamento e como eu não sabia como organizar o que tinha acontecido na minha mente.
n o t a d a a u t o r a:
Depois de algumas vezes prometendo o capítulo, eu finalmente estou atualizando!
p e r g u n t a d o d i a: qual a parte que vocês mais gostam da interação deles? se é que vocês têm ahahahh
Não esqueçam de votar, comentar e compartilhar!
E MUITO OBRIGADA POR 40K DE LEITURAS EM "BOM DIA, APOLO"!
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